Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A Cidade Ideal

Haveria um ponto ideal, eu ser diário na presença neste blog ou até repetindo por mais de uma vez a presença neste espaço. Mas a vida ultrapassa essa possibilidade criando deveres, lazeres, dificuldades, impossibilidades, desejos e sujeições. É seguramente melhor assim, esta assimetria do que a funcionalização da regularidade. Além disso, há também o haver momentos em que nada há para dizer e outros em que não se sabe como dizer e outros sem razão sequer que explique.
Nisso, este lugar é a expressão da vida com a sua turbulência. 
Fosse assim o Direito, incerto, irregular, ocasional, sujeito à possibilidade e ao momento e talvez fosse o caos. Fosse imperfeito, irrequieto, fragmentário. Fosse dependente do ser humano e das suas vicissitudes. E de facto é. A sua verdade é sê-lo, precisamente nisto que é o que parece defectivo, o sinal da sua incompletude. 
Nos recolhimentos das cátedras constroem-se seguramente cidades ideais de lógicas edificações, coerentes, sistematicamente harmónicas, perceptível nelas o trânsito, iluminados os cidadãos pelo Sol da certeza e reconfortados pela segurança. 
São, porém, cidades de papel. A vida encarrega-se de incendiá-las quotidianamente, a Justiça fruto de construtores da sua própria arquitectura, sobre ruínas interminavelmente.

Uma questão de perfil

Conheci-o de perto na Comissão legislativa de que saiu o Código de Processo Penal de 1987. Sem que ele o suspeitasse sequer, conheci-o no acto da escolha, como um dos dois nomes que estiveram na altura em causa para o cargo de Procurador-Geral da República. Depois, foi assistir à sua entronização no Palácio de Palmela, o redimensionar progressivo do seu poder, um processo que levaria, pelo culto da personalidade, a fazerem-no supor um candidato possível à Presidência da República. 
Estive nas primeiras linhas dos que criticaram muito do que fez, do que propunha como avantajamento do Ministério Público em detrimento do poder judicial. Sofri muitos dos efeitos dessa cultura de poder e de antagonismo na pele, nos processos em que intervim, quantas vezes do lado menos fácil. Tempos de luta corpo a corpo. Recusei deixar-me arrastar para o campo dos que queriam rebaixá-lo, atrelando a PGR à carroça do Executivo.
Um dia moveu-se uma campanha porque eu era advogado e havia sido escolhido pela Assembleia da República para membro do Conselho Superior do Ministério Público onde havia aliás outros Advogados, um até escolhido pelo Ministro da Justiça, mas contra os quais nem um piar se ouviu. Cercado, pedi-lhe audiência e fiz-lhe saber que ser Advogado me obrigava a uma lealdade à minha profissão que não poderia deixar-me cair naquela ratoeira que tinha um propósito: fazer-me sair. Saí.
As nossas relações, entretanto, tinham esfriado. Quando regressei de Macau em 1988, tinha tido a gentileza de me convidar para um almoço onde, sem para quê, lhe confiei a integralidade do que vivera. Quando saiu de Procurador-Geral tive o cuidado de lhe escrever uma carta a exprimir, sem porquê, o que sentia. Percebemos que já não havia remédio.
Hoje, anos volvidos, chegado aqui, quero ser honrado com a minha consciência: mau grado tudo o que nos separou, o que nos dividiu, o que nos levou ao confronto, com quanto me chocaram e doeram as omissões daquilo que fingiu não ver e não ler, ele do alto da majestade do cargo que desempenhou eu no meu plantão de soldado de trincheira na advocacia, José Narciso da Cunha Rodrigues é a imagem e o perfil do Procurador-Geral da República. Tenho dito.

O "pesadelo" das perícias...

«Pinto Monteiro, que falava perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a propósito do relatório de execução da Lei de Política Criminal para o biénio 2009/2011, disse que em 2010 havia 1.048 exames periciais por fazer no distrito de Lisboa, que se encontravam no laboratório de polia científica. No mesmo ano, mas no distrito do Porto, o total de exames periciais por fazer cifrava-se em 1.258, em Coimbra era de 910 e em Évora atingia os 429. Segundo o PGR, aqueles números reportavam-se a exames pendentes há um ano ou dois, razão pela qual questionou se não era possível haver outras instituições que fizessem aqueles exames. Exemplificou com os exames grafológicos (à escrita), que apenas podem ser realizados pela Polícia Judiciária, que leva três a quatro anos a realizá-los, enquanto há instituições que os fazem em muito menos tempo».

A "burrasca giurisdizionalista"

O livro é da autoria do Professor Fabio Vecchi. Chama-se Controversie giurisdizionali nel Portogallo del primo quarto del XVII secolo. Tirei daqui este seu resumo: «L'indagine storiografica persevera in un'ingiustificata disattenzione attorno alla vicenda giuridica nel Regno di Portogallo ed Algarve nonostante sia teatro - ne è prova la quadruplice codificazione regia - di straordinari momenti dell'esperienza del diritto moderno. A tali dinamiche di trasformazione non si sottraggono i rapporti Stato-Chiesa ed i rispettivi fori nella burrasca giurisdizionalista del Seicento. Il confronto serrato che oppone Nunzi e Collettori apostolici al Principe filippino e ai suoi ministri dà vita ad un giurisdizionalismo sui generis, ben diverso dai coevi modelli europei. Fatto salvo il foro episcopale, i tribunali ecclesiastici del post-tridentino, l'inquisitoriale e dell'ius fisci, perdono d'importanza perché la stirpe atlantica di Ulisse onora la tradizione del diritto patrio, lo "estylo do Reino", corroborato da portentosi giuristi regalisti e da una vitalissima giurisprudenza».

