Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Chamado à Ordem

«É-me completamente indiferente o que decidam», disse José Miguel Júdice a propósito de um processo disciplinar que lhe moveram na Ordem e face ao qual diz que nem se pretende defender. Pode não ser um grande processo, mas para quem já foi Bastonário não é grande frase. É sobretudo um fraco exemplo, por muito que o Direito desanime e a Justiça dos homens desiluda.

Escutas ao jantar!

Não terei dito grandes coisas na tertúlia que o SMMP em boa hora organizou no Martinho da Arcada, mas também não foram tão poucas quantas as que a imprensa relatou. Por isso, de viva voz, aqui vai, de memória, um pouco mais. Se bem me lembro, terei dito algo como:
* A escuta telefónica surpreende deslealmente o escutado, daí o seu perigo, daí a sua excepcionalidade.
* A escuta telefónica sofisma garantias legais [o cônjuge, que pode recusar depor para não incriminar o seu parceiro é apanhado numa conversa que o incrimina e envergonha].
* A escuta sossega a consciência do julgador, tal como a confissão do arguido, porque é uma forma indirecta de a ver obtida, embora cavilosamente.
* A questão das transcrições e da contextualização do transcrito cessa no dia em que se guardar em envelope lacrado o CD com todo o escutado e o MP e a defesa dele retirarem o que tiverem por útil e o juiz puder aceder a tudo.
* Não é só a PJ o único OPC quem escuta, há mais, embora muitos fingem ignorá-lo e escusam de vir falar nas escutas privadas para desviar o problema.
* Falamos de escutas numa lógica antiquada, quando estavam em causa excertos de conversas e hermenêutica interpretativa de vocábulos desgarrados, quando o problema actual é haver meses a fio de escuta telefónica, numa autêntica devassa geral aos cidadãos e às empresas.
* Se informação é poder, urge saber quem são e por onde andam e para onde vão os que têem o poder de escutar [meses a fio] o cerne do sistema político e do sistema bancário, obtendo informação privilegiada [e escusa de vir a PJ, como veio, subrogando-se, defender-se desta suspeita, porque a sê-lo, não visa uns sem os outros, mas todos quantos].
* Se é verdade que há quem guarde o que o juiz manda apagar, e se na PJ esta retiver em disco as «sobras» da informação, ainda que de mera referência, passa de polícia de investigação criminal, para polícia de informações, com todas as consequências e perigos daí resultantes.
Talvez tenha dito mais. Disse que estive na Comisão que elaborou o CPP que consagrou as escutas, numa outra que tentou rever o sistema, estive ligado ao ensino do Direito durante dezassete anos e tratei desta matéria, fui advogado de escutados e fui escutado eu próprio a falar com a mulher de um constituinte por conta e no interesse deste, coisa que, então, o MP e o JIC acharam bem e só a Relação anulou. Disse isto tudo só para tentar convencer que ao menos sei do que falo, o que não é o mesmo que ter razão. Uma coisa é certa: parabéns aos organizadores e da próxima, falem todos [eu incluído] menos tempo, para todos falarem um pouco mais. Em matéria de escutas, nada como saber escutar!

O Carnaval e a lei do Afonso Costa

Vem o Carnaval e com ele lá vem a questão de saber se a tolerância de ponto que o Governo decretou implica ou não suspensão dos prazos judiciais. Os blogs avisam, citando jurisprudência que é de esperar o pior! Cautela pois, ó incautos! Foi o mesmo quando se proclamou a República das varandas da Câmara Municipal de Lisboa. Com a Revolução na rua, um dos primeiros decretos do novo regime teve que ser para vir dizer que se suspendiam os prazos judiciais que decorriam. De outro modo, numa lógica talassa, indiferentes à nova ordem que urdia nas ruas, os tribunais continuavam a sua contagem, como se nada fosse. Assim, lá se suspendeu o cronómetro legal à força. Como passou a ser dichote: é para quem quer e gosta, viva a lei do Afonso Costa!

Os blogs de JAB

Dia de arrumações, criei um blog em que, dizendo de quem se trata, deixo, de modo arrumado, a lista dos blogs que criei e o modo fácil de saber em que dia os actualizei. A partir dali linkam-se todos. Não é que eu tenha muitos leitores, mas acho que lhes devo ao menos o respeito de me organizar. O blog tem o meu nome e encontra-se clicando aqui!.

