Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Execução de sentença penal estrangeira

«Mesmo no âmbito do regime instituído pelo mandado de detenção europeu, para ter lugar em Portugal a execução de uma sentença penal estrangeira que imponha uma pena, a mesma não pode deixar de estar dependente da revisão e confirmação. II. Com efeito, nenhuma excepção ao disposto nos arts. 275.º e ss. do C.P.P. foi efectuada pelo legislador pela Lei n.º 65/03, de 23/8, a qual apenas regula a entrega de detido, ao abrigo de um mandado de detenção europeu. III. Se, nos termos do n.º 1 do art. 31.º desta Lei, se decidiu por esta entrega, mas tendo sido a mesma suspensa, a fim do detido cumprir a pena em Portugal, é de declarar cessada esta suspensão, caso a autoridade judiciária estrangeira não venha a transmitir certidão da sentença condenatória, a qual se mostra necessária a instruir aquele pedido de revisão», eis a opinião do Procurador-Geral Adjunto Paulo Antunes, junto da Relação de Lisboa [emitido em 30.08.06 no processo n.º 6752/06, da 9ª Secção].

Uma nova razão para fundamentar

Há neste acórdão da Relação de Lisboa de 07.09.06 [proferido no processo n.º 5973/06, da 9ª Secção, relator João Carrola] um passo muito interessante: «Dispõe o artº 97°, n. 4, do C.P.P. que "os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão." III- A motivação da decisão é imprescindível, entre outras razões, para favorecer o auto-controle dos juízes, designadamente, obrigando-os a analisar, à luz da razão, as impressões recolhidas no decurso da produção da prova, bem como para estimular a recolha jurisprudencial de regras objectivas de experiência e o respeito pela lógica e pelas leis da psicologia judiciária na apreciação das mesmas».
Eis a ideia: a motivação [fundamentação] das decisões é também uma forma de a magistratura judicial, em regime de auto-controlo encontrar as regras objectivas de experiência e o respeito pela lógica e pelas leis da psicologia judiciária na apreciação das mesmas. Oxalá! Para que haja, enfim, uniformidade de critério, ao menos na aferição da prova.

Arguido ausente e a questão do depósito da sentença

Por despacho da Vice-presidente da Relação Lisboa, Filomena Lima, proferido em sede de reclamação [Processo n.º 6943/06 9ª Secção]: «quando o arguido está presente às sessões de julgamento, faltando apenas à da leitura da sentença (para o que fora notificado), comparecendo o seu defensor a esta, não tem o arguido de ser notificado pessoalmente da sentença, iniciando-se o prazo de recurso com o depósito da mesma, nos termos conjuntos dos artºs 411º, n. 1 113º, n. 9 e 373º, n. 3 do CPP. A constitucionalidade deste entendimento foi sufragada pelo Ac. T. Constitucional nº 429/03, de 2003-09-24, in DR II série, de 2003-11-21)».
Nada temos a dizer a este respeito. O problema que se suscita vem a propósito da leitura deste trecho. É que é inadmissível que um acto em que não ocorre notificação [o depósito da sentença], que pode ocorrer muitas vezes bastante tempo depois da leitura da decisão, faça nascer [de modo inesperado e descontrolado] algo de tão grave como um prazo para recorrer. Ou seja, pode o juiz ler hoje uma sentença condenatória, depositá-la na secretaria no dia que lhe aprouver e os advogados, pois que ao contrário do MP estão fora do edifício do tribunal, têm de andar em constante contacto com a secção para saber qual o dia em que começa a correr-lhes o prazo para recorrerm. Ou então, têem de agradecer à gentileza dos funcionários, o favor de um telefonema a avisar. É isto justo? É isto leal? É isto digno de um sistema jurídico que não queira rasteirar a defesa?
Note-se: eu não imputo à subscritora da decisão referida o concordar com isto e sei que isto é o efeito de uma lei que, descuidada, gerou tal possibilidade. Talvez o TC possa intervir um dia sobre isto. Resta saber será qual o entendimento.

