Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Japão restabelece a pena de morte

«O Japão voltou a aplicar a pena de morte, foram enforcadas três pessoas que tinham sido condenadas por homicídio. As execuções põem fim à moratória à pena capital imposta pelo governo japonês há um ano e meio. Acontecem na mesma semana em que Tóquio recebeu elogios da Amnistia Internacional justamente por manter a suspensão. Tudo levava a crer que o país se encaminhava para a abolição, mas afinal aconteceu o contrário», informa-se aqui.

É um tema tremendo a pena de morte. À ferocidade da pena contrapõem uns a ferocidade do crime. À dignidade da vida humana respondem que nem seres humanos se podem considerar. É um debate de selvajarias. Posta a questão no leilão das sondagens e nas conversas de café há quem a queira mas com tortura e requintes. 
Os abolicionistas em momentos de angústia social estão numa trincheira difícil. Um único argumento convence todos, paradoxalmente em desabono da Justiça: a pena de morte torna o erro judiciário irreparável.

Novos tribunais e a analogia do melão

Alguém terá a gentileza de me explicar porque é que se criou um tribunal com competência especializada para a propriedade intelectual e para a concorrência? Está aqui a lei. Porque é que os intrincados casos que têm a ver com o mercado de valores mobiliários, com a vida financeira e bancária, com a sofisticação de conhecimentos que existem continuam a ser julgados pelas instâncias comuns e se gerou agora esta especialidade privativa?
Se eu disser que já ouvi, com estes ouvidos que a Terra haverá de comer, um senhor magistrado, não interessa qual nem quando nem onde, virar-se para o arguido e dizer-lhe «o senhor a mim não me engana com essa do descoberto em conta ser uma forma de o banco conceder crédito autorizado ao cliente, porque esse dinheiro que os senhores dão a esses clientes vão mas é roubá-lo a pessoas como eu que têm as contas com saldos positivos!» talvez ilustre bem a ideia de que se torna necessário ter tribunais que saibam com rigor o que estão a julgar o que - vamos à verdade mesmo quando dói - nem sempre sucede. No caso que relato como se não bastasse a frase proferida a coberto da autoridade da beca para infundir o terror que se sente ante a ignorância de quem tem o poder, acrescentou o seu autor: «porque eu o que quero saber é daquilo com que se compram os melões». Estava definido o tema e o critério.
Por isso, para que eu não fique com o grande melão de não entender nada do que se passa, tenham a caridade de me informar, sabendo.
Já agora: porque é que o recurso das coimas, que podem atingir milhões, são julgados na pequena instância criminal, o antigo «tribunal de polícia», ao lado dos condutores sem carta, zaragatas com as autoridades, dos sumários dos avinhados nocturnos e coisas de igual teor?

As custas e a "troika"

É a quarta alteração à Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades. Trata-se da Portaria n.º 82/2012, cujo texto integral vem publicado aqui.
A demonstração de que foi preciso vir a tutela governativa estrangeira para se introduzirem factores de racionalização financeira na Justiça demonstra-o o preâmbulo do diploma [que a contragosto cito estando em desacordo como o Acordo Ortográfico]: «No âmbito do Memorando de Entendimento celebrado com o Banco Central Europeu, com a Comissão Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, tendo em vista o programa de assistência financeira à República Portuguesa, o Estado Português assumiu, entre outras, um conjunto de obrigações relacionadas com o regime das custas judiciais, das quais se destaca: a imposição de custas e sanções adicionais aos devedores não cooperantes
nos processos executivos; a introdução de uma estrutura de custas judiciais extraordinárias para litígios prolongados desencadeados pelas partes litigantes sem justificação manifesta; a padronização das custas judiciais; e a introdução de custas judiciais especiais para determinadas categorias de processos e procedimentos com o objetivo de aumentar as receitas e desincentivar a litigância de má -fé».
Explicando do que se trata agora explicita o mesmo preâmbulo: «Torna -se agora necessário alterar a portaria que regulamenta o Regulamento das Custas Processuais, de modo a compatibilizá -la com as inovações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro. A maioria das alterações agora introduzidas decorre de duas situações: o facto de a conta deixar de ser feita de modo contínuo durante todo o processo, sendo efetuada apenas no final do processo, e o facto de, como já referido, ter sido revogado o mecanismo de conversão da taxa de justiça em pagamento de encargos previsto no artigo 22.º
do Regime das Custas Processuais. Trata -se de alterações que simplificam consideravelmente o trabalho das secretarias judiciais, permitindo libertar os funcionários judiciais para outras tarefas.Para além destas alterações, a presente portaria prevê ainda o meio de pagamento da taxa de justiça nas injunções europeias (situação que implica uma solução especial uma vez que são pagamentos que muitas vezes devem ser
feitos à partir do estrangeiro) bem como um conjunto de alterações que ou se destinam a assegurar a sustentabilidade do sistema de justiça ou se trata de ajustamentos que corrigem remissões ou revogam artigos cuja matéria foi entretanto inserida no próprio Regulamento das Custas Processuais».