A vítima e o tenha paciência

Ontem foi o dia da vítima. Há um relatório da APAV sobre isso, que pode ser lido aqui. Entre o muito que haveria para perguntar sobre este tema, lembrei-me disto: um sistema, como o que está em vigor, que aboliu o arbitramento oficioso de indemnização, limitando-o ao regime excepcional e apertado do artigo 82º-A do CPP, e que amputa a vítima, que não seja assistente, do direito de poder impugnar pela instrução o arquivamento do processo penal, um sistema que, no fundo, instiga a vítima a ter que se constituir assistente, sendo ofendida pelo crime, para obter, como lesada, alguma reparação decente, será um sistema que a protege de modo suficiente? É que tudo se reduz a algo tão simples como isto: vítima não assistente não é nada no processo penal, pois pouco pode fazer; vítima para ser assistente tem de ter advogado [artigo 70º do CPP] e nós sabemos [somos advogados] o que isso significa de encargos e de áleas para quem já sofreu com o crime. A vítima sozinha ou mal acompanhada no antigo Direito, o do Código anterior a 1987, ainda tinha no juiz o seu protector: em nome da justiça punia ou absolvia mas cuidava de mandar reparar oficosamente não havendo pedido cível . Hoje isso passou a acontecer «em casos especiais», só mesmo para «satisfazer particulares exigências de protecção». Quando se discutiu o novo figurino houve quem dissesse, com ironia, que o anterior era uma espécie de «sopa dos pobres», uma velharia de um juiz paternal a distribuir esmolinhas. Talvez. Mas vendo no que caímos, antes esse, do que o actual, que é uma espécie do «tenha paciência», pois é o que muitas vezes acontece!

Bom gosto e bom senso

Dizem que perguntaram um dia ao general De Gaulle se ele não gostava de uma França governada em regime de partidos, ao que ele respondeu: gostar, gostaria, mas não tenho é tempo. Pensei nisto a propósito de eu gostar ou não, afinal, de vir aqui a este blog, mais vezes, escrever mais coisas. Gostar, gostaria!

A lei universal da felicidade humana

De vez em quando estou uns tempos sem vir aqui escrever; depois justifico-me com umas ironias e umas lamúrias. Quem conhece a minha vida e ainda me lê, compreende; outros, os que fazem bem, nem querem saber. Desta feita encontrei uma justificação moral para agir assim, deste modo errático e imprevisto, ao ler este código de conduta que o agora centenário Agostinho da Silva escreveu em tempos: «Artigo 1º: Cada um faz o que quer. Artigo 2º: O artigo anterior não é obrigatório». Lendo isto, como o li hoje, eu acresentaria só mais um artigo último: «Artigo 3: Esta lei revoga todas as anteriores, sendo proibido legislar-se em contrário».

A anti-corrupção em entrevista

Maria José Morgado, em mais uma entrevista, ataca agora este governo por ignorar a corrupção. Não quero pessoalizar: mas, para quem já teve nas mãos, porque dirigente da PJ, a possibilidade de combater a corrupção, há algo que deve pesar na consciência a uma pessoa que diz o que ela afirma. É que, se é assim, como vem no «DN» de hoje, se ela acha mesmo que há uma «omissão» no combate à corupção, devia então ter-se mantido no lugar onde estava, lutar por ele, e dele só sair se expulsa. Como se sabe, Maria José Morgado saíu da PJ por acto próprio, demitindo-se. Quaisquer que fossem as dificuldades, as pressões, os bloqueios, a terem existido e tudo ficou numa nebulosa, ficava, entricheirada no lugar! Não estaria sozinha! Mas não ficou! O ousar lutar, ousar vencer, pertencia já a uma outra época, a uns outros tempos. Por tudo isso, hoje, na matéria da corrupção, é apenas mais uma pessoa a dar umas opiniões. Contam seguramente e muito essas entrevistas, mas na prática geram nada! O que é pena. Muita pena, mesmo.

A casa Sonotone

O problema da escutas é, às vezes, o que diz um dito popular: «quem escuta de si ouve». Agora que se vai legislar sobre isto, é bom que pense no assunto.