Contagem da pena: o MP sem controlo?

Um acórdão Relação de Guimãrães de 27.04.06 [relator Ricardo Silva] que agora vi num site que os promete publicar determina que o despacho vulgarmente chamado de homologação da contagem da pena «é um típico despacho de mero expediente»!!. E justifica-o por esta forma: «A lei incumbe, hoje, ao MP da tarefa da liquidação da pena e correspondente comunicação, nos termos do disposto no art. 477.º, n.os 1 e 3, do CPP. Assim, o despacho impropriamente chamado de homologação – designação correspondente a uma praxe judicial sem tradução legal – não expressa mais do que a manifestação de concordância com a contagem da pena lavrada pelo MP, não tendo outro efeito útil que não seja o de fazer constar que o Juiz titular do processo faz sua tal contagem, para os efeitos da sua competência, nomeadamente os que lhe são conferidos pelos artigos 470.º e 475.º do CPP. Na realidade, se o dito despacho de homologação não constasse do processo isso não determinaria qualquer nulidade ou irregularidade, podendo o Juiz ordenar as decisões relativas à execução da pena mediante despachos específicos. Isto, para dizer que o despacho recorrido não interfere com quaisquer direitos da recorrente, nem a constitui em quaisquer deveres».
Devo dizer que, ao ler este sumário, concordei plenamente com a dúvida de um comentário de L.C. «tenho dúvidas sobre a bondade desta fundamentação, nomeadamente quando refere que “o despacho recorrido não interfere com quaisquer direitos da recorrente”.Então, e se o MP se engana na liquidação da pena? E se surgem questões sobre o método de contagem da pena? Quem as dirime?». Precisamente! Numa matéria com esta gravidade...

MP na PGDL: quem é quem

A revelação pública dos critérios internos de distribuição de serviço no MP e o assumir esta magistratura um rosto é uma demonstração de transparência, pilar essencial de um Estado de Direito. Saúdo pois que o site da PGD venha publicando a distribuição de serviço dos magistrados do MP na PGD.

De acordo com esse site da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa:

(1) Exercem funções nas secções criminais(3ª., 5ª. e 9ª.) do TRL, sob a coordenação da Dra. Paula Figueiredo, os seguintes magistrados:

3ª. Secção

Dr. Gomes Pereira
Dr. João Vieira
Dr.ªMaria José Morgado, coordenadora
Dr. João Ramos / Dr.ª Paula Figueiredo

5ª. Secção

Dr.ªFátima Barata, coordenadora
Dr.ªAnisabel Miranda
Dr. Gilberto Seabra
Dr.ª Lucília Gago

9ª.Secção

Dr.Rodrigues Marques
Dr.ªIsilda Aragão
Dr. João Parracho, coordenador
Dr. Paulo Antunes

A cooperação internacional penal que vinham cabendo a três magistrados, um por cada secção (Dr.ª Maria José Morgado-3ª, Dr. Gilberto Seabra-5ª e Dr. Paulo Antunes-9ª), serão reedistribuídos.

A superintendência e coordenação de outros círculos judiciais e procuradorias fica assim distribuída na área criminal:

* Varas Criminais e TEP de Lisboa - Dr.ª M.ª José Morgado
* Juízos Criminais de Lisboa - Dr.ª Helena Faim
* Círculo de Almada - Dr. Paulo Antunes
* Círculo de Angra do Heroísmo - Dr.ª Isilda Aragão
* Círculo do Barreiro - Dr. Rodrigues Marques
* Círculo das Caldas da Rainha - Dr. Gomes Pereira
* Círculo de Cascais - Dr. João Ramos
* Círculo do Funchal - Dr.ª. Fátima Barata
* Círculo de Loures - Dr. João Vieira
* Círculo de Oeiras - Dr. Carlos Gago
* Círculo de Ponta Delgada - Dr. Gilberto Seabra
* Círculo de Sintra - Dr.ª. Anisabel Miranda
* Círculo de Torres Vedras - Dr. Gomes Pereira
* Círculo de Vila Franca de Xira - Dr. João Parracho

Refugiado de guerra

Hoje cansado da realidade inacreditável, refugiei-me no mundo da mentira plausível. Escondi-me aqui-»., o covil do meu ser fictício, de toga despida.

