Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Indemnização: critérios

«Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida. E o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica», determinou o Acórdão da Relação de Coimbra de 01.02.12 [relatora Maria Pilar Oliveira, texto integral aqui].
O aresto contém uma exaustiva e útil enunciação das referências doutrinais sobre o tema da responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais.

O dano [moral] tanatológico

O irrequietismo da cultura pode levar ao caleidoscópio de categorizações jurídicas. Entre nós a figura do dano não patrimonial, chamado dano moral, tem sido tratado de modo unitário, gerando, seja qual for a sua forma, o ressarcimento compensatório afinal por equivalentes pecuniários.
Não assim no Direito italiano, como se colhe desta asserção, em que foi necessário definir pela negativa que: «non meritano alcuna tutela i diritti del tutto immaginari, come il diritto alla qualità della vita, allo stato di benessere, alla serenità: in definitiva il diritto ad essere felici».
Trata-se de um Direito em que só por um raciocínio jurídico redutor foi possível dar por adquirido que: «le distinte denominazioni (danno morale, danno biologico, danno esistenziale, danno da perdita del rapporto parentale o tanatologico), ha precisato la Corte, devono essere lette come mere sintesi descrittive adottate [...] dal momento che «il danno non patrimoniale» si presenta come una «categoria generale non suscettiva di suddivisione in sotto categorie variamente etichettate».
A ler aqui sobre o dano tanatológico, seja o sofrimento em agonia a que segue a morte, a dor psicológica própria final e a dos demais via hereditária.
«Con il sintagma danno tanatologico si descrivono, in realtà, due distinte ipotesi di danno, originate dal medesimo evento: il danno da morte iurehereditatis e il danno tanatologico iure proprio. Il primo definisce il danno subito dalla vittima primaria dell’illecito che può essere rivendicato dai suoi eredi; il danno tanatologico iure proprio, invece, ha ad oggetto la violazione, patita dai parenti della vittima, dell’interesse all’intangibilità della sfera degli affetti reciproci. Quest’ultimo interessa la lesione di due beni della vita, inscindibilmente collegati: il bene dell’integrità familiare, con riferimento alla vita quotidiana della vittima con i suoi familiari, (artt. 2, 3, 29, 30, 31, 36 cost.); il bene della solidarietà familiare, sia in relazione alla vita matrimoniale che in relazione al rapporto parentale tra genitori e figli e tra parenti prossimi conviventi (artt. 2, 3, 29, 30 cost.)».

Ofendidos pelo dano

A jurisprudência fixada pelo STJ no seu Acórdão n.º 7/2011 de 27.04.11 [relator Henriques Gaspar] vai neste sentido: «No crime de dano, p.p. no art. 212.º, n.º1 do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa nos termos do art. 113.º, n.º1 do mesmo diploma, o proprietário da coisa «destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada» e quem, estando por título legítimo, no gozo da coisa, foi afectado no seu direito de uso e fruição».
O texto integral pode ser encontrado aqui.
O decidido enfrenta duas questões: a primeira, decorrente da circunstância de o Direito português, com originalidade prever uma figura - a do assistente - que não se confunde com o lesado, mas com algo de evanescente, seja, na sua categoria maior e mais assídua nos tribunais, aquele para tutela de cujos interesses a norma penal foi erigida e não propriamente a parte civil; a segunda a circunstância, o facto desse interesse  - ou bem jurídico como é chamado - ser ou não estritamente aquele que o próprio Código Penal categoriza, no caso a propriedade, ou, afinal, os elementos convergentes com ele, como as fruições, a posse, a detenção e o mais que se possa configurar no campo dos direitos reais de gozo sobre um bem.
O STJ foi para uma concepção ampla, que tem vindo a ganhar caminho na doutrina, e teve a gentileza de citar um opúsculo meu como traduzindo a ideia contrária, a mais restrita. De facto não é só pela literalidade que me fere a sensibilidade jurídica admitir que crimes que estão previstos serem contra a propriedade possam dar tutela a quem nem proprietário é. 
Enfrentei já o considerar-se furto a retirada de bens por um dos ex-cônjuges em relação ao património indiviso resultante da comunhão conjugal quando pela ausência de partilha não se poderia dizer quem era de quem e foi aí que me surgiu racionalmente a relutância.
A jurisprudência - com este modo de sentir - entendeu no caso que o ataque não fora à propriedade mas àquilo que o cônjuge marido fruía o que também era tutelado por um crime - o furto - que o Código com todas as letras configurava ser um ilícito penal não contra o património, não contra os direitos patrimoniais, sim contra a propriedade.
Claro que pode haver aqui uma contradição: a extensão da tutela - que acaba por elevar o âmbito da criminalização para além de limites supostos pelo princípio da legalidade, o que a ser implica lesão constitucional - ser ditada por uma pragmática, a de dar benefício ao que não sendo o proprietário é aquele que da propriedade detém as convenientes utilidades. Ou seja, havendo na base uma diferença entre ofendidos e lesados, consideram-se serem ofendidos aqueles que só o serão porque afinal são meros lesados. Aporias ditadas por necessidade - será o caso - de fazer Justiça, dando estatuto a quem de outro modo seria um estranho.
Admito que o assunto é complexo e por isso voltarei a ele.