Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Insuficiência do inquérito


 É conhecida a orientação jurisprudencial no sentido de restringir o alcance das invalidades previstas na lei processual penal. É neste contesto que se integra o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.03.2021 [proferido no processo n.º 167/18.1T9STS.P, texto integral aqui], relator Horácio Correia Pinto] quando sentenciou a propósito do que tem por incompetência do juiz de instrução criminal para avaliar a suficiência do inquérito, determinando que:

 «I – A omissão de diligências em inquérito, ainda que legalmente obrigatórias, não configura a nulidade insanável de falta de promoção do processo pelo Ministério Público, prevista no artigo 119.º, b), do Código de Processo Penal

«II – A nulidade, dependente de arguição, de insuficiência do inquérito, prevista no artigo 120.º, n.º 2, d), do Código de Processo Penal, requer interpretação restritiva, cingindo-se à falta de interrogatório do denunciado, pois as restantes diligências estão no âmbito da autonomia do Ministério Público, não podendo ser ordenadas pelo Juiz de Instrução e podendo a omissão de alguma diligência no inquérito ser suprida na fase de instrução.»

No caso, o Ministério Público arquivara um inquérito omitindo diligências que o tribunal a quo considerou relevantes para a descoberta da verdade.

Na sua fundamentação, o aresto afastou e bem a eventualidade de o vício invocado se relacionar com a sua ausência de promoção por parte do Ministério Público e a propósito enunciou situações que integrariam a mesma, ao considerar, e é interessante rememorá-las: 

«[...] o MP tem apenas de assegurar os meios de prova necessários (artº 267 do CPP) para a realização das finalidades previstas no artº 262 nº 1 do CPP. Efectivamente, exceptuando aquelas declarações, nenhum outro acto de inquérito foi praticado, apesar de requerido. Não excluímos a ausência de indícios suficientes para a verificação de crime, desde que esta manifestação assente em diligências concretas e irrefutáveis. Julgamos contudo que não é apropriado falar de falta de promoção do processo nos termos do artº 119 alª b) do CPP. Esta invalidade plena não foi prevista para omissão de diligências ou não prática de actos legalmente obrigatórios (artº 120 nº 2 alª d) do CPP). Aquela nulidade absoluta refere-se a casos muito mais graves como por exemplo: omissão de despacho final de encerramento de inquérito - não pronúncia sobre a totalidade do objecto do inquérito – Acórdão do TRP de 08/03/2017 in Processo nº 97/12.0GAVFR.P1, relatado pelo Desembargador Manuel Soares. Situação idêntica foi decidida no Acórdão de Jurisprudência do STJ de 16 de Dezembro de 1999: integra a nulidade insanável da alª b) do artº 1119 do CPP a adesão posterior do MP à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza pública e semi-pública, fora do caso previsto no artº 284 nº 1 do mesmo diploma legal – O MP tinha notificado o assistente, para deduzir acusação num crime de natureza semi-pública, sem que tivesse encerrado o inquérito com adequado despacho. O mesmo se diga da situação prevista no Acórdão do TRC, de 06/11/2003 in Processo nº 310/12.4T3AND-A.C1. Relator: Maria Pilar de Oliveira – ter sido declarada aberta a instrução sem ter sido realizado inquérito. Ainda o Acórdão do TRG, de 12/07/2016 in Processo nº 679/14.6GCBRG-B.G1. Relator João Lee Ferreira – omissão absoluta de pronúncia sobre crime semi-público denunciado pelo ofendido.»

Reconduzindo o tema à sua correcta configuração, a de insuficiência do inquérito [nulidade relativa prevista no artigo 120º, n.º 2, d) do CPP], o acórdão considerou, porém, estar subtraída ao poder judicial o conhecimento da mesma. Eis o que ali se escreve a este propósito: 

