Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Responsabilidade do Estado

A Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa vai realizar, no dia 19 de Outubro, uma conferência sobre o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas. Mais informações aqui.

Cooperação judiciária e policial na área penal

A cooperação entre as autoridades judiciárias e polícias na área do intercâmbio de informação reforça-se. De acordo com um relatório que pode ser lido aqui:

«Co-operation between the police and judicial authorities of the EU’s Member States has increased significantly in the last decade. This analysis looks at three recent developments and finds a number of issues of major concern.

The European Criminal Records Information System

The ECRIS is intended to permit the exchange of information extracted from criminal records between Member States’ judicial authorities. The primary intention is to ensure that individual’s prior convictions can be taken into account if they face new criminal proceedings in a different Member State.

However, the desire for a swift and systematic exchange of information has led to the development of a highly problematic system. It is marked by serious gaps in data protection, a reliance on potentially untrustworthy automated translation, and a significant lack of oversight.

The European Police Records Index System

The legislation to establish EPRIS is currently being developed by Council Working Parties and Europol. It is intended to provide national police forces with the ability to search each others’ databases, to find out if and where information and “intelligence” (hard and “soft”) on individuals can be found. The insistence of the Commission and a small group of Member States for its development has been already been questioned, partly due to concerns for the potential establishment of an EU-wide police database. Greater scrutiny of this measure is urgent.

The Information Exchange Platform for Law Enforcement Authorities (IXP)

The IXP is the most recent of the three developments, and proposes to centralise access to all the EU’s law enforcement information exchange instruments. Its development is still in the early stages, but a suggestion to extend access to the European Union’s bureaucracies - including to a number of Directorate-Generals of the European Commission, and the General Secretariat of the Council – would breach the “separation of powers” between the lawmakers and the law enforcement agencies (whose job is to implement the law).  As with the EPRIS, greater knowledge and scrutiny of the proposed system is vital»

Blogs jurídicos

Os leitores terão notado que na lateral deste blog consta a menção a outros blogs de natureza jurídica ou que tratam de assuntos com isso aparentados, nomeadamente os que se referem à área criminal. No caso de haver qualquer omissão relevante agradeço que mo façam saber. Oportunamente sistematizarei as ligações a sites. Tudo no âmbito de um esforço de renovação e de continuidade. Obrigado a quantos, sobretudo aos que tiveram a paciência de esperar durante este tempo de sonolência do Patologia Social. Ao termos retomado vimos quantos blogs ficaram pelo caminho e estão hoje adormecidos. O que é pena.

Um Outono estranho

Amanhã começa um novo ciclo. Para quem trabalha nos tribunais a esperança inerente ao recomeço ocorre em Setembro e no primeiro de Janeiro. E, afinal, todos os dias. 
Vamos para um Outono estranho.
Temos uma nova ministra da Justiça mas não sabemos o que vai suceder de novo na Justiça.
Temos leis de quem se disse o pior possível meses a fio mas que continuam a vigorar, intocáveis.
Acossado o País pela questão financeira a única questão que parece preocupar o espaço mediático - para além dos escândalos inerentes às figuras públicas que quase já nem escandalizam ninguém e a violência feroz que corrói a sociedade, as escolas e as famílias - é o quanto custa e continua a custar o "Campus da Justiça" e as dívidas que os tribunais deveriam cobrar em nome da "troika".
O debate reformista recolheu pendões. Os que entoavam clamores quanto à necessidade da reforma do "sistema" na sua globalidade, estão mudos.
Há talvez um ambiente de contenção nascido da falta de meios.
Apenas a lógica securitária - filha do medo - se faz ouvir. Agora no sentido de que também as "secretas" deviam fazer escutas telefónicas. Mesmo quando se assiste ao corropio entre quem ontem era secreto e hoje é privado. Um destes dias alguém me disse que em Portugal havia 54 polícias. Fora os candidatos, imagino eu.
Actualmente liberais só na economia. Um vento autoritário sopra sobre a sociedade jurídica, ante o desregramento da vida social.

