Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Blogs jurídicos

Os leitores terão notado que na lateral deste blog consta a menção a outros blogs de natureza jurídica ou que tratam de assuntos com isso aparentados, nomeadamente os que se referem à área criminal. No caso de haver qualquer omissão relevante agradeço que mo façam saber. Oportunamente sistematizarei as ligações a sites. Tudo no âmbito de um esforço de renovação e de continuidade. Obrigado a quantos, sobretudo aos que tiveram a paciência de esperar durante este tempo de sonolência do Patologia Social. Ao termos retomado vimos quantos blogs ficaram pelo caminho e estão hoje adormecidos. O que é pena.

Um Outono estranho

Amanhã começa um novo ciclo. Para quem trabalha nos tribunais a esperança inerente ao recomeço ocorre em Setembro e no primeiro de Janeiro. E, afinal, todos os dias. 
Vamos para um Outono estranho.
Temos uma nova ministra da Justiça mas não sabemos o que vai suceder de novo na Justiça.
Temos leis de quem se disse o pior possível meses a fio mas que continuam a vigorar, intocáveis.
Acossado o País pela questão financeira a única questão que parece preocupar o espaço mediático - para além dos escândalos inerentes às figuras públicas que quase já nem escandalizam ninguém e a violência feroz que corrói a sociedade, as escolas e as famílias - é o quanto custa e continua a custar o "Campus da Justiça" e as dívidas que os tribunais deveriam cobrar em nome da "troika".
O debate reformista recolheu pendões. Os que entoavam clamores quanto à necessidade da reforma do "sistema" na sua globalidade, estão mudos.
Há talvez um ambiente de contenção nascido da falta de meios.
Apenas a lógica securitária - filha do medo - se faz ouvir. Agora no sentido de que também as "secretas" deviam fazer escutas telefónicas. Mesmo quando se assiste ao corropio entre quem ontem era secreto e hoje é privado. Um destes dias alguém me disse que em Portugal havia 54 polícias. Fora os candidatos, imagino eu.
Actualmente liberais só na economia. Um vento autoritário sopra sobre a sociedade jurídica, ante o desregramento da vida social.

O contraditório, essa formalidade

Um destes dias explicava a um leigo a importância do princípio do contraditório no processo penal como tradutora de uma regra de civilidade e de respeito pelo outro. Vi-o hoje louvavelmente expresso num dos últimos acórdãos que a Relação de Lisboa proferiu antes das férias judiciais. Vou citar-lhe o sumário. [Foi proferido no processo n.º 2914/10.0TXLSB, relator João Lee Ferreira]:

«I. A particular relevância da decisão judicial de revogação do regime de cumprimento em dias livres da pena de prisão aplicada ao arguido e as previsíveis consequências dessa apreciação de incumprimento, impõe uma interpretação normativa do artº 125º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que pressuponha, necessariamente, a participação eficaz, directa e presencial do condenado.
«II. Nessa medida, torna-se indispensável que ao condenado e defensor seja facultada a possibilidade de exposição dos argumentos e de comprovação dos motivos de eventual justificação de faltas, em diligência presencia perante o juiz do Tribunal de Execução das Penas (cfr. artº176º, aplicável ex vi do artº234º do CEPMPL)
«III. No caso, esse direito à audiência foi preterido atendendo a que, antes da prolação da decisão, não se deu possibilidade ao defensor de apresentar os meios de defesa, nem se viabilizou a realização de uma audição presencial do condenado. A preterição do mencionado direito à audiência integra a nulidade insanável prevista no artº 119º, al.c) do CPP».

Ante a minha explicação sobre o essencial do contraditório e da audiência prévia dos arguidos em relação às decisões que lhe dizem respeito e o afectam, o meu interlocutor, leigo nas coisas do Direito, atirou-me com esta que deixa uma pessoa de rastos: «mas que interessa que o juiz tenha de ouvir o arguido se depois decide como quiser? Não é uma perda de tempo?». Com cidadãos destes, a Constituição é puro papel de embrulho: são um perigo permanente para as liberdades públicas.


A Justiça a pulso

O economicismo entrou, enfim, na agenda da Justiça. A imprensa obtém de fonte oficial que «actualmente estão activadas 582 pulseiras (Vigilância Electrónica) e o custo de cada uma é de 17,20 euros por dia, muito mais barato do que o custo médio diário de um recluso no sistema prisional, que ronda os 50 euros, segundo os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça à Agência Lusa». Ou seja, de acordo com a mesma fonte «cada um dos 582 arguidos com pulseira electrónica, instrumento que pode substituir as penas de prisão até dois anos ou a prisão preventiva, custa ao Estado menos 33 euros por dia do que um recluso numa cadeia».
É o sinal dos tempos: o liberalismo punitivo vai entrar nas mentalidades por via do liberalismo económico. A lógica é antiga: em tempo de guerra não se gastam balas em fuzilamentos, por que com o enforcamento a corda sai mais barata.

À espera de Godot...


QUANDO É QUE ACONTECE QUALQUER COISA VINDA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA?

O que não tem remédio...