Impugnando o inimpugnável

Por entender que o crime em causa era outro que não aquele sobre o qual o Ministério Público e o juiz de instrução se haviam entendido concordando com uma dispensa de pena, o assistente veio requerer a abertura de instrução. Foi-lhe rejeitada porque o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 27.03.12 [relator Sénio Alves, texto integral aqui] decidiu que «contra a decisão de arquivamento do processo ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº 1 do CPP não pode o assistente reagir através do pedido de abertura de instrução».
Fundamentando justificou explanando que: «Como claramente resulta do artº 286º, nº 1 do CPP, a instrução visa a comprovação judicial de deduzir a acusação ou de arquivar o inquérito. A decisão (de acusar ou arquivar) aqui referida só pode ser a proferida pelo MºPº, titular do inquérito. Não parece sensato defender-se que pode haver comprovação judicial de uma decisão… judicial de arquivar o processo! Mais: o juiz de instrução já comprovou judicialmente a decisão de arquivamento tomada pelo MºPº: fê-lo ao dar a sua concordância, nos termos do artº 280º, nº 1 do CPP, examinando os autos e verificando a existência dos pressupostos e requisitos legais».
É que, segundo o mesmo Tribunal: «Dispõe-se no artº 280º, nº 1 do CPP que “se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa”. E, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, “a decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação” sendo certo que, como opina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 123, “o não ser susceptível de impugnação parece significar que a decisão de arquivamento não admite nem recurso nem comprovação pela instrução”».
Curioso é que ante uma lei que veda uma impugnação e ante uma situação que parece exigi-la - e cuja conformidade constitucionalidade tem sido aceite - a Relação de Évora conclua - citando o mesmo professor - que a via de ataque à mesma é a...impugnação por recurso. 

P. S: Um só reparo: no sumário o tema surge indicado por referência a vários descritores, um deles, o de «inquérito preliminar». Já houve.

UC's e UCP's

Quando da discussão do projecto de que saiu o Código de Processo Penal houve a ideia de acabar com as referências monetárias por causa da inflação que as desactualizava. Logo surgiu o conceito de unidade de conta. Dada a matéria houve quem sugerisse a nomenclatura «unidade de conta processual». Só que, abreviado, a sigla daria UCP e isso faria lembrar as unidades colectivas de produção dos tempos do PREC [na altura não havia confusão possível com Universidade Católica Portuguesa]. 
E como UCP podia dar origem a equívocos políticos um cidadão ser condenado a não si quantas UCP's, daí que tenha ficado UC. 
O site dos Oficiais de Justiça tem um instrumento que demonstra como se calculam. Está aqui. Para 2012 são 102,000 €

Emotiva motivação

Racionalidade pura, despido de sensações, privado de sentimentos, olhos vendados e coração empedernido? Que se passa com as emoções no Direito? No seu desenho, na sua aplicação? Pode haver lágrimas que a fundamentação de uma sentença esconda, que uma acusação omita? São só as defesas que clamam o grito da indignação, o clamor pela piedade? 
Eis em forma estudo o problema em si, aqui.