A Brave New World

Até aqui a discussão sobre o processo penal era o problema do Estado e dentro dele a questão corporativa e assim o tema do poder: quem manda? A matéria desdobrava-se numa miríade de assuntos mas todos em torno do mesmo: a quem compete o poder de dirigir o inquérito, aos procuradores ou a juízes? pode o Ministério Público decretar nulidades ou tal é pecúlio privativo do poder judicial? Deve a instrução ser um acto de cassação sobre a decisão da acusar ou arquivar ou um acto de sobreposição jurisdicional determinando o caso julgado do definitivo arquivamento pela não pronúncia e a forçosa submissão a julgamento mesmo que em termos discrepantes com o acusado? Deveria, em matéria de medidas de coacção, o juiz ir para além do requerido pelo Ministério Público? Fazia sentido a "correcionalização" do processo penal pelo qual se singularizava, sem que o poder judicial se pudesse a tal opor, em detrimento da competência natural do colectivo, assim o Ministério Público o quisesse?
A degradação da vítima, a diabolização da defesa faziam parte da retórica pela qual o Estado se impunha à sociedade civil.
Hoje, olhando para o panorama que começa a ganhar corpo, esse mundo acabou.
Talvez porque o Estado tenha deixado de querer ser muito Estado e tenha perdido legitimidade moral para se assumir como Estado, talvez porque os do Estado o foram cedendo à sociedade comercial, "outsourcizando-o" interesseiramente; talvez porque os jovens que hoje determinam a agenda pública cheguem às escadarias do mando e do pensamento que mandará seduzidos pelo neoliberalismo político, filho espúrio do serôdio capitalismo em que vivemos. Assim como os seus pais foram o fruto do marxismo ideológico, do qual emergiu a centelha da cultura judiciária que ainda impera.
Virou a página. Hegel morreu, envenenado por Marx.
Olhando para o que começa a emergir, o modelo é o americano. Fez a sua entrada pela porta da criminologia radical. A escola sociológica abriu as portas a que toda uma literatura tida por científica fizesse a sua aparição na cultura jurídica portuguesa e através dela a civilidade do quantitativo como critério de validação pragmática da verdade eficaz. O que fora a sedução pela germanofilia que centrara arraiais durante a Guerra no pensamento coimbrão, com a exportação da pesada sistemática alemã e sua dogmática imperial, tida como a única inteligente e universalmente pertinente, enquanto abstracção conveniente à legitimação dos voluntaristas diktats necessários e seus contrários, está a finar-se.
Ontem passei pela "Arco Íris" que há anos que já é Coimbra Editora. Ali estava Paulo Dá Mesquita e um grosso tomo sobre o direito probatório...segundo o modelo americano. Já o tinha visto anunciado aqui. A Brave New World.

Aperfeiçoar sim, mas só as conclusões

«A motivação do recurso é insusceptível de aperfeiçoamento. Assim, a motivação deficiente, insuficiente para identificar o objecto do recurso, há-de ser equiparada à falta de motivação e produzir o mesmo efeito que esta: a rejeição do recurso Relação de Évora de 7 de Fevereiro de 2012 [relator Sénio Alves, texto integral aqui].
Isto porque, segundo o mesmo aresto, «da leitura conjugada dos nºs 3 e 4 do artº 417º do CPP é forçoso concluir: a) o convite ao aperfeiçoamento restringe-se às conclusões e só pode abarcar matéria já contida no texto da motivação; b) nem as conclusões “devem manter-se aquém ou exceder as questões que ficaram afloradas no corpo da motivação, nem devem ser tão ou mais abrangentes que a própria motivação em si” – Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., 511 [no mesmo sentido, cfr. o Ac. RC de 9/7/2008 (rel. Luís Ramos), www.dgsi.pt.: “(…) até por força do disposto no nº 4 do artº 417º (…) há que concluir que o não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões”]».

Fundamentação e imprecisão

A propósito da fundamentação das sentenças, determinou a Relação de Coimbra no seu Acórdão de 8 de Fevereiro de 2012 [relator Alberto Mira, texto integral aqui] que «fórmulas genéricas e imprecisas, tais como "não se provaram os restantes factos", são ineficazes, porque não dão a indispensável garantia de que todos os factos relevantes alegados, que não surgem descriminados na decisão sobre a matéria de facto, foram considerados nos termos legais».
 
P. S. O quadro chama-se "Vacuidade".

Suspensão da pena e condenações anteriores

«Assim, essa suspensão é uma nítida opção pela socialização em liberdade do condenado, sem que isso signifique que tenha de existir uma plena certeza que este venha efectivamente a reinserir-se. Aliás, o facto de o condenado já ter anteriormente sofrido outras condenações poderá até nem ser um obstáculo à suspensão da execução da pena de prisão, principalmente quando os crimes foram todos praticados anteriormente à primeira condenação – cfr. Acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2008, in CJ (S), Tomo I». Eis a Relação de Coimbra a decidir no seu Acórdão de 8 de Fevereiro de 2012 [relatora Brízida Martins, texto integral aqui].

Indemnização: critérios

«Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida. E o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica», determinou o Acórdão da Relação de Coimbra de 01.02.12 [relatora Maria Pilar Oliveira, texto integral aqui].
O aresto contém uma exaustiva e útil enunciação das referências doutrinais sobre o tema da responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Tempo de prisão/início da pena

«Sendo o desconto estabelecido um benefício para os condenados, também eles devem beneficiar, no cumprimento das penas de prisão onde os descontos são efectuados, de um regime de contagens que leve em conta esses mesmos descontos como cumprimento de pena. Desta forma, e no nosso entender, sem qualquer ficção, ajusta-se tal tratamento à letra da lei, quando manda que os períodos de privação de liberdade sejam descontados por inteiro no cumprimento da pena de prisão». Assim decidiu o Acórdão da Relação de Guimarães de 06.02.12 [relator Filipe Melo, texto integral aqui].
Desenvolvendo a fundamentação do decidido considerou: «a corrente, representada pelo Ac.TRP, pº 1692/09.0JAPRT-B, e que a decisão recorrida perfilhou, faz apelo a uma data, essa sim, ficcionada, para início da pena, fazendo então funcionar os mecanismos do citado artº 61º, o que redunda em que os dias, meses ou anos de privação de liberdade antes do trânsito em julgado só serão contabilizados no cumprimento da pena para determinação do seu termo, não tendo a mesma repercussão útil (ou seja, por inteiro) para determinar o meio e os 2/3 pressupostos da concessão da liberdade condicional. No mesmo sentido vidé Acs.do TRP de 4-5-2011, rel. Coelho Vieira, do TRL de 27-3-2008, rel. Calheiros da Gama; e também do TRL de 21-10-2004, rel. Margarida Vieira de Almeida. Em linguagem corrente, qualquer pessoa, mormente o arguido, entende e tem por certo que, se por hipótese foi condenado a 4 anos de prisão, terá cumprido metade e faltar-lhe-á a outra metade (aritmeticamente igual) após ter estado detido 2 anos, momento em que lhe faltarão os outros 2. Isto, repete-se, sem qualquer ficção».

