Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




PGR: as respostas integrais

O jornal «Público», na sua edição de ontem, teve e gentileza de publicar algumas respostas que me pediu a perguntas que me formulou sobre o mandato do actual PGR. Na sua edição on line edita o texto integral das respostas, pois que no texto da edição impressa apenas algumas são referidas. Não é que eu leve a minha auto-estima ao ponto de julgar que tenho algo de importante a dizer, mas apenas porque numa matéria melindrosa o citado parcialmente pode gerar equívocos, eis aqui também o texto das respostas integrais sobre aquela matéria.

P. Como acolheu a nomeação de José de Souto Moura para suceder a José Narciso da Cunha Rodrigues?

JAB. Com prudente optimismo. Um poder político habilidoso sabe o que acontece quando um modesto sucede a um ambicioso. Cunha Rodrigues deixara o MP num beco sem saída. Tinha uma concepção vanguardista da Procuradoria, servia-o uma guarda pretoriana eficaz. Preconizando a legalidade, soube gerir a oportunidade. Quando o vi, político, no jornal «O Independente», candidato a PR, temi pelos anónimos procuradores nas suas comarcas.

P. Que balanço faz da acção de Souto Moura?

JAB. Avesso ao mando, agiu como regente de um interregno, o intervalo para uma nova dinastia. Reconhece-se-lhe honradez pessoal, espírito de missão, mas logo o souberam inadaptado ao jogo forte e tanta vez velhaco que se joga hoje na roleta do poder. Nesse momento assinalaram-lhe a morte a prazo.

P. O que mais lhe agradou no seu mandato?

JAB. Não o ter visto ao serviço de um interesse próprio ou de uma classe. Tentou servir o melhor que podia e se permitia. Com ele não houve levas de processos a prescrever. Suporta com estoicismo a agonia do cargo, em nome de um princípio, o da dignidade da magistratura a que pertence.

P. E o que lhe desagradou mais?

JAB. Ter criado uma imagem de anemia, que gerou a desprotecção de todos os que na Justiça trabalham. Muitas vezes o país viu no seu ar desamparado uma Justiça à mercê do colapso. Muitos, por corporativismo ou sindicalismo, apostaram irreflectidamente na sua clausura. Onde falha o poder, generaliza-se o poder.

P. O processo da Casa Pia marcou o consulado do PGR. Podia Souto Moura ter agido de maneira diversa?

JAB. Sou Advogado no processo. Digo uma só coisa: o PGR não tem de ter nada a ver com nenhum processo em concreto, seja ele qual for. Cunha Rodrigues dizia que com ele era assim. Souto Moura devia ter aprendido esta arte de dizer.

P. A demissão do PGR chegou a ser preconizada em algumas conjunturas mais críticas. Teria sido a solução mais adequada?

JAB. Demitir o PGR, como se chegou a preparar por mais de uma vez, seria um golpe de Estado, um ajuste de contas de certos políticos com magistrados. Felizmente o primeiro-ministro, que é uma pessoa inteligente e hábil, terá percebido que a política de crispação ofensiva com as magistraturas gera nada. Os magistrados não temem o poder político, a inversa é que pode suceder.

P. Envelope Nove: Este caso não está há tempo em demasia à espera de conclusão?

JAB. Não sei o que se passa. Mesmo que soubesse, não comentava.

P. Que perfil deve ter o próximo PGR?

JAB. O PGR é o vértice do MP, não é a bissectriz do sistema judicial. Por isso, não convivo facilmente com a ideia de que seja um juiz de carreira. Por outro lado, a PGR não pode estar sob a suspeita de estar ao serviço de um interesse, pessoal ou de grupo. Por isso, rejeito a ideia de um advogado. Poupemos a Advocacia honrada a esta provação. No mais, alguém que recentre o Ministério Público como uma magistratura, anule a diferença entre a PGR e o MP. Para marcar a diferença de estilo, escolha-se uma personalidade tónica, prudente e que se não exponha a correntes de ar.

