Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A ficção e a interpretação

Acreditem! Não é nenhuma obsessão em relação ao Tribunal Constitucional. É talvez eu não parar de abrir a boca, não de bocejo, mas de espanto.
Um pouco de história ajuda. Daquela história que é feita com a nossa pele, tisnada, tostada e azorragueada.
Houve tempos em que vi o Tribunal Constitucional exprimir-se, até para declarar a inconstitucionalidade de normas legais, através de uma fórmula do género: «o artigo X do diploma legal Y , quando interpretado e aplicado no sentido Z é inconstitucional por violação do artigo W da Constituição».
Depois, quando o TC passou a ser assolado por inúmeros recursos, daqueles desesperados a quem o legislador, numa das constantes reformas do Código de Processo Penal, retirou a regra do duplo grau de jurisdição, passou a rejeitar liminarmente recursos em que o recorrente usava precisamente essa fórmula, citando o modo como a norma tinha sido interpretada [e aplicada] com base no argumento segundo o qual o Tribunal Constitucional não sindicava interpretações de normas mas sim e apenas a sua conformidade constitucional.
Isto, apesar de ser essa a fórmula que usava, como disse, e de ser a que se consagrava num vade mecum formulário de um dos seus magistrados, Guilherme da Fonseca.
Daí, que para escapar à guilhotina liminar da rejeição do recurso, alguns causídicos passaram a usar a fórmula «o artigo X do diploma Y quando prevê Z é inconstitucional (...)», evitando a palavra aziaga, porque mortal, «interpretação». Claro que com esta fórmula os recursos não eram rejeitados in limine mas na sua esmagadora maioria eram declarados improcedentes a seguir.
Ora vejam qual não é a minha nocturna surpresa ao ler isto: que pelo seu Acórdão n.º 498/2011, de 26 de Outubro [texto integral aqui], o Tribunal Constitucional decidiu: «Interpretar a norma extraída do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, em termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé, depois de previamente ser ouvida, a fim de se defender da imputação de má fé; Em consequência, conceder provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido, no segmento decisório atinente à condenação por litigância de má fé, ser reformado por forma a que aquela norma seja aplicada no indicado sentido interpretativo».
Felizmente um homem vive o tempo suficiente para ver o que era deixar de ser e voltar a ser. É uma dialéctica interessante, o mundo ser uma coisa e o seu contrário. Sobretudo quando se fala na segurança jurídica, que é uma daquelas ficções que se aprende nesta novela chamada Direito.