O contraditório, essa formalidade

Um destes dias explicava a um leigo a importância do princípio do contraditório no processo penal como tradutora de uma regra de civilidade e de respeito pelo outro. Vi-o hoje louvavelmente expresso num dos últimos acórdãos que a Relação de Lisboa proferiu antes das férias judiciais. Vou citar-lhe o sumário. [Foi proferido no processo n.º 2914/10.0TXLSB, relator João Lee Ferreira]:

«I. A particular relevância da decisão judicial de revogação do regime de cumprimento em dias livres da pena de prisão aplicada ao arguido e as previsíveis consequências dessa apreciação de incumprimento, impõe uma interpretação normativa do artº 125º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que pressuponha, necessariamente, a participação eficaz, directa e presencial do condenado.
«II. Nessa medida, torna-se indispensável que ao condenado e defensor seja facultada a possibilidade de exposição dos argumentos e de comprovação dos motivos de eventual justificação de faltas, em diligência presencia perante o juiz do Tribunal de Execução das Penas (cfr. artº176º, aplicável ex vi do artº234º do CEPMPL)
«III. No caso, esse direito à audiência foi preterido atendendo a que, antes da prolação da decisão, não se deu possibilidade ao defensor de apresentar os meios de defesa, nem se viabilizou a realização de uma audição presencial do condenado. A preterição do mencionado direito à audiência integra a nulidade insanável prevista no artº 119º, al.c) do CPP».

Ante a minha explicação sobre o essencial do contraditório e da audiência prévia dos arguidos em relação às decisões que lhe dizem respeito e o afectam, o meu interlocutor, leigo nas coisas do Direito, atirou-me com esta que deixa uma pessoa de rastos: «mas que interessa que o juiz tenha de ouvir o arguido se depois decide como quiser? Não é uma perda de tempo?». Com cidadãos destes, a Constituição é puro papel de embrulho: são um perigo permanente para as liberdades públicas.


A Justiça a pulso

O economicismo entrou, enfim, na agenda da Justiça. A imprensa obtém de fonte oficial que «actualmente estão activadas 582 pulseiras (Vigilância Electrónica) e o custo de cada uma é de 17,20 euros por dia, muito mais barato do que o custo médio diário de um recluso no sistema prisional, que ronda os 50 euros, segundo os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça à Agência Lusa». Ou seja, de acordo com a mesma fonte «cada um dos 582 arguidos com pulseira electrónica, instrumento que pode substituir as penas de prisão até dois anos ou a prisão preventiva, custa ao Estado menos 33 euros por dia do que um recluso numa cadeia».
É o sinal dos tempos: o liberalismo punitivo vai entrar nas mentalidades por via do liberalismo económico. A lógica é antiga: em tempo de guerra não se gastam balas em fuzilamentos, por que com o enforcamento a corda sai mais barata.

À espera de Godot...


QUANDO É QUE ACONTECE QUALQUER COISA VINDA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA?

O que não tem remédio...

Leio no Cum Grano Salis este sumário de um acórdão do STJ sobre o recurso extraordinário de revisão de sentenças: «(...) XI – Nas palavras do Ac. do STJ de 20-04-2005, publicado na CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no art. 449.º do CPP, apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo (...)».
Leio e lembro-me de uma história vivida: o preso alertou que o prazo da prisão preventiva estava esgotado. O processo corria na Relação. Cauteloso o Advogado ainda deixou passar uns dias. Interpôs o recurso de "habeas corpus". Entrado este, umas horas depois - sim, umas horas depois! - a Relação onde o processo corria decretou a excepcional complexidade do caso! Que nunca a tivera! Complexidade que, assim decretada, legitimava a posteriori a prorrogação do prazo da prisão preventiva. Um «expediente» lhe chamou o Advogado entre o irado e o ofendido, vociferando em requerimento. 
Querem saber como acabou a história? Eu conto: conhecendo o "habeas corpus", o STJ decretou que este, pois que é um mero remédio visa curar de situações em que se justifique uma tal providência. E - continuou - é certo que à data em que o "habeas corpus" entrou o preso estava ilegalmente preso, mas agora, pois que o processo era excepcionalmente complexo, já estava tudo legal, justo, perfeito e o "habeas corpus" não tinha razão de ser! Pelo que - já agora - se condenou o [idiota] do requerente numas unidades de conta pelo trabalho que deu!
Leio isto pois e fico a cismar no sangue, suor e lágrimas que explodem no campo de batalha pelo Direito e pela Justiça!
P.S. Esta jurisprudência assenta no chamado "princípio da actualidade". Um nome interessante.