«Tal entendimento, de resto, e ao contrário do que temos visto seguir, é o defendido por Figueiredo Dias, quando ensina que "Para efeito de se considerar «cumprida» metade da pena, contabiliza-se seguramente qualquer redução que a pena tenha sofrido, nomeadamente por via de perdão parcial ou de outra medida graciosa; como igualmente se contabiliza qualquer privação de liberdade sofrida no processo que conduziu à condenação ou por causa dele, nomeadamente, o tempo de prisão preventiva. Deste modo, pode acontecer que logo no momento da condenação o arguido esteja em condições - ao menos formais - de ser colocado em liberdade condicional" - Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 536. Ficção existe, em nossa opinião, no entendimento trazido pelo Ministério Público na sua resposta (fls. 3038; 96 destes autos de recurso) de que o condenado apenas inicia o cumprimento de pena na data em que transitou em julgado a decisão condenatória e em que é colocado à ordem do processo ou dá entrada no estabelecimento prisional para o cumprimento dessa pena. Neste sentido, ou seja, de que os períodos de privação da liberdade indicados no nº 1 do art. 80º do Código Penal devem ser levados em conta no cômputo dos prazos de concessão da liberdade condicional, veja-se o Ac.TRP nº 208/04.0GBBAO-B.P1 - 4ª Sec., de 25/03/2009, Relator Jorge Jacob. No sentido de que o meio da pena e os 2/3 da pena são calculados não sobre o remanescente da pena a cumprir (depois de operado o desconto) mas sobre todo o tempo de detenção já sofrido [o que interessa é o tempo de cadeia efectivamente já sofrido] também se pronunciou o Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa, 2008, pág. 211 ( em anotação ao artigo 61.º): "... para cálculo dos 6 meses, dos dois terços e dos cinco sextos da pena ... o tribunal.. já deve considerar como tempo de cumprimento efectivo de pena o período de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação descontado na sentença condenatória..."(nota 5); "...pode acontecer que por força do desconto do período da privação cautelar da liberdade na pena de prisão, o condenado já se encontre formalmente em condições de beneficiar de liberdade condicional .Por exemplo , sendo o arguido condenado em 3 anos de prisão , mas já tendo siofrido 2 anos de prisão preventiva, ele já estaria em condições de beneficiar de liberdade condicional na data da condenação(nota 7). E também Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, pág. 216 e Sandra Oliveira e Silva, A Liberdade Condicional no Direito Português, RFDUPI-2004, págs 373-375 e nota 56 (disponível na internet).
No mesmo sentido se pronunciaram os seguintes arestos: - Ac. da Rel. do Porto de 2-11-2011, rel. Moreira Ramos; - Ac. da Rel. do Porto de 25-3-2009, rel. Jorge Jacob; - Ac. da Rel. de Lisboa de 7-9-2009, rel. Carlos Almeida; - Ac. Rel. de Lisboa, 20-10-2009, rel. Carlos Espírito Santo; - Ac. da Rel. de Coimbra de 25-3-2009,  Jorge Gonçalves; - Ac. da Rel. de Coimbra 1-8-2007, rel. Freitas Vieira. E o único modo coerente para isso se dar cumprimento ao estatuído, é o de, encontrada a pena final, se proceder à contagem, dia a dia, de todo o tempo de privação de liberdade já sofrido, descontá-lo como tempo já cumprido naquela pena e, então sim, encontrar o remanescente para se acharem as datas exactas do meio da pena e dos 2/3 exigidos pelo artº 61º. Relativamente ao óbice suscitado pelo Ministério Público na 1ª instância, quanto à dificuldade de o TEP se ver confrontado com a situação de ter que avaliar a possibilidade de concessão de liberdade condicional logo no momento da entrada definitiva do condenado, responde-se no já acima citado acórdão da Relação de Coimbra, quando se diz que …a lei não contém qualquer menção expressa à necessidade de cumprimento contínuo da pena de prisão para efeitos de concessão de liberdade condicional. As parcelas relevantes para efeitos de concessão da liberdade condicional são apontadas por referência ao cumprimento da pena (cfr. arts. 61º, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal) e é também por referência ao cumprimento da pena que o art. 80º, nº 1, do mesmo diploma, manda descontar por inteiro a detenção ou privação de liberdade decorrente de medida de coacção, o que não contraria, antes apoia, o entendimento de que aqueles períodos de privação de liberdade devem também ser levados em conta para o cômputo dos prazos de concessão de liberdade condicional».

Sacanas com Lei

São livros com histórias da História da vida, livros que contam o pequeno mundo que é afinal mais mundo, porque mais geral e mais vulgar, livros do anónimo porque não notado, invisível já que rapidamente esquecido universo da pequena Justiça, o Portugal dos Pequeninos crimes e das grandes lições de vida, da vida comum, da trivialidade corroída pelos curtos anseios e fartas carências, mais as insolências a par com a humildade, a miséria de se ter pouco que valha e desejar tanto de inútil.
Sacanas Com Lei são crónicas do jornalismo judiciário como existia no tempo das reportagens no Tribunal de Polícia que, quais folhetins, davam a cor local ao mundo citadino, mostrando-lhe os sombrios subterrâneos e seus vícios rapaces, as florinhas de rua e seus amores alugados, tudo transposto para os dias de hoje, mundo acossado pelo medo que cheira à noite nos ghettos e dormitórios, território da alucinação alcoólica e narcótica, terra de indeterminação e de vacuidade, povoada por gente que na hora da Justiça entra pela porta da longa espera e da escassa credibilidade.
Rosa Ramos e Sílvia Caneco viram o que havia para ver. E publicaram um livro que parece de histórias de ficção porque a irrealidade é apenas uma forma de o real se exprimir.
Todos os que julgam que a Justiça é a dos grandes casos devem ler este livro, a começar por quem dita leis a terminar nos que ouvem sentenças. Há nele a sabedoria da simplicidade e a ironia que é o modo de a amargura se rir de si mesma.
«Uma jornalista não quer ficar com dores crónicas na consciência», escreve-se numa das suas narrativas. Talvez por isso tenham escrito este livro, depois de uma longa e dorida paciência. Apresento-o, mais logo, pelas 16:00 no Tribunal de Pequena Instância, no até qualquer dia Campus de Justiça, o lugar onde tudo se passou.

Falso testemunho

Foi o terceiro prémio Kluwer. Acaba de ser editado pela Coimbra Editora. Uma obra na qual a autora Iolanda Rodrigues de Brito, que já havia publicado o ano passado, pela Almedina, um estudo sobre a Liberdade de Expressão e a Honra das Figuras Públicas [ver aqui], analisa os requisitos típicos deste ilícito e a relevância jurídica do crime de falso testemunho. A ler.


Sexta alteração às custas

Devia ser simples como a aritmética. Devia ser duradoura como a tabuada. Mas desde 2008 o labirinto foi criado e seis vezes alterado: «A presente lei procede à sexta alteração do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto -Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelas Leis n.os 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, e 3 -B/2010, de 28 de Abril, e pelo Decreto -Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril». 
Oxalá seja desta. Ao menos podiam ter republicado para evitar o tesoura e cola. Ainda não tive tempo para ler. Mas está tudo aqui.

As UC's

Quando se redigiu o CPP veio à ideia o conceito de UC para deixar de computar em valores pecuniários os previstos na lei e ter de os actualizar constantemente. Ainda houve quem imaginasse que se poderiam denominar UCP's mas a homonímia com as "Unidades Colectivas de Produção" que o PREC trouxeram prontamente afastou a iniciativa. O problema é saber computar quanto vale cada uma para cada ano. Para 2012 são 102,00 €.
O escrivão Alexandre Silva deu uma ajuda  para reconstituir as contas, o sítio da Associação dos Oficiais de Justiça publicou aqui.