Aqui fica. Admito que algumas das respostas sejam polémicas, mas antes isso que eu evitar a minha própria natureza. Mal com os outros, mas bem comigo, ao menos isso me seja permitido nesta idade e nesta profissão em que vivo a prazo e entre prazos.

A luta continua

Eu acho que já disse aqui aquela gracinha irónica de que felizmente estou sempre em férias. Por isso nunca me atrapalho quando tenho um processo com arguidos presos, em que os prazos correm em férias, para decisões que raramente são proferidas nessas férias, nem quando acontece deterem pessoas em férias e ter de desaguar tudo no TIC no máximo de quarenta e oito horas, quase sempre para se interpor recurso que quase nunca é decidido em férias. Vem isto a propósito de dizer que cá estou. Venho reconciliado com o Direito, naquela variante da luta pelo Direito, que deu título a um livro notável. Luta por vezes quase corpo a corpo, muitas vezes connosco próprios, para nos convencermos a não desistirmos. Uma das coisas que aprendi com os que sofrem na pele um processo criminal no qual se sentem injustiçados é que há um momento em que passou tanto tempo, tanta é a desorientação, tal foi o desespero, que já se contentam com qualquer coisa. Passa-se o mesmo com quem anda nisto, como direi, profissionalmente. É aí que entra o «a luta continua».

Marcelo Caetano

Nas suas lições de Direito Penal o Professor Marcelo Caetano lamentava-se de não as ter podido escrever melhor mas, vencendo como professor o ordenado equivalente a um primeiro oficial, tinha, para fazer face às despesas de sua família, de se dispersar em outras actividades. Houve uma vez em que, tendo saído do Governo, se viu na necessidade de advogar e conseguiu um lugar de consultor jurídico da Companhia de Seguros Mundial. Por gentileza da administração podia usar a sala de reuniões do Conselho de Administração para receber um ou outro cliente privado, pois não tinha dinheiro para suportar as despesas de um escritório. Ao ver, como vemos todos, aqueles que hoje se enchem à conta do Estado, os que entram para a política pobres e saem de lá anafados e bem instalados, tudo isto, que é uma memória dos tempos da ditadura, tem um sabor amargo. Digo-o, sabendo que isto é politicamente incorrecto. Quero lá saber! Cheguei àquela idade em que só uma coisa me incomoda: a mentira dos políticos e a ingenuidade dos que neles acreditam.

Marcelo Caetano

Nas suas lições de Direito Penal o Professor Marcelo Caetano lamentava-se de não as ter podido escrever melhor mas, vencendo como professor o ordenado equivalente a um primeiro oficial, tinha, para fazer face às desepesas de sua família, de se dispersar em outras actividades. Houve uma vez em que, tendo saído do Governo, se viu na necessidade de advogar e conseguiu um lugar de consultor jurídico da Companhia de Seguros Mundial. Por gentileza da administração podia usar a sala de reuniões do Conselho de Administração para receber um ou outro cliente privado, pois não tinha dinheiro para suportar as despesas de um escritório. Ao ver, como vemos todos, aqueles que hoje se enchem à conta do Estado, os que entram para a política pobres e saem de lá anafados e bem instalados, tudo isto tem um sabor amargo. Digo-o, sabendo que isto é politicamente incorrecto. Quero lá saber. Cheguei àquela idade em que só uma coisa me incomoda: a mentira.

Preguiça é o que é

Eu cada vez mais levo a vida menos a sério, daí andar com ar de peru. Além disso escrevo curto e pareço galinha a esvoaçar pelos problemas. O problema é não acreditar já na inocência de muito do que anda pelo Direito, o que pode dar-me ares de pavão.
Vem isto a propósito de eu ter escrito um post sobre o vazio de poder que se instalou na PGR e as suas consequências no MP.
Abriu-se logo a velha fronda entre os autonomistas e os controleiros, o que é natural a uma magistratura em que há alguma gente carregada de ideologia e uma vasta multidão ajoujada de serviço.
Claro que eu podia escrever a sério sobre isto. Há quem diga que até tenho obrigação cívica de o fazer. Há duas razões a fazer-me calar o bico. Primeiro ser verão, depois eu andar depenado.
Quem ler este post pensará que o Barreiros se passou para o reino das aves. Talvez. Antes isso que no mundo dos ofídeos. Não é por andar a rastejar é só pelo mudar de pele. Quanto ao primeiro, uma pessoa habitua-se, já quanto ao segundo um tipo como eu irrita-se.

