Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O TC: uma questão de extintores

Não sou constitucionalista. Com esta prevenção atrevo-me a exprimir uma opinião sobre a questão, que está na ordem do dia, a da extinção ou não do Tribunal Constitucional, como se lê aqui neste blog amigo.
Acho que o problema pode fazer sentido, como matéria premente, no que se refere à fiscalização concreta. Já não quanto à abstracta e à preventiva. Ali é que se pode suscitar o caso de se perguntar se não deveria confiar-se essa questão da constitucionalidade à jurisdição comum.
Porque pensam assim tantos que eu tenho escutado?
Primeiro, por uma desconfiança congénita quanto à electividade dos juízes que integram o Palácio de Ratton, na lógica de que da eleição política deriva sujeição partidária, onde dependência, o que é a antinomia da ideia de juiz. A ser assim, que se extraia o mesmo efeito quanto aos membros politicamente eleitos e nomeados que integram os órgãos de cúpula das magistraturas, os respectivos Conselhos Superiores.
Segundo, pelo facto de a jurisprudência emitida pelo Tribunal Constitucional, pelo que se contradiz, pelas vezes em que surge insólita, pelas especulações a que se presta quanto a servir este interesse ou aquela força, indiciar que não de Tribunal se tratará, mas de instância de conveniências legitimadoras de um apriori que o Direito serve, secundarizado. A ser assim, que se escrutine com o mesmo critério a jurisprudência da jurisdição comum em ordem a saber se esta se move imaculada no limbo incensado das categorias jurídicas puras, não alumiado pelo mundo das realidades interessantes do mundo das ideologias, da política, jurisprudência dos interesses, em suma, pensada na sacristia das convicções pessoais antes da paramentarização para a solenização do ritual forense.
Enfim, porque poderá ser uma onerosa inutilidade, esta de atribuir a um outro Tribunal aquilo que caberia, afinal, no dever funcional de todos os tribunais. A ser assim, que se examine como têm os tribunais comuns tratado as questões de (in) constitucionalidade que se lhes colocaram.
Querem a minha verdade sofrida, feita de chagas e edemas do dia a dia na luta pelo Direito? Assim tivessem os tribunais comuns mostrado sensibilidade à Constituição, assim não tivessem convivido anos a fio com verdadeiras tropelias aos direitos fundamentais, apoando-as de legais, legítimas, desejáveis e conformes à Lei Fundamental, e não teríamos que dar graças por haver um Tribunal que até uma certa altura ainda foi a forma de evitar lesões à cidadania que ocorreriam a não haver apelo quanto à mentalidade de quantos sentiam servir a justiça despachando processos, as arguições de invalidade um abuso dilatório, os recursos uma chicana, a exigência de acatamento da forma um pretexto para emperrar a Justiça.
Claro que hoje, tornado jangada dos aflitos a quem um destes legisladores subtraiu o duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional, tal como o STA do antigamente, aprendeu a defender-se. A esmagadora maioria dos recursos morrem logo na decisão sumária por razões formais e por formalidades cada vez mais exigentes. Uma delas é aquela geometria fantástica, que nem o Pitágoras ou o Euclides demonstrariam, a de que a dimensão normativa suscitada no recurso quase nunca é coincidente com a dimensão normativa aplicada na decisão recorrida. Jogo de círculos nunca coincidentes, o recurso de fiscalização concreta para o TC tornou-se um verdadeiro jogo de azar: quase nunca se tem sorte.
Extinguir o Tribunal Constitucional? Que interessa? Neste incêndio de ideias que grassa pelo País, em que a palavra de ordem é extinguir organismos públicos, extinguir sim a necessidade de ter de ir para Tribunal para que a Constituição se cumpra nos próprios Tribunais.

Compliance: a teoria da não complacência

Matéria pouco conhecida a os «compliance officers», que a legislação financeira hoje obriga que existam com o propósito de efectuarem um controlo interno dos possíveis actos fraudulentos nomeadamente a nível do branqueamento de capitais [ver por exemplo esta legislação aqui, artigo 3º, n.º 6, ou esta explicação no portal de um banco, aqui].
Interessantes, por isso, estas reflexões na Revista de Crítica Jurídica [brasileira], aqui: «Parece, assim, que o desenvolvimento do Compliance implica um paradoxo. O objetivo de Compliance é claro: a partir de uma série de controles internos, pretende-se prevenir a responsabilização penal. A sua concretização, porém, ao invés de diminuir as chances de responsabilização, cria as condições para que, dentro da empresa ou instituição financeira, se forme uma cadeia de responsabilização penal. Isso porque as atribuições que têm sido conferidas aos Compliance Officers acabam por colocá-los na posição de garantidores (respondem, portanto, como se tivessem agido positivamente nas situações em que venham a se omitir). Mais: podem ser considerados garantes também os integrantes do Conselho de Administração, pois, segundo doutrina majoritária, eles têm o dever de supervisão dos Compliance Officers. Evidencia-se, assim, que toda a administração da empresa é exposta ao risco de uma persecução criminal».
 
Ao limite é a responsabilização do garante do [não] resultado em função da omissão do dever de fiscalização. Numa só regra um emaranhado de questões.

Instrução e hipocrisia

Integrei a comissão legislativa de que saiu o Código de Processo Penal de 1987, presidida pelo Professor Figueiredo Dias. 
Na altura a Itália debatia o Progetto Preliminare de um código homólogo, publicada que fora a Legge Delega respectiva. É verdade que não nos tendo servido de guia, foi largamente inspirador da nossa tarefa. Mais tarde comprei um livro que já colocava esse projecto em «câmara de reanimação». Se não estivesse a escrever-vos fora do meu escritório iria buscá-lo para a citação ser mais exacta. Mas a ideia ficou vincada no meu espírito. Modificado, embora, o Código italiano vingou e entrou em vigor em 24.10.89.
Comissão de ambiente amigável, a nossa, nela o debate foi intenso, um estimulante trabalho intelectual. Veio esta rememoração a propósito da discussão que se esboça publicamente sobre o futuro da instrução judicial. Essa inutilidade, esse alçapão.
Inutilidade, porque pouquíssimos são os casos em que, através dela, sai modificada, a posição que o Ministério Público tomou ao encerrar o inquérito, acusando ou arquivamento: a pronúncia tendo havido arquivamento ou a não pronúncia quando houve acusação, são o que quase não se espera na esmagadora maioria das vezes. E assim sucede. O legislador, ao conferir o bónus da irrecorribilidade ao juiz que seja obediente à prévia posição do Procurador, veio deixar ao escrúpulo de cada magistrado o divergir, pois aquiescendo, vê a sua decisão "blindada". Mesmo em relação às questões prévias. Mesmo quando julga os seus próprios actos jurisdicionais praticados no inquérito.
Alçapão, porquanto, na ânsia de escaparem ao julgamento, os arguidos abrem o jogo da sua defesa e no final, entram na audiência com a "asa quebrada" de quem vê na pronúncia uma pré-sentença, e, a defenderem-se ali, naquela que é a fase processual definitiva, não sabem o que mais poderão agora dizer. Mais: tudo o que ante o juiz de instrução se passar em sede de instrução e for documentado em auto pode ser lido na audiência contra eles.
Acto de confirmação, a instrução surge, enfim, como um acto de reforço das acusações imperfeitas, salvas na parte em que a factualidade era incompleta ou incongruente, refeitas na parte em que a subsunção jurídica era incorrecta e por tudo isso o processo, julgado, corria o risco de naufragar.
Eis o que se se debate hoje, num contexto em que, vingando ainda a cantata heróica do "excesso de garantismo" e seus filhos monstruosos, há quem considere a instrução um luxo indevido que a lei dá aos bandidos à conta da delapidação do erário público, quando deviam ser era logo sumariamente condenados e só não o são por terem advogados que, porque cúmplices afinal, deviam ser encostados ao mesmo paredão para o mesmo fuzilamento.
Eliminar a instrução essa perversidade do sistema? Dizem que é a Constituição que o impede e literalmente nela prevê-se que haja uma fase com esse nome, seja qual for, sirva para o que servir.
Reconstrui-la, tornando-a essencialmente um debate instrutório, em que os actos de averiguação são complementares ou subsidiários? É o modelo actual italiano [artigos 417º e seguintes, vê-los aqui]. Trata-se de uma solução com duas desvantagens. Resolve contra a acusação [porque perde a possibilidade de ter mais autos legíveis em julgamento], resolve contra a defesa [porque lhe subtrai a investigação judicial do que o MP não averiguou].
Não sei o que pensar em definitivo. Ao longo dos anos tenho convivido com juízes de instrução que se limitam a receber as acusações fundamentando o acto com meia-dúzia de linhas conclusivas em que proclamam que a instrução não logrou enfraquecer a indiciação do inquérito, ponto, e dizem que é o melhor para o arguido, porque mau é o juiz que rebate ponto por ponto, numa lógica adversarial, aquilo que o requerente da instrução pretendia. Tenho encontrado sucesso em instrução que evitaram julgamentos que seriam ignominiosos, que levaram a julgamento pessoas que escapariam à Justiça assim tivessem os autos ficado pelo Ministério Público.
Sinto é que as realidades processuais não são entidades objectivas, sim instrumentos ao serviço dos homens. A boa lei é péssima nas mãos do homem mau. Tenho anos de vida suficientes para saber que o Código de Processo Penal de 1929, o da "Ditadura" nacional, era mais liberal e mais liberalmente aplicados em algumas das suas facetas do que a prática que quantas vezes vemos por aí.
Talvez a supressão da instrução seja a eliminação da hipocrisia processual, o começo de uma fase nova na moral da nossa vida jurídica: adaptar o que é àquilo que todos sabemos que é. Um mundo sem máscaras. E sim, revogue-se esta parte da Constituição. E outras. Chega de ilusões macabras.