«É evidente que as identificadas diligências não foram praticadas mas, não podemos olvidar que os autos já estão sob controlo jurisdicional, em sede de instrução. Como também não podemos afirmar que a audição dos denunciados é obrigatória, uma vez que o MP disse claramente no despacho de arquivamento que os factos indiciados não são susceptíveis de configurar a prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido nos termos do artº 360 do CP. Esta é uma competência do MP que tem completa autonomia durante o inquérito (artº 221 da CRP e Estatuto do MP – Lei nº 47/86 de 15 de Outubro) para exercer a acção penal de acordo com as suas atribuições – princípio da autonomia - o que decorre da estrutura acusatória do processo estabelecida no artº 32 nº 5 da CRP.
Não basta declarar nulidades, mais do que uma intervenção formal, impõem-se aferir dos efeitos desta medida para lá do disposto no artº 122 do CPP. O caso flagrante de nulidade insanável, como a falta essencial de promoção ou de inquérito, impõe-se ao MP com a consequente obediência à decisão judicial, sindicância que muitas das vezes é reparada por intervenção hierárquica. O dever de conhecer estas anomalias é oficioso e deve ser declarado em qualquer fase do procedimento, salvo as que forem cominadas em outras disposições legais. O Tribunal a quo na defesa do despacho recorrido vem dizer (fls. 890 do translado) que uma vez considerada procedente (nulidade insanável), prejudica a finalidade da instrução aludida no artº 266 nº 1 do CPP, bem como a utilidade do debate instrutório. Além de já termos arredado esta nulidade, com fundamentação esforçada, urge interpretar o corpo do artº 119 do CPP. O termo oficiosamente não suscita dificuldades mas o mesmo não se pode dizer da expressão qualquer fase do procedimento.
Compete ao JIC proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste código (artº 17 do CPP). Praticar determinados actos durante o inquérito (artºs 268 e 269 do CPP) e durante a instrução (artºs 286 a 310 do CPP).
A interpretação, qualquer fase do procedimento significa que o JIC intervém em momentos previstos no CPP. O JIC foi chamado a intervir para decidir uma instrução requerida pelos denunciados, onde além do mérito, o magistrado tem o dever legal de se pronunciar sobre a regularidade da instância, designadamente apreciar as nulidades. A Lei 59/98 de 25 de Agosto introduziu o disposto no artº nº3 do artº 308 do CPP: no despacho proferido no nº 1 – despacho de pronúncia ou não pronúncia – o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer. O JIC pode entender que não deve avançar para a apreciação de mérito – se nada obstar ao conhecimento do mérito da causa – contudo sempre decidirá se deve pronunciar ou não pronunciar. Já deixamos devidamente esclarecido que não resulta dos autos que o inquérito enferme de nulidade insanável, porém há uma clara insuficiência de diligências importantes para a descoberta da verdade material. Esta nulidade está devidamente invocada no RAI e pode ser sanada com a realização das requeridas diligências ou, até, ser alvo de interpretação distinta: não há interrogatório por não se vislumbrar crime, ficando desta sorte as restantes diligências prejudicadas. Lembramos que este Tribunal Superior não pode dar ordens ao MP para a prática de actos não obrigatórios, pelo que a falível discussão sobre a insuficiência de inquérito pode terminar com a prática de actos inúteis.
Com esta excursão pretendemos dizer liminarmente que não há nulidade insanável por falta de promoção do processo e que a alegada nulidade por insuficiência de inquérito requer interpretação restritiva de que o denunciado tem sempre de ser ouvido. As restantes diligências estão no âmbito das atribuições do MP.
A finalidade da instrução constitui um instrumento de controlo jurisdicional para aferir da decisão de acusar ou arquivar, tomada no fim do inquérito. O juiz pratica todos os actos necessários à realização das finalidades previstas no artº 286 nº 1 do CPP. A instrução é um puro instrumento de controlo, posto a cargo de um juiz, a ter lugar após fase processual especificamente destinada à investigação criminal – A Nova Face da Instrução – Nuno Brandão - Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 3/2008, páginas 227/255.
O Tribunal a quo tem de declarar aberta a instrução, tomar posição sobre o RAI e considerar, eventualmente, os actos a praticar, seguindo-se o debate instrutório e consequente decisão. Recordamos o teor do artº 308 nº 3 do CPP – no despacho de pronúncia ou não pronúncia o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais que possa conhecer.»



Irregularidades e nulidades

A propósito da omissão da comunicação da possibilidade de arbitramento de indemnização em matéria de processo por violência doméstica, o Acórdão da Relação de Évora de 28.10.2019 [processo n.º 231/18.7PATVR.E1, relatora Ana Bacelar Cruz] teceu este interessante apontamento sobre o regime jurídico das irregularidades em processo penal, relevando quanto as aproxima, nos seus efeitos, do regime jurídico das nulidades:

«O nosso Código de Processo Penal adotou um sistema de nulidades taxativas.

Princípio que se encontra consagrado, de forma inequívoca no artigo 118º do referido diploma legal e que é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou dependentes de arguição.