Soerguer

Lembro-me do tempo em que o Diário da Republica vinha em papel, pelo correio e tinha de se abrir as folhas e organizar por vezes os cadernos, quando eram vários. Quando se colavam nos Códigos as folhinhas cortadas à tesoura, editadas pelo Dr. Ernesto de Oliveira, actualizando-os. Tempo em que as fichas de jurisprudência azuis e as de legislação brancas chegavam nuns saquinhos de papel pardo e se coleccionavam alfabeticamente, trabalho paciente do Dr. Simões Correia. Época em que não havia Internet nem a Colectânea de Jurisprudência. Em que se escrevia em papel selado, com uma cópia para o tribunal, outra para cada parte que vivesse em economia separada, mais uma de almaço para a reforma dos autos e a folha final em papel de seda, para o nosso arquivo e tudo a papel químico, mais o «radex» ou a borracha dura e a vassourinha para as emendas em todas e cada uma das folhas cada vez que uma pessoa se enganava.Em que não havia fax e pouquíssimos tinham telex.
Lembro desse tempo em que havia menos leis, duravam mais tempo e a jurisprudência era mais certa. Em que éramos uma família. Em que na Biblioteca da Ordem dos Advogados Dona Lita Scarlatti, o Senhor Homem de Figueiredo, o Senhor Malta Jotta e à noite o Senhor Joaquim Parro partilhavam simpatia e informação bibliográfica com os leitores, advogados, magistrados, estudantes de Direito e todos ali convivíamos com amigável espírito.Tempos em que, sob a Ditadura, se lutava pelas liberdades mas havia espírito de luta e respeito pela contenda.
Lembro-me, porque há dias em que uma pessoa, ao levantar-se da cama, para este mundo em que a informação está ao alcance de um click, a maquinaria nos simplifica a burocracia, e tudo parece fácil e moderno, imagina que na zoologia dos seres que povoa este mundo errático estamos piores todos e vivemos mais infelizes. Tornámos isto num lúgubre covil.

Criminalização dos políticos

Procurar demonstrar em que medida a lei penal permite a punição da insolvência negligente provocada por um privado mas não por um governante; porque o Estado permite-se o que impõe aos cidadãos, proibindo-os.
Viu-se quanto a especialidade da lei de criminalização dos políticos está numa lógica de agraciamento e de isenção, ao limite de atenuação especial. Superficialmente porque a linguagem da TV não permite mais. Foi ontem no programa Olhos nos Olhos com Medina Carreira. O vídeo integral aqui.

Quando a espécie faz um género...

É interessante o número de organizações, todas de língua inglesa que, de repente, depois de eu me ter inscrito numa certa e respeitável associação internacional de advogados, me passaram a bombardear com emails ["descobriram-me" por certo em função daquela inscrição] com menções que começam por me dar conta de que eu sou o melhor ou dos melhores neste ou naquele outro ramo do Direito. A coisa soa a falso e tão a falso que um destes dias até fui galardoado com uma honrosa menção por ter sido escolhido, de acordo com um painel de "peritos", em "expert" em "private equity funds"...
O interessante vem a seguir: o convite para que eu aceite ser mencionado em anuários, relatórios, "who's who" ou mesmo a escrever artigos de dimensão variável, desde que pague! Pois claro. Porque o ser ou não ser "top" de vendas nesta mercantilização em que se tornou a vida social depende já não tanto do quanto vales, mas do quanto rendes e agora do quanto pagas.
Estou a considerar seriamente eliminar-me como membro daquilo que deu azo a esta porta aberta aos caçadores de celebridades a dinheiro. A lógica dos clubes "very exclusive" à conta de jóias para os "very few" nunca fez o meu género. Mas pelo que vejo caracteriza uma espécie! 
Volta Darwin, é o fim da macacada.

A reforma da Lecrim: nem bom vento...