Enriquecimento ilícito: o pau e a pedra

Publiquei aqui o link para os textos dos projectos de diplomas sobre a criminalização do enriquecimento ilícito. O blog Porta da Loja trouxe-me, pois não tinha reparado, um artigo que o professor Costa Andrade publicou num jornal sobre a matéria e que pode ler-se aqui e que o blog citado comenta aqui.
A ideia geral é que já tínhamos lei que chegasse. Talvez. Mas a regra é conhecida: quando se não sabe acertar com o pau, tenta-se aprender a atirar a pedra.

Medicina: um jogo de equipa

Não é só uma mudança legislativa e de orientação jurisprudencial. 
A avaliação da responsabilidade médica passou a ser subsidiária de uma nova orientação cultural, talvez fruto do cansaço público ante das disfunções do Serviço Nacional de Saúde, ou do esgotamento ante a exploração comercial em que por vezes se tornou o sistema de saúde privada, salvas as honrosas excepções. 
No terreno o sistema jurídico sentiu que teria de encontrar resposta perante a frequente opacidade da relação médico/doente, a incerteza opinativa entre eles no que se refere à definição dos critérios das leges artis, a ensombrar o ambiente com a dúvida do corporativismo. 
Tudo isto engendrava no passado como resposta do sistema jurídico criminal a resposta do in dubio pro reo, favorável aos eventuais prevaricadores; além disso o ónus da prova era complexo, o sistema de peritagem era tomado pelos juízes como uma conclusão intransponível, os queixosos parcos de meios.
A questão complica-se quando está em caso o apuramento de responsabilidades no âmbito de uma equipa médica, nomeadamente tratando-se de acto cirúrgico.
Eis pois porque tem interesse este artigo, na revista italiana on line Diritto, que pode ser lido aqui.
Fazendo o ponto de situação da actualidade, abre com: «Oggi si assiste a una più equilibrata redistribuzione dell’onere probatorio e di una mutata visione della responsabilità del medico che da quasi presunta è divenuta soggetta all’onere della prova, sia pure invertito, da parte del medico di non aver fatto quanto era nelle sue concrete possibilità per evitare l’evento». Vero!

P. S. Previno para um preconceito cultural meu: o Direito estrangeiro interessa menos pelas soluções que dá mas sim pelos problemas que coloca. A identidade da resposta seria negar a especificidade social de cada País. A semelhança da problemática essa demonstra a universalidade do homem.

Da vacatura ao interinato

O site do DCIAP informa aqui duas coisas interessantes.
Primeiro: «É curioso registar que, no longo consulado que durou até 1974, o cargo de procurador-geral da República esteve vago por períodos consideráveis, sendo as funções exercidas interinamente pelo ajudante do procurador-geral da República para o efeito designado. De assinalar é especialmente o período que vai de 1954 a 1969. O preenchimento do cargo em 1969 foi associado, pelos meios políticos, à evolução do regime».
Segundo que «A Procuradoria-Geral orgulha-se de ter tido, à frente dos seus destinos homens dos mais ilustres das suas épocas — como juristas, como magistrados, como professores, como políticos, como cidadãos».
E já agora o elenco: «o primeiro procurador-geral da Coroa foi o conselheiro Baptista Felgueiras, empossado no cargo no ano de 1833. Seguiram-se-lhe os conselheiros Aguiar Ottolini (1838 - 1846), Martens Ferrão (1868) , Cardoso Avelino (1886), Cardoso Machado (1890), Hintze Ribeiro (1891), Sequeira Pinto (1892), António Cândido (1898), Manuel de Arriaga (1910), Azevedo e Silva (1912), Henriques Goes (1929 - 1938), Francisco Caeiro (1943 - 1954), Furtado dos Santos (1969 - 1974), Pinheiro Farinha (1974 - 1977) e Arala Chaves (1977 - 1984), todos já falecidos.
De 11 de Setembro de 1984 a 6 de Outubro de 2000, o cargo foi ocupado pelo Conselheiro José Narciso da Cunha Rodrigues. Entre 9 de Outubro de 2000 e 8 de Outubro de 2006 desempenhou funções como procurador-geral da República,  José Adriano Machado Souto de Moura.O actual procurador-geral da República,  Fernando José Matos Pinto Monteiro, tomou posse do cargo em 9 de Outubro de 2006».

O peso certo

Infelizmente são poucos os estudos sobre o Direito tal como o aplicam os tribunais; muitas das obras jurídicas que se editam, sendo doutrinais, são sobre o Direito que os seus autores gostariam que vingasse em Portugal, ou sobre o Direito tal como seria interpretado pelo professorado alemão. Não vai nisto uma crítica mas uma constatação. 
Por outro lado, não há maior factor de insegurança do que a assimetria das penas. Os presos na mesma cela comparam as penas e atribuem-nas a tudo menos a critérios racionais: uns ao subjectivismo dos juízes, aos bons e maus momentos do espírito do tribunal, outros a razões por vezes ilegítimas, entre o favoritismo, a peita e a política. 
Se a Justiça encontrasse um critério poupava-se a estes equívocos de interpretação e ao enxovalho de suspeitas. Esta é a realidade vista por quem chegará ao fim do terreno sendo soldado de infantaria, condenado a ser um pedestre pelos campos rasos onde a Justiça se sente e são humanos os seus heróis e as suas vítimas. Tomara eu não ouvir e ter de rebater este modo de ver de quantos olham para o lado e medem o quanto lhes calhou e quanto foi a sorte dos outros..
Vem isto a propósito da análise a que o Conselheiro Souto Moura submeteu a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça entre os anos de 2005 e 2010 no que respeita à escolha e à medida da pena. O trabalho dita do último ano observado e encontra-se no sítio do STJ, aqui.
São estes os temas ali tratados:
a) O critério de escolha da pena (art.º 70º do Código Penal [C.P.])
b) A determinação da medida da pena (art.º 71º do C.P.)
c) A pena conjunta aplicável ao concurso de crimes (art.ºs 77º e 78º do C.P.)
d) A punição do crime continuado (art.º 79º do C.P.)
e) A atenuação especial da pena relativamente a jovens adultos (art.º 4º do D.L.
401/82 de 23 de Setembro).
Sobre o tema urge ler também os livros da professora Anabela Rodrigues e do conselheiro Lourenço Martins
Desculpem os que sabem muito a trivialidade de ter aqui arquivadas estas referências. Mas como não nascemos ensinados, vivo na ilusão de que para alguém esta informação possa ser útil, nem para lembrar o mundo que há e o mundo por haver.

