Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Mostrar mensagens com a etiqueta Prazo de recurso. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Prazo de recurso. Mostrar todas as mensagens

Benefício do prazo do último notificado


Despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Évora, proferido a 15.07.2021 [texto integral aqui], vem consignar como entendimento que o benefício do prazo do último notificado em matéria processual penal não se aplica ao prazo para recurso de sentenças.
 
É este o trecho relevante do decidido:


«Estabelece o artigo 113.º, n.º 14, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 1/2018, de 29-01, que «[n]os casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar».
Assim, decorre do normativo legal em causa que apenas nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos, quando o prazo para a prática dos atos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o ato pode ser praticado por qualquer dos arguidos até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Entre tais casos expressamente previstos encontra-se o requerimento de abertura de instrução (artigo 287.º, n.º 6) e o prazo de apresentação da contestação (artigo 315.º, n.º 1).
Porém, já em relação ao prazo de interposição nada se diz, o que significa que a citada norma do n.º 4 do artigo 113.º não lhe é aplicável.
Isto é, e dito de forma direta: no caso de haver vários arguidos, o disposto no artigo 113.º, n.º 14, do Código de Processo Penal, não é aplicável ao prazo de interposição de recurso da sentença (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2013, Proc. n.º 1721/09.8JAPT.P1.S1, referido no Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, 2016, 2.ª edição, Almedina, pág. 1294, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, pág. 1115, n.º 8 da anotação ao artigo 113.º).
Para além da referida conclusão, outra resulta do mesmo n.º 14 do artigo 113.º: este regula expressamente as situações a que é aplicável, pelo que, ao contrário do sustentado pelos reclamantes, não se verifica aqui qualquer omissão a que haja que recorrer através da integração de lacunas, com aplicação das normas do Código de Processo Civil, maxime dos seus artigos 569.º, n.º 2 e 638.º, n.º 9.»

