Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Autodefesa penal por advogado

A Relação de Guimarães no seu Acórdão de 18.12.2017 [processo n.º 143/15.6T9PTL-B.G1, relatora Maria José Matos, texto integral aqui] reafirma a proibição da autodefesa penal por advogado, ou seja, numa variante do problema, a proibição de advogado ser defensor em causa própria. 

A questão coloca-se ante a aplicabilidade ao ordenamento nacional do estatuído na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concretamente o seu artigo 6º, n.º 3, a), segundo o qual: «c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem».

Segundo o sumário do aresto:

«I) No processo penal o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de actos que a lei reserva ao defensor (artº 64º, nº 1, do CPP), sendo que tal orientação legal é conforme com a Lei fundamental.
II) É o que sucede no caso dos autos, em que o arguido, não obstante a sua qualidade profissional de advogado não tem capacidade, porque para tal não tem legitimidade, para se auto-representar, nomeadamente para apresentar um requerimento onde, para além do mais, suscita a invalidade da nomeação de Defensor Oficioso e, bem assim para requerer a abertura de instrução, questões que pela sua própria natureza implicam discussão de direito que, assim, tem que ser operada pelo pelo Defensor do arguido e, não já, pelo próprio.»

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Tal posição tem sido a acolhida pela jurisprudência, como o consigna o Acórdão na sua fundamentação. 
Assim, «o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-10-2011, onde se pode ler: “No processo penal o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de actos que a lei reserva ao defensor [art. 64.°, nº 1, do CPP]. Esta solução legal é conforme à CRP e não afronta as disposições constantes de instrumentos internacionais sobre a matéria, designadamente, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos”; 
E ainda do Tribunal Constitucional, o Acórdão proferido no âmbito do processo nº 58/2001, em que foi Relator Bravo Serra e onde se pode ler: “Significará isto que os direitos fundamentais consistentes no asseguramento da totalidade das garantias de defesa em processo penal e na liberdade de escolha de defensor por parte do arguido impõem que este (naquele tipo de processo), ao menos sendo advogado, se o desejar, possa defender-se a si mesmo? A esta questão responde o Tribunal negativamente. Efectivamente, a tese do recorrente só seria de aceitar se se partisse de uma posição de harmonia com a qual sendo o arguido um advogado (regularmente inscrito na respectiva Ordem), a sua «auto-representação» no processo criminal contra si instaurado representasse, de modo objectivo, um melhor meio de se alcançar a sua defesa e se a lei processual penal não reconhecesse ao arguido um conjunto de direitos processuais estatuídos, verbi gratia, no art° 61° nº 1 e 63, n° 2, quanto a este último avultando o de poder pelo mesmo arguido, ser retirada eficácia a actos processuais praticados pelo seu defensor em seu nome, se assim o declarar antes da decisão a tomar sobre tal acto. E é justamente dessa posição que se não pode partir. Não se nega que, na óptica (naturalmente subjectiva) do recorrente, este possa entender que a sua defesa em processo criminal seria melhor conseguida se fosse prosseguida pelo próprio na qualidade de «advogado de si mesmo», do que se fosse confiada a um outro advogado. Só que, como este Tribunal já teve oportunidade de salientar (cfr. citado Acórdão n° 252/97) “há respeitáveis interesses do próprio interessado, a apontar para a intervenção do advogado, mormente no processo penal», sendo certo que, «mesmo no caso de licenciados em Direito, com reconhecida categoria técnico-jurídica, a sua representação em tribunal através de advogado, em vez da auto-representação, tem a inegável vantagem de permitir que a defesa dos seus interesses seja feita de modo desapaixonada», ou, como se disse no Acórdão nº 497/89 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional 14° volume, 227 a 247), “mesmo relativamente aos licenciados em Direito (enquanto parte) se pode afirmar com Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civi4 p. 85), que «às partes faltaria a serenidade desinteressada (fundamento psicológico [...] que se fazem mister à boa condução do pleito’». A opção legislativa decorrente da interpretação normativa em causa, que exige que o arguido, mesmo que advogado, seja defendido por um advogado que não ele, não se vê que seja contraditada pela Constituição. O agir desapaixonado torna-se, desta arte e de modo objectivo, uma garantia mais acrescida no processo criminal o que só poderá redundar numa mais valia para as garantias que devem ser prosseguidas pelo mesmo processo, sendo certo que, como se viu acima, ao se não poder silenciar a corte de outros direitos consagrados ao arguido pela lei adjectiva criminal, isso redunda na conclusão de que se não descortina uma diminuição constitucionalmente censurável das garantias que o processo criminal deve assegurar. De outro lado, como resulta da transcrição do acima citado comentador da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o preceituado na alínea c) do n° 3 do art. 6° não impede os Estados aderentes de imporem, por via legislativa, a obrigação da representação dos arguidos por intermédio de advogado. Sequentemente, não se vislumbra que a interpretação normativa em causa seja colidente com qualquer preceito ou princípio constante da lei Fundamental.”
Ponderando, ainda, no seguimento desta fundamentação por nós supra aduzida de que o arguido não pode representar-se a si próprio entendemos, também, que requerimento de abertura de Instrução (onde, de resto, o arguido suscitou, recorde-se, também, matéria de direito: “invalidades do Inquérito” e sustentando, por referência à Instrução que está em causa “um problema de interpretação e de aplicação do direito”), tem de ser subscrito por Advogado, permitindo-nos citar, a este específico propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-02-2009, CJ, 2009, TI, pág.164, onde se pode ler: “O requerimento de abertura da instrução carece de estar assinado pelo mandatário ou defensor do arguido, mesmo sendo este advogado constituído arguido nos autos, estando vedado que se represente a si mesmo”; nesta sequência e porquanto, apesar de instado para o efeito, o arguido e respectivo defensor oficioso não regularizaram o processado, no prazo fixado, ao abrigo da jurisprudência supra citada e ainda do art. 287.°, nº 3, do Código de Processo Penal, o tribunal decide rejeitar o requerimento de abertura de Instrução formulado nos autos pelo arguido A. P., com fundamento na inadmissibilidade legal.»