Apoio judiciário: taxa de justiça ante indeferimento

«I - O apoio judiciário, se concedido, produz efeitos a partir da data em que é requerido. II – Se o pedido é indeferido, a partir desse momento são devidas as taxas de justiça inerentes aos actos já requeridos, mesmo que, entretanto, tenha sido apresentado novo pedido de apoio judiciário [itálico nosso] III - Face ao não pagamento das taxas de justiça devidas tem de se considerar correcta a decisão do Mº juiz a quo. IV - Aliás, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade inerente à consequência do não pagamento da taxa de justiça, no âmbito do Código das Custas Judiciais, devida para a prática de acto (Ac. TC nº 491/2003, de 22 de Outubro, consultável in www.tribunalconstitucional.pt)». Eis o que definiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 20.10.11 [Processo n.º 5224/08.0TDLSB.L1 9ª Secção, relator João Carrola]. Quanto ao citado Acórdão do TC, pode ser lido aqui.

Recuperando devedores

São os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores, aprovados por Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, na sequência do Memorando de Entendimento com a troika que nos Governa, administrando o nosso Governo. Ver todo o texto aqui.

«A conduta do devedor e dos credores durante o procedimento extrajudicial de recuperação de devedores deve orientar -se pelos seguintes princípios:

«Primeiro princípio. — O procedimento extrajudicial de recuperação de devedores corresponde às negociações entre o devedor e os credores envolvidos, tendo em vista obter um acordo que permita a efectiva recuperação do devedor. O procedimento extrajudicial corresponde a um compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos, e não a um direito, e apenas deve ser iniciado quando os problemas financeiros do devedor possam ser ultrapassados e este possa, com forte probabilidade, manter -se em actividade após a conclusão do acordo.

«Segundo princípio. — Durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa -fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos.

«Terceiro princípio. — De modo a garantir uma abordagem unificada por parte dos credores, que melhor sirva os interesses de todas as partes, os credores envolvidos podem criar comissões e ou designar um ou mais representantes para negociar com o devedor. As partes podem, ainda, designar consultores que as aconselhem e auxiliem nas negociações, em especial nos casos de maior complexidade.

«Quarto princípio. — Os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente (mas limitado) para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros. Este período de tempo, designado por período de suspensão, é uma concessão dos credores envolvidos,
e não um direito do devedor.

«Quinto princípio. — Durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo -se a abster -se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes.

«Sexto princípio. — Durante o período de suspensão, o devedor compromete -se a não praticar qualquer acto que prejudique os direitos e as garantias dos credores (conjuntamente ou a título individual), ou que, de algum modo, afecte negativamente as perspectivas dos credores de verem pagos os seus créditos, em comparação com a sua situação no início do período de suspensão.
«Sétimo princípio. — O devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activo, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio.

«Oitavo princípio. — Toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se estiver publicamente disponível.

«Nono princípio. — As propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor.

«Décimo princípio. — As propostas de recuperação do devedor devem basear -se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros.

«Décimo primeiro princípio. — Se durante o período de suspensão ou no âmbito da reestruturação da dívida for concedido financiamento adicional ao devedor, o crédito resultante deve ser considerado pelas partes como garantido».

Quando o negócio é o segredo

No campo do branqueamento de capitais, há o que goza da hiper-publicidade da criminalização e o que se fica pela penumbra discreta da negociação. Até na lavandaria há especial cuidado com a roupa de seda, preferindo-se para esta a lavagem a seco.

«US. and Swiss officials are concluding negotiations on a civil settlement amid U.S. criminal probes of 11 financial institutions, including Credit Suisse Group AG (CSGN), suspected of helping American clients hide money from the Internal Revenue Service, according to five people with knowledge of the talks who declined to speak publicly because they are confidential», informa a agência de notícias Blomberg, que acrescenta «Switzerland, the biggest haven for offshore wealth, wants an end to new U.S. probes while preserving its decades-old tradition of bank secrecy, the people said. The U.S. seeks data on Americans who have dodged U.S. taxes and a pledge by Swiss banks to stop helping such clients, according to the people. The Swiss reached accords this year with Germany and the U.K. on untaxed assets».

De acordo com a mesma fonte a negociação já teve lugar com outros países:«"The Swiss would like to get out of this by paying money, and they’ve done that with other countries,” said tax attorney H. David Rosenbloom of Caplin & Drysdale Chartered in Washington, who isn’t involved in the talks».

É caso para dizer: business goes on, as usually...

Rertize-se, o Governo agradece, a PGR esquece

Poucos deram conta. Vem na Proposta de Lei do Orçamento para 2012. É um novo RERT, uma regularização fiscal para evitar a perseguição penal.
O Estado tributário fora ao armário do Direito Penal buscar o armamento da prisão e seus arreios porque, como teorizavam alguns meios mais extremistas do pensamento jurídico-penal-fiscal, o ataque ao sistema tributário, ao pôr em causa os fundamentos do Estado e assim da gestão da comunidade, era mais grave do que o tráfico de droga. E o colocado no espaço exterior em offshores, então, esse, era logo presunção de bandidagem.
Depois, com a moralidade do mesmo Estado pelas ruas da amargura, com a solvabilidade do Estado pelas casas de penhores internacionais, ei-lo a tornar negociável o que parecia um princípio fora de questão. É mais uma oportunidade para os que colocaram dinheiro no exterior.
O Direito Penal poderia ter sido poupado a estes embaraços, reservando-se para os casos em que, numa lógica de subsidiaridade, fosse a última razão possível. Banalizou-se e, pior, está a tornar-se um instrumento de pressão fiscal. É a lei do quem ainda tiver dinheiro compra a não prisão, mais a lei do volta, offshore, filha, estás perdoada! 
Citemos, pois, a norma [que se aplica sem prejuízo desta outra que citei aqui sobre o efeito exoneratório criminal do pagamento antes de acusação]:

SECÇÃO II
Regime de regularização tributária


Artigo 156.º

Regularização tributária de elementos patrimoniais colocados no exterior


É aprovado o regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais que não se encontrem em território português, em 31 de Dezembro de 2010, abreviadamente designado pela sigla RERT III, nos seguintes termos e condições:

Artigo 1.º
Objecto

O presente regime excepcional de regularização tributária aplica-se a elementos patrimoniais que não se encontrem no território português, em 31 de Dezembro de 2010, que consistam em depósitos, certificados de depósito, partes de capital, valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, incluindo apólices de seguro do ramo «Vida» ligados a fundos de investimento e operações de capitalização do ramo «Vida».

Artigo 2.º
Âmbito subjectivo

1 - Podem beneficiar do presente regime os sujeitos passivos que sejam titulares, ou beneficiários efectivos, de elementos patrimoniais referidos no artigo anterior.
2 - Para efeitos do presente regime, os sujeitos passivos devem:
a) Apresentar a declaração de regularização tributária prevista no artigo 5.º;
b) Proceder ao pagamento da importância correspondente à aplicação de uma taxa de 7,5% sobre o valor dos elementos patrimoniais constantes da declaração referida na alínea anterior.
3 - A importância paga nos termos da alínea b) do número anterior não é dedutível nem compensável para efeitos de qualquer outro imposto ou tributo.

Artigo 3.º
Valorização dos elementos patrimoniais

A determinação do valor referido na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior faz-se de acordo com as seguintes regras aplicadas com referência à data de 31 de Dezembro de 2010:
a) No caso de depósitos em instituições financeiras, o montante do respectivo saldo;
b) No caso de partes de capital, valores mobiliários e instrumentos financeiros cotados em mercado regulamentado, o valor da última cotação;
c) No caso de unidades de participação em organismos de investimento colectivo não admitidos à cotação em mercado regulamentado, bem como de seguros do ramo «Vida» ligados a um fundo de investimentos, o seu valor para efeitos de resgate;
d) No caso de operações de capitalização do ramo «Vida» e demais instrumentos de capitalização, o valor capitalizado;
e) Nos demais casos, o valor que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do imposto do Selo ou o respectivo custo de aquisição, consoante o que for maior.

Artigo 4.º
Efeitos

1 - A declaração e o pagamento referidos no n.º 2 do artigo 2.º produzem, relativamente aos elementos patrimoniais constantes da declaração e respectivos rendimentos, os seguintes efeitos:
a) Extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação àqueles elementos e rendimentos, respeitantes aos períodos de tributação que tenham terminado até 31 de Dezembro de 2010;
b) Exclusão da responsabilidade por infracções tributárias que resultem de condutas ilícitas que tenham lugar por ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou escrituração, de declarações apresentadas ou prestadas à administração fiscal ou que a esta devam ser revelados, desde que conexionadas com aqueles elementos ou rendimentos;
c) Constituição de prova bastante para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
2 - Para efeitos de apuramento de quaisquer rendimentos relativos a períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de Janeiro de 2011, considera-se que o valor de aquisição dos elementos patrimoniais objecto de regularização corresponde aos valores declarados, apurados nos termos do artigo 3.º, e que a data de aquisição destes elementos patrimoniais é 31 de Dezembro de 2010.
3 - Os efeitos previstos nos números anteriores não se verificam quando à data da apresentação da declaração já tenha tido início procedimento para apuramento da situação tributária do contribuinte, bem como quando já tenha sido desencadeado procedimento penal ou contra-ordenacional de que, em qualquer dos casos, o interessado já tenha tido conhecimento nos termos da lei e que abranjam elementos patrimoniais susceptíveis de beneficiar deste regime.