Acórdãos do TC em e-book

Já se encontra disponível o 81º volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional - o segundo de 2011 - em formato e-book. O pedido de assinatura anual pode ser feito directamente a partir do registo gratuito disponível no ícone Tribunal Constitucional/Acórdãos/e-books da página do respectivo sítio ou para o e-mail: bibliotecaebook@tribconstitucional.pt
Para além de se manter a integralidade da informação e tratamento que constava da versão anterior, encontram-se agora disponíveis as funcionalidades que uma versão digital como esta permite, nomeadamente folhear virtualmente a publicação, fazer pesquisa por palavras, criar marcadores virtuais, escrever notas pessoais e sublinhar virtualmente.

André Gide e a Justiça

André Gide, escritor. Doutor em Letras, Doutor em Direito. Foi jurado em 1912. Escreveu sobre o que viu e o que sentiu. Cada vez que viajava não deixava de visitar os tribunais, como outros as catedrais. Interessava-se não pelos edifícios, sim pelo ser humano. Uma entrevista interessante a Sandra Travers de Faultrier, sobre a sua pessoa e os seus sentimentos, aqui.
Foi hoje na Rádio Renascença, ao meio-dia, no programa Em Nome da Lei, um debate sobre os "acordos sobre a sentença». Tive a oportunidade de dizer que o penso. Convidado o Professor Figueiredo Dias. Comentários dos "residentes" Luís Fábrica e Eurico Reis. Quem quiser ouvir, clique aqui.

O preço de uma vida

Quanto vale a vida de um português? «No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída pelo STJ tem oscilado, nos últimos anos, entre € 50 000 e € 80 000, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais». É assim que o sanciona o Supremo Tribunal de Justiça e o reconhece o seu Acórdão de 31.01.12 [relator Nuno Cameira, texto integral aqui]. Somos de facto baratos, muito baratos mesmos.

Difamação: eximentes

Causas de justificação em concurso a excepção da verdade e o exercício de um direito no que ao crime de difamação respeita. A Relação de Coimbra, por Acórdão de 25.06.12 [relator Orlando Gonçalves, texto integral aqui] definiu que «independentemente da prova da “exceptio veritatis”, a imputação de juízos poderá sempre integrar a causa de exclusão da ilicitude ao abrigo do ao artº 31.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, quando fiquem demonstrados factos concretos que sustentem os juízos ou que com base nos mesmos o agente tinha fundamento sério para, em boa fé, os reputar verdadeiros».
Fundamentando a sua asserção considerou o aresto que: «Existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos. É o que decorre do art.37.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, quando preceitua que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem descriminações".O direito à liberdade de expressão e crítica tem limites, como decorre do próprio n.º 3 do mesmo art.37.º da C.R.P, quando estabelece que "as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal...".Nos termos do art.31.º , n.º 2 , al. b) do Código Penal , incluído na Parte Geral , não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito.Há pois que conciliar o direito à honra e consideração com o direito à critica, pois um e outro , pese embora sejam direitos fundamentais , não são direitos absolutos , ilimitados .Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua optimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.Até onde vai o exercício do direito e quando passa ele a ser ilegítimo? O art.334.º do Código Civil ao estatui que "é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".Uma definição idêntica não se encontra no Código Penal. Acompanhando o acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Abril de 1998 diremos que "Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros . (...) . Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte (regras) que estabelecem a “obrigação e o dever” de cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social, mínimo esse de respeito que não se confunde, porém, com educação ou cortesia, pelo que os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito, consabido que o direito penal, neste particular, não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências"».

Polícia e vítimas

Nos dias 23 e 24 de Fevereiro decorre em Lisboa o Seminário "Poder e Autoridade Policiais: o lugar das vítimas". Este seminário terá lugar no ISCPSI (PSP), no dia 23, e no ICS/UL, no dia 24. Este evento esulta de uma organização conjunta entre o ICS/UL, o ISCPSI e CRIA.
O objetivo do seminário é responder à pergunta: "Qual o lugar das vítimas em geral e das vítimas de violência doméstica em particular na polícia e sociedade de hoje?" Sabemos que esta questão nos leva a refletir sobre os modos como o policiamento tem sido pensado, organizado e ativado em diferentes contextos regionais. Programa aqui.

Prova gravada prazo alargado

Diz a lei [artigo 411º, n.º 4 do CPP] que há um prazo alargado [30 dias] para recorrer se o recurso tiver por objecto a reapreciação da «prova gravada». Ora há que ter em mente que a jurisprudência já definiu que tal significa que o prazo assim estendido abranja os casos em que o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, mas apenas aquele em que o pretende fazer através do cotejo do que ficou registado nos suportes onde a prova oralmente produzida em audiência é consignada.
Eis este elucidativo excerto do Acórdão da Relação de Lisboa de 31.01.12 [relator Carlos Gominho, texto integral aqui] «em face do tempo entretanto decorrido e as indicações jurisprudenciais emitidas pelas Relações, era pressuposto encontrar-se já uma maior sedimentação no cumprimento dos aspectos formais decorrentes do art. 412.º e dos ónus aí contemplados, maxime, na hipótese da irresignação apresentada versar matéria de facto.
É que, com efeito, o prazo de 30 dias referido no n.º 4 daquele art. 411.º, destina-se apenas aos recursos que tiverem “por objecto a reapreciação da prova gravada” e não quando nos mesmos se pretenda discutir a matéria de facto [sublinhado meu].
Tais conceitos não são totalmente coincidentes. A reapreciação da prova é uma via adjectiva que se abre na decorrência da impugnação de facto operada com observância do respectivo ritualismo legal, que por sua vez é uma das formas de legitimar a sua modificação, nos termos do art. 431.º
O escopo essencial para que aponta aquele art. 412.º, tem em vista, como é sabido, tornar facilmente apreensível às partes e ao tribunal ad quem, o que o recorrente entende estar mal julgado e as razões pelas quais considera que assim aconteceu. [...]
Pergunta-se então: deverá daí concluir-se que o arguido não pretendeu reapreciar a prova gravada?
Julgamos que não.
Como é sabido mantemos uma posição de alguma abertura nesta matéria, posto que se aceite que tal benevolência possa não ser a melhor forma de ajudar à estabilização do cumprimento daquelas mesmas exigências, observação tanto mais pertinente, quando, como no caso presente, até houve convite ao aperfeiçoamento.
Em função da centralidade do direito ao recurso no nosso sistema adjectivo, entendemos no entanto ser de conceder mais algum tempo para a interiorização do funcionamento daquele mecanismo, sancionando apenas com a rejeição as situações em que manifestamente tal actividade recursória esconde a simples intenção de beneficiar indevidamente de um alongamento de prazo e daquelas outras, em que minimamente não se foi capaz de cumprir o essencial da processualização das razões porque se discorda do julgamento de facto».

