Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Prazos de inquérito: um esclarecimento

Participei na passada quinta-feira, 19 de Outubro,em Coimbra, num evento organizado pela Comissão de Direitos Humanos, Questões Sociais e da Natureza da Ordem dos Advogados dedicado ao tema dos prazos de inquérito. O tema é actual e projecta-se em processos pendentes, alguns em que tenho intervenção profissional. Procurei, por uma questão ética, explicitar essa situação e manifestar que gostaria que ficasse claro que a minha participação não tinha a ver com uma forma indirecta de fazer advocacia no espaço público. Ficam aqui algumas notas sobre o que penso sobre o assunto, até por terem surgido dúvidas quanto ao que ocorreu.

De facto, talvez pelo melindre do tema e dúvidas que vejo surgir quanto à razão do evento, se torne necessário deixar aqui, por apontamento, algumas das conclusões que exprimi.

-» afirmei que os prazos de duração do inquérito processual penal são «prazos máximos», como decorre literalmente da epígrafe do artigo 276º do CPP e se repete no corpo do mesmo;

-» permiti-me a ousadia de lembrar que, tendo sido membro na comissão de que emergiu em 1986 o projecto de lei que, por autorização legislativa, se tornou Código [comissão essa presidida pelo Doutor Figueiredo Dias] e, ante a consciência de que se estariam, sob a bandeira do Estado de Direito Democrático, a consagrar prazos de averiguação superiores aos da legislação do regime anterior, e fazendo-se isso em nome da necessária maior eficácia quanto ao combate à criminalidade, agora mais complexa e difícil de descortinar, teria de se fixar, como sucedeu com a minha aquiescência, uma duração máxima ao inquérito pré-acusatório para que àquela maior extensão do tempo de inquérito não se somasse a indeterminação do prazo;

Para a presidência de tal Comissão, criada pelo ministro da Justiça de então, Dr. Rui Machete, foi designado o Doutor Jorge de Figueiredo Dias, sendo seus membros o Dr. José Narciso da Cunha Rodrigues, que mais tarde viria a ser empossado no cargo de Procurador Geral da República, mantendo-se, no entanto, em funções na Comissão, o Dr. Manuel Maia Gonçalves, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, o Doutor Manuel da Costa Andrade, deputado à Assembleia da República e Professor da Faculdade de Direito de Coimbra, o Dr. João Manuel Franqueira de Castro e Sousa, então Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, e o autor deste livro. Outras individualidades vieram a participar nos trabalhos.
O texto do Projecto de Código está publicado em suplemento ao Boletim do Ministério da Justiça de 1986; a Proposta de Lei de autorização legislativa, contendo em anexo também o texto do Projecto, foi publicado pela Assembleia da República, em separata nº 7/IV ao Diário da Assembleia da República de 12 de Maio de 1986.

-» lembrei que, em outros locais do Código, há expressão dessa mesma ideia, e é ela que deu corpo, aliás, ao novo incidente da aceleração processual que se criou e que teve de se modificar por via da rejeição parlamentar do princípio constante da lei de autorização legislativa que o consagrava, esvaziando o mesmo da eficácia prática que se pretendia, a de injunção de cumprimento dos actos em atraso, de forma a prevenir a inconstitucionalidade que de outro modo seria decretada, estando solicitada a fiscalização preventiva do diploma em sede de exame pelo Tribunal Constitucional;

O projecto de Código foi sujeito ao Parlamento, para que este concedesse ao Governo autorização para o legislar, mas acompanhado de uma proposta de Lei de autorização legislativa em que a norma sob o sentido do diploma a aprovar era de uma considerável extensão. Fui encarregado pelo ministro da Justiça no momento, o falecido Dr. Mário Raposo, Bastonário que tinha sido da Ordem dos Advogados, de redigir tal projecto, com acompanhamento da comissão de onde sairia o projecto de Código, sendo essa a minha fonte de ciência quanto ao que sucedeu.

-» admiti que não se previu, é certo, outra sanção para o incumprimento do prazo de inquérito que não fosse a que decorresse de se poder considerar invalidade [por irregularidade, artigos 119º e 123º do diploma] de acusação fundada em inquérito ilegal por duração superior ao tempo imposto pela lei [de imposição injuntiva se trata e não de mera sugestão ou recomendação] ;

-» instado a tomar posição sobre a dicotomia em que o encontro se estava a centrar [prazo ordenador ou peremptório] exprimi claramente dúvidas quanto a tratar-se de prazo peremptório de cujo incumprimento decorresse a caducidade do direito de acusação que o inquérito preparava, ironizando que, afinal, todos os prazos são "ordenadores", pois visam conferir ordem aos actos processuais [pois, a meu ver, inexiste, aliás, comando legal de onde a caducidade se possa extrair].

Indo mais longe nas considerações, e já na fase do debate, acrescentei duas opiniões, agora quanto à solução do problema.

-» depois de se ter chegado a um ponto em que a jurisprudência quase pacífica [com uma excepção que foi, aliás, lembrada em outra intervenção] consagrou a doutrina dos prazos de inquérito serem peremptórios, e dado que a questão se estava a discutir num momento em que, uma orientação diversa [no sentido da perempção e da caducidade do direito a acusar], se projectaria em processos pendentes, alguns com larga retumbância social, permiti-me supor que não seria de esperar ou exigir da magistratura judicial solução que tivesse de suportar, junto da comunidade, o preço dos efeitos de tais consequentes arquivamentos, pois tudo pareceria proteccionismo a certas situações específicas;

-» lembrei que, quando, por efeito do Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/89, um número incontável de processos foram pura e simplesmente arquivados, constatou-se que um número imenso destes, estava pendente em inquérito há mais de dez anos e [facto extraordinário] nenhum clamor público se levantou, sendo que a dor do anónimo [sujeito à cidadania de segunda de ser investigado durante tal prazo] não aceitava que fosse menor do que a dor de figuras públicas sujeitas a demoradas pendências, ambas respeitáveis, mas tudo a demonstrar que se trata de problema irresoluto mau grado a sua vetustez; 

-» explicitei que, no meu ponto de vista a investigação criminal [enquanto tal] não tem de estar sujeita a prazos, sim o inquérito enquanto categorial processual formal e nomeadamente a partir do momento em que corre contra pessoa determinada e, por maioria de razão, quando se constitui um cidadão como arguido;

-» parecia-me, pois, enfim, e disse-o, que, neste complexo contexto, a questão teria de ser resolvida por via legislativa, pelo estabelecimento claro de normas sobre os prazos máximos de inquérito com determinação das consequências para o seu desrespeito e [já agora] quanto ao prazo de formulação do requerimento de abertura de instrução, que deveria  ter uma duração proporcionada à duração do inquérito, fixada numa percentagem desta. Mais acrescentei que uma solução possível quanto À obtenção do cumprimento de prazos de inquérito seria a entronização de uma espécie de habeas actum pelo qual se obtivesse uma injunção judicial visando a prática dos actos processuais em falta.

-» tal alteração legislativa não deveria, por previsão expressa, aplicar-se aos processos pendentes.

Eis, o que sinto ser necessário trazer a público. Está prometida a edição formal do texto. Aqui são só breves apontamentos.

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