Nem morto!

Pressupondo e por isso esperando e rezando aos santinhos da minha devoção para que não surja doença e a surgir que seja limite e de surpresa, eis-me a trabalhar, porque para além dos prazos que correm em férias, há aqueles outros que nada faz parar. É que, depois de ter lido isto num Acórdão da Relação do Porto, que vem publicado aqui, o que passo a citar, senti súbitas melhoras, que isto de ser advogado dá cá umas resistências que não há bacilo, bactéria, vírus ou pandemia que vire! Eis a prosa jurisprudencial, generosa, compreensiva:

«As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento».

O racionalmente justificável

Quando comecei a minha vida profissional havia o hábito - de duvidoso gosto e equívoco propósito - de as leiloeiras espalharem pelas secretarias judiciais e até pelos gabinetes dos juízes calendários e outros "regalos" que tinham o condão de imaginar uma justiça em dia e sobretudo lembrar o nome da empresa obsequiante. 
O que talvez fosse hoje interessante era espalhar pelos tribunais, talvez como poster a afixar nas paredes, espécie de lembrete perpétuo, o seguinte excerto de um Acórdão do STJ de 17.01.11 [relator Armindo Monteiro] que o blog Cum Grano Salis - em boa hora agora retomando vigor - editou, aqui:

«1 - O exame probatório traduz-se na análise em globo das provas, a respectiva crítica, a forma de inteligenciar, intuir, racionalizar e conceber, para formular, a final, um juízo definitivo, na meta de um processo justo, que assegure todos os direitos de defesa, como vem proclamado pelo art.º 32.º, n.º 1, da CRP.
2 - A motivação das decisões judiciais é um autêntico momento de verdade do perfil do juiz, que deve situar-se à margem de qualquer blindagem, no dizer de Perfecto Andrés Ibañez, in Jueces y Ponderacion Argumentativa, pág. 73.
3 - A fundamentação decisória, nos termos do art.º 374.º, n.º 2, do CPP, está desenhada na lei para, pelo enunciar os pontos de facto provados e não provados, como de uma súmula dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o julgador explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão, excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se unicamente no âmbito do racionalmente justificável»

Intercepções e processo penal

Não são apenas as escutas telefónicas, mas as intromissões nos faxes, no correio electrónico. A violação da privacidade das comunicações - mesmo dos advogados - passou a ser forma fácil de investigação. O que está defendido pela porta blindada do segredo profissional tem acesso pela janela da intercepção. Tem, pois interesse esta obra de Rita Castanheira Neves, de que se cita o texto de apresentação, editada pela Coimbra Editora:

«Esta obra tem como mote traçar a natureza e o regime jurídico das intercepções no correio electrónico enquanto meio de obtenção de prova em processo penal. A confusa e conceptualmente desvirtuada redacção conferida ao artigo 189.º do Código de Processo Penal encontra se, assim, na pretensão original de explorar e ultrapassar as dificuldades prático jurídicas sentidas pelo intérprete da norma, bem como de assimilar e sistematizar os abusos na intromissão da privacidade e a violação do segredo das comunicações que a mesma permite. Para alcançar tal compreensão, faz-se uma primeira aproximação ao âmbito das comunicações electrónicas no direito processual penal, convocando, para o efeito, os desígnios constitucionais que se projectam como garantia da privacidade, ínsita a qualquer comunicação privada, bem como da palavra, da salvaguarda da inviolabilidade das comunicações e da autodeterminação informacional, de modo a aferir do alcance de cada uma das esferas de protecção implicadas».

