Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Má língua nos tribunais

Para aqueles que, como eu, são uns trapalhões dactilográficos, e que vivem do favor dos amigos, que avisam para as obtusidades mais evidentes do que escrevo à pressa, e sobretudo para aqueles outros, como eu também, que hesitam constantemente quanto à congruência ortográfica e gramatical desta irregular língua portuguesa, há livros que são uma tentação.Ontem à noite, trouxe para casa um, mal tendo tempo para o folhear. Pequeno em tamanho, chama-se, elucidativamente «Aspectos críticos da língua portuguesa». A sua autora, Sandra Duarte Tavares, conseguiu, sem o imaginar, trazer-me uns momentos de boa disposição, sobretudo quando, na página 14, a propósito da destrinça entre «descriminar» e «discriminar» citou este exemplo: «o juiz descriminou o réu por não ter provas suficientes». Diz ela que esse «verbo transitivo por prefixação» significa «retirar o crime».
Ora ainda há quem, nos tribunais, se sinta discriminado por não ser descriminado! Francamente, é mesmo má língua!

Com a lei à vista

Estava o Camilo Castelo Branco em deambulação pela Bertrand quando soube que o Francisco Trindade Coelho, que ele apreciava pelas suas incursões jornalísticas e literárias havia concorrido ao que calhasse no Direito, ou a conservador do registo ou a delegado do Procurador Régio. Como em comentário irónico deu parte na livraria que aquele vulgar nunca seria «despachado» para coisa alguma, houve alguém que prontamente lhe sugeriu que, se assim se condoía do pobre literato, se metessem em empenhos e o recomendasse ao ministro, que era quem então nomearia. Vai daí e por força da intermediação, lá foi o candidato nomeado. Como escritor Trindade Coelho viria a a dar à estampa em 1891 «Os meus amores». Como delegado em Lisboa lá alinhavaria em 1897 um pequeno livro de ajuda aos recursos finais em processo criminal. A obra não terá excesso de mérito, mas tem, pelo menos, este momento irónico no seu prefácio em que diz que, ao escrever «não citei acórdãos, como é de uso, por uma razão: porque preferi argumentar com a lei á vista, que é sempre a melhor maneira de argumentar». Trindade Coelho, um homem bom e generoso, lutador incansável, esgotado de ânimo, na ânsia de lutar pela Justiça, poria termo à vida em 9 de Junho de 1908, com a lei à vista.

A orelha fiscal

Segundo vem na imprensa o Fisco vai poder passar a fazer também escutas telefónicas. E porque não? No pornográfico em que já se transformou este meio de obtenção de prova, passam a ser, tal como nas linhas eróticas, as chamadas de valor acrescentado!

Vem lá Código!

Isto não há ministro que não queira fazer um Código de Processo Penal novo, por achar que o antigo está mal! O que lá está agora não foge à regra. Já anunicou várias vezes o seu ímpeto reformista e hoje disse-no no STJ. Por isso, preparem-se que, a haver ministro, vem lá Código! Em matéria de Códigos de Processo Penal, aliás, já houve uma altura em que chegámos a ter dois a vigorar ao mesmo tempo, o de 1929 e o 1987. Por mim, a aproveitar esse espírito contemporizador, dava uma sugestão: iam-se pondo todos esses Códigos, os que estão e os que vêem, a vigorar ao mesmo tempo. Não sei se o sistema era mais eficaz, mas pelo menos era mais divertido e ficavam todos satisfeitos!

A «faxada» do sistema!

Era uma vez um legislador que quis que os advogados pudessem mandar os seus requerimentos para os tribunais através de faxes, pois tinham aparecido essas máquinas de mandar folhas pelos ares. Foi em 1992. Depois esse diploma foi alterado, mas manteve-se a ideia essencial. Fizeram-se então listas de números de faxes, para se saber qual era o fax de cada advogado. Claro que há advogados que mudam de escritório e, por isso, mudam de fax. Claro que há advogados que, entretanto, chegam à profissão e cujos números de fax não estão na tal lista. Claro que o «site» da Ordem dos Advogados lá vai tendo uma lista, mais ou menos actualizada. Claro que os advogados que mandam requerimentos e outras coisas parecidas para os tribunais através de fax usam papel timbrado e nele vai o número do seu fax. Mas a imaginação criadora de certas pessoas não conhece limites Então, recebido o fax no tribunal, toca a ir ver à vetusta, ultrapassada e caduca lista de faxes para ver se está lá o número. Pois se não estiver, ó maravilhosa possibilidade de rejeitar o papel, de o considerar fora de prazo, de uma pessoa se ver livre dele, que chatices já cá temos muitas! É assim. Justiça, isto? Só se for de «faxada»!