Voltemos aos faxes

Um esclarecimento necessário. Escrevi aqui há uns dias uma nota sobre a questão das listas oficiais de faxes de advogados e de haver quem entenda que só os aí registados são os admissíveis. Não escrevi que o caso tinha a ver comigo, não disse que requerimento meu foi recusado, não culpei magistrado nem funcionário. Ficou apenas o alerta, e só por eu não ter a certeza sobre quem tem razão. Se calhar a lei, ainda que caída em desuso, ainda vigora, e ninguém se lembrou de ir [por decreto!, ou portaria, seja o que for] actualizá-la, ou dizer que os faxes válidos seriam os mencionados no «site» da Ordem dos Advogados. Vai daí, quem se agarre a uma interpretação estrita da lei, estará à vontade para, apesar da lógica, recusar papéis enviados por fax que não seja o da lista. O problema é, pois, objectivo e não subjectivo. Não tem a ver comigo, nem a ver com todos. E tem solução! Se é a lei que está mal, mude-se a lei. Se é a prática que é absurda, modifique-se a prática, uniformizando-a. Por mim, se me tivessem recusado não importa o quê, não vinha para aqui colocar o problema. Por isso, ao aperceber-me do problema, lancei o «é preciso avisar toda a gente»! Entendidos? Mas já agora, em que ficamos? É de lei ou não é de lei? O meu fax é sempre o mesmo e já o era antes da lei. Mas os dos outros? Os dos novos advogados? Os dos advogaran que mudaram de poiso? Ficam à mercê do que cada um entender? Será o sistema do bem-me-faxas, mal-me-faxas?

Sobe, desce e marcha à ré

O nosso sistema de recursos penais, para evitar abusos baseia-se na técnica do elevador. A maioria dos recursos só sobem no fim. E note-se: não é subir com o primeiro recurso que vier subir, é mesmo subir só no fim do processo. A ideia é prevenir entorpecimentos, evitando que o processo fique num sistema de «stop and go», à mercê de recursos que se fossem semeando interlocutoriamente, obrigando a interromper a normalidade da tramitação. Claro que há ilogismos: por exemplo o recurso sobre as questões prévias decididas quando da decisão instrutória sobe imediatamente, mas não tem [ao que dizem] efeito suspensivo. A não haver «veto de gaveta» há o risco de os autos seguirem em frente e terem de fazer marcha atrás, assim a Relação decida o que subiu sem suspender. Fantástico, urge dizer!

Abutere!

Ei-lo um blog jurídico novo. Feito por magistrados, tem cariz informativo. Chama-se «abutere» e pode ser encontrado aqui. Bem vindos e ânimo, pois para navegar neste mar encapelado, é preciso cuidado com os baixios, e aprender a bolinar.Em dias de tempestade, recolhem-se as velas e vai-se a remar!

Mas que grande papel!

É caso para dizer que andam aos papéis. Por um lado, o ministro da Justiça quer «reforçar o papel do STJ», por outro o mesmo ministro quer acabar com o «papel» nos recursos para a Relação, os quais passam a circular via computador. Os senhores magistrados que ainda escrevem à mão têm os dias contados. Vai um advogado e faz um «upload» de um agravo, «zipa-lhe» as conclusões e vai daí, o foro «ad quem», quando lhe fizer o «download» da decisão, «zupa-lhe» com as custas. Sim, que papel por papel, estas inovações são daquelas em que vai ser preciso muito papel, mas do outro, aquele com que se pagam as custas e outras alcavalas.

Má língua nos tribunais

Para aqueles que, como eu, são uns trapalhões dactilográficos, e que vivem do favor dos amigos, que avisam para as obtusidades mais evidentes do que escrevo à pressa, e sobretudo para aqueles outros, como eu também, que hesitam constantemente quanto à congruência ortográfica e gramatical desta irregular língua portuguesa, há livros que são uma tentação.Ontem à noite, trouxe para casa um, mal tendo tempo para o folhear. Pequeno em tamanho, chama-se, elucidativamente «Aspectos críticos da língua portuguesa». A sua autora, Sandra Duarte Tavares, conseguiu, sem o imaginar, trazer-me uns momentos de boa disposição, sobretudo quando, na página 14, a propósito da destrinça entre «descriminar» e «discriminar» citou este exemplo: «o juiz descriminou o réu por não ter provas suficientes». Diz ela que esse «verbo transitivo por prefixação» significa «retirar o crime».
Ora ainda há quem, nos tribunais, se sinta discriminado por não ser descriminado! Francamente, é mesmo má língua!

