Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O que não tem remédio...

Leio no Cum Grano Salis este sumário de um acórdão do STJ sobre o recurso extraordinário de revisão de sentenças: «(...) XI – Nas palavras do Ac. do STJ de 20-04-2005, publicado na CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no art. 449.º do CPP, apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo (...)».
Leio e lembro-me de uma história vivida: o preso alertou que o prazo da prisão preventiva estava esgotado. O processo corria na Relação. Cauteloso o Advogado ainda deixou passar uns dias. Interpôs o recurso de "habeas corpus". Entrado este, umas horas depois - sim, umas horas depois! - a Relação onde o processo corria decretou a excepcional complexidade do caso! Que nunca a tivera! Complexidade que, assim decretada, legitimava a posteriori a prorrogação do prazo da prisão preventiva. Um «expediente» lhe chamou o Advogado entre o irado e o ofendido, vociferando em requerimento. 
Querem saber como acabou a história? Eu conto: conhecendo o "habeas corpus", o STJ decretou que este, pois que é um mero remédio visa curar de situações em que se justifique uma tal providência. E - continuou - é certo que à data em que o "habeas corpus" entrou o preso estava ilegalmente preso, mas agora, pois que o processo era excepcionalmente complexo, já estava tudo legal, justo, perfeito e o "habeas corpus" não tinha razão de ser! Pelo que - já agora - se condenou o [idiota] do requerente numas unidades de conta pelo trabalho que deu!
Leio isto pois e fico a cismar no sangue, suor e lágrimas que explodem no campo de batalha pelo Direito e pela Justiça!
P.S. Esta jurisprudência assenta no chamado "princípio da actualidade". Um nome interessante.

Nem morto!

Pressupondo e por isso esperando e rezando aos santinhos da minha devoção para que não surja doença e a surgir que seja limite e de surpresa, eis-me a trabalhar, porque para além dos prazos que correm em férias, há aqueles outros que nada faz parar. É que, depois de ter lido isto num Acórdão da Relação do Porto, que vem publicado aqui, o que passo a citar, senti súbitas melhoras, que isto de ser advogado dá cá umas resistências que não há bacilo, bactéria, vírus ou pandemia que vire! Eis a prosa jurisprudencial, generosa, compreensiva:

«As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento».

O racionalmente justificável

Quando comecei a minha vida profissional havia o hábito - de duvidoso gosto e equívoco propósito - de as leiloeiras espalharem pelas secretarias judiciais e até pelos gabinetes dos juízes calendários e outros "regalos" que tinham o condão de imaginar uma justiça em dia e sobretudo lembrar o nome da empresa obsequiante. 
O que talvez fosse hoje interessante era espalhar pelos tribunais, talvez como poster a afixar nas paredes, espécie de lembrete perpétuo, o seguinte excerto de um Acórdão do STJ de 17.01.11 [relator Armindo Monteiro] que o blog Cum Grano Salis - em boa hora agora retomando vigor - editou, aqui:

«1 - O exame probatório traduz-se na análise em globo das provas, a respectiva crítica, a forma de inteligenciar, intuir, racionalizar e conceber, para formular, a final, um juízo definitivo, na meta de um processo justo, que assegure todos os direitos de defesa, como vem proclamado pelo art.º 32.º, n.º 1, da CRP.
2 - A motivação das decisões judiciais é um autêntico momento de verdade do perfil do juiz, que deve situar-se à margem de qualquer blindagem, no dizer de Perfecto Andrés Ibañez, in Jueces y Ponderacion Argumentativa, pág. 73.
3 - A fundamentação decisória, nos termos do art.º 374.º, n.º 2, do CPP, está desenhada na lei para, pelo enunciar os pontos de facto provados e não provados, como de uma súmula dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o julgador explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão, excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se unicamente no âmbito do racionalmente justificável»

Intercepções e processo penal

Não são apenas as escutas telefónicas, mas as intromissões nos faxes, no correio electrónico. A violação da privacidade das comunicações - mesmo dos advogados - passou a ser forma fácil de investigação. O que está defendido pela porta blindada do segredo profissional tem acesso pela janela da intercepção. Tem, pois interesse esta obra de Rita Castanheira Neves, de que se cita o texto de apresentação, editada pela Coimbra Editora:

«Esta obra tem como mote traçar a natureza e o regime jurídico das intercepções no correio electrónico enquanto meio de obtenção de prova em processo penal. A confusa e conceptualmente desvirtuada redacção conferida ao artigo 189.º do Código de Processo Penal encontra se, assim, na pretensão original de explorar e ultrapassar as dificuldades prático jurídicas sentidas pelo intérprete da norma, bem como de assimilar e sistematizar os abusos na intromissão da privacidade e a violação do segredo das comunicações que a mesma permite. Para alcançar tal compreensão, faz-se uma primeira aproximação ao âmbito das comunicações electrónicas no direito processual penal, convocando, para o efeito, os desígnios constitucionais que se projectam como garantia da privacidade, ínsita a qualquer comunicação privada, bem como da palavra, da salvaguarda da inviolabilidade das comunicações e da autodeterminação informacional, de modo a aferir do alcance de cada uma das esferas de protecção implicadas».