A grande abertura

Amanhã abre o ano judicial, com a cerimónia do costume, em que o Presidente Sampaio discursa, pela última vez. Muitos dos que gostariam de ir ao acto não poderão, porém, estar presentes, porque, como o ano judicial está aberto e há muito, estarão a essa hora a trabalhar. Perplexo com esta abertura do já aberto, gostava era de saber quando é que o ano judicial fecha. Antigamente dizia-se que era para férias, agora já nem sei.

Álcool e cocaína, a conduzir, um só crime

O Acórdão de 18.01.06 da Relação de Lisboa [Proc. 6796/05, da 3ª Secção, relator Carlos Sousa] sentenciou que «1. A condução de veículo sob efeito, simultâneo, de álcool (com a TAS superior a 1,5g/l) e de cocaína constitui um único crime, p. e p. pelo artigo 292º., nº. 1 e/ou2, do C. Penal, e não dois crimes. 2. Verifica-se concurso entre esse crime e o de homicídio negligente, constituído pela morte do passageiro do veículo resultante de acidente de viação ocorrido quando o arguido conduzia em tais condições».
E, a propósito de indemnização acrescenta: «3. Fixado em € 50.000 (sendo € 12.500 para cada um dos quatro filhos da vítima) a indemnização pela morte do passageiro, 'um jovem de 24 anos de idade, na altura do acidente, saudável, alegre e com futuro profissional promissor'».

Transcrição da prova oral: a «borla» acabou!

Segundo o Acórdão da Relação de Lisboa de 18.01.06 [proferido no processo n.º 11046/05, da 3ª Secção. relator Conceição Gomes] «I - Com a introdução da norma contida no art. 89.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais (CCJ), na redacção dada pelo DL n.º 324/03, de 27 de Dezembro, que determina a aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 43.º a 46.º do mesmo compêndio normativo, o legislador impôs ao recorrente a obrigação de pagamento de preparo para despesas destinado a suportar os encargos relativos à transcrição das provas produzidas oralmente em julgamento, com a cominação de que a sua falta de pagamento implica a não transcrição dessas provas. II - O aludido normativo é perfeitamnete compatível com a índole e a natureza do processo penal, não podendo designadamente ser visto como uma limitação desproporcionada ou intolerável do direito ao recurso e, consequentemente, também do próprio direito de defesa, porquanto os encargos com a transcrição da prova documentada constituem 'custas-crime' (art. 89.º, n.º 1 do CCJ) e, em caso de insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se do instituto do apoio judiciário, previsto na Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro».

O mistério do Ministério

A pergunta anda por : porquê um Ministério da Justiça? Pois é. Ele já foi o Ministério das Leis, quando os seus ministros eram o selo da legalidade e da conformidade jurídica do que o Governo queria. Hoje pouco mais é do que o Ministério dos Monumentos Legislativos e do Equipamento Judiciários: faz códigos ou encomenda-os e equipa tribunais, mobilando-os. Claro que ainda pode voltar aos tempos em que era o Ministério da Graça, para quem tiver vontade de rir.

MDE e competência nacional penal

O Acórdão da Relação de Lisboa de 06.01.06 [processo n.º 12249/05 3ª Secção, relator Mário Moragdo] decidiu que «I. É patente que nos encontramos em face de um crime de tráfico de cariz transnacional, perpetrado em co-autoria pelo recorrente e demais indivíduos mencionados (cfr. art. 26 do CP). II. À luz do princípio da territorialidade, é aplicável a lei penal portuguesa à comparticipação (sob qualquer forma), em facto verificado em Portugal, como expressamente resulta das disposições conjugadas dos arts. 4º,a),e 7º,nº1,CP: o crime praticado em co-autoria considera-se praticado em qualquer dos lugares em que se haja cometido algum acto de execução. III. Por outro lado, encontrando-nos perante um “crime de trânsito”- aqueles em que unicamente uma parte do iter criminis decorre em território nacional-, não poderia o mesmo deixar de incluir-se no poder punitivo nacional: no seu trajecto global, o facto afecta, em todo o caso, o território nacional, pelo que, por razões de prevenção geral, o Estado não poderia renunciar ao seu jus puniendi. Inexistindo pois, qualquer violação das regras de competência do tribunal, improcede a arguida nulidade».