Leio no Cum Grano Salis este sumário de um acórdão do STJ sobre o recurso extraordinário de revisão de sentenças: «(...) XI – Nas palavras do Ac. do STJ de 20-04-2005, publicado na CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no art. 449.º do CPP, apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo (...)».
Leio e lembro-me de uma história vivida: o preso alertou que o prazo da prisão preventiva estava esgotado. O processo corria na Relação. Cauteloso o Advogado ainda deixou passar uns dias. Interpôs o recurso de "habeas corpus". Entrado este, umas horas depois - sim, umas horas depois! - a Relação onde o processo corria decretou a excepcional complexidade do caso! Que nunca a tivera! Complexidade que, assim decretada, legitimava a posteriori a prorrogação do prazo da prisão preventiva. Um «expediente» lhe chamou o Advogado entre o irado e o ofendido, vociferando em requerimento. 
Querem saber como acabou a história? Eu conto: conhecendo o "habeas corpus", o STJ decretou que este, pois que é um mero remédio visa curar de situações em que se justifique uma tal providência. E - continuou - é certo que à data em que o "habeas corpus" entrou o preso estava ilegalmente preso, mas agora, pois que o processo era excepcionalmente complexo, já estava tudo legal, justo, perfeito e o "habeas corpus" não tinha razão de ser! Pelo que - já agora - se condenou o [idiota] do requerente numas unidades de conta pelo trabalho que deu!
Leio isto pois e fico a cismar no sangue, suor e lágrimas que explodem no campo de batalha pelo Direito e pela Justiça!
P.S. Esta jurisprudência assenta no chamado "princípio da actualidade". Um nome interessante.

Nem morto!

Pressupondo e por isso esperando e rezando aos santinhos da minha devoção para que não surja doença e a surgir que seja limite e de surpresa, eis-me a trabalhar, porque para além dos prazos que correm em férias, há aqueles outros que nada faz parar. É que, depois de ter lido isto num Acórdão da Relação do Porto, que vem publicado aqui, o que passo a citar, senti súbitas melhoras, que isto de ser advogado dá cá umas resistências que não há bacilo, bactéria, vírus ou pandemia que vire! Eis a prosa jurisprudencial, generosa, compreensiva:

«As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento».

O racionalmente justificável

Quando comecei a minha vida profissional havia o hábito - de duvidoso gosto e equívoco propósito - de as leiloeiras espalharem pelas secretarias judiciais e até pelos gabinetes dos juízes calendários e outros "regalos" que tinham o condão de imaginar uma justiça em dia e sobretudo lembrar o nome da empresa obsequiante. 
O que talvez fosse hoje interessante era espalhar pelos tribunais, talvez como poster a afixar nas paredes, espécie de lembrete perpétuo, o seguinte excerto de um Acórdão do STJ de 17.01.11 [relator Armindo Monteiro] que o blog Cum Grano Salis - em boa hora agora retomando vigor - editou, aqui:

«1 - O exame probatório traduz-se na análise em globo das provas, a respectiva crítica, a forma de inteligenciar, intuir, racionalizar e conceber, para formular, a final, um juízo definitivo, na meta de um processo justo, que assegure todos os direitos de defesa, como vem proclamado pelo art.º 32.º, n.º 1, da CRP.
2 - A motivação das decisões judiciais é um autêntico momento de verdade do perfil do juiz, que deve situar-se à margem de qualquer blindagem, no dizer de Perfecto Andrés Ibañez, in Jueces y Ponderacion Argumentativa, pág. 73.
3 - A fundamentação decisória, nos termos do art.º 374.º, n.º 2, do CPP, está desenhada na lei para, pelo enunciar os pontos de facto provados e não provados, como de uma súmula dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o julgador explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão, excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se unicamente no âmbito do racionalmente justificável»

Intercepções e processo penal

Não são apenas as escutas telefónicas, mas as intromissões nos faxes, no correio electrónico. A violação da privacidade das comunicações - mesmo dos advogados - passou a ser forma fácil de investigação. O que está defendido pela porta blindada do segredo profissional tem acesso pela janela da intercepção. Tem, pois interesse esta obra de Rita Castanheira Neves, de que se cita o texto de apresentação, editada pela Coimbra Editora:

«Esta obra tem como mote traçar a natureza e o regime jurídico das intercepções no correio electrónico enquanto meio de obtenção de prova em processo penal. A confusa e conceptualmente desvirtuada redacção conferida ao artigo 189.º do Código de Processo Penal encontra se, assim, na pretensão original de explorar e ultrapassar as dificuldades prático jurídicas sentidas pelo intérprete da norma, bem como de assimilar e sistematizar os abusos na intromissão da privacidade e a violação do segredo das comunicações que a mesma permite. Para alcançar tal compreensão, faz-se uma primeira aproximação ao âmbito das comunicações electrónicas no direito processual penal, convocando, para o efeito, os desígnios constitucionais que se projectam como garantia da privacidade, ínsita a qualquer comunicação privada, bem como da palavra, da salvaguarda da inviolabilidade das comunicações e da autodeterminação informacional, de modo a aferir do alcance de cada uma das esferas de protecção implicadas».

More geometrico

Paulo Ferreira da Cunha é um daqueles pensadores de que nunca se aproveitou o suficiente, pela invulgaridade, o atípico, o surpreendente modo de ver. Guardo os primeiros livros e o remorso de ter lido pouco. Esta noite li-o no "As Artes entre as Letras", um jornal cultural que se edita no Porto e de que é colaborador. Escrevia, tristonho, sobre o abaixamento do nível universitário, a «infatilização da Universidade», a «liofilização dos cursos». E de passagem aludia aos «burocratas da coacção», e pela palavra fui transportado ao mundo daqueles para quem o Direito é uma técnica e a Justiça um reflexo condicionado, quantos fruto dos que tornaram aquele Ciência para que não pudesse ser Arte, formação profissional para não ser Universidade e geraram esta tão desapegada como inumana Justiça.
O rancor enfrenta o ódio que se defende como se comoção apenas fosse e revolta. A uma aritmética ilusória que os manuais ensinam segue-se uma álgebra de incógnitas que é a equação em que se torna o acto de julgar. 
É um mundo em que os sentimentos só entram quando silenciosos e encontram, more geometrico um lugar possível, diminuto. Morto o homem fica a função. Objectivada. Ilusoriamente racional. É um mundo em que o riso e as lágrimas valem como sintoma, raramente como pretexto, por vezes como argumento.