E as irregularidades são tratadas, também na lei processual penal, como uma subespécie das nulidades, fazendo-lhes corresponder um vício de menor gravidade e submetendo-as a um regime de arguição limitado.

Mas o “retrato” nítido das irregularidades apenas se consegue por contraposição com o regime das nulidades propriamente ditas, sendo tendencialmente correto afirmar que constitui irregularidade aquele defeito que não é causa de nulidade. E dizemos “tendencialmente” porque o legislador, associando às irregularidades os defeitos que não são causa de nulidade, acaba por lhes atribuir – contra o que seria de esperar – efeitos invalidantes próprios das nulidades [algumas irregularidades determinam a invalidade do ato a que se referem e dos termos subsequentes que aqueles possam afetar, acabando por produzir os mesmos efeitos das nulidades].

Por outro lado, em matéria de irregularidades consagrou-se uma “válvula de segurança”, no n.º 2 do artigo 123.º do Código de Processo Penal, quando se permite ordenar oficiosamente a reparação daquelas que possam afetar o valor do ato praticado.

Dito de outra forma, quando na génese da irregularidade está uma omissão, pode ordenar-se a reparação oficiosa desse vício quando o ato omitido, podendo ainda ser praticado, afete o valor dos atos subsequentes.»

O sumário do aresto é o seguinte: «A omissão da comunicação da possibilidade de arbitramento de indemnização traduz uma intolerável compressão do direito de defesa – direito ao contraditório – e constitui irregularidade, de conhecimento oficioso, e que exige reparação – através da declaração de invalidade da sentença relativa à condenação em indemnização, que deverá ser repetida depois de concedido o contraditório com a possibilidade de requerer a produção de prova em audiência com relevância para a fixação dessa indemnização.»

Notícias ao Domingo!


-» Acórdão do TRG/revisão dos pressupostos da prisão preventiva: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.10.2016 [relator Fernando Chaves, texto integral aqui] reiterou que «I) O despacho proferido nos termos do disposto no artº 213º do CPP tem por único e exclusivo objetivo proceder à reavaliação dos pressupostos que, no despacho que determinou a aplicação da medida de prisão preventiva, sustentaram o decretamento da medida.II) A fundamentação do referido despacho tem por objeto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida de coação, alterando-os, e, por esta via, levando à sua substituição ou revogação.»

Explicitando o sentido do decidido escreveu-se no aresto em causa que 

«O artigo 212.º regula os casos de revogação ou de substituição da medida de coacção por outra menos gravosa e o artigo 203.º prevê a imposição de medida mais gra-vosa que a anterior. 
Em ambos os casos a lei pressupõe sempre que algo mudou entre a primeira e a segunda decisão, conforme tem sido acentuado pela jurisprudência.
Em caso algum pode o juiz, sem alteração dos dados de facto ou de direito, “repensar” o despacho anterior ou, simplesmente, revogar a anterior decisão na medida em que, também aqui, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao seu objecto – artigo 666.º, nºs 1 e 3 do anterior CPC/artigo 613.º, nºs 1 e 3 do NCPC( - Neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 28/4/2004, 10/11/2004 e de 30/3/2005 e da Relação de Lisboa de 31/1/2007 e 13/10/2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
As medidas de coacção estão, portanto, sujeitas à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, o tribunal que aplicou a medida só a pode substituir ou revogar quando tenha ocorrido uma alteração dos pressupostos de facto ou de direito.»

-» Acórdão do TRG/interesse em agir/recurso da decisão de comunicação ex vi artigo 303º do CPP: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.10.2016 [relatora Laura Maurício, texto integral aqui] conclui no sentido da irrecorribilidade por falta de interesse em agir do despacho que ordena a comunicação da alteração de factos nos termos do artigo 330º do CPP [entendimento que, compreenda-se a crítica construtiva, não resulta do seu sumário que está formulado em termos demasiado genéricos para que se alcance qual a matéria sobre a qual recaiu o decidido].

Na sua fundamentação o aresto em causa analisa, primeiro, a natureza jurídica, da comunicação de alteração de factos, efectuada nos termos do artigo 303º do CPP

«Relativamente à decidida rejeição do recurso interposto da comunicação efetuada nos termos e para os efeitos do disposto no art.303º, nº1, do C.P.P. dir-se-á, como aliás já foi dito na decisão sumária de que o recorrente ora reclama, que “ (…) a comunicada alteração mais não é do que uma verdadeira declaração de intenções, que pode ou não vir a concretizar-se na decisão instrutória. Assim, tal advertência não tem qualquer outro conteúdo decisório, posto que, embora qualificando tais novos factos como alterações não substanciais, não é uma decisão no sentido da pronúncia definitiva sobre certo caso da vida. Nestes termos, a referida comunicação de uma alteração não substancial de factos é meramente ''provisória e transitória'', não afectando nenhum direito do recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional.”»