Artigo 5.º
Declaração e pagamento

1 - A declaração de regularização tributária a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º obedece a modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e deve ser acompanhada dos documentos comprovativos da titularidade, ou da qualidade de beneficiário efectivo, e do depósito ou registo dos elementos patrimoniais dela constantes.
2 - A declaração de regularização tributária deve ser entregue, até ao dia 30 de Junho de 2012, junto do Banco de Portugal ou de outros bancos estabelecidos em Portugal.
3 - O pagamento previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º é efectuado junto das entidades referidas no número anterior, em simultâneo com a entrega da declaração a que se refere a alínea a) do mesmo número e artigo, ou nos 10 dias posteriores contados da data da recepção daquela declaração.
4 - A entidade bancária interveniente entrega ao declarante no acto do pagamento um documento nominativo comprovativo da entrega da declaração e do respectivo pagamento.
5 - Nos limites do presente regime, a declaração de regularização tributária não pode ser, por qualquer modo, utilizada como indício ou elemento relevante para efeitos de qualquer procedimento tributário, criminal ou contra-ordenacional, devendo os bancos intervenientes manter sigilo sobre a informação prestada.
6 - No caso de a entrega da declaração e o pagamento não serem efectuados directamente junto do Banco de Portugal, o banco interveniente deve remeter ao Banco de Portugal a referida declaração, bem como uma cópia do documento comprovativo nos 10 dias úteis posteriores à data da entrega da declaração.
7 - Nos casos previstos no número anterior, o banco interveniente deve transferir para o Banco de Portugal as importâncias recebidas nos 10 dias úteis posteriores ao respectivo pagamento.

Artigo 6.º
Falta, omissões e inexactidões da declaração

Sem prejuízo das demais sanções criminais ou contra-ordenacionais que ao caso sejam aplicáveis, a falta de entrega da declaração de regularização tributária de elementos patrimoniais referidos no artigo 1.º bem como as omissões ou inexactidões da mesma implicam, em relação aos elementos patrimoniais não declarados, omitidos ou inexactos, a majoração em 60% do imposto que seria devido pelos rendimentos correspondentes aos elementos patrimoniais não declarados, omitidos ou inexactos.»

Condução sem carta

Nunca percebi que profunda razão psicológica leva a que certas pessoas, mesmo condenadas por conduzirem sem carta, insistam em não a obter. Ainda por cima quando, como sucede em muitos casos, até conduzem bem, razoavelmente, ou pelo menos não pior do que os encartados.
A situação atinge pontos em que, entre a prevenção geral e a perda da paciência, só a prisão efectiva surge como efectiva. Resta nem imaginar que à saída do cárcere tomem um transporte público e não sigam ao volante de um qualquer automóvel.
O problema esteve na ordem no dia na 9ª Secção da Relação de Lisboa, como o ilustram estes dois acórdão.
Primeiro o de 15.09.11 [proferido no processo n.º 670/11.4GLSNT.L1, 9ª Secção, relator João Abrunhosa] segundo o qual «pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (artº 3º do DL nº 2 /08, de 03 de Janeiro, mostra-se adequada, proporcional e necessária a assegurar os fins preventivos a imposição de uma pena de prisão efectiva de 18 meses, ao arguido que já antes fora condenado, por 7 (sete) vezes, pela prática do mesmo crime».
Depois o Acórdão de 13.10.11 [proferido no processo n.º 199/11.0GALNH.L1, 9ª Secção, relator Cid Geraldo], que determinou que «por razões de prevenção e porque o agente demonstra total insensibilidade de se pautar em conformidade com a lei, é de manter a pena de 1 ano e 4 meses de prisão efectiva aplicada a arguido que já anteriormente fora condenado, por 6 vezes e pela prática do mesmo crime de condução de veiculo automóvel sem habilitação legal».

Acusar sem lei

Ganha cada vez mais expressão a necessidade de uma advocacia técnica. A igualdade de armas reforça o argumento. Além disso há a lei expressa. 
Admito que seja desagradável concluir que «nos termos conjuntos dos artºs 285º, n. 3, 283º, n. 3, c) e 311º, n. 3, c), do CPP, é de rejeitar a acusação particular deduzida pelo assistente, notificado para o efeito, que não contenha “as disposições legais aplicáveis», como o proclamou o Acórdão da Relação de Lisboa no seu Acórdão de [processo n.º111/08.4GBBNV-A.L1 9ª Secção, relator Francisco Caramelo], mas é a lei quem o impõe. 
Delineando o objecto do processo, tanto na vertente factual como na jurídica, como não deveria ela conter tal elemento que é base essencial sobre a qual se forma o caso julgado e se podem colocar os problemas da alteração ainda que não substancial dos factos.
Já que se acusa, que se diga de quê. Sem isso não há defesa possível.

Sociedades de Advogados e a crise

A segunda emissão do programa Direito a Falar, uma parceria entre o Advocatus e o Económico TV, já está disponível no site do Advocatus. Neste edição o tema em análise foi "A crise e as grandes sociedades de advogados".
Para comentar esta questão estiveram em estúdio João Vieira de Almeida (Vieira de Almeida & Associados), António Pinto Leite (Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados) e Nuno Líbano Monteiro (PLMJ). O programa foi conduzido pelo director do Advocatus, João Teives, e pelo jornalista Francisco Teixeira.
O debate pode ver-se aqui.

O País da liberdade a saldos...

Cito na íntegra da RTP [edição de 18.10.11], uma notícia sobre um caso concreto, apenas pelo chocante princípio que da mesma decorre [pois no mais abstenho-me aqui de comentar casos confiados a outros, sendo advogado e não conhecendo os processos]:

«O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) condenou o Estado português ao pagamento de uma indemnização de 15 mil euros a um homem que esteve em prisão preventiva "ilegal" durante quatro meses e três dias.  A 27 de agosto de 1999, o juiz de instrução criminal do Barreiro aplicou prisão preventiva àquele homem, por indícios da prática de um crime de associação criminosa, seis crimes de falsificação de documento autêntico e um crime de detenção de arma proibida. Segundo a acusação, o arguido, agindo em comunhão e conjugação de esforços, com outros indivíduos, decidiu constituir com eles uma associação, tendo em vista o furto e falsificação de viaturas, bem como dos respectivos documentos identificativos, para a sua ulterior revenda em Portugal e em países africanos, para o que constituíram, em Moçambique, uma empresa de transportes e turismo. Além da gravidade dos crimes, da elevada moldura penal em causa e do "largo cadastro criminal" do arguido, o juiz sublinhou também que existia um "forte perigo de fuga" do arguido à justiça. Por isso, decidiu que o arguido ficaria preso enquanto decorresse o debate instrutório. A 30 de Dezembro do mesmo ano, o juiz de instrução despronunciou o arguido dos crimes pelos quais estava acusado e, consequentemente, "tirou-o" da prisão.
O arguido meteu uma acção em tribunal, exigindo uma indemnização de 204.500 pela prisão preventiva, mas tanto a primeira instância, na comarca de Porto de Mós, como a Relação consideraram-na improcedente. Recorreu para o STJ, que condenou o Estado a pagar-lhe uma indemnização de 15 mil euros, considerando que houve "erro grosseiro, ou pelo menos, ato temerário" na decisão de prisão preventiva. Segundo o Supremo, da factualidade indiciária "nada de concreto e concludente resulta no sentido de permitir, com a necessária segurança", imputar ao arguido a prática dos crimes referidos na acusação do Ministério Público. "Trata-se de indícios absolutamente indiretos, meramente circunstanciais, que de modo algum podiam ter-se como fortes indícios de modo a fundamentar a medida de coação de prisão preventiva. Não passam de meras suspeitas, alicerçadas, sobretudo, no anterior cadastro do arguido, que não em factos concretos e atuais que lhe pudessem ser seriamente imputados", sublinha o STJ. Acrescenta que o arguido, que sofre de perturbações mentais provocadas pelo stress pós-traumático que advém da sua participação na guerra do Ultramar, durante o tempo em que esteve à ordem deste processo "passou inúmeras noites sem dormir, chorou, gritou de raiva e sofreu de depressão durante a maior parte do tempo". Diz ainda que deixou, muitas vezes, de ter controlo sobre a sua pessoa, tomando vivências fictícias e sonhos pela realidade, que foi sujeito a diversos exames e consultas do foro psiquiátrico e que foi transportado em carrinhas celulares que, "muitas vezes, não eram lavadas e se encontravam impregnadas de fezes humanas e restos de vómito", com vários dias. "Nos tempos de espera dentro da carrinha, o ar tornava-se irrespirável, provocando mesmo a perda de consciência", refere ainda o STJ, para justificar a condenação do Estado».