Velha, desconexa, sem sistemática, casuística, a roçar o formulário para amanuenses, a lei processual penal espanhola vai encontrar, enfim, uma alternativa, assim a Comissão de legislação que acaba de ser nomeada conclua trabalhos e estes sejam viabilizados legislativamente. 
Curioso e discutível que o próprio poder político se comprometa directamente nos trabalhos de reforma, logo através de dois membros, o Ministro da Justiça e o seu Secretário de Estado. No mais veja-se a miscigenação entre o judicial e a "Fiscalía", a Cátedra e a Advocacia.
Copio a notícia:


«15 de marzo de 2012.- El ministro de Justicia, Alberto Ruiz-Gallardón, ha presidido esta mañana la constitución de la Comisión Institucional para la elaboración de la propuesta de texto articulado de la Ley de Enjuiciamiento Criminal.Los miembros de la Comisión son:

- Ministro de Justicia
- Secretario de Estado de Justicia
- D. Manuel Marchena, Magistrado del Tribunal Supremo y Presidente de la Comisión
- Dª. Gabriela Bravo, Fiscal y Vocal Portavoz del Consejo General del Poder Judicial
- D. Antonio del Moral, Magistrado del Tribunal Supremo y Fiscal
- D. Jacobo López Barja de Quiroga, Magistrado Jefe del Gabinete Técnico del Tribunal Supremo
- D. Nicolás González-Cuéllar, Catedrático de Derecho Procesal y Abogado
- D. Luis Rodríguez, Catedrático de Derecho Penal y Abogado
- D. Jaime Moreno, Fiscal del Tribunal Supremo
- D. Jaime Requena, Magistrado, Asesor del Gabinete del Secretario de Estado y Secretario de la Comisión.»

Vergonha!

Durante anos defendeu-se o sistema de Justiça considerando que não permitia o arbítrio, o discricionário, o favoritismo. Que era igual para todos. 
Nem sempre foi fácil essa defesa: a indeterminação e a imprevisibilidade da jurisprudência, a assimetria nas penas aplicadas a situações em que o idêntico ressaltava, os diferenciados ritmos de processamento, os arquivamentos contestáveis, as acusações selectivas, a simultaneidade de alguns agendamentos com eventos do foro político mantiveram sempre acesa a chama da polémica, permitiram a dúvida, legitimaram a suspeita. Começou, além disso, a tornar-se trivial ouvir-se da boca dos próprios responsáveis pela Justiça que há uma para ricos outra para pobres. E claro a culpar os Advogados por isso, os suspeitos do costume.
Uma coisa é certa: resistiu-se, tentando mostrar em que medida o essencial do sistema se mantinha dentro dos parâmetros da decência, porque era resistir pelo espírito de corpo, pela segurança jurídica, contra as intromissões exteriores, face aos atrevimentos da política e dos grupos de pressão, era lutar pela cidadania e pela independência do Judiciário, pelo Estado de Direito.
Esse tempo acabou.
Com a justiça negociada abre-se a porta àquilo contra o que se combateu estes anos. Transaccionadas aqui, pactuadas acolá, as decisões judiciais passarão a ficar à mercê da casuística, dos arranjos dos que aceitarem a contratualização, do mais hábil negociador, da menos sindicável motivação, da conveniência e do interesse, do mais poderoso.
Vendo como vejo tantos magistrados tão contentes pelo menos trabalho que assim os aguarda como efeito desta justiça da transa, percebo que o poder político os despreze relegando-os para o desdém com que trata os seus funcionários.
A política venceu, enfim! Pela justiça negociada deixa de ser preciso alterar as leis à medida ou de decretar amnistias convenientes. Tudo se resolverá nos gabinetes, com discrição. E com o Poder Judicial a aplaudir, assinando a sua incondicional rendição. Vergonha!

Suspensão da pena

«Se o agente foi condenado pela prática de um crime de homicídio negligente e de um crime de ofensa à integridade física por negligência de que resultaram ofensas à integridade física grave para a outra vítima, emergente de acidente de viação, com culpa exclusiva do arguido, - motorista profissional e condutor de veículos pesados, sem antecedentes criminais, que não confessou os factos (tão-só manifestou arrependimento e pesar face às consequências do acidente de viação em apreço) - não se justifica a opção pela pena de multa (inadequada e ineficaz face às necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, num contexto social em que se verifica a ocorrência de inúmeros acidentes de viação), mas antes a opção pela pena de prisão, suspensa na sua execução, tendo especialmente em conta as necessidades de prevenção geral, devido ao alto nível de sinistros rodoviários». Acórdão de 6 de Março de 2012 do Tribunal da Relação de Évora [sublinhados meus, relator Monteiro Amaro, texto integral aqui]

