Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Minuta de acusação e advocacia técnica

 


O ónus processual inerente a uma advocacia tecnicamente preparada está cada vez mais presente nas exigências formuladas pela nossa jurisprudência, aqui, diga-se, com acolhimento na lei. Claro que os efeitos de peças processuais incorrectamente minutadas recaem sobre os directamente afectados e que essa advocacia assiste e representa e exige-se, pois, um sentido acrescido de responsabilidade profissional.

Estamos seguros de que existem ónus cujo critério de satisfação é labiríntico, como o da formulação de conclusões de recurso em matéria de facto [para cumprir o determinado pelo artigo 412º, n.º 3 do CPP], mas outros configuram-se como razoavelmente proporcionados, como é o caso da delimitação do objecto do processo através da acusação.

Vem, por isso, a propósito, o determinado pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 22.09.2021 [proferido no processo n.º 222/19.0GBSRT.C1, relator João Novais, texto integral aqui] quando determinou que:

«I - Não é exigida a perfeita coincidência entre a narração, mais ou menos imprecisa, da queixa e a descrição, concreta e circunstanciada, da acusação.
«II – A queixa traduz uma descrição do acontecimento naturalístico ocorrido, do “pedaço de vida” relativamente ao qual o ofendido pretende procedimento criminal, ou seja, consubstancia uma manifestação de vontade do ofendido de início e de prosseguimento de processo de natureza criminal contra o denunciado pela prática de um determinado crime.
«III – Já a acusação, reforçando o mesmo propósito, visa horizonte mais vasto, imputando-se nela ao arguido, em termos concretos, os factos e os crimes que os factos consagram.»

Pelo seu interesse, cita-se este excerto da sua fundamentação:

«f) Quanto à acusação particular, exigida para determinados tipos de crimes, constituindo um reforço da vontade do ofendido para que se verifique o procedimento penal já anteriormente manifestado através da apresentação da queixa, não se confunde com esta, indo para além dela.
Já não está apenas em causa, como na queixa, possibilitar o exercício da acção penal (ou impedir esse exercício através da desistência da queixa); está em causa o exercício dessa mesma acção penal, independentemente do próprio Ministério Público.
E uma vez que a acusação particular se relaciona com o verdadeiro exercício da acção penal, facilmente se compreende que a lei exija muito mais do que uma simples manifestação de vontade, sem especiais formalidades, como ocorre na queixa. Por esse motivo, a nossa lei estabelece expressamente a forma que deve revestir a acusação particular devendo respeitar – por remissão do 285º, nº 3 do C.P.P. – o disposto no art. 283º, 3, 7 e 8 do mesmo código; Ou seja, tem necessariamente que conter as especificações exigidas quanto à acusação pública, mormente a «narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada» - cfr. al. b) do n.º 3 do art 283º do C.P.P.
Como é sabido, é de grande relevância a descrição dos factos na acusação: o objecto do processo é o objecto da acusação, no sentido de que é esta que fixa os limites da actividade cognitiva e decisória do tribunal, ou, noutros termos, o thema probandum e o thema decidendum - cfr. Ac. do S.T.J. de 13.10.2011, proc. n.º 141/06.0JALRA.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt; A estrutura acusatória do processo, o princípio do contraditório, bem como o direito de defesa, levam a que, de acordo com o denominado princípio da vinculação temática, os poderes de cognição do tribunal estejam delimitados pelo conteúdo da acusação – cfr. Ac. desta Rel. de Coimbra, de 15-4-2015, processo n.º 992/12.1TAVIS.C1, disponível no mesmo sítio.
«g) Daqui resulta, que se na queixa se deve fazer referência ao acontecimento relativamente ao qual o ofendido pretende que ocorra uma reacção penal, assim se definindo a amplitude da investigação em sede de inquérito e da própria acusação, não se exige a perfeita coincidência entre a narração mais ou menos imprecisa desse acontecimento, e a descrição concreta e circunstanciada exigida numa acusação. Na queixa o que se pretende é uma descrição do acontecimento, ou “pedaço de vida”, relativamente ao qual o ofendido pretende procedimento penal; impõe-se apenas a manifestação da vontade no prosseguimento de processo crime contra o denunciado pela prática de um facto ou acontecimento que configurará determinado crime.
Já na acusação, reforçando-se a mesma manifestação de vontade, vai-se mais longe, imputando-se ao arguido, em termos precisos e concretos, os factos, e os crimes.»

Aperfeiçoar sim, mas só as conclusões

«A motivação do recurso é insusceptível de aperfeiçoamento. Assim, a motivação deficiente, insuficiente para identificar o objecto do recurso, há-de ser equiparada à falta de motivação e produzir o mesmo efeito que esta: a rejeição do recurso Relação de Évora de 7 de Fevereiro de 2012 [relator Sénio Alves, texto integral aqui].
Isto porque, segundo o mesmo aresto, «da leitura conjugada dos nºs 3 e 4 do artº 417º do CPP é forçoso concluir: a) o convite ao aperfeiçoamento restringe-se às conclusões e só pode abarcar matéria já contida no texto da motivação; b) nem as conclusões “devem manter-se aquém ou exceder as questões que ficaram afloradas no corpo da motivação, nem devem ser tão ou mais abrangentes que a própria motivação em si” – Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., 511 [no mesmo sentido, cfr. o Ac. RC de 9/7/2008 (rel. Luís Ramos), www.dgsi.pt.: “(…) até por força do disposto no nº 4 do artº 417º (…) há que concluir que o não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões”]».