Permito-me um comentário, fruto do espanto revoltado quanto ao valor da indemnização. 
É que no caso para além da prisão ilegal por 4 meses e 3 dias havia a acusação infundada por crimes muito graves. Tudo isso valeu 15 mil euros, uns dias de salário de um gestor público [só um deles recebeu entre prémios e bónus 3 milhões de euros por ano, o mesmo que veio dizer que acha que os cortes nos subsídios «é normal»!].
Ora para além do sofrimento, dos prejuízos, este homem teve que recorrer aos tribunais para se defender de tudo isto desde 1999, custeando muito presumivelmente todos os encargos e despesas inerentes à sua defesa. Pago tudo, quanto gastou quanto lhe terá sobrado dos 15 mil euros que só no STJ viu serem-lhe concedidos? 
O que é perguntar directamente: acham que 15 mil euros é uma indemnização justa num caso destes? Suficiente? Adequada? Que na verdade compensa? Reintegra a situação que existiria se não tivesse acontecido isto? É este o preço da liberdade?
E permitam-me a ousadia: um juiz gostaria de receber 15 mil euros se tivesse estado ilegalmente preso quatro meses e três dias acusado de associação criminosa, seis crimes de falsificação de documento autêntico e um crime de detenção de arma proibida e passado pelo que este homem passou? De nada valerá o princípio não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti?
Ou é a RTP que está errada na notícia? Ou nós que teremos de mudar de mundo, porque neste a liberdade está a saldos?


P. S. Um leitor amável indicou o link para o aresto que se encontra aqui.

Revisão no STJ por causa do TEDH?

Se isto, que retiro desta notícia aqui, é tecnicamente assim, temos uma revolução no conservador instituto da revisão, que o nosso STJ considera, recurso extraordinário e de extraordinário provimento. Cito:

«Nesse mesmo ano, o Supremo Tribunal de Justiça autorizou a revisão da sentença proferida e confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra com fundamento na sentença emitida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem».

Alguém me encontra o aresto do STJ?Antecipadamente grato.

A defesa da beleza

Fala-se hoje na defesa técnica. Na impreparação profissional de muitos advogados para as questões processuais, para o que é relevante na audiência, para aquilo em que podem antecipar o trabalho dos juízes, ao debaterem-se entre o provado e o não provado, mais a qualificação jurídica dos factos e as questões prévias, prejudiciais e outras que tais.
Mas a velha escola forense se não tem hoje cabimento, tem pelo menos, no absurdo da vida, uma razão filosófica de ser. Talvez por supor que por detrás de uma beca está um ser humano como aquele que a toga veste. E que a retórica pode vencer convencendo. E a oratória gera a ilusão da convicção. E, sobretudo, que quem julga julga-se.
Mesmo que não seja assim, que seja um intervalo, de um Direito que se não reduziu a uma técnica, de uma Justiça que não perdeu a bússola do humano como orientação, nem o humanismo como rota.
Risível? Sim. Burlesco? Claro. Mas intrinsecamente verdadeiro na verdade oculta que simbolicamente reproduz.

PS. Mais uma vez, acho que já afixei este filme. Se sim, estarei como aqueles velhos que contam as mesmas gracinhas várias vezes. Ou sou-o, sem dar conta. Se não, são os meus leitores que já andam por aí, sem que disso se apercebam. Uma noite tranquila que amanhã há mais.

O STJ à frente do seu tempo!

Eu sei que é um lapso mas nestes dias tão difíceis que haja complacência para com a ironia.O STJ tem um site com nova aparência. E o seu Presidente escreveu umas palavras de boas vindas. Permitimos citar:

«Altera-se o sítio do Supremo Tribunal de Justiça pretendendo-se torná-lo mais funcional, mais manejável, de mais fácil acesso e consulta. Deseja-se que este sítio seja o reflexo da vida interna do Supremo Tribunal quer quanto a decisões relevantes para a vida nacional quer quanto a realizações diversas que ciclicamente nele se realizam abordando temáticas incontornáveis da nossa vida colectiva. O sítio será, assim, o calendário pormenorizado desta Casa com entrada fácil do cidadão que a queira conhecer melhor. Esperamos sinceramente atingir os objectivos pretendidos».
 
Até aí tudo bem. Protocolar, amável, o Exmo. Conselheiro-Presidente dá nota de que o mais alto Tribunal do País está a modernizar-se. O facto é que essa nota, que está aqui, tem data de amanhã, dia 20, quinta-feira! Em rigor: «Quinta, 20 Outubro 2011, 10:00».

Até chegar o Esperanto

Tenho vindo a enriquecer a lateral deste blog com instrumentos de trabalho sobretudo para os que fazem do Direito uma profissão. Outro dia foi um primeiro elenco de bibliotecas jurídicas.
Hoje coloco um link para um dicionário jurídico multilingue que corre sob o cuidado do GDDC da PGR.
Enquanto não houver um Esperanto Jurídico [e que tal ler sobre isso isto aqui?], a ideia é vencer a Torre de Babel em que o Direito se tornou, sobretudo vivido em ambiente internacional.

O MP e a PGR: tratando-se de políticos....

Li esta circular do PGR que acaba de ser divulgada: «Sempre que num determinado processo sejam intervenientes a título pessoal titulares de órgãos de soberania (Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Deputados, Primeiro-Ministro, Ministros), os senhores Magistrados do Ministério Público deverão ter em consideração os seguintes procedimentos».
E mais: «Os mesmos procedimentos deverão ser seguidos em relação aos titulares de órgãos do Estado, designadamente àqueles que gozem de imunidades, impedimentos e prerrogativas similares às de titulares de órgãos de soberania (Representante da República nas Regiões Autónomas, Presidentes do Governo das Regiões Autónomas, Deputados às Assembleias Regionais, membros do Conselho de Estado, Deputados ao Parlamento Europeu, Provedor de Justiça».
Os procedimentos no essencial centram-se no seguinte: tudo através do PGR. O mais são regras protocolares e acessórias. [o texto integral encontra-se aqui].
Na justificação do circulado diz-se que tudo isto é «com pleno respeito pelas competências legais e funcionais do Ministério Público, a sua natureza de órgão auxiliar de justiça, pelas competências legais e processuais dos magistrados titulares dos processos, nomeadamente a sua autonomia processual e funcional na formulação do juízo de necessidade e adequação das diligências objecto dos pedidos e solicitações a endereçar aos órgãos de soberania ou aos seus titulares».

A pergunta para a qual não encontrei resposta foi esta: se o circulado é com este pleno respeito todo, porquê esta circular?



Responsabilidade penal das PC's: Circular do PGR

Revogando a Circular nº 1/2009, de 19 de Janeiro, o Procurador-Geral da República determinou, ao abrigo do disposto no artigo 12°, n.o 2, aI. b), do Estatuto do Ministério Público, na redacção da Lei n.o 60/98, de 27 de Agosto, que os Senhores Magistrados e Agentes do Ministério Público, observem o seguinte:

«1 - Nos casos em que existam fundadas suspeitas da prática de factos ilícitos penalmente imputáveis a uma pessoa colectiva, os Magistrados e Agentes do Ministério Público deverão instruir o órgão de polícia criminal, no qual deleguem competência para a investigação ou a realização de diligências, no sentido de procederem à sua constituição como arguida, através dos seus actuais representantes legais;
«2 - O disposto no número anterior aplica-se ainda no caso de ter sido declarada a insolvência da pessoa colectiva, mantendo-se, até ao encerramento da liquidação, a representação legal nos termos estatutários.
«3 - A constituição da pessoa colectiva como arguida não prejudica a eventual constituição e interrogatório como arguidos dos representantes legais da pessoa colectiva que possam ser pessoal e individualmente responsabilizados pelos factos que constituem objecto do inquérito».