Enriquecimento ilícito

Não se trata necessariamente da inversão do ónus da prova em processo criminal no que se refere à criminalização do enriquecimento ilícito; trata-se, outrossim, do dever de declaração da origem de património que não tenha correspondência nos rendimentos declarados. Dever cujos primeiros obrigados são todos os que abraçam a vida pública.
Discutível é que o legislador estabeleça, ante a ausência de explicitação, uma presunção de origem ilícita desse património não havendo sequer crime precedente que lhe pudesse ter dado origem. 
Porque este [o da necessidade de crime precedente] é o sistema do artigo 7º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro [texto integral aqui], cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional salvou.
Aguardemos a arquitectura da solução.

Revistas, buscas e apreensões: orientação do PGR

Foi proferido a 12 de Março de 2012 Despacho do Procurador-Geral da República referente a «revistas, apreensões e detenções em estabelecimentos prisionais, estabelecimentos ou unidades policiais, estabelecimentos ou unidades militares ou outros estabelecimentos públicos, em geral, sujeitos a regime especial (serviços públicos, hospitais, etc.).». Texto integral aqui. Pelo enunciado prevê-se que se incluirão também serviços públicos e lugares de funcionamento de órgãos políticos.
O normativo visa estabelecer critérios de articulação entre as autoridades judiciárias e as entidades responsáveis pelos locais onde se efectivem as diligências.

Concurso de ameaças

Por Acórdão de 29.02.12 [relatora Eduarda Lobo, texto integral aqui] decidiu-se que «A ameaça de morte tem punição no art. 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal, prevalecendo essa norma sobre a do art. 153º, nº 1, do mesmo código».
Equacionando o problema no domínio do concurso de normas e de crimes, o aresto concluiu que: «No caso em apreço, a relação que se estabelece entre o tipo do artº 153º e o previsto no artº 155º nº 1 do Cód. Penal é, sem dúvida, uma relação de especialidade, estando o tipo-base previsto na primeira norma, à qual foram acrescentados elementos modificativos (quanto ao limite máximo da pena do crime ameaçado) que deram origem a um crime agravado na segunda norma, a qual contém necessariamente todos os elementos constitutivos da primeira. Sendo assim, resulta da estrutura da relação de especialidade que a norma especial prevalece sobre a norma geral e afasta inteiramente a aplicação desta (lex specialis derogat legi generali). Daí que, sendo o crime objecto da ameaça punido com pena de prisão superior a três anos, o agente deva ser punido pelo crime agravado previsto no artº 155º nº 1 al. a) do Cód. Penal, excluindo-se definitivamente a aplicação do crime simples previsto no artº 153º nº 1.»

O CSM e a reforma dos Tribunais

O Conselho Superior da Magistratura vai organizar nos próximos dias 13 e 14 de Abril de 2012, o VIII Encontro Anual, subordinado ao tema "A Administração dos Tribunais - Rumos de uma Reforma Inevitável". O programa pode ser encontrado aqui.

