Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A "vista grossa"

As revelações surpreendentes surgem de onde menos se esperam.
Camilo Pessanha, poeta, era antes disso ou independentemente disso, formado em Direito. Por tal facto foi conservador do Registo Predial, juiz e também advogado.
Pois foi sendo advogado - numa terra cujo nome omito, por razões que de súbito se compreenderão, para onde foi «chamado pelo Alberto Osório, que [oh! proximidades, digo eu] aqui é juiz municipal» - que deu conta que, em 1892, que «o escrivão daqui, um pobre diabo algarvio, frio e indolente, por preguiça, por desleixo, ganhando, como ganha, 800$000 rs. por ano, arranjou endividar-se para com a fazenda e para com os empregados do juízo em 400$000 rs. É uma bagatela. Mas a notícia correu e o homem não arranja quem lhe empreste os 400$000 rs.  O Alberto Osório quer evitar que o demitam, porque seria a ruína do pobre escrivão, de mais a mais carregado de filhos.».
Até aqui uma história de coração bondoso. A questão começa na solução: «Para o conseguir bastaria talvez arranjar um rapaz que se sujeitasse a vir para aqui ganhar 300$000, sendo o restante para o escrivão e para pagamento das dívidas. Se houvesse alguém que desse já os 400$000 rs. melhor era. Mas mesmo aos poucos, talvez tudo se pudesse compor».
Como se não bastasse, numa outra carta ao mesmo destinatário o autor da notável Clepsidra explica-se melhor: «Escrevi ao snr. Conselheiro - já duas vezes - sobre o caso do escrivão. Não me respondeu, como era bom de ver. Fazia-se tudo bem se ele arranjasse por terceira pessoa, que o juiz das Caldas fizesse vista grossa, e consentisse fora da lei que o escrivão fosse pagando a fazenda aos poucos. Visto o Snr. Conselheiro não se dignar responder, seria urgentemente necessário que o pretendente tivesse 300$000 rs. para dar de pronto à fazenda. Inda [sic] existe um pretendente que tenha 300$000 rs para dar de pronto? Trazendo-os, daria no primeiro apenas por exemplo a quarta parte dos seus vencimentos para pagar aos empregados de juízo e não daria nada nesse tempo ao escrivão proprietário. Oferecer-lhe-iam as condições mais favoráveis. Se desse, por exemplo, 600$000 rs. seria logo nomeado definitivamente sem nenhum ónus. O escrivão prefere tudo a ir parar à cadeia [...]». 
Pois pudera! A atentar na história a fundear na choça não iria só. 
Eis tudo. Ora para que fui eu saber dos prosaísmos de um poeta que na Literatura procurou refúgio e em cujo covil nos encontrámos ele e eu, um seu leitor?