Nem toda a alteração altera

É dos institutos porventura mais polémicos do Código de Processo Penal em vigor e polémico sobretudo depois da reconstrução a que foi sujeito, o que prevê o regime jurídico da alteração [substancial ou não] dos factos delimitadores do objecto do processo.
Um dos ângulos do problema num sentido de uma interpretação restritiva do conceito foi agora considerado pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 31.01.12[relator Luís Gominho, texto integral aqui] segundo o qual: «Iº Não é qualquer modificação da factualidade provada, em relação ao que se mostre vertido na redacção da respectiva acusação ou pronúncia, que é merecedora de ser qualificada como alteração não substancial dos factos; IIº A prova de aspectos circunstanciais da conduta do agente, que conduzem a precisões ou concretizações dos factos imputados, que em nada alteram o objecto do processo, no sentido de constituírem uma surpresa relevante para a defesa ou de tornarem diferente os eventos fenomelógicos que são objecto da acusação, não constituem alteração que mereça o enquadramento justificativo do art.358, nº1, do Código de Processo Penal».
Para fundamentar a sua conclusão o aresto ponderou: « acórdão do STJ de 24/01/2002, no processo n.º 1298/99 da 5.ª Secção (SASTJ, n.º 57, pág.ª 93), a alteração não substancial “pressupõe uma modificação com relevância para a decisão da causa, não bastando para tal que matéria de facto provada não seja inteiramente coincidente com a vertida na acusação”.
Basicamente estão presentes nesta matéria duas distintas ordens de preocupações que correspondem a outros tantos princípios de processo penal: o princípio acusatório e o da total garantia de defesa do arguido.
De permeio fica a questão do objecto do processo, conceito nuclear no funcionamento de diversos institutos adjectivos v. g. os poderes de cognição do tribunal, a extensão do caso julgado, ou avaliar a excepção da litispendência, mas que não tem, nem pode ter, uma delimitação conformativa absolutamente milimétrica.
Haja-se em vista desde logo, que sobre o Tribunal recai um princípio de investigação (cfr. nomeadamente art. 340.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal), e por isso, como o ensina Castanheira Neves, a identidade do objecto do processo ainda que não deva “ter limites tão largos ou tão indeterminados que anule a garantia implicada pelo princípio acusatório e que a definição do objecto do processo se propõe justamente realizar”, não poderá “definir-se tão rígida e estreitamente que impeça o esclarecimento suficientemente amplo e adequado da infracção imputada e da correlativa responsabilidade”.
Note-se, que nem mesmo o princípio da identidade que o conforma, postula uma sua igualdade “euclideana”, para usar a afirmação sugestiva de Simas Santos Leal-Henriques (Código de Processo Penal Anotado - Editora Rei dos Livros, 2.ª Ed., II Vol., pág.ª 413).
O que é necessário, é que estejamos perante uma alteração que efectivamente “mexa” com os direitos do arguido (como se refere no acórdão desta Relação de 29/11/2007, no Processo n.º 7223/07- 9.ª, consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrl), que postule essa necessidade de defesa.
Assim não acontece, “quando aos factos da acusação se retiram algum ou alguns, isto é se reduz o objecto do processo já que aqueles direitos permanecem intocáveis” (acórdão da Relação de Lisboa já indicado e Ac. do STJ de 08/11/2007, no processo 07P3164, consultável em www.dgsi.pt/jstj), ou “quando os factos são meramente concretizadores ou esclarecedores dos constantes primitivamente da acusação e pronúncia” (v.g. acórdão da Relação do Porto de 19/01/2008, no processo 0815244, consultável em www.dgsi.pt/jtrp).
 
P. S. Na foto o "Largo das Alterações", em Évora.

A generalização encapelada

Quando um professor como este aqui escreve que «A percepção que os investidores estrangeiros têm dos advogados portugueses é que estes defendem os interesses uns dos outros à custa dos seus clientes», «bastantes intervenientes locais são sobejamente conhecidos por se locupletarem com o que podem. As acções em tribunal confirmam esta situação deplorável. Os seus advogados acham que isto é normal», «a profissão não só se alimenta da ineficácia do sistema como a promove», não mandaria a gravidade do que se afirma que individualizasse, a honradez intelectual que não generalizasse?
A generalização é uma forma demagógica de se ter sempre razão pelo modo mais fácil. Na hora da pergunta há sempre a resposta salvadora de que não se visava nem A nem B mas um indeterminado conjunto X. Vale em ambientes em que todos se sentem culpados e poucos têm coragem para perguntar.
É que a inteligência manda que se pergunte: quais investidores estrangeiros a propósito de que advogados portugueses? Que advogados é que acham «normal» que outros colegas seus se locupletem com o que é alheio? E já agora: que professores são estes que assim se permitem escrever como se fossemos todos um bando de gatunos e uma corja de idiotas que, timoratos e com má moral, vestíssemos o silêncio pesado dos comprometidos?
Professor que é o autor da Universidade Católica portuguesa talvez fosse interessante sondar os seus colegas que, simultaneamente com o ensino advogam, quantos em grandes escritórios para clientes estrangeiros, o que é acham do estilo da sua prosa e do método de a escrever. E esperar que nenhum advogado dos muitos honrados e escrupulosos, que os há, não o encontre em público para tirar dúvidas.

P. S. Acabo de saber que o senhor professor se propõe resolver não só o problema dos advogados, mas a própria «crise mundial». Li aqui. Já entendi tudo. Desculpem ter feito perder o vosso tempo.

RMP 128

Saiu o n.º 128 da Revista do Ministério Público. Pontual e sempre com interesse. O sumário pode ser visto na íntegra aqui. Dos Estudos e Reflexões menciona-se:


9 | O Regulamento (CE) n.º 1060/2009 e o problema da qualidade e da necessidade das notações de risco: o caso particular da dívida soberana
ISABEL ALEXANDRE • ANA DINIZ
[Segunda parte Artigo iniciado no nº 127]

83 | O mérito, esse objecto jurídico não identificado
COLAÇO ANTUNES

117 | O princípio nemo tenetur na Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
JOANA COSTA

185 | A prova indiciária no processo penal
MARTA SOFIA NETO MORAIS PINTO

As notícias que se dão

A notícia já tem alguns dias «Governo compra Tribunal da Boa Hora por 6,15 milhões». O que não vi noticiado é o mecanismo concreto, documentado e pormenorizado, pelo qual se percebe como é que o Estado que tinha a disponibilidade do Tribunal da Boa Hora e a perdeu e agora para a recuperar vai levar um rombo de 6,15 milhões, isto segundo se noticia também para instalar lá o CEJ, tendo o Estado edifício para o CEJ, nem o que vai suceder ao edifício do CEJ. As notícias que se dão são as notícias que se encobrem.