Pena suspensa no cúmulo jurídico

Técnica seguramente e por isso interessante neste tumultuoso universo em que o Direito parece rendido à Retórica e eivado de Política esta temática da relevância da pena suspensa no domínio da formação do cúmulo jurídico: «Iº A inclusão da pena suspensa num cúmulo de penas não equivale tecnicamente à revogação da suspensão, tendo apenas o alcance de considerar sem efeito a suspensão pela necessidade legal de proceder ao cúmulo de penas; IIº Uma pena de prisão suspensa na sua execução, aplicada pela prática de um crime que está em relação de concurso com os demais em que o arguido foi condenado, deve ser incluída no cúmulo jurídico a efectuar»
Decidiu-a a Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 6 de Março de 2012 [relator Artur Varges, texto integral aqui].
Fundamentando, a decisão recorrida havia já esclarecido que sobre o problema do relevar a pena suspensa no âmbito do cúmulo jurídico «o Supremo Tribunal de Justiça vem produzindo jurisprudência em dois sentidos. Uma corrente minoritária que impede o cúmulo jurídico de penas de prisão efectiva com penas prisão suspensa, uma vez que estas duas penas têm natureza diversa - a segunda é pena de substituição.
E uma outra maioritária, que, argumentando não excepcionar a lei esta possibilidade, defende a realização de cúmulo jurídico mesmo nestes casos.
No primeiro sentido: Conselheiro Henriques Gaspar, Ac. STJ de 02.06.2004, Proc.º 4P1391 in www.dgsi.pt e Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 217; de 06-10-2004, Procº. n.º 2012/04; de 20-04-2005, Procº. n.º 4742/04; da Relação do Porto de 12-02-1986, CJ, 1986, tomo 1, pág. 204; e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao Ac. do STJ de 03-07-2003, na RPCC, 2005, n.º 1, págs.117-153.
No segundo sentido: Conselheiro Raul Borges, Ac. STJ de 25.09.2008, P.º 8P2891, in www.dgsi.pt e Ac. STJ: de 04-03-2004, Procº. n.º 3293/03 - 5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Procº. n.º 4106/04; de 21-04-2005, Procº. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Procº. n.º 897/05; de 05-05-2005, Procº. n.º 661/05; de 09-11-2006, Procº. n.º 3512/06 - 5.ª, CJSTJ, 2006, tomo 3, pág. 226; de 29-11-2006, Procº. n.º 3106/06 - 3.ª; de 03-10-2007, Procº. n.º 2576/07 - 3.ª; de 27-03-2008, Procº. n.º 411/08 - 5.ª.
Decidindo, a Relação de Lisboa considerou: «A razão de ser da inclusão da pena parcelar suspensa na sua execução num cúmulo posterior radica no princípio segundo o qual o arguido deve ser condenado numa pena única por todos os crimes em concurso. Se, por razões ligadas ao funcionamento dos tribunais, mormente por lentidão de alguns deles ou por desconhecimento de outras condenações já impostas, houver condenações que não tomem em consideração todos os crimes em concurso, deve proferir-se nova sentença em que se aplique uma única pena, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1). Como expende o Prof. F. Dias, em As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 285, só relativamente à pena conjunta tem sentido pôr a questão da substituição. E não é chamar à colação o regime do artigo 56.º do Código Penal, que regula a revogação da suspensão. Com efeito, a inclusão da pena suspensa num cúmulo de penas não equivale tecnicamente à revogação da suspensão, tendo apenas o alcance de considerar sem efeito a suspensão pela necessidade legal de proceder ao cúmulo de penas. Em conclusão: não existe impedimento legal à inclusão da referida pena de prisão com suspensão da execução no cúmulo de penas, antes se tratando de uma exigência legal”. E, no mesmo sentido, também nesta Secção, o Acórdão de 05/04/2011, Proc. nº 663/07.6PKLSB-C.L1, consultável no referido sítio. Entendimento que subscrevemos integralmente, perfilando-nos ao lado da jurisprudência dominante, sem necessidade de fazer acrescer argumentos aos que se mostram já exaustivamente explanados.»

Fundamentação da decisão instrutória

É interminável a batalha pela fundamentação, das sentenças, dos despachos, a luta pela compreensibilidade, pela garantia da sindicabilidade, afinal pelos direitos dos intervenientes processuais. Daí que se registe o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2012 [relator Eduardo Nascimento, texto integral aqui] quando sentenciou que: «A possibilidade prevista no art. 307º, nº 1, do Código de Processo Penal de fundamentação da decisão instrutória por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução refere-se somente à dispensa da narração/descrição dos factos e da respectiva qualificação jurídica, não desobrigando o juiz de instrução de explicitar os motivos pelos quais, nomeadamente, não viu nos factos e nos elementos probatórios indicados pelo arguido virtualidade suficiente para infirmar a tese da acusação.» Reclamações:

O necessário e o escusado

Há questões no Direito que nem se imagina que se possam colocar. Eis que foi necessário decidir [Acórdão da Relação de Évora de 6 de Março de 2012, relator Sénio Alves, texto integral aqui] que «deve ser concedida escusa de intervir no processo criminal no qual os arguidos são acusados da prática de um crime de homicídio por negligência, na sequência de um acidente de viação, ao juiz que, no âmbito de um processo cível, julgou os mesmos factos, declarando um dos ora arguidos exclusivo culpado da produção do acidente».
É que, ante o artigo 40.º, alínea c)  do Código de Processo Penal, nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver «participado em julgamento anterior».
Ao não se ter ido pelo impedimento [eventualidade que nem se considerou] foi-se para a tramitação mais complexa  do incidente da escusa que, por lei, teria de ser decidida, como o foi, pelo Tribunal da Relação.
E, nesta linha lógica, foi em nome de argumentos oriundos do atletismo que se decidiu: «se encararmos o processo como uma corrida, seria hipocrisia não reconhecer que, perante aquela concreta Magistrada, um deles [leia-se um dos arguidos] parte com clara desvantagem. Dito de outra forma: para qualquer cidadão médio representativo da sociedade, existe fundamento sério e grave para duvidar da imparcialidade desta magistrada, no julgamento desta causa».

Enriquecimento ilícito: o porquê da dúvida

[Para não nos limitarmos ao que vem na imprensa e recorrendo ao melhor rigor das fontes oficiais, até porque estamos entre juristas] está aqui o historial e a versão final do Decreto n.º 37/XII, aprovado pela Assembleia da República, que legisla sobre a criminalização do enriquecimento ilícito. E está aqui a nota oficiosa emitida pela Presidência da República que comunica que o Chefe do Estado suscitou a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma.
De acordo com essa comunicação: «Atendendo às diversas questões suscitadas em torno da constitucionalidade deste diploma, que pode pôr em causa princípios essenciais do Estado de direito democrático, entendeu o Presidente da República que a sua entrada em vigor deve ser precedida da intervenção do Tribunal Constitucional, por forma a que a criminalização do enriquecimento ilícito se processe sem subsistirem dúvidas quanto a eventuais riscos de lesão dos direitos fundamentais de todos os cidadãos.»
Uma faceta ressalta: num assunto com esta gravidade como o da (in) constitucionalidade do diploma sobre o enriquecimento ilícito, era de se supor, se não de se exigir, que que a Presidência explicitasse o porquê da sua iniciativa de remissão do assunto para o Tribunal Constitucional. Até precisamente em função das questões suscitadas, da sua natureza e seriedade. Assim fica aberta a porta à especulação sobre a atitude presidencial, se jurídica, se política.

O preço da liberdade

Significativo: «[...] e tendo em conta, finalmente, que este Supremo Tribunal tem fixado compensações que raramente ultrapassam os € 15 000, mesmo em casos de perdas mais significativas do que as sofridas pelo autor (por exemplo, perda da liberdade por prisão ilegal ou manifestamente infundada) [...]». É o que se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.12 [relator Nuno Cameira, texto integral aqui].
Eis pois quanto vale um dos supremos bens, a liberdade: quinze mil euros no máximo.

O intervalo e o enredo

Retomo hoje este blog depois de uns dias de ausência, espécie de justo impedimento. Tentarei ver como vai o mundo jurídico. Que não seja como aquelas telenovelas em que, quando se perdem uns episódios, nunca se perde o enredo da história.

Serpentinas

Declarações conjuntas e eventualmente conjugadas do Procurador-Geral da República e da Procuradora Distrital de Lisboa responsabiliza a falta de formação dos juízes pelo insucesso no combate ao crime económico. Da banda da Associação Sindical dos Juízes já houve resposta. Não fossem guerras de serpentinas entre carros alegóricos em período eleitoral mas o fruto de um estudo sério e científico sobre o que causa o quê mereceria reflexão. Assim suscita indiferença e uma nota: desta vez escaparam os Advogados, os suspeitos do costume, os culpados de malvadez universal. Adiante, pois.