Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A continuidade e a inversão.

«Inverte-se o permitido e o proibido. Mas a ignorância, essa, é sempre a mesma»: a reflexão de uma jovem que por mero acaso é também uma jovem jurista. A ler em http://aidadedaspedras.blogspot.com/.

João Antunes Varela

Uma das coisas que me dá verdadeiramente a dimensão do que é a sufocação do trabalho é o ter-me apercebido só agora de que faleceu o professor Antunes Varela, é ter telefonado hoje a um colega e sabê-lo internado há dezoito dias num hospital. É como se vivesse na clausura de um interior, como se só ao ouvir um estrondo me desse conta que parte da rua havia ruído e com ela tudo em redor. Entristeceu-me saber do professor Varela. Organizei há pouco tempo, para o Boletim da Ordem dos Advogados, um número especial de homenagem à sua pessoa. Chamei a mim o redigir-lhe a biografia. O destino encarregou-se de mostrar que era a biografia de uma vida já vivida. Cruzávamo-nos, por vezes, no supermercado, onde modestamente tratava das suas compras. Agora acabou. Morreu um grande homem; ser um excelente jurista era apenas parte dessa grandeza.

A justa luta do povo judiciário

Eu não gostaria de, como advogado que sou, pronunciar-me sobre as reivindicações dos magistrados. Mas, como cidadão, não posso sofismar que há um debate em aberto sobre poderem ou deverem os magistrados fazer greve. Haverá nisso uma questão jurídica, a de saber se a Constituição e a lei, quando admitem o direito à greve o não farão apenas como defesa dos empregados por conta de outrém. A mim interessa-me mais esta vertente política do problema: durante anos os activistas do Ministério Público primeiro e da judicatura depois, ou porque oriundos da esquerda, ou porque a ela interesseiramente rendidos, propagaram uma ideologia de proletarização dos magistrados, fazendo-os sentir-se como se operários do Direito fossem, um contra-poder, ao serviço do povo, contra os seus exploradores. Construiu-se assim o sindicalismo judiciário, à conta de repugnância de considerar a magistratura um corpo separado, da vergonha de considerar os magistrados uma classe de senhores. Eis agora o efeito, a greve como mimetismo cultural, em momento de reivindicação. Claro que há nisso que a greve exprime, uma degradação estatutária que beneficia, no poder político, os que ganham com o apoucamento das magistraturas. E claro que há nisto tudo uma notável contradição: é que, como dizem os mesmos que conduziram a este encurralamento da profissão, a justiça hoje é uma justiça de classe, privilegiando o rico em detrimento do pobre. Bonito serviço, não é? Recordo o Lénine, quando dizia que a burguesia é que inventa a corda na qual se acaba por enforcar. É assim quando os filhos de família se armam em operários: ai dos ingénuos úteis que acreditam!

A semente do Diabo

Uma irónica para adoçar a manhã: na «Vanity Fair» pergunta-se como é que Roman Polansky, fugido em França da justiça americana, processou uma revista americana num tribunal inglês! Ainda falamos nós aqui dos que fogem à justiça! Que falta de cosmopolitismo!

Querer sem poder

O «Diário de Notícias» diz que há um estudo de uma professora chamada Mariana França Gouveia com propostas sobre a justiça cível. Algumas, de tal modo inesperadas, são de abanar. O «blog» Dislexias manifesta mesmo o seu espanto quanto ao conteúdo de tais ideias. O meu espanto é outro. É que se trate ainda de um simples estudo e que o que anda noticiado é que o Ministério da Justiça já o «quer». É assim que se lê no bem informado jornal da Avenida da Liberdade. Em suma, alguém sonha, Bernardes Costa quer, a obra nasce. Assim anda o Ministério da Justiça, em regime de querer fácil. Oxalá possa.
P. S. E não venham com a conversa que isto é dizer mal por dizer mal e que eu tenho tudo o que o Ministério da Justiça faz debaixo de mira. Neste caso o problema é outro: é querer saber o que é que o Ministério quer, se é que quer!