Com a lei à vista

Estava o Camilo Castelo Branco em deambulação pela Bertrand quando soube que o Francisco Trindade Coelho, que ele apreciava pelas suas incursões jornalísticas e literárias havia concorrido ao que calhasse no Direito, ou a conservador do registo ou a delegado do Procurador Régio. Como em comentário irónico deu parte na livraria que aquele vulgar nunca seria «despachado» para coisa alguma, houve alguém que prontamente lhe sugeriu que, se assim se condoía do pobre literato, se metessem em empenhos e o recomendasse ao ministro, que era quem então nomearia. Vai daí e por força da intermediação, lá foi o candidato nomeado. Como escritor Trindade Coelho viria a a dar à estampa em 1891 «Os meus amores». Como delegado em Lisboa lá alinhavaria em 1897 um pequeno livro de ajuda aos recursos finais em processo criminal. A obra não terá excesso de mérito, mas tem, pelo menos, este momento irónico no seu prefácio em que diz que, ao escrever «não citei acórdãos, como é de uso, por uma razão: porque preferi argumentar com a lei á vista, que é sempre a melhor maneira de argumentar». Trindade Coelho, um homem bom e generoso, lutador incansável, esgotado de ânimo, na ânsia de lutar pela Justiça, poria termo à vida em 9 de Junho de 1908, com a lei à vista.

A orelha fiscal

Segundo vem na imprensa o Fisco vai poder passar a fazer também escutas telefónicas. E porque não? No pornográfico em que já se transformou este meio de obtenção de prova, passam a ser, tal como nas linhas eróticas, as chamadas de valor acrescentado!

Vem lá Código!

Isto não há ministro que não queira fazer um Código de Processo Penal novo, por achar que o antigo está mal! O que lá está agora não foge à regra. Já anunicou várias vezes o seu ímpeto reformista e hoje disse-no no STJ. Por isso, preparem-se que, a haver ministro, vem lá Código! Em matéria de Códigos de Processo Penal, aliás, já houve uma altura em que chegámos a ter dois a vigorar ao mesmo tempo, o de 1929 e o 1987. Por mim, a aproveitar esse espírito contemporizador, dava uma sugestão: iam-se pondo todos esses Códigos, os que estão e os que vêem, a vigorar ao mesmo tempo. Não sei se o sistema era mais eficaz, mas pelo menos era mais divertido e ficavam todos satisfeitos!

A «faxada» do sistema!

Era uma vez um legislador que quis que os advogados pudessem mandar os seus requerimentos para os tribunais através de faxes, pois tinham aparecido essas máquinas de mandar folhas pelos ares. Foi em 1992. Depois esse diploma foi alterado, mas manteve-se a ideia essencial. Fizeram-se então listas de números de faxes, para se saber qual era o fax de cada advogado. Claro que há advogados que mudam de escritório e, por isso, mudam de fax. Claro que há advogados que, entretanto, chegam à profissão e cujos números de fax não estão na tal lista. Claro que o «site» da Ordem dos Advogados lá vai tendo uma lista, mais ou menos actualizada. Claro que os advogados que mandam requerimentos e outras coisas parecidas para os tribunais através de fax usam papel timbrado e nele vai o número do seu fax. Mas a imaginação criadora de certas pessoas não conhece limites Então, recebido o fax no tribunal, toca a ir ver à vetusta, ultrapassada e caduca lista de faxes para ver se está lá o número. Pois se não estiver, ó maravilhosa possibilidade de rejeitar o papel, de o considerar fora de prazo, de uma pessoa se ver livre dele, que chatices já cá temos muitas! É assim. Justiça, isto? Só se for de «faxada»!

A grande abertura

Amanhã abre o ano judicial, com a cerimónia do costume, em que o Presidente Sampaio discursa, pela última vez. Muitos dos que gostariam de ir ao acto não poderão, porém, estar presentes, porque, como o ano judicial está aberto e há muito, estarão a essa hora a trabalhar. Perplexo com esta abertura do já aberto, gostava era de saber quando é que o ano judicial fecha. Antigamente dizia-se que era para férias, agora já nem sei.