Gravação inaudível

Houve jurisprudência segundo a qual a deficiência das gravações nas quais se documentava a prova oralmente produzida era uma mera irregularidade que deveria ser arguida até três dias depois de ao interessado terem sido facultados os suportes respectivos. Claro que normalmente eram solicitados quando se tratava de recorrer e para o efeito de preparar o recurso. E assim se iam ouvindo, porque quantas vezes eram dias e dias de audiências gravadas. Os três dias escoavam. E quando o imperceptível surgia era tarde demais, segundo essa visão jurisprudencial das coisas, para se clamar pela audibilidade. Outros entenderam que o prazo era de dez dias mas contados à mesma do dia em que os suportes eram colocados à disposição.
Com três ou dez dias recursos sobre a matéria de facto foram assim mortos à nascença, forma célere de despachar processos.
Saúda-se pois ao constatar que a Relação de Lisboa considerou [no seu Acórdão de 26.01.12, relator João Carrola, texto integral aqui] que « Iº Face à actual redacção do art.363, do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei nº59/98, de 25Ago., a omissão (ou deficiência) de gravação constitui uma nulidade sanável, sujeita ao regime de arguição e sanação dos arts.120, nº1 e 121, do C.P.P., em conjugação com o art.9, do Dec. Lei nº39/95, de 16Fev.; IIº Essa nulidade pode ser arguida nas próprias alegações e dentro do prazo de recurso».
Veja-se da fundamentação este [longo mas] esclarecedor excerto:

