Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Acordos sobre sentença penal: prova proibida!


Enfim, o caminho barrado ao que a lei não permite e a Constituição impede! Um marco histórico.

«I - O direito processual penal português não admite os acordos negociados de sentença . II - Constitui uma prova proibida a obtenção da confissão do arguido mediante a promessa de um acordo negociado de sentença entre o Ministério Publico e o mesmo arguido no qual se fixam os limites máximos da pena a aplicar.». 

É a definição emergente do Acórdão do STJ de 10.04.13 [proferido no processo n.º 224/06.7GAVZL.C1.S1, da 3ª Secção, relator Santos Cabral, texto integral aqui].

A fundamentação do aresto é de tal modo exaustiva que só a leitura integral permite a sua total compreensão. Leitura que se exige.

Proibição de prova interna: o depoimento de testemunhas


Proibição de prova interna mas não externa, assim o assume o Acórdão da Relação do Porto de 3 de Abril [proferido no processo n.º RP20130403140/08.8TAOAZ.P1, relatora Maria Leonor Vasconcelos Esteves, texto integral aqui] ao decidir que «I - As declarações prestadas pelas testemunhas no inquérito não podem ser valoradas em julgamento fora do quadro em que a sua leitura é permitida.II - Mas nada impede que, enquanto prova documental, as mesmas declarações sejam valoradas no âmbito de outro processo em que se imputa aos declarantes a prática de um crime de Falsidade de testemunho, do artigo 360.º do Cód. Penal».
Ou seja a prova testemunhal é quando é e deixa de ser quando passa a interessar que não seja, transmutando-se em prova documental. É uma espécie de alquimia jurídica, com o devido respeito que, como soe dizer-se, é muito.

Reforma do CPP (3): artigos 356º e 357º

O nosso sistema de Justiça Penal é baseado na desconfiança. Desconfia-se da objectividade do Ministério Público e, por isso, coloca-se um juiz a controlar a sua decisão de arquivar os processos, para que não ocorram o que o professor Emygdio da Silva - que além da Faculdade de Direito foi Director do Jardim Zoológico e escreveu um notável porque corajoso livro sobre a investigação criminal - chamava as possíveis «amnistias administrativas». 
Claro que se justifica aqui a judicialização porque de outro modo, havia o risco de os processos morrerem no segredo dos inquéritos quando, assim, ao menos pelo impulso dos ofendidos - havendo-os - podem ter uma hipótese de vingarem e levarem ao funcionamento da Justiça.
Mas o que hoje escrevo tem a ver com outra desconfiança, a que incide sobre a isenção da polícia, desconfiança que se torna em verdadeira suspeita quando a lei impõe que as declarações que forem prestadas ante ela não valham como prova em tribunal, salvo raríssimas excepções, valendo o consentimento ao uso.
Digo suspeita porque do que se trata é de pura e simplesmente inutilizar um meio de prova em nome de uma lógica que só pode radicar no preconceito, oriundo dos fantasmas da polícia política, de que poderão ter sido obtidas por meios musculadamente persuasivos. 
O sistema é caricato nos seus termos. Primeiro, porque essas declarações valem para o Ministério Público incriminar alguém, acusando-o, o que é grave e enxovalhante - mas aí as declarações valem por boas e úteis - valem para o juiz de instrução que, confirmando a acusação pública - sem recurso se a receber obedientemente - valide a sujeição de alguém a julgamento, porque então continuam a ser muito boas, mas  ante a audiência já não valem nada.
Ou melhor, dizendo a verdade toda neste mundo de hipocrisia velhaca: não valem para serem formalmente lidas em audiência; não valem para que um juiz, descuidado, consigne na sentença que se ateve a elas como prova, porque na verdade elas ali estão, incorporadas no processo, a orientar as perguntas do Ministério Público e dos advogados e só não são lidas pelo juiz que, num assomo de escrúpulo, nem passe os olhos por cima delas. Porque, no mais, há mil maneiras de sugerir em julgamento que a pessoa não disse no inquérito o que está a agora a dizer em julgamento, torneando a proibição legal por meio manhoso.
Como na nossa cultura preferimos invocar grandiloquentes valores, porque belos, para esconder comezinhas realidades, quando feias, proclama-se que é por causa e em nome do princípio da oralidade - só valem para a sentença as provas produzidas ou examinadas em audiência - que se afasta o valor probatório do que foi prestado ante a polícia, quando o que se quer dizer é que na verdade se desconsideram esses autos de polícia porque sobre esta radica a suspeita de os terem produzido de modo que só pode ser desconsiderado, inutilizando-os. E o cidadão nem pode dizer - sobre isto já disse quando fui à polícia isto ou aquilo e tinha na altura a memória mais fresca - porque vai ter de declinar tudo de novo, ainda que com a pior memória, ainda que já sugestionado pelo devir das coisas e muitas vezes pela projecção pública das mesmas.
É um sistema, em suma, que ordena à polícia que obtenha o melhor testemunho, porque o mais espontâneo, e depois o destrói em favor do pior testemunho, porque mais tardio.
Pergunta-se: com as modernas tecnologias não é possível gravar-se tudo o que se passou durante uma audição policial? É. É até possível filmar, embora quem for um dia à Cintura do Porto Interior, onde está o serviço de investigação criminal da PSP de Lisboa ver as condições de miséria - encurralados em cubículos - em que trabalham os polícias, talvez desconfie de que os meios financeiros para tal a existirem poderão estar antes aplicados ao serviço dos sumptuosos gastos de fachadas mediáticas que da Justiça dão a aparente imagem da sua eficácia.
Pois nem é essa ideia de valorar essas declarações policiais, desde que gravadas, o que consta do projecto de revisão do Código de Processo Penal.  O que se pretende é que valham as de que forem prestadas apenas ante o Ministério Público e juiz e mesmo assim quando «sejam documentadas através de registo áudio visual ou áudio, só sendo permitida a documentação por outra forma, quando aqueles meios não estiverem disponíveis». E, desde que esteja presente defensor. Quanto às prestadas ante polícia, devem ser registadas pelos mesmos meios tecnológicos mas... «sem susceptibilidade de posterior utilização em julgamento».
Claro que, estando tudo gravado por aqueles sofisticados meios, poderia prever-se o seu uso em julgamento, sujeito embora à apreciação judicial, com possibilidade de arguição de qualquer invalidade probatória decorrente de violência ou ameaça anterior ou contemporânea à respectiva produção ou de falsificação do registado. Sempre se contribuiria com aquela prova, por escrutinável que fosse e teria de o ser. Não! Nada como gastar dinheiro "para o boneco".
Continuaremos pois com os polícias a produzir autos para o Ministério Público, agora com gravações, para depois, em julgamento se fazer de conta que aquilo foi para nada. No meio, ficam os idiotas dos cidadãos que não percebem, os tristes dos polícias sérios que tentam ser fiéis ao que lhe dizem os declarantes, e aqueles que em julgamento, fiéis aos princípios, não utilizam aquilo que e lei proíbe que seja usado, colocando, porém, o fruto proibido ali mesmo, qual maçã bíblica da qual resultou a danação da Humanidade.
Tudo isto é absurdo. Ou eu já não me entendo nesta Terra.
 