Álcool e cocaína, a conduzir, um só crime

O Acórdão de 18.01.06 da Relação de Lisboa [Proc. 6796/05, da 3ª Secção, relator Carlos Sousa] sentenciou que «1. A condução de veículo sob efeito, simultâneo, de álcool (com a TAS superior a 1,5g/l) e de cocaína constitui um único crime, p. e p. pelo artigo 292º., nº. 1 e/ou2, do C. Penal, e não dois crimes. 2. Verifica-se concurso entre esse crime e o de homicídio negligente, constituído pela morte do passageiro do veículo resultante de acidente de viação ocorrido quando o arguido conduzia em tais condições».
E, a propósito de indemnização acrescenta: «3. Fixado em € 50.000 (sendo € 12.500 para cada um dos quatro filhos da vítima) a indemnização pela morte do passageiro, 'um jovem de 24 anos de idade, na altura do acidente, saudável, alegre e com futuro profissional promissor'».

Transcrição da prova oral: a «borla» acabou!

Segundo o Acórdão da Relação de Lisboa de 18.01.06 [proferido no processo n.º 11046/05, da 3ª Secção. relator Conceição Gomes] «I - Com a introdução da norma contida no art. 89.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais (CCJ), na redacção dada pelo DL n.º 324/03, de 27 de Dezembro, que determina a aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 43.º a 46.º do mesmo compêndio normativo, o legislador impôs ao recorrente a obrigação de pagamento de preparo para despesas destinado a suportar os encargos relativos à transcrição das provas produzidas oralmente em julgamento, com a cominação de que a sua falta de pagamento implica a não transcrição dessas provas. II - O aludido normativo é perfeitamnete compatível com a índole e a natureza do processo penal, não podendo designadamente ser visto como uma limitação desproporcionada ou intolerável do direito ao recurso e, consequentemente, também do próprio direito de defesa, porquanto os encargos com a transcrição da prova documentada constituem 'custas-crime' (art. 89.º, n.º 1 do CCJ) e, em caso de insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se do instituto do apoio judiciário, previsto na Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro».

O mistério do Ministério

A pergunta anda por : porquê um Ministério da Justiça? Pois é. Ele já foi o Ministério das Leis, quando os seus ministros eram o selo da legalidade e da conformidade jurídica do que o Governo queria. Hoje pouco mais é do que o Ministério dos Monumentos Legislativos e do Equipamento Judiciários: faz códigos ou encomenda-os e equipa tribunais, mobilando-os. Claro que ainda pode voltar aos tempos em que era o Ministério da Graça, para quem tiver vontade de rir.

MDE e competência nacional penal

O Acórdão da Relação de Lisboa de 06.01.06 [processo n.º 12249/05 3ª Secção, relator Mário Moragdo] decidiu que «I. É patente que nos encontramos em face de um crime de tráfico de cariz transnacional, perpetrado em co-autoria pelo recorrente e demais indivíduos mencionados (cfr. art. 26 do CP). II. À luz do princípio da territorialidade, é aplicável a lei penal portuguesa à comparticipação (sob qualquer forma), em facto verificado em Portugal, como expressamente resulta das disposições conjugadas dos arts. 4º,a),e 7º,nº1,CP: o crime praticado em co-autoria considera-se praticado em qualquer dos lugares em que se haja cometido algum acto de execução. III. Por outro lado, encontrando-nos perante um “crime de trânsito”- aqueles em que unicamente uma parte do iter criminis decorre em território nacional-, não poderia o mesmo deixar de incluir-se no poder punitivo nacional: no seu trajecto global, o facto afecta, em todo o caso, o território nacional, pelo que, por razões de prevenção geral, o Estado não poderia renunciar ao seu jus puniendi. Inexistindo pois, qualquer violação das regras de competência do tribunal, improcede a arguida nulidade».

Reclamação sobre extemporaneidade de recurso

«I – Deve ordenar-se a tramitação como reclamação para o presidente do tribunal superior da impugnação, por meio de recurso, de decisão que considera extemporâneo requerimento e motivação de recurso, desde que aquela impugnação seja apresentada no prazo de 10 dias previsto no artº 405º nº 2 do C.P.P.. II – Com efeito, nos termos do artº 688º nº 5 do C.P.Civil, aplicável ao processo penal por força do artº 4º do C.P.P., se, em vez de se reclamar de despacho que não admitir ou que retiver recurso, for apresentada impugnação recursória, mandar-se-á seguir os termos da própria reclamação, o que é de todo recomendável por razões de economia processual». Eis o que se decidiu no processo n.º 10645/05 3ª Secção, relator Vasques Diniz.