O Grande Unificador

Fui dar uma espreitadela ao «Grano Salis» e, por momentos, surpreendi-me [eu, como se ainda estivesse na idade das esperanças] com um postal de L. C., a dar conta do que ele chama os «primeiros sinais de vida» da Unidade de Missão para a Reforma Penal. Afinal, eram só a nomeação de secretária, adjuntos e claro está, motorista. Tá visto! Equiparado a Sub-Secretário de Estado, o coordenador da Unidade sente-se com direito de despachar directamente para o «Diário da República» e vai daí nomeia gabinete para que se entenda que em matéria de equiparação ele quer ter tudo aquilo a que tem direito. Em suma, mais um membro do Governo, difarçado de unificador.

Escolham

Há um jornal que diz que o Presidente da Assembleia da República já sabia de uma decisão judicial, antes de ela ser tomada. Se a notícia é falsa é um crime, se é verdadeira, é outro. Se nada acontecer, é um crime ainda maior.

No tempo da outra senhora

Quando um colega comenta publicamente uma decisão de um colega proferida num processo para já pendente e que não conhece senão pelos jornais, falha duas vezes: primeiro por leviandade, depois por precipitação. E, no entanto, a moda pegou. Claro que há o princípio do «não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti». Só que neste particular, muitos dos que censuram estão defendidos porque o trabalho que fazem ou nem dá para ser conhecido, ou muitas vezes é meramente teórico. São como os críticos literários que adorariam escrever um romance; até lá, pavoneando-se em tertúlias, vão dizendo mal dos que, errando às vezes, lá vão escrevendo sofridamente.
P. S. E não venham, para diminuir este meu comentário, dizer que com que ele viso este senhor, ou quero beneficiar aquela senhora. Eu penso isto, já no tempo da outra senhora. Doa a quem doer!

Um post justificado pela actual conjuntura

Há no comunicado do Procurador-Geral da República um entre-vírgulas curioso. Diz o Palácio de Palmela: «importa esclarecer, justificado pela actual conjuntura, que o Procurador-Geral não assumiu nem assumirá posição quanto a eventuais paralisações no sector da justiça, cabendo às instâncias sindicais e só a elas pronunciarem-se sobre a matéria». Ao ter lido percebi tudo menos o «justificado pela actual conjuntura». É o eterno problema das concordâncias. Daí que me pergunte se o que é justificado pela actual conjuntura é o facto de o PGR vir a público sobre um problema que «importa esclarecer», ou o que é justificado pela actual conjuntura é o facto de ele dizer que «não assumiu nem assumirá posição quanto a eventuais paralisações no sector da justiça», como quem diz que, noutra conjuntura já assume e assumirá? Eu percebo que o estilo do Dr. Souto Moura não é a forma sibilina e labriríntica do seu antecessor. Mas lá que também é «justificado pela actual conjuntura» que não fique esta dúvida, lá isso também me parece razoável.

Arrecadado

No local onde eu hoje tenho banca de advogado em 1937 colocou o anarquista Emídio Santana uma bomba para matar o Presidente do Conselho António de Oliveira Salazar. Como errou nas medições, feitas clandestinamente, quanto à profundidade do colector, o engenho não deflagrou a sua violenta carga explosiva na vertical, mas fez saltar tudo quanto era tampa de esgoto nas imediações. Resultado: Salazar escapou ileso e conta-se que, sacudindo a sujidade da explosão que lhe maculara a elegante indumentária, terá murmurado um «bom, lá estou eu condenado a viver mais uns anos». Por causa disso, Santana foi parar à Penitenciária de Coimbra o que lhe permitiu escrever um livro chamado «Onde o homem acaba e a maldição começa». É um relato revoltado e fraterno do ambiente prisional nos anos quarenta. São retratos pugentes da mole humana que nas cadeias se aglomera, «crónica do mundo dos ex-homens», a dos comuns e dos anónimos. Há nele uma frase que me vincou: «O condenado que entra numa penitenciária é como uma mercadoria que se arrecada num aramzém. Toma o registo e um número que lhe é posto como uma etiqueta permanente, que substitui todas as designações anteriores que usava até aí, e é arrecadado no sua cela».