Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




PGR: as respostas integrais

O jornal «Público», na sua edição de ontem, teve e gentileza de publicar algumas respostas que me pediu a perguntas que me formulou sobre o mandato do actual PGR. Na sua edição on line edita o texto integral das respostas, pois que no texto da edição impressa apenas algumas são referidas. Não é que eu leve a minha auto-estima ao ponto de julgar que tenho algo de importante a dizer, mas apenas porque numa matéria melindrosa o citado parcialmente pode gerar equívocos, eis aqui também o texto das respostas integrais sobre aquela matéria.

P. Como acolheu a nomeação de José de Souto Moura para suceder a José Narciso da Cunha Rodrigues?

JAB. Com prudente optimismo. Um poder político habilidoso sabe o que acontece quando um modesto sucede a um ambicioso. Cunha Rodrigues deixara o MP num beco sem saída. Tinha uma concepção vanguardista da Procuradoria, servia-o uma guarda pretoriana eficaz. Preconizando a legalidade, soube gerir a oportunidade. Quando o vi, político, no jornal «O Independente», candidato a PR, temi pelos anónimos procuradores nas suas comarcas.

P. Que balanço faz da acção de Souto Moura?

JAB. Avesso ao mando, agiu como regente de um interregno, o intervalo para uma nova dinastia. Reconhece-se-lhe honradez pessoal, espírito de missão, mas logo o souberam inadaptado ao jogo forte e tanta vez velhaco que se joga hoje na roleta do poder. Nesse momento assinalaram-lhe a morte a prazo.

P. O que mais lhe agradou no seu mandato?

JAB. Não o ter visto ao serviço de um interesse próprio ou de uma classe. Tentou servir o melhor que podia e se permitia. Com ele não houve levas de processos a prescrever. Suporta com estoicismo a agonia do cargo, em nome de um princípio, o da dignidade da magistratura a que pertence.

P. E o que lhe desagradou mais?

JAB. Ter criado uma imagem de anemia, que gerou a desprotecção de todos os que na Justiça trabalham. Muitas vezes o país viu no seu ar desamparado uma Justiça à mercê do colapso. Muitos, por corporativismo ou sindicalismo, apostaram irreflectidamente na sua clausura. Onde falha o poder, generaliza-se o poder.

P. O processo da Casa Pia marcou o consulado do PGR. Podia Souto Moura ter agido de maneira diversa?

JAB. Sou Advogado no processo. Digo uma só coisa: o PGR não tem de ter nada a ver com nenhum processo em concreto, seja ele qual for. Cunha Rodrigues dizia que com ele era assim. Souto Moura devia ter aprendido esta arte de dizer.

P. A demissão do PGR chegou a ser preconizada em algumas conjunturas mais críticas. Teria sido a solução mais adequada?

JAB. Demitir o PGR, como se chegou a preparar por mais de uma vez, seria um golpe de Estado, um ajuste de contas de certos políticos com magistrados. Felizmente o primeiro-ministro, que é uma pessoa inteligente e hábil, terá percebido que a política de crispação ofensiva com as magistraturas gera nada. Os magistrados não temem o poder político, a inversa é que pode suceder.

P. Envelope Nove: Este caso não está há tempo em demasia à espera de conclusão?

JAB. Não sei o que se passa. Mesmo que soubesse, não comentava.

P. Que perfil deve ter o próximo PGR?

JAB. O PGR é o vértice do MP, não é a bissectriz do sistema judicial. Por isso, não convivo facilmente com a ideia de que seja um juiz de carreira. Por outro lado, a PGR não pode estar sob a suspeita de estar ao serviço de um interesse, pessoal ou de grupo. Por isso, rejeito a ideia de um advogado. Poupemos a Advocacia honrada a esta provação. No mais, alguém que recentre o Ministério Público como uma magistratura, anule a diferença entre a PGR e o MP. Para marcar a diferença de estilo, escolha-se uma personalidade tónica, prudente e que se não exponha a correntes de ar.

Aqui fica. Admito que algumas das respostas sejam polémicas, mas antes isso que eu evitar a minha própria natureza. Mal com os outros, mas bem comigo, ao menos isso me seja permitido nesta idade e nesta profissão em que vivo a prazo e entre prazos.

A luta continua

Eu acho que já disse aqui aquela gracinha irónica de que felizmente estou sempre em férias. Por isso nunca me atrapalho quando tenho um processo com arguidos presos, em que os prazos correm em férias, para decisões que raramente são proferidas nessas férias, nem quando acontece deterem pessoas em férias e ter de desaguar tudo no TIC no máximo de quarenta e oito horas, quase sempre para se interpor recurso que quase nunca é decidido em férias. Vem isto a propósito de dizer que cá estou. Venho reconciliado com o Direito, naquela variante da luta pelo Direito, que deu título a um livro notável. Luta por vezes quase corpo a corpo, muitas vezes connosco próprios, para nos convencermos a não desistirmos. Uma das coisas que aprendi com os que sofrem na pele um processo criminal no qual se sentem injustiçados é que há um momento em que passou tanto tempo, tanta é a desorientação, tal foi o desespero, que já se contentam com qualquer coisa. Passa-se o mesmo com quem anda nisto, como direi, profissionalmente. É aí que entra o «a luta continua».