Cheque sem data: criminalização

Segundo o Acórdão da Relação de Lisboa de 12.01.06 [proferido no processo n.º 11331/05 9ª Secção, relator Almeida Cabral «Um cheque emitido sem data - ainda que verificados os demais requisitos constantes da Lei Uiforme relativa ao Cheque - e pese embora haver acordo quanto ao seu preenchimento posterior, não goza de tutela penal, nos termos do artº 11º do DL 454/91, de 28/12, na redacção introduzida pelo DL 316/97, de 19/11. II- Isto di-lo a própria LU no seu artº 2º:- ' o título a que faltar qualquer dos requisitos enumerados no artigo precedente não produz efeito como cheque, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes' (onde se não subsume nem enquadra o caso de entrega de cheque sem data). III- A falta de tutela penal para o cheque emitido sem data constitui um propósito do legislador - o que se extrai do preâmbulo do diploma (DL 316/97) - e que diz:- ' deixa de ser tutelado penalmente o cheque que não se destine ao pagamento imediato de quantia superior a (...) Pretende-se excluir da tutela penal os denominados cheques garantia, os pós-datados e todos os que se não destinem ao pagamento imediato de uma obrigação subjacente.' IV- Por isso, não obstante a conduta dolosa do arguido, ao impedir o pagamento do cheque, através de informação sobre o seu extravio dada à instituição bancária, certo é que o título creditício foi entregue pelo sacador sem data e não visava o pagamento imediato da importância nele titulada, pelo que não se mostra preenchido aquele tipo de crime (cheque sem provisão).»

Prescrição de processos crime

Segundo o site da Procuradoria Distrital de Lisboa, no ano de 2005: «1º Foram 91 os processos findos por prescrição, no Distrito Judicial de Lisboa, no ano de 2005, indicando-se 111 causas de prescrição. 2º Foi no DIAP de Lisboa que ocorreu o maior número de processos prescritos (cerca de 65% do total), seguindo-se em ordem decrescente os círculos judiciais de Almada e Sintra (cerca de 8%). Nos outros círculos, vai-se do zero (Círculos de Caldas da Rainha e Vila Franca de Xira), a 4 processos (Círculo de Loures). 3º A causa de prescrição mais mencionada foi a participação tardia (cerca de 56% do total das causas), a que se seguem, em ordem decrescente, outras causas (cerca de 27%) e atrasos nos órgãos de polícia criminal (cerca de 6%). 4º Os atrasos em magistrado do M.ºP.º são referidos quatro vezes, três delas no DIAP de Lisboa e uma no Círculo Judicial de Ponta Delgada. Fazendo-se aqui exercício comparativo dos últimos cinco anos, consigna-se que em 2001, foram 159 os inquéritos prescritos, com 221 causas mencionadas; em 2002 os inquéritos foram 104 e as causas mencionadas 133; em 2003 os inquéritos e as causas foram respectivamente 115 e 156; em 2004 os valores respectivos foram de 123 e 148».
Extraindo conclusões sobre os dados, diz-se ali: «1º - O fenómeno das prescrições do procedimento criminal, em processos de inquérito, situa-se em valores aceitáveis. 2º - Para um universo de mais de 200.000 inquéritos iniciados por ano, no Distrito Judicial de Lisboa, constatar que tão só em 91 ocorreu prescrição do procedimento criminal, consente evidenciar que o Sistema de Justiça dá bastante boa resposta. 3º - A causa de prescrição de maior referência é a participação tardia, causa esta que está além da possibilidade de resposta do Sistema de Justiça. 4º - No âmbito do tema em análise, o Distrito Judicial de Lisboa, sem dever afirmar que tudo corre na perfeição, evidencia evolução positiva e sustentada».

