Eu não gostaria de, como advogado que sou, pronunciar-me sobre as reivindicações dos magistrados. Mas, como cidadão, não posso sofismar que há um debate em aberto sobre poderem ou deverem os magistrados fazer greve. Haverá nisso uma questão jurídica, a de saber se a Constituição e a lei, quando admitem o direito à greve o não farão apenas como defesa dos empregados por conta de outrém. A mim interessa-me mais esta vertente política do problema: durante anos os activistas do Ministério Público primeiro e da judicatura depois, ou porque oriundos da esquerda, ou porque a ela interesseiramente rendidos, propagaram uma ideologia de proletarização dos magistrados, fazendo-os sentir-se como se operários do Direito fossem, um contra-poder, ao serviço do povo, contra os seus exploradores. Construiu-se assim o sindicalismo judiciário, à conta de repugnância de considerar a magistratura um corpo separado, da vergonha de considerar os magistrados uma classe de senhores. Eis agora o efeito, a greve como mimetismo cultural, em momento de reivindicação. Claro que há nisso que a greve exprime, uma degradação estatutária que beneficia, no poder político, os que ganham com o apoucamento das magistraturas. E claro que há nisto tudo uma notável contradição: é que, como dizem os mesmos que conduziram a este encurralamento da profissão, a justiça hoje é uma justiça de classe, privilegiando o rico em detrimento do pobre. Bonito serviço, não é? Recordo o Lénine, quando dizia que a burguesia é que inventa a corda na qual se acaba por enforcar. É assim quando os filhos de família se armam em operários: ai dos ingénuos úteis que acreditam!