«Acontece que depois de ouvir o CD da gravação da prova junto aos autos, verificamos que as deficiências são muitas, que todos os depoimentos têm falhas profundas traduzidas ora por interferências, ora por ruídos ou mesmo, em alguns casos, de nula audibilidade, como é referido no recurso.
Tem sido vasta a jurisprudência que se tem pronunciado sobre as consequências da omissão ou deficiência da gravação da prova, e que está longe de ser pacífica, o que nos conduz a aduzir algumas considerações quanto ao seu enquadramento jurídico.
Começando pela qualificação de tal deficiência, vemos que o art.º 363º do CPP, na actual redacção que lhe foi dada pela Lei nº 48/2007 de 29/08, define a falta de documentação da prova como uma nulidade processual, dispondo, concretamente que “as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade” (sublinhado nosso)
Também a deficiente gravação da prova, desde que não permita percepcionar o teor dos depoimentos e apreender o sentido da prova produzida, pode, da mesma forma, constituir nulidade. Isto porque, uma e outra, equivalem-se, ou seja, encontram-se num mesmo patamar de gravidade quanto à violação ou inobservância da respectiva disposição legal na medida em que não permitem alcançar o sentido dos depoimentos. Nestas circunstâncias, a deficiente gravação da prova deve ser equiparada à situação de falta (total ou parcial) da gravação – tal tem sido o sentido da jurisprudência, mesmo antes de a lei qualificar o vício como nulidade.
Como sabemos, a nossa lei processual consagra um amplo sistema de nulidades taxativas, estabelecendo o n.º 1 do art.º 118º que “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
E, como já afirmámos, a falta de gravação (ou a sua deficiência) está prevista como nulidade em disposição especial da lei processual (art.º 363º), e não estando prevista expressamente como insanável, nem constando do elenco previsto no artigo 119º, trata-se de nulidade sanável, dependente de arguição, sujeita ao regime do art.º 120º, do CPP.
O legislador, através do Decreto-Lei 39/95 de 16/02, havia institucionalizado no direito processual a admissibilidade do registo das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, começando o art.º 363º, do CPP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 59/98, de 25/08, por ser uma norma programática para o futuro, estabelecendo um princípio geral de documentação das declarações orais. E começaram por ser documentadas em acta apenas as declarações orais prestadas em audiência perante tribunal singular, embora com a possibilidade de os sujeitos processuais, por acordo, prescindirem da documentação, sendo sempre obrigatória no caso de audiência realizada na ausência do arguido.
Percorrida essa experiência, o legislador acabou por tornar a documentação obrigatória guiado pelo paradigma de um modelo que assegure um efectivo 2º grau de jurisdição em matéria de facto - tal é o desiderato da documentação dos depoimentos orais prestados na audiência.
A regulamentação do modo de gravação está prevista nos art.ºs 3.º a 9º do citado DL 39/95, ressaltando-se aqui que os meios técnicos instalados têm de ser fornecidos pelo tribunal, sendo manobrados por funcionários de justiça que hão-de respeitar na sua utilização os procedimentos técnicos adequados ao efeito, e que deverão facultar cópia da gravação à parte que o requeira, dentro de 8 dias após o acto de gravação (art.º 7º n.º 2).
Por sua vez dispõe o art.º 9º do mesmo diploma que “Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade”.
Concluímos assim que, face da actual redacção do art.º 363º, não se suscitam dúvidas de que a omissão (ou deficiência) de gravação constitui uma nulidade sanável, sujeita ao regime de arguição e de sanação dos artigos 120º, n.º 1 e 121º, do CPP, em conjugação com o art.º 9º do citado DL 39/95.
A questão que tem sido discutida e divide a Jurisprudência, prende-se com a questão do prazo de arguição desta nulidade e de que é paradigmática a resposta produzida pelo M.º P.º.
Podemos extrair da jurisprudência que se têm perfilado duas orientações:
- Uma, em que o prazo para arguição da nulidade se circunscreve a 10 dias, de acordo com o art.º 105º, do CPP, iniciando-se a contagem desse prazo i) imediatamente após o termo da audiência de julgamento; ii) a partir da data da disponibilização do registo magnético pelo tribunal ou iii) contados da data limite em que a parte poderia ter solicitado a entrega da cópia do registo da gravação, nos termos do n.º 2 do art.º 7º do DL 39/95.
Nesta orientação, os sujeitos processuais devem então diligenciar, dentro do prazo de 10 dias, pela audição dos respectivos suportes magnéticos, presumindo-se que actuam de forma negligente se o não fizerem.
- Uma outra, que entende que a nulidade pode ser arguida dentro do prazo das alegações de recurso, podendo a arguição ter lugar na própria alegação de recurso.
Do nosso ponto de vista, porque a temos por mais correcta e adequada, e se vem firmando como entendimento jurisprudencial largamente dominante, perfilhamos esta última posição.
Dizemos que nos parece mais correcta, por se mostrar mais consentânea com o objectivo da gravação da prova, qual seja o de assegurar amplamente o duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
Acresce que independentemente de a qualificarmos, pela sua própria natureza, como sendo de conhecimento oficioso, sempre se dirá que o prazo de arguição das nulidades se encontra dependente do momento do seu conhecimento, o que sempre levaria a considerar que o prazo, neste caso, só corre quando a parte interessada ouvisse os registos da gravação.
E mesmo encontrando-se presentes na audiência em que gravação foi efectuada só posteriormente se aquilatará da respectiva deficiência, pela simples razão de que não têm possibilidades de controlar a gravação, nem se lhes pode exigir que venham de imediato arguir a nulidade, ou logo que termine a audiência.
Os sujeitos processuais não têm a obrigação de controlar as condições da gravação, ou seja, de antecipadamente ter o cuidado de ver se a prova foi correctamente gravada. Isto porque é expectável que a gravação seja efectuada em perfeitas condições de audição pelo Tribunal que tem essa incumbência legal e que tem (ou deveria ter e cuidar dos mesmos) ao seu dispor os meios técnicos e humanos para levar a cabo tal gravação, sendo, portanto, de presumir que a prova ficou registada e é perceptível tanto mais que não pode intervir em nada relativo ao sistema de gravação, não pode fiscalizar o funcionamento do mesmo e nem sequer pode fiscalizar o seu manuseamento pelos funcionários judiciais.
Extraímos daqui que os sujeitos processuais só têm possibilidade de controlar a qualidade da gravação quando, a seu requerimento, lhe são entregues os registos da gravação para poderem avaliar da necessidade e interesse de interpor recurso sobre a matéria de facto, ou seja, será durante o período que decorre entre a entrega dos registos da gravação e o termo do prazo para apresentar alegações que, necessariamente, ocorre ou deve ocorrer o conhecimento pelo recorrente da deficiente gravação.
Mas mesmo para aqueles que defendem que o prazo de arguição é de 10 dias a contar da disponibilização do registo magnético pelo tribunal, a verdade é que nem mesmo com a entrega se pode presumir o exacto momento do conhecimento da omissão ou deficiência da gravação. Nenhuma estipulação legal obriga os sujeitos processuais a tomar conhecimento da falha da gravação imediatamente após tal recebimento sendo razoável que a parte que pretende recorrer só ouça o registo da prova no período em que elabora as alegações, até mesmo num momento limite do tempo estritamente necessário à entrega atempada da motivação. Assim sendo, sempre teria de se entender, em benefício da dúvida, que o recorrente tomou conhecimento da anomalia da gravação no dia em que a comunicou ao tribunal.
Antes da alteração do art.º 363º do CPP a que acima referimos e em que vingava a doutrina expressa no Acórdão do STJ n.º 5/2002 de 27/06/2002, consagrando jurisprudência uniformizadora no sentido de que a omissão de documentação constituía uma irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no art.º 123º do CPP, entendeu o Tribunal Constitucional ser inconstitucional “por violação do art.º 32º, nº 1 do CRP, a norma constante do art.º 123º n.º 1 do CPP, se interpretada no sentido de ela impor a arguição, no próprio acto, de irregularidade cometida em audiência, independentemente de se apurar da cognoscibilidade do vício pelo arguido” (sublinhado nosso).
Esta argumentação permite-nos concluir que, em regra, os sujeitos processuais só têm interesse em aceder aos registos da prova, quando proferida a decisão final, pois só aí estão em condições de aferir da necessidade ou da utilidade de impugnar a matéria de facto, pelo que, detectando nessa altura qualquer anomalia na gravação será então no prazo das alegações de recurso que a nulidade há-de ser suscitada.
Tal entendimento ficou expresso de uma forma cristalina no Ac. do STJ de 12.07.2007 que refere “se o recorrente dispõe de determinado prazo para minutar o recurso, e se nessa minuta pode impugnar a matéria de facto é evidente que esse direito (de pedir a repetição da prova omitida ou imperceptível) pode exercer-se até ao último dia do prazo legal em curso, porque pode bem acontecer que só nesse momento seja detectada a anomalia da gravação e só no último dia sejam entregues as alegações.
Não vemos que a parte esteja sujeita a um especial dever de diligência, que lhe imponha a audição do registo áudio da prova nos 10 dias imediatos a tê-los recebido pelo tribunal, quando é certo que ele se destina a servir de suporte a uma alegação de recurso para cuja elaboração dispõe o recorrente de 30 dias e é suposto que a cópia recebida do tribunal não enferme de qualquer anomalia”.
Assim, seguimos o entendimento de que a nulidade decorrente da omissão ou deficiência na gravação da prova produzida na audiência de julgamento pode ser suscitada até ao termo do prazo de interposição de recurso, podendo a arguição ter lugar na própria alegação de recurso. Estamos em crer que a lei, no caso de impugnação da matéria de facto, fixou para o recurso o prazo de 30 dias (nos demais casos o prazo é de 20 dias), para assim conferir ao recorrente um prazo acrescido em 10 dias para levar a efeito a tarefa acrescida de ouvir a gravação (cfr. art.º 411º, n.º 4 do CPP).
Em reforço desta interpretação o diploma que especificamente prevê a gravação, o já referido DL 39/95, não fixa qualquer prazo para a arguição desta nulidade, limitando-se a dizer, concretamente no art.º 9º, que pode ser corrigida “a todo o tempo”.
Por último, tratando-se de nulidade sanável, dependente de arguição, em termos dogmáticos significaria que a sua não arguição, ou a sua arguição não tempestiva, apagaria o desvalor da violação cometida, sanando-se o vício, produzindo como consequência a impossibilidade do recurso da matéria de facto, consequência essa intolerável do nosso ponto de vista e não querida pelo legislador na medida em que o efectivo duplo grau de jurisdição, através do mecanismo da sanação da irregularidade, por razões de ordem meramente formal, se veria definitivamente comprometido.
O vício de omissão ou deficiência da gravação da prova afecta o valor do acto de produção da prova, ou seja, o próprio julgamento, por não poder produzir os efeitos a que se destinava, pelo que, incumbindo ao Tribunal de recurso reapreciar a prova, naturalmente que pode conhecer oficiosamente do vício, nos termos do disposto no art.º 9º do citado DL 39/95 que permite que o vício, sempre que seja essencial ao apuramento da verdade, possa ser conhecido e repetido a qualquer momento.
Assim, independentemente de tal nulidade só ter sido arguida no recurso deve o tribunal ad quem poder conhecer dela oficiosamente e determinar a sua reparação.
Não podemos deixar de referir que mesmo quando à luz do Acórdão do STJ n.º 5/2002 de 27/06/2002, consagrando jurisprudência uniformizadora no sentido de que a omissão de documentação constituía uma irregularidade, já havia quem entendesse que a mesma, sendo relevante, seria de conhecimento oficioso, nos termos do n.º 2, do art.º 123º, do CPP, pelo que, sendo hoje classificada como nulidade, por maioria de razão, se tem de admitir o seu conhecimento oficioso.
E, mesmo nos casos em que o recorrente, impugnando a matéria de facto, não tenha suscitado a nulidade, por desinteresse ou desnecessidade dessa invocação, o tribunal de recurso não poderia ver-se impedido de reapreciar a prova, nunca poderia ficar diminuído na sua competência de julgar o recurso, podendo, por isso, conhecer oficiosamente da nulidade [...] Estando a gravação imperceptível e os depoimentos deficientemente gravados, como se refere na informação de fls.684, revelam-se essenciais para a descoberta da verdade, tendo em vista a impugnação que pretende a recorrente sobre a matéria de facto. A alegada deficiência da gravação da prova afecta, pois, a concreta impugnação da matéria de facto, impedindo a reapreciação da prova por parte do Tribunal, desde logo dos factos, estando assim em presença da nulidade prevista no art.º 363º, do CPP».