Prazo das escutas

O Acórdão n.º 4/2006 do Tribunal Constitucional [proferido no process. n.º 665/2005, relator Mário Torres], proferido em 3 de Janeiro de 2006 «não julga inconstitucional a interpretação conjugada das normas dos artigos 126.º, n.º 3, 187.º, n.º 1, 188.º, n.ºs 1 a 4, e 189.º do Código de Processo Penal, no sentido de que – desde que adequadamente assegurado o acompanhamento judicial da efectivação da operação – o prazo de duração das intercepções se conta a partir da data do início da sua efectivação, não é exigível a imediata elaboração de autos de início de gravação, nem de auto de gravação das intercepções após a gravação de cada uma das conversações interceptadas, nem a fixação de um prazo máximo rígido entre o fim da gravação (ou de fases dela) e a apresentação ao juiz do respectivo auto, e de que não é imposta a imediata desmagnetização das gravações das intercepções consideradas sem interesse pelo juiz; e não julga inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e 187.º a 190.º do Código de Processo Penal, que não considera ferida de nulidade a recolha de imagens e voz que, apesar de ter sido judicialmente autorizada sem fixação expressa do prazo de duração, se processou e terminou sempre com efectivo e atempado controlo judicial da execução da operação».
Segundo o sumário deste aresto «I – O n.º 4 do artigo 34.º da Constituição permite, embora com carácter de excepcionalidade, a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, impondo directamente como limitação tratar‑se de matéria de processo criminal e submetendo‑a a reserva de lei (mas não a sujeitando explicitamente a reserva de decisão judicial, como fizera no precedente n.º 2 quanto à entrada no domicílio dos cidadãos).II – Representando a intercepção e gravação de conversações telefónicas uma restrição a um direito fundamental, esta restrição deve limitar‑se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sem jamais diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição).III – No presente caso, não se questionando o respeito dos requisitos elencados no n.º 4 do artigo 34.º da Constituição (as intercepções foram determinadas no âmbito de um processo criminal visando a investigação de ilícitos que constam da enumeração legal dos crimes relativamente aos quais é lícito o uso deste meio de obtenção de prova, e todas elas foram, aliás, previamente objecto de autorização judicial), a eventual inconstitucionalidade das interpretações normativas impugnadas, todas elas reportadas aos termos em que se terá processado o acompanhamento judicial da execução da operação, apenas pode assentar em violação do princípio da propor­cionalidade aplicável às restrições dos direitos, liberdades e garantias.IV – Tem o Tribunal Constitucional entendido que a especial dano­sidade da intromissão traduzida pela intercepção telefónica impõe uma intervenção subs­tancial do juiz no decurso da mesma, através de um acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte, acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de, em função do decurso da escuta, ser mantida ou alterada a decisão que a determinou, subli­nhando, contudo, que o exigente critério assumido não significa que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz, posição que corresponderia a uma visão maximalista, que o Tribunal não subscreve. O que se exige é, pois, um acompanhamento próximo e um controlo do conteúdo das conversações, com uma dupla finalidade: (i) fazer cessar, tão depressa quanto possível, escutas que se venham a reve­lar injustificadas ou desnecessárias; e (ii) submeter a um “crivo” judicial prévio a aquisi­ção processual das provas obtidas por esse meio.V – Não é inconstitucional a interpretação conjugada das normas dos artigos 126.º, n.º 3, 187.º, n.º 1, 188.º, n.ºs 1 a 4, e 189.º do Código de Processo Penal, no sentido de que:a) o prazo de duração das intercepções se conta a partir da data do início da sua efectivação, e não da data do despacho judicial que as autorizou, mostrando‑se a dilação entre as duas datas justificada por dificuldades técnicas e de comunicação entre as diversas entidades envolvidas;b) não é imposta a imediata elaboração de autos de início de gravação, acrescendo que, no caso em análise, estes autos (aliás, legalmente não previstos) foram elaborados com dilações, justificadas por razões de ordem técnica, que não afectaram o acompanhamento judicial da operação;c) não é imposta a imediata elaboração de auto de gravação das intercepções após a gravação de cada uma das conversações interceptadas, não se podendo considerar como implicando um intolerável descontrolo judicial da operação a fixação em 60 dias da duração máxima dos períodos de escuta autorizados, mesmo que acoplada ao entendimento de que, se nada for judicialmente determinado em sentido contrário, é no termo de cada período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação;d) não é exigível a fixação de um prazo máximo rígido entre o fim da gravação (ou de fases dela) e a apresentação ao juiz do respectivo auto (cuja elaboração, após as alterações introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, por ter de conter a indicação, pelo órgão de polícia criminal, das passagens consideradas relevantes para a prova, se tornou mais complexa e morosa), desde que os sucessivos prazos, quer entre os pe­ríodos de intercepções e as datas de elaboração dos correspondentes autos, quer entre estas datas e as datas de apresentação ao juízes de instrução criminal, quer entre estas últimas e as audições pessoais a que estes juízes procederam não se mostrem de tal forma di­latados que se possa questionar o respeito pela exigência do referido acompanhamento judi­cial, constitucionalmente exigível;e) não é imposta a imediata desmagnetização das gravações das intercepções consideradas sem interesse pelo juiz, devendo, pelo contrário, considerar‑se constitucionalmente inadmissível a privação da possibilidade de o arguido, as pessoas escutadas e a acusação virem a requerer a transcrição de passagens das gravações não seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas assumem relevância própria, quer por se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido de passagens anteriormente seleccionadas.VI – Não é inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e 187.º a 190.º do Código de Processo Penal, que não considera ferida de nulidade a recolha de imagens e voz que, apesar de ter sido judicialmente autorizada sem fixação expressa do prazo de duração, se processou e terminou sempre com efectivo e atempado controlo judicial da execução da operação».