Os maus malandros

Há um filme de segurança que avisa uns e explica a outros como é que se pode burlar um cliente de uma máquina ATM, replicando-lhe o cartão. Pode ver-se clicando aqui -». É esta a faceta bifronte da segurança: quando previne os ingénuos, ensina os malandros a sê-lo. Um círculo vicioso que não há modo de romper.

Aviso aos desprevenidos

Bom dia! Tenho vindo a publicar no «Cum Grano Salis» comentários ao Anteprojecto do CPP. Por outro lado, como terão notado alguns leitores, sistematizo tudo o que escrevo em cada dia no blog que tem o meu nome e que pode ser encontrado clicando precisamente -» aqui. Assim é mais fácil a referência e o leitor fica logo a saber o que não lhe interessa, esperando eu que não seja tudo!

Recursos retidos: prevenção de interesse na manutenção

O Acórdão n.º 381/2006 (DR 157 SÉRIE II de 2006-08-16) do Tribunal Constitucional: a) «julga inconstitucional o artigo 412.º, n.º 5, do Código do Processo Penal, interpretado no sentido de que a exigência da especificação dos recursos retidos em que o recorrente mantém interesse, constante do preceito, também é obrigatória, sob pena de preclusão do seu conhecimento, nos casos em que o despacho de admissão do recurso interlocutório é proferido depois da própria apresentação da motivação do recurso interposto da decisão final do processo. b) Julga inconstitucional a mesma norma, na interpretação que permita ao tribunal ad quem, considerando não ser suficiente para o cumprimento do ónus previsto nesse preceito a referência nas conclusões ao recurso interlocutório retido e a que o mesmo subirá a final, a liminar rejeição desse recurso, entretanto já admitido, sem que seja formulado ao recorrente um convite para explicitar se mantém no seu conhecimento». Lendo o texto do aresto percebe-se em que medida teve de ser o TC a morigerar a tendências de alguns juízes os nossos tribunais superiores em fazerem vingar critérios formais e de literalidade interpretativa como forma de «despacharem» recursos, rejeitando-os liminarmente. No caso dos recursos interlocutórios retidos o TC teve de actuar por mais de uma vez, para cercear o critério purgativo que ameaçava grassar.