Marcelo Caetano

Nas suas lições de Direito Penal o Professor Marcelo Caetano lamentava-se de não as ter podido escrever melhor mas, vencendo como professor o ordenado equivalente a um primeiro oficial, tinha, para fazer face às despesas de sua família, de se dispersar em outras actividades. Houve uma vez em que, tendo saído do Governo, se viu na necessidade de advogar e conseguiu um lugar de consultor jurídico da Companhia de Seguros Mundial. Por gentileza da administração podia usar a sala de reuniões do Conselho de Administração para receber um ou outro cliente privado, pois não tinha dinheiro para suportar as despesas de um escritório. Ao ver, como vemos todos, aqueles que hoje se enchem à conta do Estado, os que entram para a política pobres e saem de lá anafados e bem instalados, tudo isto, que é uma memória dos tempos da ditadura, tem um sabor amargo. Digo-o, sabendo que isto é politicamente incorrecto. Quero lá saber! Cheguei àquela idade em que só uma coisa me incomoda: a mentira dos políticos e a ingenuidade dos que neles acreditam.

Marcelo Caetano

Nas suas lições de Direito Penal o Professor Marcelo Caetano lamentava-se de não as ter podido escrever melhor mas, vencendo como professor o ordenado equivalente a um primeiro oficial, tinha, para fazer face às desepesas de sua família, de se dispersar em outras actividades. Houve uma vez em que, tendo saído do Governo, se viu na necessidade de advogar e conseguiu um lugar de consultor jurídico da Companhia de Seguros Mundial. Por gentileza da administração podia usar a sala de reuniões do Conselho de Administração para receber um ou outro cliente privado, pois não tinha dinheiro para suportar as despesas de um escritório. Ao ver, como vemos todos, aqueles que hoje se enchem à conta do Estado, os que entram para a política pobres e saem de lá anafados e bem instalados, tudo isto tem um sabor amargo. Digo-o, sabendo que isto é politicamente incorrecto. Quero lá saber. Cheguei àquela idade em que só uma coisa me incomoda: a mentira.

Preguiça é o que é

Eu cada vez mais levo a vida menos a sério, daí andar com ar de peru. Além disso escrevo curto e pareço galinha a esvoaçar pelos problemas. O problema é não acreditar já na inocência de muito do que anda pelo Direito, o que pode dar-me ares de pavão.
Vem isto a propósito de eu ter escrito um post sobre o vazio de poder que se instalou na PGR e as suas consequências no MP.
Abriu-se logo a velha fronda entre os autonomistas e os controleiros, o que é natural a uma magistratura em que há alguma gente carregada de ideologia e uma vasta multidão ajoujada de serviço.
Claro que eu podia escrever a sério sobre isto. Há quem diga que até tenho obrigação cívica de o fazer. Há duas razões a fazer-me calar o bico. Primeiro ser verão, depois eu andar depenado.
Quem ler este post pensará que o Barreiros se passou para o reino das aves. Talvez. Antes isso que no mundo dos ofídeos. Não é por andar a rastejar é só pelo mudar de pele. Quanto ao primeiro, uma pessoa habitua-se, já quanto ao segundo um tipo como eu irrita-se.

Os soldados desconhecidos

Muitos dos comentadores da imprensa não têem qualquer experiência de tribunais mas escrevem, sem qualquer prevenção, sobre a Justiça. Na lógica de muitos desses escritos, fala-se «no que faz o Ministério Público», e «no que o Ministério Público não faz». É a velha técnica da generalização. Pode aplicar-se a tudo e a todos, ao que «os advogados», «os juízes», «os polícias», os «funcionários» fazem e deixam de fazer. Trata-se de um modo irracional de argumentar, pois que indiferencia o que é diverso, injusto, pois faz o justo pagar pelo pecador. No caso do Ministério Público, além do mais, é uma análise politicamente errada. É que com o vazio de poder que se instalou na PGR, cada um, cada grupo, faz o que quer e o que pode. No mais é só perguntar-se uma pessoa com que objectivos, se por vaidade, ambição ou ideologia. É assim quando ninguém manda. Além do mais vivem todos com um olho no serviço e outro nos comentadores. Ninguém quer ficar mal na fotografia. Ainda há excepções, honrosas, da imensa maioria dos que trabalham dia e noite, com espírito de isenção e vontade de ser justo. Mas desses não reza a história! Estão na vala comum dos soldados desconhecidos.