Entra, depois a decisão na matéria do interesse em agir, quanto ao que é relevante dele citar-se este passo: 

«(...) assim, para que o recurso seja admissível, não basta que o recorrente tenha legitimidade. É necessário que tenha interesse em agir, tal como decorre do art. 401º, nº 2, do CPP.
A respeito deste requisito para interposição de recurso, acrescentado pela Reforma do CPP instaurada por via da Lei 59/98 de 25/08, afirmava o Dr. Rui Pereira, na Comissão de Revisão (cfr. – Actas, p. 239): “legitimidade e interesse em agir exprimem pressupostos diferentes, autonomizados na doutrina Portuguesa por Palma Carlos e Manuel de Andrade, respeitando a legitimidade à posição do sujeito em relação ao processo e o interesse em agir à possibilidade de obter um ganho ou uma vantagem”.
Uma realidade é ter interesse na apreciação jurisdicional (legitimidade), outra ter necessidade de recorrer (interesse em agir).
O interesse em agir não se afere pela vantagem que para o recorrente advenha de uma decisão favorável, mas, sim, na utilidade objetiva da utilização da via de recurso.»

Daí que conclua assim: 

«(...) não sendo a decisão recorrida proferida contra o arguido, porquanto não afetou nenhum direito do recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional, a mesma é irrecorrível, não tendo o mesmo interesse em agir – legalmente válido - para recorrer, pelo que nem sequer devia ter sido admitido o recurso, que é, por isso, de rejeitar, face ao disposto nos artigos 414º nº 2 (falta de condições necessárias para recorrer), 419º nº 4 a) e 420º nº 1, todos do Código de Processo Penal.»

-» Acórdão do TRC/natureza dos prazos de inquéritoo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2016[relator Jorge França, texto integral aqui], seguindo jurisprudência corrente, que: «Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais (cfr. artigo 108.º do CPP), o legislador está a atribuir aos prazos fixados no artigo 276.º, n.ºs 1, 2 e 3, do referido diploma, uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial; consequentemente, não detêm tais prazos qualquer natureza preclusiva do poder-dever consagrado no n.º 1 daquele normativo.»


Inutilmente reiterou o legislador do Código de Processo Penal na epígrafe e no corpo do artigo 276º que os prazos do inquérito eram «máximos». E fê-lo porque, comparativamente com os prazos fixados pela legislação processual penal antecedente - promanada de um Estado autoritário, aquela que se dizia decorrer de um Estado de Direito democrático estabelecia prazos de averiguação pré-acusatória largamente superiores. Bastou não ter estabelecido cominação para o desrespeito desses prazos para que os mesmos ficassem, no entendimento corrente da jurisprudência, como meramente ordenadores - agora equiparados aos actos das secretarias - como se não estivessem em causa nesses prazos garantias fundamentais com o direito a um processo justo, o direito dos ofendidos à segurança, afinal um processo justo. A última alteração ao CPP apenas clausulou, como desvalor para a violação por magistrados de uma regra legal que determina prazos máximos, a perda do benefício do segredo de justiça (e mesmo assim com excepções que esvaziam o previsto).

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Fundamentando, neste contexto, a sua decisão, com o adjuvante agora da equiparação funcional que referi, o aresto afirma: 

«(...) é precisamente neste instituto de aceleração processual que vamos encontrar uma resposta decisiva à questão que nos ocupa, dentro do referido espírito unitário do sistema. Com efeito, a norma do artº 108º, 1, CPP, estatui que «quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase do processo, podem o MP, o arguido, o assistente ou as partes civis requerer a aceleração processual.»
Daqui se retira uma conclusão óbvia: - o prazo que estudamos não é de caducidade, pois que, de outro modo, a ter-se verificado, estaríamos perante um caso de preclusão do direito (no caso do poder-dever respectivo), pelo seu não exercício no prazo legalmente assinado. Mas, a assim ser, existiria contradição intrínseca do sistema processual penal, já que a norma do artº 108º, 1 do CPP permitiria o prosseguimento do processo não obstante o poder-dever de formular a acusação se ter extinguido, por ter caducado. Como poderia a lei permitir a formulação de uma acusação já depois de o prazo legalmente estabelecido para tal se mostrar precludido? E as normas dos artºs 109º, 5 e 6 do CPP, são claras na atribuição de uma responsabilidade meramente disciplinar ao causador desses atrasos, sempre que injustificados.
Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais, a lei está a atribuir aos prazos fixados uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial, retirando-lhes, deste modo, qualquer natureza preclusiva do poder-dever em análise.
A mesma natureza ordenatória-funcional terão os prazos para a prática dos actos da secretaria (artº 105º, CPP), para o encerramento da instrução (artº 306º, CPP), para a leitura da sentença (artº 373º, CPP), entre outros.»