 
P.S.1. Claro que já ouvi dizer que se valessem em audiência os autos policiais haveria não só contaminação da prova boa pela prova má, mas também haveria alguns juízes que, para simplificar e acelerar, perguntariam aos declarantes se confirmavam ou não aquela prova e, obtido o sim, passariam adiante. É evidente que num cenário em que temos dos actores esta ideia moral só pode ser um filme de terror!
P.S.2.  Questões curiosas: na fórmula prevista para a alínea b) do n.º 1 do artigo 357 [uso de declarações de arguido] não se prevê a necessidade de estarem consignadas em auto ou registadas, ao contrário do que se prevê para o n.º 3 do artigo 356º. Porquê? No n.º 2 do artigo 357 prevê-se que «as declarações anteriormente prestadas pelo arguido e lidas em audiência estão sujeitas à livre apreciação da prova nos termos do artigo 127º». Porquê? A demais prova não o está também?

Gravar para se defender?

O problema das gravações sem consentimento para prova de crime ou para defesa do próprio é sério por poder estar em causa um equilíbrio de valores constitucionais. Do ponto de vista penal, ante o carácter criminalmente ilícito da conduta e a consequente proibição da prova assim obtida coloca-se como alternativa legitimadora da conduta a eventual existência de uma situação de direito de necessidade. 
Foi sobre essa matéria que incidiu o Acórdão da Relação de Lisboa de 26.04.12 [relator Almeida Cabral, texto integral aqui], segundo o qual «recebendo o arguido convite para um encontro, logo tendo intuído que o interlocutor visava uma acção de corrupção, aceitando comparecer e indo munido de gravador, com o qual gravou a conversa sem o consentimento daquele, não se verifica o “direito de necessidade”, excludente da ilicitude, pois o perigo foi intencionalmente criado pelo agente».