O que cremos seria interessante - visto que a responsabilidade penal das pessoas colectivas passou a ser regra geral em face do artigo 11º do Código Penal para um extenso catálogo de crimes, como se pode ver aqui - seria  definir quem é que pode/deve assumir para efeitos penais o papel de legal representante da pessoa colectiva: se o próprio titular do órgão máximo da sua gestão, se algum membro da direcção ou administração com o pelouro respectivo, se alguém mandatado para o efeito. É que já vi soluções para todos os gostos. 
Uma coisa é certa: visto do ângulo exterior ao julgamento não se distingue quem está ali a ser julgado por ter praticado crimes que até podem ter lesionado a própria pessoa colectiva [pelo menos a sua imagem ficou sempre posta em crise] e quem está ali [quantas vezes da gerência/administração que se seguiu] porque a pessoa colectiva terá que ter, sentado no "banco dos réus" um figurante físico.
O efeito estigmatizante, a má imagem pública, é igual, porque indistinta entre quem agiu e quem representa aquele ente colectivo que se co-responsabiliza.
É um equilíbrio instável.

Vida dupla, morte una!



Ao passear por aqui encontrei este meu texto aqui. Poderá parecer vaidade deixá-lo arquivado neste lugar. Mas ao menos que sirva e a ter erros que mos corrijam e a ter opiniões discutíveis, que ajude a reflectir.
Pelo menos serviu, nesta tarde em que fugi aos deveres forenses para avançar num livro jurídico que me obriguei a concluir, para que, num intervalo da sisudez, me risse comigo mesmo, por ter escrito então entre outras coisas com aparência talar:

«Assim, tomemos como referência o que acontecia ontem ainda, em 1810: o bígamo era condenado a morte natural, sendo degredado para uma das conquistas do Reino com perdimento dos bens para o Real Fisco, aquele que contraísse matrimónio clandestino; os que andassem mascarados em qualquer parte do Reino, prisão por dois meses, degredo para África por quatro anos e pena pecuniária de cem cruzados e já os estudantes de Coimbra que andassem embuçados com as capas pelas cabeças sujeitavam-se, sendo nobres, a degredo para o Brasil, riscados dos seus cursos e inabilitados de serem mais admitidos e sendo «mecânicos» a degredo para Angola por cinco anos».

Crimes fiscais: pagamento exoneratório no OE2012

Vem na proposta de lei do Orçamento de Estado para 2012 esta alteração ao Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, abreviadamente designado por RGIT [veja todo o texto aqui], para entrar em vigor em 01.01.12, a dispensa de pena quanto a crimes fiscais puníveis com prisão até três anos [artigo 22.º]  se «a prestação tributária e demais acréscimos legais tiverem sido pagos, ou tiverem sido restituídos os benefícios injustificadamente obtidos, até à dedução da acusação».




Furacão

Num colóquio sobre Direito Fiscal, António Carlos do Santos, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Sousa Franco, revela: «Em 10 anos houve 2.760 alterações em matéria tributária. Assim, nem o Estado, nem os contribuintes, nem a máquina informática, nem os fiscalistas se entendem».
Ante um número destes, só em matéria fiscal, onde deveria imperar a estabilidade e a segurança, o Estado de Direito, oferece a garantia de quê? De ser um tumulto de ordens e contra-ordens, a deslegitimação a resultar do caos em que o sistema vive e que faz parte intrínseca natureza. E depois há o risível princípio segundo o qual o desconhecimento da lei não aproveita ao cidadão.

The candidate...

Eu sei que é longo, mas pelo teor e natureza das afirmações produzidas, vai na integra. É a audição parlamentar do candidato à fiscalização das secretas, Paulo Óscar Pinto de Sousa, Procurador da República, no dia 13 de Outubro, em directo e ao vivo, clicando aqui. [foto com a devida vénia do jornal "Público", que dá notícia de parte do ocorrido, aqui].

A Assembleia resolve...



Resolução da Assembleia da República n.º 126/2011

Eleição para o Conselho Superior de Informações
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 18.º da Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, designar para o Conselho Superior de Informações os seguintes Deputados:

Efectivos:
José Manuel de Matos Correia.
Vitalino José Ferreira Prova Canas.
Suplentes:
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira.
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues.

Aprovada em 30 de Setembro de 2011.
A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção A. Esteves.


Resolução da Assembleia da República n.º 127/2011

Eleição de dois membros para o Conselho Superior de Segurança Interna
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição e da alínea g) do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto, eleger para o Conselho Superior de Segurança Interna os seguintes Deputados:

Teresa de Andrade Leal Coelho.
Alberto Bernardes Costa.

Aprovada em 30 de Setembro de 2011.
A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção A. Esteves.

O emaranhado da razão

Ante a agressão de um polícia o SINAPOL, Sindicato Nacional da Polícia, emitiu comunicado em que defende que «a moldura penal para o crime em questão, seja aumentada para o mesmo número de anos previstos para os crimes de homicídio». Li a notícia porque citada aqui.
Na Criminologia e na Penologia, na Política Criminal, enfim, discute-se há muito se o incremento do tempo de prisão leva à dissuasão dos potenciais criminosos, fazendo funcionar a prevenção especial e também a geral. 
Ora se no emaranhado das suas mentes, eles, os agressores de polícias e de demais autoridades, agirem racionalmente, numa lógica de custo/benefício, porquê agredirem polícias e não matá-los, se a pena for igual? Ou não pensou nisto o SINAPOL que a identidade da pena é um convite ao extermínio dos seus filiados?

Detenção: cooperação EUA/Europa

Está aberto a consulta, o Green Paper on the application of EU criminal justice legislation in the field of detention. Um texto fundamental, porque simultaneamente didáctico.
A ideia é fortalecer os laços de cooperação transatlântica e  ao mesmo tempo a coesão europeia em matéria de Justiça Criminal.
O documento pode ser encontrado aqui. O documento de base sobre o reforço da confiança no espaço judiciário europeu, tanto a nível do mandado de detenção europeu, transferência de presos, liberdade condicional, justiça para menores, etc, pode ser lido aqui. [click em PT, para a versão em língua portuguesa].

Presuntos implicados

Formei-me com base na ideia de que a presunção de inocência é uma garantia essencial de um sistema processual criminal justo, porque impede que seja tratado como sub-gente aquele cuja culpa não foi fixada por sentença, porque garante a igualdade entre todos os que vão a tribunal, mesmo acusados para apuramento de responsabilidades, porque faz com que seja o acusador a provar o crime pelo qual acusa e não o acusado a provar a sua inocência face àquilo de que o acusam.
Com a passagem dos anos tenho assistido à diminuição dos que acreditam neste valor. Um acórdão do STJ falava já, abrindo a porta a uma nova cultura autoritária, em "presunção sociológica de culpa". E em meios tidos por influentes circula, entre a ironia e a ideia, o conceito de que a presumir-se qualquer coisa o arguido, sobretudo quando acusado, ademais quando pronunciado, indiscutivelmente quando condenado, deveria sê-lo sim, mas presuntivamente culpado.
Por um lado, porque o sistema, desconsiderando tantas vezes as vítimas de crimes, desguarnecendo-os de meios de acção e atribuindo-lhes, enquanto lesados, indemnizações ridículas, foi criando um fosso inaceitável entre os benefícios dos arguidos e as esmolas das vítimas, gerando o sentido da injusta desproporção. É o ressentimento dos muito pobres quanto à mediania dos que nem a ricos chegam.
A isto acrescem realidades chocantes como a banalização do estatuto de arguido - que só agora com a necessidade de o substanciar com a pré-existência de fortes indícios veio moderar - e a irrelevância do estatuto de arguido, cada vez menos infamante a ponto de já ser suspeito quem, andando na vida pública ou empresarial, nunca foi arguido de coisa alguma, fiscal que seja, já que o Direito Penal, qual polvo tentacular, espraia as suas ventosas por todo o tecido social, modo que o Estado desrespeitado julga ser o mais fácil de fazer respeitar tudo quanto lhe vem à cabeça.
No meio disto uma pessoa chega a interrogar-se sobre se, mudado o mundo, deverá mudar a nossa cabeça e sobretudo o nosso coração. 
Mas há algo que tenho como certo: que para fins estritamente processuais ser-se arguido só diminua segundo o limitadamente previsto na lei - face aos deveres e sujeições a que fica adstrito - compreende-se; agora que em termos cívicos a política se encarregue de ignorar completamente o caso, eis o que está em causa. 
Mais: ante esta notícia aqui, pergunto-me se os da política não quererão mesmo provocar, rebaixar, e afrontar o poder judicial.
É que se há coisa de que os da política não gozam é da presunção de serem inocentes, a ingenuidade perdem-na logo no primeiro acto, estuprados por este sistema de amoralidades úteis.
Ah! Como hemos cambiado!
Bom domingo, caros amigos.