Os soldados desconhecidos

Muitos dos comentadores da imprensa não têem qualquer experiência de tribunais mas escrevem, sem qualquer prevenção, sobre a Justiça. Na lógica de muitos desses escritos, fala-se «no que faz o Ministério Público», e «no que o Ministério Público não faz». É a velha técnica da generalização. Pode aplicar-se a tudo e a todos, ao que «os advogados», «os juízes», «os polícias», os «funcionários» fazem e deixam de fazer. Trata-se de um modo irracional de argumentar, pois que indiferencia o que é diverso, injusto, pois faz o justo pagar pelo pecador. No caso do Ministério Público, além do mais, é uma análise politicamente errada. É que com o vazio de poder que se instalou na PGR, cada um, cada grupo, faz o que quer e o que pode. No mais é só perguntar-se uma pessoa com que objectivos, se por vaidade, ambição ou ideologia. É assim quando ninguém manda. Além do mais vivem todos com um olho no serviço e outro nos comentadores. Ninguém quer ficar mal na fotografia. Ainda há excepções, honrosas, da imensa maioria dos que trabalham dia e noite, com espírito de isenção e vontade de ser justo. Mas desses não reza a história! Estão na vala comum dos soldados desconhecidos.

Uma volta pela casa

As férias judiciais este ano são mais pequenas. Eu decidi-me a entrar de férias o ano todo. É a alegria total de não mais ter de escrever. Uma alegria de chorar a rir. Fecha-se o contador da água e o do gás, trancam-se janelas e dá-se uma volta à casa para ver se de nada nos esquecemos. Há quem não volte, reformando-se da montonia.

Os porquinhos da Índia

Eu não tenho escrito, não tenho lido, não tenho pensado, não tenho querido saber. Funciono como um autómato, na inércia do Direito que em tempos estudei. Por isso as novidades jurídicas não me dão sequer tristeza. Lembro-me do outro que dizia que leis novas não vale a pena ler logo, pois pode ser que não peguem. Vi agora que vão entrar em vigor regras de processo civil em regime experimental em alguns tribunais. Por mim, estou na fase da vida em que acho tudo bem! Só peço é um favor. Ponham um dístico à porta, a avisar. Pode ser qualquer coisa do género: nós aqui na comarca estamos à experiência! Os advogados-cobaia, quais porquinhos da Índia, assim já ficam a saber.

O mundo das sombras

Parado por desorganização minha, «O Mundo das Sombras» retoma hoje o seu curso. Cada vez que acontece este arrumar a casa vem sempre a promessa de continuar. Oxalá a vida o permita!

Testemunhas de bom ouvido

Vem nos jornais que «a partir de Outubro todas as testemunhas de processos cíveis - como cobranças, indemnizações ou divórcios - poderão depor por escrito, desaparecendo a obrigatoriedade de se deslocarem ao tribunal». Vai ser lindo! Tal como os alunos aldrabões fazem os trabalhos uns dos outros, vai ser uma bandalheira total, a testemunha passar a ser de ouvir de dizer para passar a ser de ouvir ditar. Não se querem lembrar de mais nada para rebentarem de vez com o sistema?