More geometrico

Paulo Ferreira da Cunha é um daqueles pensadores de que nunca se aproveitou o suficiente, pela invulgaridade, o atípico, o surpreendente modo de ver. Guardo os primeiros livros e o remorso de ter lido pouco. Esta noite li-o no "As Artes entre as Letras", um jornal cultural que se edita no Porto e de que é colaborador. Escrevia, tristonho, sobre o abaixamento do nível universitário, a «infatilização da Universidade», a «liofilização dos cursos». E de passagem aludia aos «burocratas da coacção», e pela palavra fui transportado ao mundo daqueles para quem o Direito é uma técnica e a Justiça um reflexo condicionado, quantos fruto dos que tornaram aquele Ciência para que não pudesse ser Arte, formação profissional para não ser Universidade e geraram esta tão desapegada como inumana Justiça.
O rancor enfrenta o ódio que se defende como se comoção apenas fosse e revolta. A uma aritmética ilusória que os manuais ensinam segue-se uma álgebra de incógnitas que é a equação em que se torna o acto de julgar. 
É um mundo em que os sentimentos só entram quando silenciosos e encontram, more geometrico um lugar possível, diminuto. Morto o homem fica a função. Objectivada. Ilusoriamente racional. É um mundo em que o riso e as lágrimas valem como sintoma, raramente como pretexto, por vezes como argumento.

No pasa nada...

A ideia de que num Estado de Direito o Estado altera a sociedade através de leis, demonstra que na Justiça «no pasa nada». É que a folha oficial continua lacónica, sem nenhum diploma legal relevante, como se nada acontecesse e falo não só na área da Justiça. O Governo parece governar através da Administração Pública, ou seja gerir.
Claro que, ante a profusão legislativa com que governos antecedentes nos habituaram, em que tanto se legislava nada mudando, é caso para dizer «para tanto mal já basta assim».
Os que se movem nas esferas do poder dizem que «a senhora ministra está a pensar e a estudar». Admitamos que sim. E que há muito para estudar. 
Oxalá quando estiver tudo pensado a situação ainda esteja resolúvel. E não apenas no que releva para o contrato que firmámos com a "troika", porque há mais Portugal para além da dívida.

Anonimato de menores

Onde está na lei o direito dos menores ao anonimato nos processos penais? Uma coisa é certa: em Inglaterra os que forem levados a tribunal por causa dos recentes distúrbios perdem o direito à privacidade de que gozam naquele País. Lê-se aqui.
A protecção visa prevenir os efeitos estigmatizantes sobre os jovens delinquentes. 
É claro uma tutela que tem de ser compatibilizada com outras. O que é questionável é o argumento em prol da excepção: convencer o público de que uma abordagem mais dura a essa inesperada criminalidade de rua está em curso. 
Ou a prevenção geral, em caso de aflição, suplanta tudo ou aqueles "menores" perderam, com a sua conduta, a possibilidade de o serem.

A grande evasão: um filme de aventura

O princípio da oportunidade acusatória - pelo qual o Ministério Público escolhe aquilo que quer acusar e negoceia aquilo que quer resolver por acordo - tem traduções várias mesmo nos países que não o aceitam como regra. Nos crimes em que estão em causa incidências patrimoniais há atenção de aplicar o princípio «cuidar a dentada do cão com o pêlo do próprio cão» e fazer o infractor pagar com o que ganhou, lucrando zero, e carregá-lo, adicionalmente, com multas e indemnizações que o fazem arrepender-se de ter prevaricado e dissuadem outros de lhe seguir o exemplo. É a máxima chinesa, onde está a doença está a cura.
Em Portugal, segundo certas mentalidades, porém, a "cultura" reinante é a da hipertrofia do Estado, os valores públicos como se sagrados, os crimes contra o Estado como se de lesa-majestade fossem, os crimes fiscais como se atentados aos pilares e fundamentos da sociedade pudessem ser. 
A verdade jurisprudencial corrente é, sabemo-lo, outra, e aí estão os acórdãos a mostrá-lo quanto às penas efectivas aplicáveis e sobretudo as suspensões processuais mediante injunção de pagamento fiscal - do imposto devido e exigível e mesmo do tributo caducado, tudo amalgado segundo um princípio do «aproveitar agora que o contribuinte está sitiado» - a mostrar como é.
Vem isto a propósito de ter lido isto, aqui:
«Credit Suisse Group AG (CSGN), the Swiss bank facing possible U.S. indictment for aiding tax evasion, will likely settle with prosecutors by admitting wrongdoing and paying a penalty that may exceed $1 billion, tax lawyers said. Credit Suisse, the second-largest Swiss bank, has too much to lose by fighting the Justice Department and risking indictment, said lawyers not involved in the case. Prosecutors told the bank last month that it’s a target of a probe into its former cross-border banking services to U.S. customers. The lawyers expect Credit Suisse to reach an agreement like that of UBS AG (UBSN), which was charged in 2009 with aiding tax evasion by U.S. clients. UBS avoided prosecution by paying $780 million, admitting it fostered tax evasion, and giving the U.S. Internal Revenue Service data on more than 250 accounts. It later turned over data on another 4,450 accounts»