Recurso subordinado penal: reflexões insubordinadas

O Acórdão do TC n.º 284/2006, de 3 de Maio de 2006, do Tribunal Constitucional (D.R. n.º 165, Série II de 2006-08-28) decidiu «não julgar inconstitucional a norma do artigo 404.º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso subordinado em matéria penal».
Devo dizer que, independentemente do juízo de constitucionalidade que se formule, tenho muitas dúvidas sobre a bondade da solução legal. Duas situações existem que me levam a pensar assim, fruto da minha prática forense.
Primeira: como se sabe, a reformatio in peius é permitida quando o MP recorre [o STJ já aceitou que ela fosse possível, por recurso do assistente, sem que o MP recorresse, mas enfim, não é isso que importa]. Ora, em caso de condenação recorrida pelo MP, muitos arguidos, ante isso, para «contrabalançarem» esse recurso do MP acabam por recorrer, quantas vezes já no limite do prazo [com multa], só para que no Tribunal de recurso se não vinque a ideia de que estão conformados com a condenação e que será justo agravar-lhes a pena. Um tal sistema, ditado embora por razões meramente psicológicas [numa interpretação perversa da psicologia judiciária, ridícula talvez, mas mas medite-se nisso!], acaba por criar, de facto, aquilo que a lei não quis: um recurso de tipo subordinado.
Segunda: no caso de absolvição por razões formais de arguido que se proclame inocente, o sentenciado fica impedido de recorrer, por falta de interesse em agir, mas em caso de recurso do MP, fica à mercê de o tribunal ad quem poder extrair todas as ilações jurídicas dos factos provados, ainda que para agravar a pena, sem que ele arguido tivesse podido ou venha a poder [por imposibilidade de recurso] discutir aquilo que provado ficou. Trata-se, nesta variante, de uma deslealdade. A matéria de facto fica definida de modo indiscutível, e a partir daqui todas as manipulações jurídicas são possíveis, ainda que para pior.
Vejamos agora a questão da constitucionalidade, tal como a configura o TC. Como se sabe o recurso subordinado é permitido pelo artigo 682º do CPC, mas proibido pelo artigo 404º do CPP em matéria penal .
Ao ler as breves considerações do Acórdão do TC, citado, que são mais sobre a justificação de haver ou não recurso subordinado penal do que sobre questões propriamente de constitucionalidade, não posso deixar de deixar duas notas de comentário.
Diz o TC neste seu aresto:
Em primeiro lugar que: «pressupondo a figura do recurso subordinado que ambas as partes tenham ficado vencidas, e justificando-se a sua admissibilidade pela circunstância de a outra parte não se ter conformado com a parte da decisão em que ficou vencida, forçoso é concluir que tal figura dificilmente se adapta ao processo penal. Desde logo, e atento o dever de objectividade na condução da acção penal que recai sobre o Ministério Público, consagrado no artigo 219.o, n.o 1, da Constituição (cf. também o artigo 53.o do Código de Processo Penal e, designadamente, a alínea d) do seu n.o 2), não se lhe pode reconhecer a qualidade de parte nesse processo e, consequentemente, a possibilidade de ter ficado vencido em determinada decisão: como tal, o pressuposto em que assenta a figura do recurso subordinado (o de ambas as partes terem ficado vencidas) não pode pura e simplesmente verificar-se no processo penal.». Ora (i) o argumento [ser o o MP parte] tem um valor absolutamente relativo (ii) nem o TC extrai dele qualquer efeito substancial, pois dizer que o MP não fica vencido no foro penal [pois não é parte] é uma mera figura de retórica, construída sobre um sistema de meras categorizações jurídicas, que outra coisa não alcança do que obnubilar as mais comezinhas realidades da vida por todos vividas e sentidas. Seja «parte» ou não seja, a questão é, o MP quando recorre penalmente se não é porque ficou vencido, é porque a tese que entende aplicável ao caso não foi vitoriosa! Como se percebe, vai dar ao mesmo! Compreende-se, inconformado, quanto o nosso sistema penal traduz a concepção autoritária de um MP que nunca perde, não se queira é transformá-la em conceito operativo contra os arguidos para os fazer perder, sem apelo nem agravo.
Em segundo lugar, diz o TC que «o objectivo de não prejudicar a parte que se conformou com a decisão pode, no processo penal, ser alcançado através do mecanismo da resposta à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público (cf. o artigo 413.o do Código de Processo Penal), não carecendo o arguido, para obter a redução da pena que lhe tenha sido aplicada, ou mesmo a absolvição, de interpor o seu próprio recurso (cf. o artigo 409.o do Código de Processo Penal, que proíbe apenas—em certos casos—a reformatio in pejus)». Ora aqui convoco todos os que têm experiência forense, para que venham aqui dizer, com verdade, quantos arguidos não recorrentes foram absolvidos ou viram mesmo as suas penas reduzidas quando o Ministério Público recorreu da sua condenação e por causa apenas do que disseram nas respostas à motivação do recurso do MP! Digam-me que há casos desses! Se o disserem, digam-me quantos são na percentagem do total, que é para que enfim todos percebamos que o argumento é uma forma de proclamar princípios liberais legitimadores de uma prática repressiva. Ao ler isto lembrei-me de uma citação poética que consta do blog «Mar Inquieto» e que, se o autor me permite, aqui convovo: terrorismo intelectual «consiste em apresentar como verdades, universais, aquilo que apenas permite garantir o poder dos sábios indispensáveis para a sua administração». Não é que seja o caso. É só uma associação de ideias!