Gravações e prazo para recorrer

Haver matérias que deveriam ser mais do que claras mas que ainda continuam a ser controversas é a evidente demonstração da insegurança do Direito. 
A lei admite que quando em matéria penal o recorrente queira discutir os factos provados tenha de se habilitar com os suportes magnéticos - no caso CD's - onde está registada a prova oralmente produzida na audiência de julgamento. Sem isso, como conseguirá ele citar a prova que justificaria decisão contrária?
A partir daqui é uma miríade de problemas.
Primeiro, porque muitas vezes, mau grado o aparentemente sofisticado sistema de registo audio, há problemas de audibilidade, excertos que não ficaram gravados, pedaços em que o microfone estava desligado ou demasiadamente longe. 
Ante isso, os tribunais entendem que quando o interessado der por ela - o que sucederá quando, tendo decidido recorrer obteve os ditos suportes e os ouviu, sendo que por vezes se reportam a sessões de julgamento que levaram meses - já é tarde demais, pois que...deveria ter-se apercebido da irregularidade da falha até três dias depois do dia em que a gravação foi feita, o que quer dizer que, ao terminar o seu dia em tribunal tem de pedir logo a gravação dessa sessão, ouvi-la depois toda - duplicando o tempo de envolvimento com o que sucedeu - para aquilatar se ficou tudo gravado ou não! 
Em suma: uma falha do tribunal na cuidadosa gravação transforma-se num modo de prejudicar gravemente o interessado, amiúde o arguido, amputando-lhe o direito a recorrer. Fantástico não é? 
E mais fantástico porque isto tudo pressupõe que a audição do gravado seja feita quando  quem se der ao trabalho de pedir os registos e proceder à sua audição ainda não sabe se vai ou não recorrer, pelo que de esforço inútil e despesa inútil se tratará! Não me digam que não é igualmente fantástico!
Mas não se fica por aqui o admirável mundo novo que as novas tecnologias introduziram nos tribunais. É que há a questão de saber quando começa a correr o prazo de trinta dias que há para recorrer em matéria penal quando se discutir a matéria de facto e não apenas questões de Direito: quando a sentença é depositada? Quando o interessado tem, enfim, em seu poder os suportes da prova gravada que lhe permitem então recorrer sabendo do que faz? Eis o que um acórdão da Relação de Évora de 25.09.12 veio decidir [processo n.º 5/10.3TAFTR.E1, relator Sénio Alves, texto integral aqui], por esta forma: 
« Diz a arguida – e a Magistrada do MºPº na 1ª instância acompanha esse entendimento – que em caso de impugnação da matéria de facto o prazo para interposição de recurso se conta a partir da disponibilização das cópias dos suportes informáticos.
Não cremos que assim seja.
Nada na lei permite, salvo o devido respeito, o entendimento de que o pedido de cópia da gravação dos depoimentos inutiliza o período de tempo até aí decorrido, fazendo com que a contagem do prazo se inicie a partir da recepção da citada cópia.
A elevação de 20 para 30 dias do prazo para recorrer, quando o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, já salvaguarda de forma suficiente o esforço acrescido que o recorrente irá ter com a audição das gravações e com o cumprimento das injunções previstas no artº 412º, nºs 3 e 4 do CPP. Entender que o prazo para interposição de recurso, em caso de pedido de reapreciação de prova gravada, se inicia com a entrega das cópias das gravações pode, no limite, levar à duplicação do prazo legal, bastando para tal que o interessado formule o pedido de cópias no último dia do prazo de que legalmente dispõe.
A assim ser, estaríamos perante o premiar da negligência, beneficiando aquele que só no último dia do prazo (ou a 3, 4 dias do mesmo, pouco importa) vem a tribunal requerer as cópias das gravações, em detrimento daquele que, com a diligência normal, vem requerer tais cópias no momento em que as mesmas estão presumivelmente disponíveis, isto é, no dia imediato ao depósito da sentença.
É verdade que o Tribunal Constitucional decidiu, no seu Ac. nº 545/2006 (citado pela arguida no seu requerimento de interposição de recurso), “julgar inconstitucional, por violação do artº 32º, nº 1 da CRP, a norma constante do artº 411º, nº 1 do CPP, interpretado no sentido de o prazo para a interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de recurso”. Como é verdade, aliás, que o mesmo Tribunal, agora no seu Ac. nº 194/2007 (também citado pela arguida no seu requerimento de interposição de recurso), reafirmou esse entendimento, aliás reproduzindo integralmente a fundamentação do Ac. 545/2006.
