Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Publicidade do inquérito: primeira brecha na nova lei

A primeira brecha na abertura do conhecimento do inquérito aos arguidos acaba de ser dada pelo TC. O Acordão do Tribunal Constitucional n.º 428/08 decidiu «julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual é permitida e não pode ser recusada ao arguido, antes do encerra­mento do inqué­rito a que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida pri­vada de outras pessoas, abran­gendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo profissional, sem que tenha sido con­cluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devo­lução, nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do Código de Processo Penal».
O aresto, de que é relator Mário Araújo Torres, apoiado em exaustivo levantamento das posições da doutrina e da jurisprudência sobre tal temática, parte do que foi, com a última revisão do CPP, a «tão drástica subversão da regra “natural” [na Exposição de motivos da Pro­posta de Lei n.º 157/ VII, que esteve na base da revisão do CPP de 1998, proclamou‑se: “o inquérito, em cujo âmbito se desenvolve a investigação é, por natureza, inquisitório e secreto”] do carácter secreto do inquérito, adoptada, sem explicitação das respectivas motiva­ções, na última reunião da Comissão que procedeu à votação na especialidade dos projectos legislativos relativos à revisão do Código de Processo Penal, face a uma proposta de alteração apresentada, pela primeira vez, nessa ocasião» a qual «não pode ter deixado de causar as maiores per­plexidades aos intérpretes e aplicadores do direito».
Seguindo o critério de Frederico da Costa Pinto quanto ao que será a interpretação congruente com a Constituição da nova fórmula legal atinente ao segredo de justiça, considera o TC nesta sua decisão que «no presente caso, não está em causa o acesso do arguido a elemen­tos constantes do processo que sejam necessários para a adequada defesa dos seus direitos, designadamente para contrariar ou impugnar a aplicação de medidas de coacção, hipótese em que a jurisprudência deste Tribunal tem considerado não ser oponível o segredo de justiça, mesmo durante o decurso normal do prazo do inquérito (o que obteve consagração nos n.ºs 1 e 2 do artigo 89.º e no n.º 4, alínea d), do artigo 141.º do CPP). Aliás, como se documenta na alegação do Ministério Público, os arguidos têm proficuamente exercitado o seu direito de impugnação de decisões que consideraram ter afectado os seus direitos, como a decisão que indeferiu arguição de nulidade do mandado de detenção, das decisões que decre­taram e mantiveram a prisão preventiva e da decisão que indeferiu arguição de nulidade de determinadas apreensões. O que agora está em causa é a possibilidade de conhecimento do que consta da globalidade do inquérito, pelo que o mero diferimento desse acesso para momento subsequente ao encerramento do inquérito se reveste de menor gravidade do que eventual recusa de acesso especificamente direccionado e justificado pela necessidade de defesa eficiente contra actos concretos que afectem a posição processual do arguido».
Ora porque «a decisão recorrida adoptou um critério que não protege adequadamente os interesses de terceiros, consentindo a lesão da sua privacidade decorrente da irrestrita conces­são de acesso a todos os elementos do inquérito aos arguidos que o requere­ram, justamente por ter partido de uma interpretação segundo a qual, verificada a situação prevista no n.º 6 do artigo 89.º do CPP, o acesso franco do arguido ao inquérito é irrecusável, sejam quais forem os riscos de lesão de outros valores que daí resultem. Ora, importa não esquecer que, sendo certo que a inclusão no inquérito de elementos cobertos por esses tipos de segredo já pressu­pôs um juízo de admissibilidade da sua quebra em homenagem aos interes­ses da investigação, não menos certo é que estão em jogo outros valores constitucionalmente protegidos, ligados à reserva das pessoas em causa a que esses segredos respeitam (sobre a relevância do segredo bancário para a defesa da intimidade da vida privada, cf., por último, o Acórdão n.º 442/2007), que nada justificará sejam sujeitos a devassa por parte dos restantes intervenientes processuais sem que previamente seja emitido o juízo de relevância para a prova previsto no n.º 7 do artigo 86.º do CPP», o TC definiu que tal acesso irrestrito era desconforme com a Constituição.