-» Acórdão do TRC/insuficiência do inquérito ou da instrução/nulidade: o Acórdão da Relação de Coimbra de 26.102016 [relatora Elisa Sales, texto integral aqui] determinou, também aqui fazendo-se eco de jurisprudência corrente que: «A nulidade consistente na insuficiência da instrução, prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 120.º do CPP, ocorre (apenas) quando não são praticados actos legalmente obrigatórios, e não (também) nos casos de indeferimento de diligências de instrução, daquele modo não definidas, requeridas pelo assistente.»

O esvaziamento da tutela das finalidades da instrução alcançou-se por várias etapas. Legalmente ao conceder-se discricionariedade ao juiz em matéria de actos de instrução, e ao clausular a irrecorribilidade não só das decisões pelas quais indefira diligências de prova, mas da decisão instrutória que seja conforme à acusação do Ministério Público; jurisprudencialmente ao considerar-se que só é nula a insuficiência dos actos legalmente obrigatórios bem sabendo que só reveste esta natureza o debate instrutório. Ao limite, uma instrução em que o magistrado tudo indefira e cumpra o ritual do debate não é insuficiente. 
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O aresto aqui citado faz-se eco desse entendimento já adquirido e assim explicita: 

«(...) no que à instrução respeita, compete a direcção da mesma ao juiz de instrução (assistido pelos órgãos de polícia criminal), o qual decide sobre os actos que devem ser praticados em tal fase processual (arts. 288º e 289º do CPP).

Portanto, os actos de instrução dependem da livre resolução do juiz.

Ainda assim, o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento dos actos de instrução está balizado pelo limite do “apuramento da verdade” e pela consideração de “os actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo”.
Daí que, a Lei n.º 59/98, de 25.8 tenha determinado a irrecorribilidade do despacho judicial de indeferimento da realização de diligências instrutórias (n.º 2 do art. 291º do CPP).
In casu, foram indeferidas as diligências de instrução requeridas pelo assistente, tendo em vista as finalidades da própria instrução (art. 286º), dado o Mmº Juiz a quo ter considerado que (para a decisão a tomar) face ao crime imputado à arguida, o modo de execução do facto relatado é por escrito, sendo que as peças onde estão exaradas estão nos autos.
Ora, sendo o critério de tal decisão (no caso, de indeferimento) o da conveniência para a descoberta da verdade, tal como vem definido no artigo 291º do CPP, com livre actuação do JIC, não pode o recorrente invocar a nulidade prevista na al. d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.
A insuficiência da instrução ocorre quando não forem praticados actos legalmente obrigatórios.
Na verdade, se a lei permite que o juiz indefira a realização de todas as diligências probatórias e a junção de toda a prova do requerente da instrução, limitando-se a instrução ao debate instrutório, como aconteceu no caso sub judice, não se verifica a nulidade sanável de insuficiência de instrução, na medida em que as requeridas diligências não são obrigatórias.»

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Como se incerto, porém, quanto à justiça da decisão, e hesitasse, culmina o acórdão em referência, desta forma: 

«De qualquer forma, ainda que se considerasse que a instrução foi insuficiente, ficando assim incluída na previsão do artigo 120º, n.º 2, al. d), ou seja, constituindo nulidade sanável, foi intempestiva a sua arguição. Deveria a nulidade ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório, nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 120».