Porém, havia uma razão para o Tribunal Constitucional assim ter decidido naquele Ac. nº 545/2006 e que, aparentemente, não terá sido devidamente ponderada em acórdãos posteriores dos nossos tribunais superiores, que o vêm citando. É que na situação em análise naquele aresto as cópias das gravações foram pedidas antes de iniciado, sequer, o prazo para interposição do recurso, porquanto a sentença foi lida e depositada no dia 19/7/2005, em plenas férias judiciais do Verão [1]. Assim, o prazo para interpor recurso iniciar-se-ia em 15/9/2005, sendo certo que 3 dias antes, 12/9/2005, o arguido requereu as cópias das gravações. Não fazia sentido aqui, pois, falar em suspensão de um prazo que ainda se não havia iniciado. E daí, cremos, a redacção do sumário desse aresto.
Note-se, aliás, que naquele Ac. nº 545/2006 o TC começa a sua apreciação de mérito salientando duas notas preliminares, a primeira das quais é, precisamente, uma chamada de atenção para o facto de “a questão colocada pelo recorrente não foi a da extensão aos recursos penais do regime do alargamento do prazo de interposição de recurso previsto no artigo 698º, nº 6 do Código de Processo Civil (…) mas antes a da suspensão desse prazo enquanto não lhe forem disponibilizadas as cópias das cassetes contendo a gravação da prova produzida em audiência de julgamento” (subl. nosso) [2].
O TC, no seu Ac. nº 17/2006 [3], considerando que “não tendo o recorrente solicitado, podendo tê-lo feito, o acesso à gravação da prova logo após a notificação da sentença, e considerando-se que com a possibilidade desse acesso o arguido ficava em condições de exercitar – consciente, fundada e eficazmente – o seu direito de recurso” decidiu “não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 411.º, n.º 1, e 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que o prazo de interpo­sição de recurso penal em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se proce­deu a gravação da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido, agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação”.
E a verdade é que o Tribunal Constitucional, no seu Ac. 546/2006 (também citado pela arguida, no seu requerimento de interposição de recurso), desenvolvendo a tese sustentada naquele Ac. nº 17/2006, acabaria por “julgar inconstitucional a norma do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, interpretado no sentido de ao prazo de 15 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso às gravações da audiência, desde que se pretenda impugnar a matéria de facto e desde que o arguido actue com a diligência devida” (subl. nosso).
Em suma: Estando as gravações dos depoimentos prestados em audiência disponíveis (como é regra e a arguida/recorrente nada alegou em contrário) no final de cada sessão de prova, no momento em que a sentença é depositada na secretaria a recorrente tinha, seguramente, acesso ao suporte material da prova gravada.
É, pois, a partir desse momento (depósito da sentença) que, em obediência à regra prevista no artº 411º, nº 1, al. b) do CPP, se deve contar o prazo para interposição do recurso.
Ao prazo assim contado deve acrescer o período em que o arguido não pôde ter acesso às gravações, isto é, o período entre a formulação do pedido de cópias com fornecimento do suporte técnico (artº 101º, nº 3 do CPP) e a entrega, pelo tribunal, das ditas cópias.
Ou, como se afirma no Ac. RC de 9/1/2008 (proc. 423/05.9 PBVIS.C1), «Quando o recorrente pretende impugnar a matéria de facto e, logo no primeiro dia, do prazo de 15 dias a que alude o art.411.º, n.º 1 do C.P.P., se apresenta ao Tribunal a solicitar o suporte material da prova gravada, com entrega do suporte para a realização da cópia, o prazo de recurso não deverá iniciar-se sem que o recorrente tenha acesso efectivo àquele suporte material com a entrega das cópias pelo Tribunal. Se o recorrente não se apresenta logo no primeiro dia, do prazo de 15 dias a que alude o art.411.º, n.º 1 do C.P.P., a solicitar o suporte material da prova gravada, aquele prazo de interposição do recurso inicia-se, mas deverá suspender-se entre o momento em que o recorrente solicita a gravação e entrega o suporte para a realização da cópia e o momento da entrega da cópia ao recorrente pelo Tribunal ou em que, actuando diligentemente, podia ter ficado em condições de ter acesso a essa cópia. Por outras palavras, aos 15 dias de prazo para a interposição do recurso deverão ser “descontados” os dias em que o recorrente, depois de ter solicitado a prova gravada em audiência não pôde ter acesso à mesma prova por o Tribunal não lha ter disponibilizado» [4].