Violência doméstica

Os factos

O arguido é casado com (...) há cerca de 33 anos, tendo desta relação nascido duas filhas; Desde data não concretamente apurada, mas aproximadamente no ano de 2004, o arguido em diversas ocasiões desferia murros e pontapés em (...) e apelidava-a de «puta»;No dia 6 de Julho de 2008, pelas 19H00, no interior da residência do casal, (...), o arguido começou a discutir com (...)e a filha de ambas, (...), dizendo à primeira que lhe batia;Em determinado momento, procurou o arguido atingir a sua filha com uma cadeira, ao que (...) tentou agarrar, por trás, o arguido de modo a impedir o seu propósito; Então, o arguido desferiu, com a cadeira, uma pancada em (...), atingindo-a no peito;Em consequência, a (...) sofreu contusão da parede torácica, hematoma na região frontal e na mama, escoriações nos lábios e cotovelo, lesões que demandaram 15 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho; O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de molestar física e psiquicamente (...), atingindo-a na sua integridade física e moral, o que conseguiu; Sabia que a conduta empreendida não lhe era permitida e constituía crime; Como consequências das lesões referidas, a demandante teve muitas dores; Durante esse período, a demandante teve dificuldade em fazer a sua vida normal, atentas as dores que tinha, nomeadamente conduzir, levantar pesos, dificuldade em movimentar os braços; A demandante teve que tomar medicação, mormente analgésicos, e colocar gelo nas zonas negras; Tanto estas lesões, como as que resultaram de outros actos perpetrados pelo arguido contra a sua pessoa ao longo dos anos, a demandante tentava esconder de terceiros, evitando assim que alguém desconfiasse que ela era alvo de agressões;
A demandante tinha vergonha que as pessoas soubessem que era alvo de agressões por parte do arguido, pois que para a sociedade em geral, pareciam ser um casal muito feliz; (...) sentia regularmente angústia e medo, sentindo-se amedrontada por, a qualquer momento, poder ser alvo de agressões físicas ou verbais;
Tais agressões tanto podiam ocorrer quando a demandante se encontrava sozinha ou à frente das filhas;
A demandante saiu de casa no dia 6 de Julho de 2008, não levando consigo, nessa data, quaisquer bens;
A demandante tomou, pelo menos até sair de casa, antidepressivos e ansiolíticos».


A consequência

«Termos em que acordam os Juízes deste Tribunal da Relação [de Évora, em 12.09.11] em conceder provimento parcial ao recurso e consequentemente revogar a decisão recorrida nos seguintes termos:

a) Absolver o arguido da prática do crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152º nº 1 do C.Penal;
b) Condenar o arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física simples p. e p. no art. 143º nº 1 do C.Penal na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de EUR 5,00, o que perfaz a multa global de 800,00 (oitocentos euros);
c) Julgar o pedido cível parcialmente procedente por provado e condenar o demandado a pagar a quantia de EUR 500,00 a título de danos não patrimoniais à assistente e absolvendo-o quanto ao mais».

Porque

O Tribunal da Relação acha que «Não comete um crime de violência doméstica, mas um crime de ofensa à integridade física, aquele que, em data não concretamente apurada, desferido em diversas ocasiões murros e pontapés na sua mulher, apelidando-a denomes injuriosos. Tratando-se de crime único, embora de execução reiterada, a consumação do crime de maus tratos ou de violência doméstica ocorre com a prática do último acto de execução, não sendo a conduta plúrima e repetitiva nem tem a gravidade intrínseca capaz de a considerar susceptível de integrar o crime de maus tratos, a infracção cometida é a de ofensa à integridade física simples».

Nota
Em primeira instância fora condenado como autor material de um crimes de maus tratos a cônjuge, previsto e punido pelo art. 152º nº 1 e 2 do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de pagar à assistente, no prazo de seis meses, a quantia de EUR 8.000.

Ética dos ROC's

Foi aprovado o Código de Ética dos Revisores Oficiais de Contas. O texto pode ler-se aqui. Como se sabe estão organizados numa Ordem profissional, a que se acede clicando aqui
A sua certificação oficial das contas das empresas goza de fé pública. Mas não são funcionários públicos para efeitos penais. Um dirigente de um clube desportivo que goze de utilidade pública, esse é-o, para que se logre a sua sobre-punição. É um sistema sem rei nem roque...

O jogo do rapa

Devia ser um sistema simples, não diria uma tabela, mas algo que se alcançasse com uma aritmética singela. Devia ser um sistema que, não tendo de ser como o jogo do rapa, dele se aproximasse. E sobretudo que quem litigasse provisionasse o suficiente para evitar os incobráveis. E em que quem perdesse pagasse mesmo o que gastou quem ganhou.

Segundo o Comunicado do Conselho de Ministros de 13.10.11, o Governo «aprovou uma proposta de lei que procede à alteração ao Regulamento das Custas Processuais. Esta proposta tem como objectivos padronizar as custas judiciais - com a aplicação do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciaram - e desincentivar a litigância de má-fé. A aplicação das mesmas regras a todos os processos torna o regime de custas mais simples e potencialmente mais eficiente e contribuirá para a agilização, celeridade e transparência dos processos judiciais».

Aleluia na parte em que se acaba com o ridículo sistema de aplicação de regras de custas conforme a data do início da acção, tudo conjugado com processos regidos por várias versões do Código de Processo Civil, segundo o mesmo critério.
Logo veremos no que isto dá quando for publicada a lei. Até lá são intenções. E delas...

Hey, cowboy!

Primeiro veio no jornal, aqui, assim, e alguém, que afinal tinha sabido pelo jornal, também mo resumiu do mesmo modo: «A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) propõs esta terça-feira "uma revolução no Código de Processo Penal". O Ministério Público passaria a poder negociar a pena com o arguido, ao estilo americano; a fase de instrução seria resumida a um só debate; e a acusação teria de estar concluída dentro de um prazo a estipular, findo o qual, o processo abortaria».
Claro que ante um tal resumo o melhor é pensar coisa nenhuma: porque vago, porque impreciso, porque formulado em termos  de linguagem de leigo; «processo abortaria», «negociar a pena», «prazo a estipular», sei lá o quê.
Confesso que achei insólito que uma tal vacuidade merecesse logo pronto apoio da parte de um académico, como se vê aqui.
Na ânsia de encontrar algo de mais concreto fui ao site da ASJP, aqui. Nada ou as minhas dioptrias aumentaram.
Em suma: estamos a discutir chavões e generalidades. «Justiça à americana». Sobre isso, já deixei aqui vários posts que resumem o que penso acerca do essencial daquela Justiça. 
Espero que os pro-yankees se pronunciem sobre o que querem. Depois conversaremos. Até aqui são frases, das que enchem jornal.

His Master's Voice

Eis o texto oficial da Directiva Comunitária 2011/77/UE, que estende para 70 anos a tutela dos direitos de autor quanto a artistas, intérpretes e executantes de fonogramas. O seu a seu dono, a voz do dono. Tudo aqui.

Tanta reforma, tanto erro...

«Desde a (grande) reforma de 1995/1996 foram publicadas 37 alterações ao CPC [Código do Processo Civil], que mexeram em partes substanciais do código, mas poucos serão os “utilizadores” dos tribunais que dirão que esse esforço se traduziu numa melhoria generalizada do sistema. Muito pelo contrário, as reformas sucederam-se tão depressa que, na maioria dos casos, nunca iremos concluir se foram úteis ou não», escreveu o Advogado Pedro Metello de Nápoles, aqui, na Revista Advocatus. Reclamar, para quê?