Como dizia o Padre Américo

Pelos vistos um meu comentário irónico sobre as relações autoridades judiciárias/advogados foi tomado a sério e desencadeou comentários interessantes. O problema era o de deverem ou não os juízes e os procuradores receberem os advogados nos seus gabinetes. Para que não se confunda ironia com leviandade, deixem-me fazer um ponto de situação.
1. Quando comecei a advogar a prática era haver uma naturalidade cortês nas relações entre juízes, advogados e procuradores, com excepções a demontrarem que a regra era a inversa. A crispação entre todos é uma situação recente que, diga-se, já conheceu piores dias.
2. Admito que haja pessoas insuportáveis, atrevidas e com maus propósitos e que recebê-las seria uma imprudência. Mas isso sucede-nos a todos. Quando reúno com um colega nem sempre sei quem é nem ao que vem e já tivemos todos surpresas desagradáveis.
3. Concordo que o juiz receber o advogado de uma das partes pode prestar-se a melindres por parte dos outros [do MP ou dos outros advogados] mas tudo se resolve pondo-se a questão abertamente e convocando-os, sendo esse o caso, ou dando-lhes conta de que a conversa ocorreu e em que termos.
4. Aplaudo um sistema em que um magistrado decida só com base no que está no processo e se passa em audiência, e não em conciliábulos privados ou memoriais particulares, mas mal vai se do que estamos a falar é de conversas para tentar meter por debaixo da mesa, em estilo de cunha, o que não constará por cima dela. Nessa altura prende-se o magistrado e quem lhe falar, pois isso é seguramente crime, e lá ficarão nos calaboiços ambos a falar um com o outro o tempo necessário para perderem a mania.
5. Uma coisa é certa: passo a vida de falar com colegas, em público e em privado, com gente a assistir e no segredo dos nossos gabinetes. Chegamos ao processo e cada um faz o que tem a fazer, ninguém se sente diminuído nem posto em causa.
6. Finalmente: o problema muitas vezes não é o receberem ou não receberem, é sim o modo como as relações se estabelecem. Desempenhei cargos na minha Ordem que me levaram a saber, com conhecimento de causa, que em matéria de boas maneiras, nós advogados também temos telhados de vidro e sei, por uma vida profissional gasta nos tribunais, que há magistrados de uma cortesia e delicadeza inexcedíveis. Do que falamos é daquilo que acima referi. No mais, sou o primeiro a reconhecer, tal como o Padre Américo, que não há rapazes maus.
P. S. Há uma coisa em que muitos magistrados ganhavam se admitissem os advogados, com prudência, nos seus gabinetes: é estes verem as condições miseráveis e indignas em que muitos trabalham. Talvez beneficiassem de maior compreensão quanto aos milagres que mesmo assim fazem.

Depoimento de OPC

No quadro da problemática dos limites ao depoimento dos OPC's é interessante esta doutrina emanada do Acórdão da Relação de Lisboa de 31.05.06 [proferido no processo n.º 3702/06 3ª Secção, relator Rodrigues Simão]: «1. Tendo os agentes de autoridade acorrido ao local onde ocorreu um acidente de viação, constataram que aí se encontrava o arguido, dono do veículo, visivelmente embriagado, que lhes disse que era ele quem conduzia o veículo, facto que, nas circunstâncias constatadas pelos agentes, era verosímil,tendo o mesmo sido sujeito a teste de alcoolemia, com resultado posítivo. 2. O contacto pessoal com o arguido decorreu de obrigação legal dos agentes de autoridade de, recebida notícia de facto ilícito, fazerem consignar no auto de notícia tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes, obrigação decorrente dos artigos 242º e 243º, do CPP, e própria das funções de polícia definidas pelo artigo 272º da CRP. 3. Não se trata de declarações do arguido, de valoração proibida, podendo o tribunal valorar esses depoimentos na formação da convicção de que o arguido era o condutor do veículo».