Temos, então e na situação em apreço, que o prazo (de 30 dias, no caso) para interposição do recurso se iniciou em 15/3/2012.
A arguida requereu cópia das gravações por carta enviada em 28/3/2012; porém, só entregou o suporte técnico por carta enviada em 2/4/2012, razão pela qual só nesta data se suspenderia o prazo em curso, não fora dar-se o caso de estar o prazo suspenso desde o dia anterior, início do período de férias judiciais da Páscoa.
É que, como claramente resulta do artº 101º, nº 3 do CPP, pressuposto da entrega da cópia da gravação é que o sujeito processual a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico necessário. Admitir que a suspensão do prazo para interposição do recurso ocorre com o simples pedido de fornecimento da cópia da gravação levaria a que, em abstracto, o prazo ficasse indefinidamente suspenso, enquanto o interessado, depois de requerer a dita cópia, não entregasse o necessário suporte técnico. E que a interpretação que defendemos (isto é, que a suspensão do prazo para interposição do recurso só ocorre com a verificação conjunta dos dois requisitos enunciados no nº 3 do artº 101º do CPP – requerimento do interessado e entrega do suporte técnico) tem conformidade constitucional, já o decidiu o TC no seu Ac. nº 293/2012: «Não julgar inconstitucionais as normas do artigos 101.º, n.° 3, 411.º, n.ºs 1 e 4, 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, interpretadas conjugadamente no sentido de o prazo para o exercício do direito ao recurso em que se impugne a matéria de facto só se suspender quando, simultaneamente com o requerimento de solicitação das gravações, for entregue no tribunal o suporte técnico necessário à execução da cópia, mesmo que à data o tribunal não possua os meios técnicos necessários à gravação e só em momento posterior venha a deferir, por despacho judicial, o fornecimento das pretendidas cópias».
No caso em apreço, o prazo estava, porém, suspenso desde dia 1/4/2012, início das férias judiciais. Terminou a suspensão com a entrega da cópia da gravação, enviada à arguida em 3/4/2012, como se vê de fls. 956, e por ela – rectius, pelo seu il. mandatário – presumivelmente recebida em 9/4/2012, posto que dia 6 coincidiu com um dia feriado e dias 7 e 8 com sábado e domingo, respectivamente.
Curiosamente, foi precisamente nesse dia 9/4/2012 que terminou o período de férias judiciais durante o qual, em qualquer dos casos, o prazo não correria.
Reiniciado o prazo no dia 10/4/2012, terminou o mesmo em 23/4/2012 (ou em 27/4/2012, se acrescido de 3 dias úteis).
O recurso da arguida foi enviado por carta com registo de 10/5/2012, esgotado que estava, há muito, o prazo de que dispunha para recorrer.
No caso, note-se, o recurso é intempestivo mesmo que se entenda (mal, em nossa opinião) que a notificação da arguida só tem lugar com a recepção da carta que lhe foi enviada, contendo cópia da sentença (fls. 950) e que o prazo para recorrer se deve contar desde essa notificação.
Na realidade, depositada a carta enviada à arguida em 19/3/2012 [5] (cfr. fls. 957), a notificação teria ocorrido no 5º dia posterior, como constava da carta que lhe foi enviada e, portanto, em 24/3/2012. Ainda que se entenda que, por se tratar de sábado, o dia correspondente à notificação se transfere para o 1º dia útil seguinte, então ter-se-ia a arguida por notificada em 26/3/2012. Consequentemente, o prazo de 30 dias (contados a partir desse dia) terminaria em 4/5/2012 (ou em 9/5/2012, se contarmos os 3 dias úteis posteriores). E a motivação de recurso só foi, como vimos, enviada no dia seguinte (10/5/2012), dando entrada em tribunal no dia 11/5/2012.
Em suma: o recurso interposto pela arguida é extemporâneo e, como tal, não devia ter sido admitido – artº 414º, nº 2 do CPP. Tendo-o sido, tal decisão não vincula este tribunal de recurso – nº 3 do mesmo dispositivo – sendo fundamento para a sua rejeição – artº 420º, nº 1, al. b) do CPP – a determinar em decisão sumária, neste exame preliminar – artº 417º, nº 6, al. b) do CPP.»