-» Acórdão do TRL/suspensão da pena/abuso de confiança fiscal: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2016 [relatora Filipa Costa Lourenço, texto integral aqui], com sentido inovatório determinou: I- O Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 8/2012 de 12/9/2012, estatui que, «no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia»; II-É isto que o extenso acórdão fixa, e dele não se retira de todo, ao contrário do que por vezes é afirmado, que uma pena de prisão pela prática de qualquer crime fiscal, (quadro do ACFJ), possa ser suspensa na sua execução desde que se “prove” que o arguido não tenha possibilidade de pagar o montante não pago á entidade tributária; III- No que tange aos crimes tributários ( a todos referidos no RGIT ), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento, como condição para a suspensão de uma pena de prisão, quando do juízo de prognose realizado existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa, ou só com pena de prisão, impondo-se nestes casos fazer uma interpretação conjugada do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal; IV- Outra solução que se encontrasse, iria colidir de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade.»
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O Acórdão de fixação de jurisprudência pode ser encontrado aqui.
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Desenvolvimento o seu raciocínio o aresto acrescenta: «existe uma corrente jurisprudencial,  que  damos por exemplo o Ac. do TRP de 8-10-2014 , que conclui que, a jurisprudência fixada no AFJ nº 8/2012 não é aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada p.p. pelo artº 104º RGIT porque é punível apenas com pena de prisão, não sendo possível a opção entre pena de prisão (eventualmente suspensa nos termos do artº 14º1 RGIT) e a pena de multa.
No entanto ao enveredar por tal solução ( que já parte, dizemos nós, de um pressuposto manifestamente errado), parece-nos que irá embater de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente o princípio da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade, pois tendo aquele entendimento, este, gera manifestamente dois tipos de justiça, uma para os que têm e outra para os que não têm poder económico (na altura da condenação/ já para não falar também na diferenciação que estas normas geram quanto à proteção dada aos ofendidos atenta a sua qualidade), diferenciando com base no diferente estatuto económico dos arguidos, com as implicações e subjectividade que tal “ratio” acarreta o cumprimento ou não de uma pena efectiva de prisão.
Tendo em conta o atrás exarado entende-se que face a tal dicotomia se deverá interpretar conjugadamente o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, pelo que resulta que nos crimes tributários ( a todos referidos no RGIT ), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida (da formulação de um tal juízo de prognose pode resultar a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter, nem ter expectativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam e nessa situação, a imposição de um tal dever representaria para o condenado uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, o que contrariaria o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal) vide aqui, e seguindo de perto o  teor do AC TRL de 26.02.2014, acessível in, www.dgsi.pt/  , o qual sufragamos e dizendo nós, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa ou só com pena de prisão.»


-» Leituras/Revista do SMMP: está publicado o n.º 147 e pode ser encontrado o resumo dos artigos clicando aqui ou em cada um dos PDF's abaixo.

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ESTUDOS & REFLEXÕES
9 | Taxas de portagem: infração, sanção e intervenção do Ministério Público nos processos executivos, de revitalização e de insolvência
JOÃO FERNANDO FERREIRA PINTO [PDF]
43 | Concurso de crimes, pena única e pena relativamente indeterminada
NÉLSON FERNANDES [PDF]
73 | Decisão Europeia de Investigação em matéria penal
LUÍS DE LEMOS TRIUNFANTE [PDF]
111 | As alterações orçamentais no actual panorama das Finanças Públicas
JOAQUIM MIRANDA SARMENTO • RUI MARQUES [PDF]
137 | A insustentável leveza do “princípio do desenvolvimento sustentável”
CARLA AMADO GOMES [PDF]
PRÁTICA JUDICIÁRIA
161 | O crime de utilização de menor na mendicidade (artigo 296º do Código Penal) Alegações de recurso do Ministério Público no processo n.º 340/08.0PAPBL
JÚLIO BARBOSA E SILVA [PDF]
CRÍTICA DE JURISPRUDÊNCIA
177 | O fundamento constitucional do poder funcional de recurso e a legitimidade para recorrer do Ministério Público em Processo Penal – A propósito do Acórdão n.º 361/2016 do Tribunal Constitucional
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193 | A penalidade na India segundo o Codigo de Manu: memória apresentada á 10.ª sessão do Congresso Internacional dos Orientalistas (Lisboa, Imprensa Nacional, 1892)
CÂNDIDO DE FIGUEIREDO [PDF]
VÁRIA
213 | Crônicas da coluna “Ao correr da pena”: Constituição – Custas – Integridade na magistratura – Justiça barata
(Edições de Ouro, Clássicos brasileiros,
Rio de Janeiro, 1968, pgs. 144 a 152)
JOSÉ DE ALENCAR   [PDF]
224 | Resumos : Abstracts [PDF]