Uso reprovável do processo penal

Muito interessante o estatuído no Acórdão da Relação de Lisboa de 01.06.06 [proferido no proceso n.º 3132/06 9ª Secção, relator Trigo de Mesquita] «1. 'Não é processualmente admissível a transformação de um processo judicial, com decisão final, num interminável carrossel de requerimentos/decisões/recursos em que, sucessivamente, em todos os patamares de decisão judicial, são suscitadas, circularmente, sem qualquer fundamento real, sucessivas questões...' (in Ac. Rel. Lx. nº 7995/01-3ª secção) ... até, enfim, à prescrição do procedimento criminal. 2. Com efeito, é legalmente inadmissível fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de v.g. conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (cfr. art. 456º do CPC). 3. Por força do que preceitua o artº 720º CPC: 1- ' Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo (...), levará o requerimento à conferência, podendo esta ordenar (...) que o respectivo incidente se processe em separado. 2- O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos prosseguirão os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se a decisão vier a ser modificada.' 4. A disciplina definida naquele artº 720º CPC - com igual consagração no Tribunal Constitucional (artº 84º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) - é aplicável ao processo penal, ex vi o artº 4º CPP. 5. Mas sempre se chegaria à mesma solução por mera aplicação de elementares princípios gerais do direito, como o da unidade e coerência do sistema jurídico, ou do princípio do poder-dever de direcção do processo pelo juiz, e dos princípios da cooperação, boa-fé e lealdade processuais (cfr. artºs 265º, 266º e 266º-A do CPC), e tendo-se em conta que os recursos posteriores à decisão final, em processo penal, têm sempre efeitos meramente devolutivo (cfr. artºs 406º e 408º do CPP). 6. In casu, é patente que o arguido vem procurando obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da reiterada suscitação de incidentes a ela posteriores e manifestamente infundados, impõe-se que os 'incidentes' suscitados sejam processados em separado, baixando os autos à 1ª Instância para imediata execução da pena aplicada ao arguido».

Honny soit

Alguém com amarga ironia escreveu na parede de um tribunal por onde andei hoje: «estamos à espera que a justiça nos caia do céu!». Seguindo a lição bíblica, a cair do céu, em línguas de fogo, só pode ser alguém ligado ao Espírito Santo. Mas que não haja confusões. Como disse Eduardo III ao apanhar, solícito, a liga que a Condessa de Salisbury, sua predilecta, deixara cair durante um baile: «Honny soît qu'y mal y pense...»

Mudos e quedos

Cá se fazem cá se pagam! Eu a escrever a noite passada dos juízes que mandam dizer pelo funcionário que não falam com advogados e logo hoje a levar na cara com um «mas a senhora procuradora não fala com advogados!». E fazem eles muitíssimo bem! Claro que a ideia era tentar evitar uma delonga processual, e simplificar um procedimento. Não faz mal! Vai em papel selado, se é que ainda se usa. Se não se usa, vai em qualquer papel, deste o costaneira, ao papel de arroz. Um dia, quando estas Suas Excelências não falantes quiserem gritar por socorro que os estão a jugular na sua autonomia e na sua independência, talvez já queiram falar com advogados. Para já, temem perder a isenção ou temem que nós percamos as estribeiras. Só pode ser isso. Ou então perderam a língua.

Um livro maduro

Miguel Poiares Maduro, licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa, doutorado pelo Instituto Universitário Europeu de Florença, advogado-geral português no Tribunal de Justiça das Comunidades, professor da Universidade Nova de Lisboa, autor de We The Court - The European Court of Justice and the European Economic Constitution e de A Constituição Plural - Constitucionalismo e União Europeia, publica agora o seu primeiro livro não juridico - Crónicas de um peixe fora de água. O livro é editado pela Entrelinhas, o lançamento realizar-se-á no Café dos Teatros, na Rua António Maria Cardoso, nº 38, em Lisboa no próximo dia 3 de Junho, pelas 18h00. A apresentação da obra, a cargo da jornalista Maria de Lurdes do Vale, será seguida de um debate com o autor do livro sobre "O papel dos cronistas: peixes dentro ou fora de água?", e em que participarão Rui Tavares, Pedro Mexia , Luciano Amaral e Pedro Lomba.