O discurso final

Que no nevoeiro do ideal abstracto se não esqueça a materialidade do concreto, que no formulação aglutinadora do geral se não perca a referência do individual, que na construção dos sistemas sociais se não abandone o humano, que na contabilidade aos contribuintes se não despreze o cidadão, que na valoração do indivíduo se não apouque a sua pessoa. Que na hora de julgar os outros não nos condenemos.
 

A cena de todas cenas

Tudo isto existe?

Leio isto aqui e um sentimento de estranheza como se estrangeiro na própria Pátria invade-me: «Acordos informais sobre o quantum das penas e/ou a suspensão da sua execução sempre os houve. Pelo menos, no tempo em que juízes, delegados e advogados se falavam para além do circunstancialismo de uma audiência». Leio e pergunto-me se vivi em outro mundo que tais coisas não vi, ou talvez o mundo em que tais coisas terão sempre existido me esteja a convidar para sair porque não me sabendo cúmplice não me quer sequer para testemunha.
Se é que isto existe ou existiu. Mas não comigo. Porque se tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado.

A personagem "inventada" e a revisão

No restritivo universo do recurso extraordinário de revisão eis uma interpretação extensiva da possibilidade respectiva: «No recurso extraordinário de revisão, quando a lei se refere a “novos” factos ou meios de prova, não pôde deixar de incluir, obviamente, aqueles que não foram considerados no julgamento porque eram desconhecidos da parte interessada em invocá-los. Mas há que acrescentar também aqueles meios de prova que, por razão relevante, a parte interessada esteve impossibilitada de apresentar». E «assim, o meio de prova apresentado neste recurso pelo recorrente deve ser considerado, efetivamente, para os efeitos legais, um “novo meio de prova”. Não porque o recorrente desconhecesse a existência da testemunha durante o decurso do processo, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas porque estava impossibilitado de a apresentar ou de a arrolar, pois desconhecia o seu paradeiro». Isto num contexto em que «aliás, a PJ não a conseguiu localizar e as entidades que dirigiram o processo, quer na fase do inquérito, quer na instrução, quer no julgamento, aparentemente nada mais fizeram na procura de tal pessoa, talvez porque se tenham convencido que era um personagem inventado e que servia de “desculpa” para o facto de o ora recorrente ter utilizado um telemóvel anteriormente roubado a uma das vítimas». É o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.12 [relator Santos Carvalho, texto integral aqui]

Surpreendente surpresa da confissão!

Agora que se discute a justiça negociada não deixa de ser curioso este acórdão da Relação de Coimbra de 10.01.12 [relatora Maria José Nogueira, texto integral aqui] que aborda uma situação em que o arguido foi «surpreendido» ao ler na sentença a menção a que tinha confessado e sem reservas!.
Ante tal situação, o Tribunal considerou que «tendo o arguido sido, pela primeira vez, surpreendido, na sentença, por uma “confissão integral e sem reservas”, com as consequências, ao nível probatório, na mesma consignadas, o que se traduz numa afectação do seu direito de defesa constitucionalmente garantido (artigo 32º, da C.R.P.), afectando, nomeadamente, o direito de, em momento oportuno, poder reagir, reequacionando a respectiva estratégia de defesa, é de julgar verificada a arguida nulidade, quer por violação do disposto no nº 1, do artigo 344º, do C. Proc. Penal (não resultando da acta de julgamento que hajam sido observadas as formalidades no mesmo exigidas), quer sobretudo, por violação do direito de defesa consagrado no artigo 32º, n.º 1, da C.R.P., o que determina a invalidade do julgamento, bem como dos actos subsequentes, onde se inclui a sentença (artigo 122º, do C. Proc. Penal)».

Multa -» Prisão -» Multa?

Por Acórdão da Relação de Lisboa de 19.01.12 [relator Carlos Benido, texto integral aqui] estatuiu-se que «o disposto no art.49, nº2, do Código Penal é aplicável, apenas, à pena de multa aplicada a título principal e não à multa de substituição» e assim «aubstituída a pena de prisão por multa e não paga esta, após o trânsito em julgado do despacho que ordena o cumprimento daquela pena de prisão, não pode o arguido evitar o seu cumprimento pagando a multa».
A apoiar este entendimento o aresto exprime-se por esta forma: «em face do regime jurídico estabelecido pelo legislador para a pena de multa de substituição, não é aplicável o normativo do artº 49º, nº 2, do C. Penal que apenas é aplicável á pena de multa aplicada a titulo principal (permitindo o cumprimento da pena de multa a todo o tempo, para evitar a prisão subsidiária), diferenciação no cumprimento da pena que se impõe e admite, como expressa Figueiredo Dias, “A Pena de Multa de Substituição”, in RLJ, Ano 125, págs. 163-165 e 206, e em “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra, 1993, págs. 368-370. Idêntica posição é defendida por Maia Gonça1ves, in “Código Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., 2004, págs. 184-186, referindo designadamente que “a disposição do nº 2 (do artigo 44º, do CP) significa, em primeiro lugar, que, se a multa aplicada em substituição da prisão não for paga, o condenado cumprirá, em regra, a prisão aplicada na sentença, como se esta não tivesse decretado a substituição (...)”.
A jurisprudência tem vindo a seguir os mesmos trilhos: Acs. da Relação de Coimbra de 13-11-2007, Proc. nº 2393/06.7PCCBR.C1; de 3-02-2010, Proc. nº 70/06.8TAGVA-B.C1 e de 3-03-2010, Proc. nº 129/04.6GBGVA-A.C1; Acs. da Relação de Lisboa de 15-03-2007, Proc. nº 1564/07 e de 6-10-2009, Proc. nº 7634/04.2TDLSB-A.L1-5; Acs. da Relação do Porto de 15-06-2005, Proc. nº 0543491; de 15-02-2006, Proc. nº 0516370; de 28-03-2007, Proc. nº 0647205 e de 29-04-2009, Proc. nº 117/07.0GAPFR.P1, que aqui seguimos de perto, todos acessíveis em www.dgsi.pt».