Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Direito ao recurso

É conhecida a jurisprudência restritiva que tem legitimado soluções pelas quais o direito constitucional ao recurso em matéria penal fica esvaziado de possibilidade. Desde interpretações rigoristas das regras formulárias quanto à redacção de conclusões - chegaram a rejeitar-se recursos porque as conclusões eram «muito extensas», vive-se em perpétuo labirinto quanto ao saber-se o que deve ser indicado naquelas como prova que fundamenta facto diverso do adquirido, tudo é fluído e errático no que se refere à sorte do veredicto de facto quando sindicado em recurso - até ao entendimento de que a dupla conforme, inibidora do recurso, se verifica com a conformidade com a condenação, qualquer que ela seja, é tudo um universo que converge para que os tribunais superiores se libertem, pela rejeição, da avalanche de recursos que se têm perfilado recentemente e que incerteza jurisprudencial anima, abrindo-lhes uma possibilidade de sucesso.
Saúda-se, pois, como uma proclamação, o teor deste Acórdão da Relação do Porto de 11.07.12 [processo n.º 131/09.GCMBR, relator Joaquim Gomes, texto integral aqui], segundo o qual:

«I - Os direitos fundamentais, seja ao nível da nossa Constituição, seja na decorrência dos tratados internacionais aos quais estamos vinculados, com destaque para a DUDH, o PIDCP, a CEDH e a CDFUE, não consagram expressamente e através de uma norma específica um direito geral ao recurso em relação a toda e qualquer decisão judicial.
II - No entanto tem sido comum encontrar esse direito ao recurso a partir do direito fundamental de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, que na nossa Constituição tem uma consagração unívoca, como decorre do seu art. 20º.
III - Porém, no que concerne ao arguido, em processo penal e de modo a assegurar-lhe uma plena garantia de defesa, tal como se encontra consagrado a partir da Lei Constitucional de 1/97, de 20/Set., que reformulou a parte final do art. 32º, 1, já se lhe assegura um efectivo direito ao recurso, mormente quando está em causa a sua condenação numa reacção penal.
IV - Aliás, a CEDH, no seu Protocolo n.° 7, mediante o seu art. 2º, n.° 1, veio estabelecer o comando geral que “Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a sua declaração de culpabilidade ou condenação”.
V – Quando se apela ao recurso em matéria de facto, não pode olvidar-se que o arquétipo recursivo no nosso modelo processual penal, não abrange todo o julgamento desses factos, mas apenas aqueles que foram concreta e especificadamente impugnados.
VI - Porém, tal exigência legal não pode ser tão implacável ou inflexível que conduza a uma quase impossibilidade de recurso, o qual acabaria por redundar numa preterição do princípio constitucional de acesso ao direito, mais concretamente na vertente do princípio “pro actione”, no sentido de que estando estipulado o direito ao recurso, não são admissíveis interpretações formalistas ou restritivistas desse direito.
VII - Por isso, e numa leitura jusfundamental dos direitos de defesa e do acesso ao direito, não sejam admissíveis as rejeições formais que limitem intoleravelmente [Ac TC 337/2000], dificultem excessivamente [Ac TC 320/2002], imponham entraves burocráticos [Ac TC 80/2001] ou restringem desproporcionalmente o direito ao recurso.
VIII - Nesta conformidade e em sede interpretativa do art. 412.°, n.° 2 e n.° 3, do CPP afigura-se-nos que está vedado um entendimento mediante o qual se fixem requisitos tão pesados e extensos que, na prática, suprimem esse direito de recurso.
IX - Assim, quando se perceba efectivamente a norma tida por violada ou a matéria de facto impugnada, mediante uma remissão, expressa ou implícita, para o corpo das alegações ou quando a mesma esteja, de tal modo claro e sem margem para dúvidas, subjacente nas conclusões de recurso, devemos dar por cumprido o correspondente ónus de alegação e de formulação de conclusões.»

Impugnando o inimpugnável

Por entender que o crime em causa era outro que não aquele sobre o qual o Ministério Público e o juiz de instrução se haviam entendido concordando com uma dispensa de pena, o assistente veio requerer a abertura de instrução. Foi-lhe rejeitada porque o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 27.03.12 [relator Sénio Alves, texto integral aqui] decidiu que «contra a decisão de arquivamento do processo ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº 1 do CPP não pode o assistente reagir através do pedido de abertura de instrução».
Fundamentando justificou explanando que: «Como claramente resulta do artº 286º, nº 1 do CPP, a instrução visa a comprovação judicial de deduzir a acusação ou de arquivar o inquérito. A decisão (de acusar ou arquivar) aqui referida só pode ser a proferida pelo MºPº, titular do inquérito. Não parece sensato defender-se que pode haver comprovação judicial de uma decisão… judicial de arquivar o processo! Mais: o juiz de instrução já comprovou judicialmente a decisão de arquivamento tomada pelo MºPº: fê-lo ao dar a sua concordância, nos termos do artº 280º, nº 1 do CPP, examinando os autos e verificando a existência dos pressupostos e requisitos legais».
É que, segundo o mesmo Tribunal: «Dispõe-se no artº 280º, nº 1 do CPP que “se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa”. E, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, “a decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação” sendo certo que, como opina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 123, “o não ser susceptível de impugnação parece significar que a decisão de arquivamento não admite nem recurso nem comprovação pela instrução”».
Curioso é que ante uma lei que veda uma impugnação e ante uma situação que parece exigi-la - e cuja conformidade constitucionalidade tem sido aceite - a Relação de Évora conclua - citando o mesmo professor - que a via de ataque à mesma é a...impugnação por recurso. 

P. S: Um só reparo: no sumário o tema surge indicado por referência a vários descritores, um deles, o de «inquérito preliminar». Já houve.

Aperfeiçoar sim, mas só as conclusões

«A motivação do recurso é insusceptível de aperfeiçoamento. Assim, a motivação deficiente, insuficiente para identificar o objecto do recurso, há-de ser equiparada à falta de motivação e produzir o mesmo efeito que esta: a rejeição do recurso Relação de Évora de 7 de Fevereiro de 2012 [relator Sénio Alves, texto integral aqui].
Isto porque, segundo o mesmo aresto, «da leitura conjugada dos nºs 3 e 4 do artº 417º do CPP é forçoso concluir: a) o convite ao aperfeiçoamento restringe-se às conclusões e só pode abarcar matéria já contida no texto da motivação; b) nem as conclusões “devem manter-se aquém ou exceder as questões que ficaram afloradas no corpo da motivação, nem devem ser tão ou mais abrangentes que a própria motivação em si” – Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., 511 [no mesmo sentido, cfr. o Ac. RC de 9/7/2008 (rel. Luís Ramos), www.dgsi.pt.: “(…) até por força do disposto no nº 4 do artº 417º (…) há que concluir que o não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões”]».