A dança das cadeiras

O ministro que trata dos da Justiça conseguiu, só com a dança das cadeiras, virar juízes contra procuradores. Ridícula paródia esta. Olhando para a polémica que se instalou, parece que aquilo onde põem a cabeça é menos importante do que aquilo onde sentam o rabo. A questão, como sabem, é o colocar os procuradores, na arquitectura das salas dos tribunais, abaixo dos juízes, talvez ao lado dos advogados. Por mim, tenho uma ideia feita. Não entro nessa mascarada. Não quero procuradores ao pé de mim, a simular uma igualdade que não existe, eles a gozarem da informação privilegiada, por estarem instalados dentro dos tribunais, nós, advogados, a pedirmos pelas alminhas para sermos recebidos e, muitas vezes, a levarmos um não mandado comunicar através do funcionário. A querer alguma coisa ao pé de mim, quero, como advogado, os meus constituintes. É mais prático para irmos conversando nos momentos de monotonia. Para muitos exaltados, até é mais lógico, pois acham que os advogados são uma continuação dos arguidos por outros meios. Assim, para não dar aos presuntivos incocentes a honra atrevida de se alçarem para a teia dos advogados, lado a lado dos mesmos, como na justiça cível, sugiro que nos sentemos no banco dos réus. É mais justo. Em frente a nós, alteados e superiores, juízes e procuradores, em suma, o Estado. Cá em baixo, anichados e rebatidos, os advogados e seus clientes, ou seja a sociedade civil. Tal como é, assim estará.

Gente feliz com lágrimas

Acontece «cerca de 50% das pessoas residentes na área geográfica abrangida pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados nunca ter consultado um advogado», diz o «Jornal de Negócios». Ainda há há gente feliz!

Pompa e circunstância

Desculpem vir aqui falar num assunto pessoal. Mas hoje de manhã ao ter lido esta notícia deu-me um baque: é que é verdade que fui convidado e aceitei um cargo que tem a ver com a Ordem dos Advogados, só que a função não é nada esta. Vejamos, com brevidade. A ideia que presidiu ao convite e consta de uma carta, era tão simplesmente esta: ser delegado da Ordem junto do Tribunal da Boa-Hora para assegurar, em diálogo com quem fosse juiz-presidente do Tribunal o necessário para garantir condições de eficácia à actuação dos advogados, meus colegas, nesse edifício. Pequenas coisas e rotinas que muitas vezes dificultam a vida aos que fazem do Direito uma profissão e que, andando pelos tribunais, não encontram na Ordem distante, a resposta adequada. Tive o cuidado de obter junto de quem me convidou que não me cabia entrar no tema dos litígios entre profissionais do foro, pois tudo isso tem órgãos próprios e formas próprias de se resolverem. Ao ler a notícia, que é gentil, que recebi vi-me investido numa pompa e numa farronca de funções que até me assusto. Desde «mediador» até o tal que tem como principal função «receber queixas e reclamações dos cidadãos e operadores judiciários e encaminhá-las para a Ordem dos Advogados, para o Conselho Superior da Magistratura ou para a Direcção-Geral da Administração da Justiça», vi que era suposto tratar de coisas bem mais longínquas do que me havia sido pedido. Não quero enganar ninguém! Eu serei só o que vai tratar das pequenas coisas, tentando gerir consensos e amabilidades. Não vou mediar, nem intermediar. Livra!

Conchavando-se

Esquecia-me de dizer que uma destas noites li no conto «A Sereníssima República» do Machado de Assis, que é um hino ao riso, que «o comentário à lei é a eterna malícia». Foi assim que «não sendo possível perseguir ninguém por defeitos de ortografia ou figuras de retórica, pareceu acertado rever a lei». Isso num primeiro momento. Depois, através do comentário interpretativo, «a mesma porta aberta à lealdade serviu a astúcia de um certo Nabiga, que se conchavou com o oficial das extracções para haver um lugar na assembleia».