Irrecorribilidade e os 8 anos: inconstitucionalidade

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 2/2006 [proferido no processo n.º 954/2005, relator Mário Tores] proferido em 3 de Janeiro de 2006 decidiu que «não impondo a Constituição um triplo grau de jurisdição (nem no artigo 20.º, n.º 1, para a generalidade dos processos, nem no artigo 32.º, n.º 1, especificamente para o processo criminal), não é inconstitucional a interpretação da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, no sentido de que é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão condenatório proferido, em recurso, pelas Relações, que con­firmem (ainda que parcialmente, desde que in melius) decisão da 1.ª instância, quando, em caso de concurso de infracções, o limite máximo da moldura penal dos crimes, individualmente considerados, por que o arguido foi condenado não ultrapasse 8 anos de prisão».

Prazo para recurso penal: ainda sem as gravações

O Acórdão do TRibunal Constitucional n.º 17/2006 [proferido no processo n.º 383/2004, relator Mário Torres] de 6 de Janeiro de 2006 decidiu que «não julga inconstitucionais as normas constantes dos artigos 411.º, n.º 1, e 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que o prazo de interpo­sição de recurso penal em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se proce­deu a gravação da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido, agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação».
Segundo o sumário desse aresto: «I – O critério seguido na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade de normas relativas ao início do prazo para apresentação do reque­rimento de interposição de recurso em processo penal, que deve, por regra, conter a respectiva motivação (ou ao início do prazo para apresentação da motivação do recurso, quando esta possa ser posterior à interposição, como sucede no caso de interposição, por simples declaração na acta, de recurso de decisão proferida em audiência), tem sido o de que tal prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), actuando com a diligência devida, fi­cou em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda recorrer também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova produzida em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, ac­tuando diligentemente) acesso aos respectivos suportes, consoante o método de registo utili­zado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, gravação magnetofónica ou au­dio‑visual).II – Não viola o direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o entendimento de que o prazo de interpo­sição de recurso em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se proce­deu a gravação magnetofónica da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido, agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação; na verdade, a transcrição tem por finalidade facilitar ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova documentada, e já não habilitar o recorrente a elaborar a sua motivação, pois para este efeito lhe basta, para lá da assistência e intervenção em toda a audiência de julgamento e do conhecimento do teor integral da decisão condenatória, o acesso às gravações da prova produzida, sendo, aliás, em relação a estes suportes técnicos, e não à sua posterior transcrição, que devem ser feitas as especificações exigidas nas alínea b) e c) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal». Como se vê, a diferença específica aqui é entre o ter acesso e o poder ter acesso. Claro que a linha de separação fica reportada ao caso concreto e aí é que nem sempre haverá uniformidade de critério.

Jurisprudência clandestina?

Como noticial o blog «Verbo Jurídico»: «Como pode ser constatado, nomeadamente por via da consulta à base de dados de jurisprudência do STJ no sítio do ITIJ, à excepção dos acórdãos de um Juiz Conselheiro, nenhum aresto das secções criminais do STJ ali deu entrada desde Julho de 2005». Segundo ali se noticia há uma razão para o facto: «os Juízes Conselheiros do STJ, das secções criminais, cansados de serem rotulados com tantos «privilégios» - decidiram deixar de sumariar e preparar os textos respectivos para ingresso naquela base e subsequente aproveitamento pelo Ministério da Justiça de trabalho alheio produzido de graça e nas horas de lazer dos respectivos autores». Eis a situação: acabou o Boletim do Ministério da Justiça, alguns acórdãos surgem em blogs privados, a louvável «Colectânea de Jurisprudência» é fruto de uma associação profissional, «os «sites» públicos estão à míngua de informação sobre jurisprudencial. Qualquer dia advoga-se, promove-se e julga-se às cegas: o que os tribunais decidem passa a ser um segredo bem guardado.