P. S. Devo ao Paulo Dias Neves no FB a explicação: «Na verdade, trata-se do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, com as alterações introduzidas pelo D.L. nº 47690, de 11/05/67, pelo D.L. nº 323/70, de 11/07, pelo D.L. nº 261/75, de 27/05, pelo D.L. nº 165/76, de 1/03, pelo D.L. nº 201/76, de 19/03, pelo D.L. nº 366/76, de 5/05, pelo D.L. nº 605/76, de 24/07, pelo D.L. nº 738/76, de 16/10, pelo D.L. nº 368/77, de 3/09, pelo D.L. nº 533/77, de 30/12, pela Lei n.º 21/78, de 3/05, pelo D.L. nº 513-X/79, de 27/12, pelo D.L. nº 207/80, de 1/07, pelo D.L. nº 457/80, de 10/10, pelo D.L. nº 400/82, de 23/09, pelo D.L. nº 242/85, de 9/07, pelo D.L. nº 381-A/85, de 28/09, pelo D.L. nº 177/86, de 2/07, pela Lei n.º 31/86, de 29/08, pelo D.L. nº 92/88, de 17/03, pelo D.L. nº 321-B/90, de 15/10, pelo D.L. nº 211/91, de 14/07, pelo D.L. nº 132/93, de 23/04, pelo D.L. nº 227/94, de 8/09, pelo D.L. nº 39/95, de 15/02, pelo DL n.º 329-A/95, de 12/12, pela Lei n.º 6/96, de 29/02, pelo DL n.º 180/96, de 25/09, pelo DL n.º 125/98, de 12/05, pelo DL n.º 269/98, de 01/09, pelo DL n.º 315/98, de 20/10, pela Lei n.º 3/99, de 13/01, pelo DL n.º 375-A/99, de 20/09, pelo DL n.º 183/2000, de 10/08, com as Rectificações n.º 7-S/2000, de 31/08 e n.º 11-A/2000, de 30/09, pela Lei n.º 30-D/2000, de 20/12, pelo DL n.º 272/2001, de 13/10, com a Rectificação n.º 20-AR/2001, de 30/11, pelo DL n.º 323/2001, de 17/12, pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, pelo DL n.º 38/2003, de 08/03, com a Rectificação n.º 5-C/2003, de 30/04, pelo DL n.º 199/2003, de 10/09, com a Rectificação n.º 16-B/2003, de 31/10, pelo DL n.º 324/2003, de 27/12, com a Rectificação n.º 26/2004, de 24/02, pelo DL n.º 53/2004, de 18/03, pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, pelo DL n.º 76-A/2006, de 29/03, pela Lei n.º 14/2006, de 26/04, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, pelo DL n.º 8/2007, de 17/01, pelo DL n.º 303/2007, de 24/08, com a Rectificação n.º 99/2007, de 23/10, pelo DL n.º 34/2008, de 26/02, com a Rectificação n.º 22/2008, de 24/04, pelo DL n.º 116/2008, de 04/07, pela Lei n.º 52/2008, de 28/08, pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, pela DL n.º 226/2008, de 20/11, com a Rectificação n.º 2/2009, de 19/01, pela Lei n.º 29/2009, de 29/06, pelo DL n.º 35/2010, de 15/04, pela Lei n.º 43/2010, de 03/09 e pelo DL n.º 52/2011, de 13/04. É obra!»

Biblioteca Digital da Justiça

Deviam ser mais, muitos, mais acessíveis, os motores de pesquisa na área jurídica. A dgsi já é uma ajuda. Na lateral deste blog coloquei, além desse, um link para outros instrumentos de pesquisa. Através do Blog de Informação, do juiz Jorge Langweg soube desta Biblioteca Digital da Justiça. Aqui. Um dia se dirá: com este click vencerás.

A prova penal do interdito civil não é interdita!

A doutrina era controversa, e foi preciso ser o Tribunal Constitucional intervir para que definisse ser «inconstitucional a norma constante do artigo 131.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do artigo 145.º, n.º 3, do mesmo Código, quando interpretada no sentido de determinar a incapacidade para prestar declarações em audiência de julgamento da pessoa que, tendo no processo a condição de ofendido, constituído assistente, está interdita por anomalia psíquica». Eis o que resulta do Acórdão n.º 359/2011 [D.R. n.º 190, II série de 30.10.11].
O núcleo problemático da questão tem a ver com a compatibilização da medida em que pudesse estar em causa a denegação do acesso ao Direito em função de um critério que - porque de aplicação mecânica já que automática - poderia não oferecer garantias suficientes de rigor. 
Um leigo terá dificuldade em compreender que um interdito - e o aresto, de que foi relator Cura Mariano contém uma longa explanação sobre o instituto da interdição - não esteja por isso mesmo e automaticamente privado de capacidade para intervir no processo penal, prestando nele declarações de ofendido. E um jurista terá tendência a aceitar que como lógica correlação de uma declaração de interdição não surja a incapacitação para testemunhar ou declarar. Eis onde o TC encontrou o problema: na insegurança desse automatismo. Ao limite como que tem afirma que um interdito por anomalia psíquica pode não estar, afinal, psiquicamente incapaz para depor com credibilidade, fazendo prova.
É daquelas sentenças de que, com todo o respeito, se dirá  - parafraseando Fernando Pessoa sobre a Coca Cola,  - que «primeiro estranha-se, depois entranha-se». Leia o texto aqui e tente alcançar porque é que, segundo os juízes do Palácio de Ratton «a proibição do ofendido em processo penal, constituído assistente, prestar declarações em audiência sobre a factualidade em julgamento  livremente valoráveis pelo julgador, quando se encontre interdito por anomalia psíquica, não encontra uma justificação bastante nas vantagens da adopção de um método objectivo de determinação das pessoas que, sofrendo de anomalia psíquica, podem prestar depoimentos credíveis em audiência, uma vez que, pelas razões acima explicadas, o critério adoptado revela -se inadequado para se obter uma escolha com o mínimo de rigor. Assim, a circunstância da vítima de um crime que sofra de anomalia psíquica ter sido objecto de uma medida judicial de interdição, que tem por finalidade a sua protecção, não pode servir como fundamento para lhe retirar direitos de intervenção no processo criminal. Seria acentuar a desprotecção da vítima, que já se encontra numa situação de especial vulnerabilidade pela sua deficiência, paradoxalmente justificada por esta ter sido colocada, por decisão judicial, sob um determinado regime destinado a assegurar a sua protecção. Daí que a limitação probatória resultante da norma sindicada se  revele desproporcionada, sacrificando injustificadamente o direito à prova e o direito a um processo orientado para a justiça material. Por esse motivo, se entende que a norma sindicada além de infringir o princípio da igualdade, na vertente da proibição de descriminação, também viola o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, devendo, por isso ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público».

Intervalo

[excesso de trabalho, mas regresso ainda hoje, acreditem; há por aí muito para ler e dizer]

Reforma do processo civil: a Justiça e as Finanças

O Ministério da Justiça por despacho que sintomaticamente também o é do ministro das Finanças «nomeia a comissão da reforma do processo civil».
Segundo o dito a comissão é «presidida pela Ministra da Justiça, com a coordenação de João José Garcia Correia, advogado; vogais: António Abrantes Geraldes, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa; Armindo Ribeiro Mendes, advogado; Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça; João Pires Cardoso Alves, procurador -adjunto; Júlio de Lemos Castro Caldas, advogado; Maria Gabriela Abrantes Leal da Cunha Rodrigues, juíza de direito; Paulo José Reis Alves Pimenta, docente do Departamento de Direito da Universidade Portucalense Infante D. Henrique e advogado; João Paulo Fernandes Remédio Marques, professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Miguel Fernando Pessanha Teixeira de Sousa, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e advogado; Secretário — Sérgio Nuno Coimbra Castanheira, adjunto da Ministra da Justiça. 
A comissão desenvolverá os seus trabalhos por um período de quatro meses, com início em 1 de Setembro e termo em 31 de Dezembro de 2011. 
A reforma a empreender visa: a) A consagração de novas regras de gestão e tramitação processual, tornando, em regra, obrigatória a audiência preliminar, com vista à fixação, após debate, dos «temas controvertidos segundo as várias soluções plausíveis de direito» e das «questões essenciais de facto carecidas de prova»; b) A programação das diligências de prova em audiência final; c) A criação de mecanismos que visem conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto. 
Vem tudo no Diário da República, 2.ª série — N.º 184 — 23 de Setembro de 2011. É o Despacho n.º 12714/2011.