Juízes iletrados

Na cidade onde eu nasci, no interior de Angola, o juiz era, muitas vezes, o Relvas, que tinha loja aberta de comerciante. O escrivão, o Pires, ainda era o único que, para além de comer sozinho um cabrito, saberia Direito, porque tinha o «formulário», o mesmo de que eu herdei uma cópia parecida, encadernada a pano, herança do meu pai, solicitador encartado. Advogados havia vários, como é costume, alguns «provisionários», como o velho Barros, de distinta figura e casaquinho branco. Um desses advogados, cabo-verdeano, foi o meu padrinho de baptismo. Tinha um empregado de escritório, negro, que se chamava Gafanhoto e escrevia à máquina como quem tocasse marimbas. Tinha África no sangue, esse escriturário, cada articulado era, nas suas mãos dactilográficas, um batuque forense. Não sei se a Justiça funcionava, mas lá se ia andando. O delegado interino chegou a ser o sobrinho do Relvas. Um dia escapou-lhe num julgamento um «ó tio», ao que o Relvas, severo, respondeu: «aqui não há tio nem meio tio, há o senhor doutor juiz». Dizem-me que pelo Ministério andam agora a pensar numa de juízes sem o curso de Direito. Acho muitíssimo bem, que é para ver se isto passa a andar no «ó tio ó tio»! Dizem-me que em outros países também é assim. E dizem bem! «Em outros países!...

Santos da casa

Dei agora conta que passei o dia do advogado enfronhado nos tribunais, sem dar conta sequer de que era o dia do advogado. Será, como qualquer outra, uma forma de comemorar, como o outro que celebrava a vida, vivendo-a. Só que neste meu caso, uma estranha forma de vida...

Um grande avanço!

O post sobre o primeiro congreso ibero-americano sobre blogs e Direito, a ter lugar em Saragoça de 4 a 6 de Junho vem anunciado no blog «Antígona» com data de 31 de Dezembro de 2006. Percebo que a blogoesfera seja um exercício diário de antecipação, mas tanta! Um abraço de bem-humorada ironia...

A errata

Errei, emendei. Como há leitores daqui que vão lá, ali ficou. A confissão é uma atenuante, dizem-me que muito apreciada. Ei-la, pois.

Advogados na deputação nacional

Na minha opinião o problema não é os deputados serem advogados. O problema é os advogados serem deputados. A advocacia faz-se nos tribunais ou em outros sítios. O Parlamento é para outras coisas, para as quais ser jurista é muito útil, ser advogado é muito equívoco. Quem quiser ser deputado, deixe de ser advogado. É simples e sobretudo higiénico. Sei que há muitos que não vão gostar de ler. Eu também não gosto de os ver.

Vigiar, punir ou enlouquecer

Sete em cada dez prisões estão sobrelotadas. E, no entanto, diz a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, com humor negro, isto já significa uma melhoria. Uma coisa adiantam as notícias: «A prisão com a menor taxa de ocupação é a do Hospital Psiquiátrico de São João de Deus, que apesar de ter uma capacidade para 195 reclusos, apenas detém 19 indivíduos». Percebe-se: a loucura é o sistema prisional comum, o hospital bem pode estar às moscas.

O segredo do Meco

O Bastonário dos Advogados diz que «o segredo de justiça é como impor a toda a gente que ande de smoking mesmo quando vai para a praia». Eu diria de modo diferente: é fingir que andamos todos vestidos de cerimonioso fraque, quando andamos todos mas é em pelota. É que, quanto à tutela de tal segredo, até se lhe vêem os fundilhos...

Um livro, um convite, uma outra pessoa!

Terminado que está mais um livro daquele meu outro eu, com o qual vou sobrevivendo à profissão, permitam-me que vos convide a estarem presentes nas sessões de apresentação da obra, nos dias 16 [em Lisboa], 17 [no Porto] e a 3 de Junho, em Faro. Pormenores podem colher-se a partir deste link. Uma coisa é certa, no meio da narrativa, lá vem um caso judiciário, ainda por cima, uma clamorosa injustiça. Eric Rohmer fez disso tema para o seu último filme. Eu conto a história num dos capítulos do que escrevi. Por falar em contar, não é um romance histórico, é a História a ser contada como se faz nos romances, dizendo-a.

Era só a brincar

Nada tenho contra o Habilus, tenho tudo contra os que o entregam a pessoas com uma formação insuficiente e que fazem o que podem. Mas hoje soube algo que me deixou, agora sim, preocupado! Será que é verdade que graças ao «Habilus» é possível andarem-se a ler os autos uns dos outros, mesmo aqueles que estão em segredo de justiça! Digam-me que é mentira, que a pessoa que mo disse, e que tenho por bem informada, estava só a brincar.