Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Lotta continua: ainda o artigo 30º

O decretar o carácter continuado de uma conduta não é obviamente uma obrigação sem que estejam reunidos os pressupostos da figura nisso incluindo o haver uma diminuição da culpa. Esta diminuição não é um efeito, sim um requisito, tem de estar verificada antes a enformar a reiteração. Eis, pois, a diferença. Em boa hora isso foi assinalado pelo STJ, chamando à atenção daqueles que possam ser tentados ao contrário. Di-lo o Acórdão do STJ de 8.11.2007 [proferido no processo n.º 3296/07-5, em que foi relator Simas Santos] e que o blog Grano Salis publica. Citemos o passo em causa:

«11 – Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente. 12 – O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior (ao agente) das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente. Na existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, «tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito».13 – Dos requisitos do crime continuado resulta também que, tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o n.º 2 do art. 30.º citado, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa, salvo se for o mesmo ofendido. Foi este entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o n.º 3 aditado ao art. 30.º do C. Penal pela Lei n.º 59/2007, quis integrar ao dispor: «o disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentes pessoais».14 – Pode dizer-se que seria então desnecessário tal aditamento, com o que se concorda. Mas o mesmo não permite a interpretação perversa que já foi apresentada de que daí resultaria a imperatividade do crime continuado quando nos vários crimes fosse sempre a mesma vítima. É que, como se viu, a matriz do crime continuado reside na diminuição considerável da culpa, por razões exógenas e só respeitada essa matriz é que se pode afirmar a ocorrência de crime continuado».

Agora o que não vale a pena iludir é que, ante o acrescento ao artigo 30º do Código Penal do controverso inciso respectivo, todos aqueles que entendiam que em caso de ataque a bens jurídicos eminentemente pessoais de uma mesma vítima não podia haver continuação criminosa, encontram hoje a lei a proibir tal entendimento defensivo da dignidade do ser humano cuja pessoalidade é reiteradamente violada pelo pertinaz agressor. E isso teria sido bom que tivesse sido dito, já agora.

P. S. O STJ ter tido necessidade de, a propósito de um crime patrimonial, como é a burla, fazer pedagogia jurisprudencial sobre a continuação criminosa em caso de crimes que ponham em causa bens jurídicos «eminentemente pessoais» é sintomático. Afinal, o problema existe e é sério. E os que clamaram contra o ter-se alterado a lei a este propósito que foram apodados de estarem a encontrar problemas onde tudo era calmo e pacífico. Fantástico!