More geometrico

Paulo Ferreira da Cunha é um daqueles pensadores de que nunca se aproveitou o suficiente, pela invulgaridade, o atípico, o surpreendente modo de ver. Guardo os primeiros livros e o remorso de ter lido pouco. Esta noite li-o no "As Artes entre as Letras", um jornal cultural que se edita no Porto e de que é colaborador. Escrevia, tristonho, sobre o abaixamento do nível universitário, a «infatilização da Universidade», a «liofilização dos cursos». E de passagem aludia aos «burocratas da coacção», e pela palavra fui transportado ao mundo daqueles para quem o Direito é uma técnica e a Justiça um reflexo condicionado, quantos fruto dos que tornaram aquele Ciência para que não pudesse ser Arte, formação profissional para não ser Universidade e geraram esta tão desapegada como inumana Justiça.
O rancor enfrenta o ódio que se defende como se comoção apenas fosse e revolta. A uma aritmética ilusória que os manuais ensinam segue-se uma álgebra de incógnitas que é a equação em que se torna o acto de julgar. 
É um mundo em que os sentimentos só entram quando silenciosos e encontram, more geometrico um lugar possível, diminuto. Morto o homem fica a função. Objectivada. Ilusoriamente racional. É um mundo em que o riso e as lágrimas valem como sintoma, raramente como pretexto, por vezes como argumento.

No pasa nada...

A ideia de que num Estado de Direito o Estado altera a sociedade através de leis, demonstra que na Justiça «no pasa nada». É que a folha oficial continua lacónica, sem nenhum diploma legal relevante, como se nada acontecesse e falo não só na área da Justiça. O Governo parece governar através da Administração Pública, ou seja gerir.
Claro que, ante a profusão legislativa com que governos antecedentes nos habituaram, em que tanto se legislava nada mudando, é caso para dizer «para tanto mal já basta assim».
Os que se movem nas esferas do poder dizem que «a senhora ministra está a pensar e a estudar». Admitamos que sim. E que há muito para estudar. 
Oxalá quando estiver tudo pensado a situação ainda esteja resolúvel. E não apenas no que releva para o contrato que firmámos com a "troika", porque há mais Portugal para além da dívida.

Anonimato de menores

Onde está na lei o direito dos menores ao anonimato nos processos penais? Uma coisa é certa: em Inglaterra os que forem levados a tribunal por causa dos recentes distúrbios perdem o direito à privacidade de que gozam naquele País. Lê-se aqui.
A protecção visa prevenir os efeitos estigmatizantes sobre os jovens delinquentes. 
É claro uma tutela que tem de ser compatibilizada com outras. O que é questionável é o argumento em prol da excepção: convencer o público de que uma abordagem mais dura a essa inesperada criminalidade de rua está em curso. 
Ou a prevenção geral, em caso de aflição, suplanta tudo ou aqueles "menores" perderam, com a sua conduta, a possibilidade de o serem.

A grande evasão: um filme de aventura

O princípio da oportunidade acusatória - pelo qual o Ministério Público escolhe aquilo que quer acusar e negoceia aquilo que quer resolver por acordo - tem traduções várias mesmo nos países que não o aceitam como regra. Nos crimes em que estão em causa incidências patrimoniais há atenção de aplicar o princípio «cuidar a dentada do cão com o pêlo do próprio cão» e fazer o infractor pagar com o que ganhou, lucrando zero, e carregá-lo, adicionalmente, com multas e indemnizações que o fazem arrepender-se de ter prevaricado e dissuadem outros de lhe seguir o exemplo. É a máxima chinesa, onde está a doença está a cura.
Em Portugal, segundo certas mentalidades, porém, a "cultura" reinante é a da hipertrofia do Estado, os valores públicos como se sagrados, os crimes contra o Estado como se de lesa-majestade fossem, os crimes fiscais como se atentados aos pilares e fundamentos da sociedade pudessem ser. 
A verdade jurisprudencial corrente é, sabemo-lo, outra, e aí estão os acórdãos a mostrá-lo quanto às penas efectivas aplicáveis e sobretudo as suspensões processuais mediante injunção de pagamento fiscal - do imposto devido e exigível e mesmo do tributo caducado, tudo amalgado segundo um princípio do «aproveitar agora que o contribuinte está sitiado» - a mostrar como é.
Vem isto a propósito de ter lido isto, aqui:
«Credit Suisse Group AG (CSGN), the Swiss bank facing possible U.S. indictment for aiding tax evasion, will likely settle with prosecutors by admitting wrongdoing and paying a penalty that may exceed $1 billion, tax lawyers said. Credit Suisse, the second-largest Swiss bank, has too much to lose by fighting the Justice Department and risking indictment, said lawyers not involved in the case. Prosecutors told the bank last month that it’s a target of a probe into its former cross-border banking services to U.S. customers. The lawyers expect Credit Suisse to reach an agreement like that of UBS AG (UBSN), which was charged in 2009 with aiding tax evasion by U.S. clients. UBS avoided prosecution by paying $780 million, admitting it fostered tax evasion, and giving the U.S. Internal Revenue Service data on more than 250 accounts. It later turned over data on another 4,450 accounts»

Estuprador, o marido "puzzolente"

Nove anos de reclusão, que a Cassação reduziu para dois, a pena aplicada a um pastor que forçava a mulher a sujeitar-se a relações sexuais contra vontade. O motivo de recusa era que o próprio não cuidava do mínimo de higiene corporal e os actos eram praticados no próprio local onde ele exercia pastorícia. Crime: estupro.
Citando: «Commette violenza sessuale il marito "puzzolente" che impone alla moglie rapporti sessuali senza rispettare la richiesta della donna di farsi prima una bella doccia. È questo il punto di vista della Cassazione (sentenza 30364/11) che ha chiesto ed ottenuto il nuovo rinvio a giudizio nei confronti di un pastore siciliano restio all’uso del sapone e solito a fare sesso con la moglie appena rientrato dal pascolo delle pecore, senza provvedere a farsi almeno una rapida toeletta preliminare».Notícia aqui.