 

Irrecorribilidade da pronúncia e caso julgado

«O acórdão do TC referido pelo arguido - n.º 387/2008, de 22 de julho de 2008 – segundo o qual os juízos formulados no despacho de pronúncia são provisórios e devem ser reavaliados em julgamento, respeita a uma época em que certa jurisprudência interpretava a lei no sentido de considerar o despacho de pronúncia incindível e, portanto, irrecorrível na parte em que conhece das questões prévias e incidentais, nomeadamente, das nulidades, no caso de concluir pela pronúncia do arguido pelos factos constantes da acusação do M.º P.º. (...) No caso dos autos, porém, não foi essa a orientação que veio a ser seguida, pois, entretanto, o STJ, pelo Acórdão de 19 de janeiro de 2000 ("Assento n.º 6/2000", no Diário da República, I Série-A, n.º 6, de 7 de março de 2000), havia fixado jurisprudência nos seguintes termos: "A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais” e por Acórdão n. ° 7/2004, de 21 de outubro de 2004 (Diário da República, I Série-A, n. ° 282, de 2 de dezembro de2004), fixou a seguinte jurisprudência: "Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público."(...) A interpretação que aqui fazemos, de que o trânsito em julgado do acórdão da relação que julgou um recurso sobre questões incidentais do despacho de pronúncia, relativas à proibição de provas, impede um novo conhecimento das mesmas no processo, não padece de qualquer inconstitucionalidade, pois, como bem explicou o acórdão recorrido, o Tribunal Constitucional tem sempre afirmado a validade desta conceção do caso julgado formal (veja-se, entre todos, o Ac. do TC 86/2004, de 04/02/2004)».
Eis o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 20.01.12 [relator Santos Carvalho, texto integral aqui, sublinhado nosso, jab]
Ora ante o carácter totalmente irrecorrível de decisão instrutória que seja obediente à acusação do Ministério Público, em que nem as questões prévias se adimite recurso, que dizer nesta mesma lógica?

A prova penal do interdito civil não é interdita!

A doutrina era controversa, e foi preciso ser o Tribunal Constitucional intervir para que definisse ser «inconstitucional a norma constante do artigo 131.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do artigo 145.º, n.º 3, do mesmo Código, quando interpretada no sentido de determinar a incapacidade para prestar declarações em audiência de julgamento da pessoa que, tendo no processo a condição de ofendido, constituído assistente, está interdita por anomalia psíquica». Eis o que resulta do Acórdão n.º 359/2011 [D.R. n.º 190, II série de 30.10.11].
O núcleo problemático da questão tem a ver com a compatibilização da medida em que pudesse estar em causa a denegação do acesso ao Direito em função de um critério que - porque de aplicação mecânica já que automática - poderia não oferecer garantias suficientes de rigor. 
Um leigo terá dificuldade em compreender que um interdito - e o aresto, de que foi relator Cura Mariano contém uma longa explanação sobre o instituto da interdição - não esteja por isso mesmo e automaticamente privado de capacidade para intervir no processo penal, prestando nele declarações de ofendido. E um jurista terá tendência a aceitar que como lógica correlação de uma declaração de interdição não surja a incapacitação para testemunhar ou declarar. Eis onde o TC encontrou o problema: na insegurança desse automatismo. Ao limite como que tem afirma que um interdito por anomalia psíquica pode não estar, afinal, psiquicamente incapaz para depor com credibilidade, fazendo prova.
É daquelas sentenças de que, com todo o respeito, se dirá  - parafraseando Fernando Pessoa sobre a Coca Cola,  - que «primeiro estranha-se, depois entranha-se». Leia o texto aqui e tente alcançar porque é que, segundo os juízes do Palácio de Ratton «a proibição do ofendido em processo penal, constituído assistente, prestar declarações em audiência sobre a factualidade em julgamento  livremente valoráveis pelo julgador, quando se encontre interdito por anomalia psíquica, não encontra uma justificação bastante nas vantagens da adopção de um método objectivo de determinação das pessoas que, sofrendo de anomalia psíquica, podem prestar depoimentos credíveis em audiência, uma vez que, pelas razões acima explicadas, o critério adoptado revela -se inadequado para se obter uma escolha com o mínimo de rigor. Assim, a circunstância da vítima de um crime que sofra de anomalia psíquica ter sido objecto de uma medida judicial de interdição, que tem por finalidade a sua protecção, não pode servir como fundamento para lhe retirar direitos de intervenção no processo criminal. Seria acentuar a desprotecção da vítima, que já se encontra numa situação de especial vulnerabilidade pela sua deficiência, paradoxalmente justificada por esta ter sido colocada, por decisão judicial, sob um determinado regime destinado a assegurar a sua protecção. Daí que a limitação probatória resultante da norma sindicada se  revele desproporcionada, sacrificando injustificadamente o direito à prova e o direito a um processo orientado para a justiça material. Por esse motivo, se entende que a norma sindicada além de infringir o princípio da igualdade, na vertente da proibição de descriminação, também viola o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, devendo, por isso ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público».