Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Liberdade condicional: efeitos da revogação

Ainda não mencionado no portal do Supremo Tribunal de Justiça [conferir aqui] foi hoje publicado no Diário da República [n.º 230/2019, Série I de 2019-11-29]o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2019, proferido a 4 de Julho de 2019, em sede de fixação de jurisprudência, segundo o qual: «Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63.º, n.º 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional.»

Que a doutrina firmada é controversa decorre da existência de múltiplos votos de vencido:

António Pires Henriques da Graça (Relator) - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Mário Belo Morgado - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira - Nuno de Melo Gomes da Silva - Francisco Manuel Caetano - Manuel Pereira Augusto de Matos - Vinício Augusto Pereira Ribeiro - Maria da Conceição Simão Gomes - Nuno António Gonçalves - Manuel Joaquim Braz (Vencido de acordo com a declaração de voto do Conselheiro Carlos Almeida) - Carlos Manuel Rodrigues de Almeida (Vencido, de acordo com a declaração de voto que junto) - José Luís Lopes da Mota (Vencido, conforme declaração junta) - Júlio Alberto Carneiro Pereira (Vencido pelas razões constantes da declaração de voto do Conselheiro Carlos Almeida) - António Manuel Clemente Lima (Vencido, pelas razões constantes da declaração de vencido do Senhor Conselheiro Carlos Almeida) - Maria Margarida Blasco Martins Augusto (Vencida, pelas razões constantes da declaração de vencido do Senhor Conselheiro Carlos Almeida) - José António Henriques dos Santos Cabral (Vencido, revendo posição anterior e de acordo com declaração junta) - António Joaquim Piçarra (Presidente).

Uma outra oportunidade permitirá comentário relativamente à matéria nele ponderada.

A Alemanha o País da prisão perpétua...



Em causa a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da Assembleia da República nº 8/93 de 20/04, publicada no DR n.º 92, Série I, de 20 Abril 1993), numa dupla vertente: a da conversão de uma pena prevista no ordenamento estrangeiro que o nosso não preveja; a prevalência do nosso sistema legal sobre o estrangeiro onde ocorreu a condenação no que se refere à execução da pena, nomeadamente no que se refere à liberdade condicional. Decidiu-o o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.09.2014 [proferido no processo 364/13.6YRLSB-A.L1 -9, texto integral aqui]


Primeiro problema: «O arguido LT foi condenado, por decisão transitada em julgado, por tribunal estrangeiro em pena perpétua, pela prática de um crime de homicídio qualificado, por decisão proferida pelas autoridades alemãs, que só admitem a libertação do arguido, após 15 anos de cumprimento de pena». 

Isto é, estamos ante um Estado, o alemão, integrante da União Europeia, que admite a prisão dita perpétua, a qual pode dar azo à libertação quinze anos, porém, após o seu início, verificadas que sejam certas condições e que, se bem que na prática não gere a prisão por mais de vinte e dois anos, mantém aquela regra da perpetuidade tida como legítima.

Mais um Estado que prevê que o homicídio voluntário seja punido com prisão até cinco anos e em «casos  especiais graves» [que não se definem quais sejam] com prisão perpétua, isto é uma variação de penas que mais não é do que o arbítrio concedido à discricionariedade punitiva. 

Para os que têm o germanofilismo jurídico como farol interpretativo do nosso próprio Direito e como critério face ao que é justo porque legal, é caso para pensar.

Assim se transcrevem [ver aqui] o §§ 211 e 212 do Código Penal Alemão:

§ 211

«1) Der Mörder wird mit lebenslanger Freiheitsstrafe bestraft.
«(2) Mörder ist, wer aus Mordlust, zur Befriedigung des Geschlechtstriebs, aus Habgier oder sonst aus niedrigen Beweggründen, heimtückisch oder grausam oder mit gemeingefährlichen Mitteln oder
um eine andere Straftat zu ermöglichen oder zu verdecken,
einen Menschen tötet.»

§ 212

«1) Wer einen Menschen tötet, ohne Mörder zu sein, wird als Totschläger mit Freiheitsstrafe nicht unter fünf Jahren bestraft.
«(2) In besonders schweren Fällen ist auf lebenslange Freiheitsstrafe zu erkennen.»

Segundo problema: prevendo o nosso sistema jurídico condições de execução de pena, nomeadamente no que à liberdade condicional respeita, mais favoráveis do que as que estão previstas no ordenamento do País da condenação, qual deve prevalecer? O Acórdão em referência decidiu que será o português, antes de decorrido o tempo mínimo que a lei alemã previa.

E assim ficou consignado que, fazendo triunfar os nossos princípios jurídicos: 

«I - Tendo-se procedido a revisão de sentença penal estrangeira, no âmbito da qual o Tribunal da Relação converteu para a pena máxima permitida pelo ordenamento jurídico criminal português (25 anos de prisão) a pena de prisão perpétua que havia sido aplicada na Alemanha a cidadão português que aí havia cometido homicídio, e tendo, seguidamente, o condenado, que ali cumpria a pena, sido transferido para Portugal, a seu pedido, para aqui cumprir o remanescente desta, passa a ser a lei portuguesa que, para futuro, regerá todas as questões atinentes à execução da pena. II - Na liquidação de pena dever-se-á fixar a data em que o condenado atingirá o meio da pena, para efeitos de apreciação e eventual concessão da liberdade condicional nesse momento (artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal), o que no caso concreto ocorrerá decorridos 12 anos e 6 meses, ainda que atento o disposto no do § 57º do Código Penal alemão a libertação condicional de recluso em prisão perpétua pressuponha terem sido imprescindivelmente cumpridos 15 anos de prisão efetiva de encarceramento penitenciário.»