+

[2] Seja como for, convém lembrar – como o faz a RL, no seu Ac. de 11/1/2011, proc. nº 629/04.8PASXL.L1-5, www.dgsi.pt – que “o panorama legal é agora muito diferente daquele que existia ao tempo em que foram proferidos (…) os acórdãos do TC n.º 545/2006 e n.º 194/2007. Então, o prazo de interposição de recurso era de 15 dias e era uniforme na jurisprudência do TC e do STJ (veja-se o acórdão n.º 9/2005 do Pleno das Secções Criminais deste tribunal supremo) o entendimento de que, mesmo em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto, não havia lugar a extensão (10 dias) do prazo, por ser inaplicável no processo penal o n.º 6 do art.º 698.º do Cód. Proc. Civil. Se o tribunal demorasse a fazer a entrega das cópias dos suportes magnéticos com a gravação das declarações oralmente prestadas na audiência, o prazo para elaborar e entregar, tempestivamente, o recurso ficava muito encurtado (isto, claro, sempre no pressuposto de que seria impugnada a decisão sobre matéria de facto). Então, sim, podia dizer-se que o direito de defesa, designadamente o direito ao recurso, ficava seriamente comprimido. Por isso se compreende que o TC tenha dito (no citado acórdão n.º 545/2006) que aquele prazo de 15 dias era desrazoável e inadequado uma vez que o suporte material da prova gravada não fosse disponibilizado desde o termo a quo desse prazo. Presentemente, a partir da reforma do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o prazo de interposição de recurso é o dobro daquele, se for impugnada a decisão sobre matéria de facto. Simultaneamente, foi alterado o art.º 101.º, n.º 3, do Código de Processo Penal para acelerar a entrega dos suportes das gravações da prova oralmente produzida para permitir o controlo, quase imediato, pelos sujeitos processuais, não só da regularidade da audiência, mas também do conteúdo das declarações nela prestadas e assim habilitá-los, desde logo, a ponderar uma eventual impugnação da decisão sobre matéria de facto. Agora, sempre que um sujeito processual lha solicite, o funcionário entrega, em 48 horas, uma cópia da gravação audiográfica (ou videográfica, quando a houver) da prova produzida em audiência. Basta que lhe forneça o suporte técnico necessário para a gravação”.

[3] Os acórdãos do Tribunal Constitucional aqui referidos podem ser, todos eles, consultados em www.tribunalconstitucional.pt.

[4] No mesmo sentido, cfr. Ac. RP de 17/1/2007, proc. nº 0615418.
 

A teoria do dominó


Não há dúvida que o Direito Processual Penal é o domínio por excelência dos alçapões, dos meios pelos quais as rejeições dos actos encontram o seu campo de legitimação por excelência. Se não vejamos um exemplo.
«Defende a Exma.Procuradora-Geral Adjunta que a arguida Mónica interpôs recurso no 21.º dia após o depósito do acórdão, discordando da forma como o tribunal valorou a prova produzida, mas sem indicar as provas concretas que pretende reapreciadas e que impunham uma decisão diversa da recorrida, pelo que apenas dispunha do prazo de 20 dias para recorrer.», considerou-se num recurso.
Ou seja, para impugnar a matéria de facto em processo penal o recorrente tem 30 dias e não apenas 20 que é o prazo para recorrer da matéria de Direito; só que, se o recurso sobre a matéria de facto vier mal desenhado, não é conhecido - o que é razoável - mas fica logo prejudicado o recurso da matéria de Direito! Não é admirável esta teoria do dominó, segundo a qual, caindo uma peça caem todas?.
Felizmente a Relação de Guimarães no seu Acórdão de 19.09.12 [proferido no processo 15/11.3PBBRG.G1, relatora Maria Luisa Arantes, texto integral aqui] entendeu que: «Nos termos do art. 411.º n.º1 al.b) do C.P.Penal, o prazo de recurso é de 20 dias, contando-se a partir do depósito da sentença na secretaria.
O prazo é elevado para 30 dias “se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada” – n.º4 do citado art.411.º do C.P.Penal.
Concluímos, assim, que em processo penal o prazo geral de recurso é de 20 dias, sendo alargado para 30 dias se o recorrente impugnar a matéria de facto com base em meio de prova gravado em audiência. Aliás, este alargamento do prazo de recurso, em nossa opinião, justifica-se pela necessidade de audição da prova gravada, o que acarreta dispêndio de tempo.
Embora para a reapreciação da prova gravada pelo tribunal ad quem seja necessário que o recorrente dê cumprimento às exigências do art.412.º n.º3 e 4 do C.P.Penal, para efeitos de apreciação da tempestividade do recurso, não tem fundamento rejeitá-lo por não ter sido cumprido integralmente o referido art.412.º n.º3 e 4. O que releva, para efeitos de tempestividade do recurso, é o fim visado pelo recorrente: impugnação da matéria de facto fundada na reapreciação da prova gravada.
Exigir o devido e integral cumprimento do art.412.º n.º3 e 4 do C.P.Penal, para se apreciar se o recurso foi interposto em tempo, é confundir a tempestividade do recurso com a admissibilidade da apreciação do seu mérito.
No caso em apreço, analisando as conclusões do recurso, que delimitam o seu objeto, verifica-se que a recorrente impugna a sua comparticipação nos factos delituosos, invocando para tanto a prova produzida decorrente das suas declarações e do depoimento do ofendido em audiência de julgamento, que transcreve parcialmente, ou seja, a recorrente ao impugnar a matéria de facto pretende a reapreciação da prova gravada. Questão diferente é saber se cumpriu integralmente o disposto no art.412.º n.º 3 e 4 do C.P.Penal, mas tal questão tem de ser equacionada em termos de apreciação de mérito do recurso.Tendo o acórdão sido depositado em 15/12/2011 e o recurso interposto em 18/1/2012, ou seja, no 21º dia após o depósito daquele, concluímos que o recurso foi interposto tempestivamente, de harmonia com o disposto no art. 411.º n.º4 do C.P.Penal»

