Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Um País de (con) jurados?

O júri em Portugal nunca pegou, porque tentaram plantá-lo «de estaca». Veio com a Revolução Francesa e a sua tradução portuguesa, o vintismo. Teve no bojo a desconfiança face à magistratura togada. Julgava-se que o povo julgando seria mais justo. Morreu de morte natural pelos anos quarenta. Foi repescado em 1975, pelo Decreto-Lei n.º 605/75. Mas é de surgimento ocasional, como as aparições.
Claro que o júri é uma contradição organizada.
Primeiro, porque há quem o julgue a democracia em acção, quando, afinal, é apenas um sorteio ao acaso tirado dos cadernos de recenseamento. Dizem-no indefectíveis democratas e republicanos como o notável tratadista de Direito Penal Luis Jimenez de Asúa, Presidente da República espanhola no exílio.
Depois porque se podem recusar mais facilmente jurados do que juízes, mas por razões que fazem perguntar porque razão a recusa de um juiz é uma excepção escandalosa se, na lógica do sistema, um jurado é tão juiz como os juízes de beca.
Além disso, porque por vezes os jurados são um instrumento de que a Procuradoria se serve quando pressente que é mais difícil à magistratura julgar, assim se comprometendo a colectividade local na responsabilização pela decisão.
Enfim, porque a defesa ilude-se amiúde quando julga maior benignidade no júri, quando a sua severidade é tão grande quanto a sua intolerância.
Mas [desculpem a rudeza] o que mostra a hipocrisia global do sistema é o Tribunal Constitucional ter-se permitido no seu Acórdão n.º 460/2011, de 11 de Outubro [texto integral aqui] pelo qual decidiu «não julgar inconstitucional o artigo 40.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, no segmento em que impede o julgamento por um tribunal do júri dos crimes de participação económica em negócio, previsto e punido nos artigos 3.º, n.º 1, alínea i), e 23.º, n.º 1, de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido nos artigos 3.º, n.º 1, i), e 16.º, n.º 1, e de abuso de poder, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 1, i), e 26.º, n.º 1, todos da referida Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, quando cometidos por um membro de um órgão representativo de autarquia local», afirmar que: «A admitir-se a possibilidade de julgamento com intervenção de júri nestes casos, torna-se maior o risco de se provocarem situações de difícil aplicação de justiça por força das pressões que venham a ser exercidas sobre os jurados, às quais um cidadão, porque não beneficia das mesmas garantias dos magistrados, consagradas no respectivo estatuto, no sentido de acautelar a sua independência e isenção, poderá ter maior dificuldade em escapar. É que, também nestes casos, esta proibição de intervenção do tribunal do júri visa proteger os cidadãos que, sendo obrigados a integrar um júri para este tipo de crimes, poderiam ver postos em causa valores essenciais, pessoais e familiares, pois estariam mais expostos a pressões ou outras formas atentatórias da sua liberdade, segurança e tranquilidade, direitos esses que cumpre ao Estado salvaguardar».
A um Estado onde se escreve isto, exige-se uma actuação e já: acabar com o tribunal de júri de fingimento, porque afinal um tribunal de permeáveis e medrosos, à mercê dos políticos e poderosos funcionários.
Isto, por falar em permeabilidade, para não perguntar ao Tribunal Constitucional qual a razão de ciência de uma tão grave afirmação.
É o estertor do Estado, a agonia da sociedade civil.