Prova gravada prazo alargado

Diz a lei [artigo 411º, n.º 4 do CPP] que há um prazo alargado [30 dias] para recorrer se o recurso tiver por objecto a reapreciação da «prova gravada». Ora há que ter em mente que a jurisprudência já definiu que tal significa que o prazo assim estendido abranja os casos em que o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, mas apenas aquele em que o pretende fazer através do cotejo do que ficou registado nos suportes onde a prova oralmente produzida em audiência é consignada.
Eis este elucidativo excerto do Acórdão da Relação de Lisboa de 31.01.12 [relator Carlos Gominho, texto integral aqui] «em face do tempo entretanto decorrido e as indicações jurisprudenciais emitidas pelas Relações, era pressuposto encontrar-se já uma maior sedimentação no cumprimento dos aspectos formais decorrentes do art. 412.º e dos ónus aí contemplados, maxime, na hipótese da irresignação apresentada versar matéria de facto.
É que, com efeito, o prazo de 30 dias referido no n.º 4 daquele art. 411.º, destina-se apenas aos recursos que tiverem “por objecto a reapreciação da prova gravada” e não quando nos mesmos se pretenda discutir a matéria de facto [sublinhado meu].
Tais conceitos não são totalmente coincidentes. A reapreciação da prova é uma via adjectiva que se abre na decorrência da impugnação de facto operada com observância do respectivo ritualismo legal, que por sua vez é uma das formas de legitimar a sua modificação, nos termos do art. 431.º
O escopo essencial para que aponta aquele art. 412.º, tem em vista, como é sabido, tornar facilmente apreensível às partes e ao tribunal ad quem, o que o recorrente entende estar mal julgado e as razões pelas quais considera que assim aconteceu. [...]
Pergunta-se então: deverá daí concluir-se que o arguido não pretendeu reapreciar a prova gravada?
Julgamos que não.
Como é sabido mantemos uma posição de alguma abertura nesta matéria, posto que se aceite que tal benevolência possa não ser a melhor forma de ajudar à estabilização do cumprimento daquelas mesmas exigências, observação tanto mais pertinente, quando, como no caso presente, até houve convite ao aperfeiçoamento.
Em função da centralidade do direito ao recurso no nosso sistema adjectivo, entendemos no entanto ser de conceder mais algum tempo para a interiorização do funcionamento daquele mecanismo, sancionando apenas com a rejeição as situações em que manifestamente tal actividade recursória esconde a simples intenção de beneficiar indevidamente de um alongamento de prazo e daquelas outras, em que minimamente não se foi capaz de cumprir o essencial da processualização das razões porque se discorda do julgamento de facto».