Estuprador, o marido "puzzolente"

Nove anos de reclusão, que a Cassação reduziu para dois, a pena aplicada a um pastor que forçava a mulher a sujeitar-se a relações sexuais contra vontade. O motivo de recusa era que o próprio não cuidava do mínimo de higiene corporal e os actos eram praticados no próprio local onde ele exercia pastorícia. Crime: estupro.
Citando: «Commette violenza sessuale il marito "puzzolente" che impone alla moglie rapporti sessuali senza rispettare la richiesta della donna di farsi prima una bella doccia. È questo il punto di vista della Cassazione (sentenza 30364/11) che ha chiesto ed ottenuto il nuovo rinvio a giudizio nei confronti di un pastore siciliano restio all’uso del sapone e solito a fare sesso con la moglie appena rientrato dal pascolo delle pecore, senza provvedere a farsi almeno una rapida toeletta preliminare».Notícia aqui.

A teoria do conflito irreal

Eu sei, por ter tentado aprender e ter tentado ensinar que o problema do concurso de crimes e de normas é dos mais intrincados do Direito Penal. É verdade. Mas a tentativa de mostrar que o concurso aparente não traduz um conflito real pode dar azo a um momento irreal. Se o Direito e seus problemas fossem assim tão simples e tudo fosse apenas um modo de dizer por outras palavras!
É bom estar em férias e poder sorrir...

O menor denominador comum

Vistas com mais minúcia, decomposto o raciocínio que lhes está subjacente, muitas decisões jurisprudenciais e quanta literatura jurídica - aquilo a que [de novo a recorrência teológica] se chama "doutrina" - são manifestações puras de voluntarismo infundamentado e autoridade não convincente. As excepções notam-se.
Voluntarismo, porque afirmam e decidem, dizendo que ante o problema é esta a solução, sem que, primeiro, problematizando a questão, verifiquem da sua correcta configuração, e depois se ocupem da adequação do modo de enunciar os problemas que cabe resolver. São diktats emanados de quem sente poder sem ter interiorizado que há, em anterioridade a esse poder, o dever. E no caso o dever é o de convencer. E na Justiça o convencimento do outro só pode resultar da força do eu. De outro modo um qualquer maquinismo faria as vezes, fazendo de conta. Ora não há convencimento sem fundamentação. E não há fundamentação sem argumentação em que o ser de quem decide se jogue todo, na plenitude do seu intelecto e do seu afecto pela vida, no acto de ter decidido. De outro modo entre um copista e um amanuense a coisa resolver-se-ia.
E aqui entra a questão da autoridade: o fundamento do decidido passou a ser, em cada vez mais vezes, o previamente pensado por outrem. É a lógica da citação, com o seu caudal de fórmulas tão ocas quanto seguidistas do estilo do «na esteira de», ou o «conforme já doutamente» e quejandas, quantas vezes mais não sendo do que a abdicação do pensar o pensado. A ideia inqualificável da «jurisprudência maioritária» ou da «doutrina dominante» passou a entrar nas formas de fundamentação jurídica, como se na interpretação da norma a questão fosse a votos, triunfando quem mais espingardas tivesse do seu lado, ainda que irrazoáveis, o triunfo da força sobre a razão! E, no entanto, se mais vezes se voltasse sobre os mesmos passos, menos vezes se percorreriam caminhos erróneos.
Claro que há em tudo isto equívocos, aporias,  incertezas.
Logo uma que decorre de se dar como igual o que nem sempre é sequer idêntico. Os que se viciaram na erudição jurídica comparatista nem se perguntam, quantas vezes na exibição de leituras que traduzem nos seus escritos, se o que imputam a certo e quantas vezes ignoto autor [germânico de preferência] tem sustentação em igual norma, igual sistema, igual contexto, em suma, igual ordenamento. Vale o mesmo para quantos em "copy paste" que a informática hoje permite, transcrevem como adequado, por ser o mesmo exemplo, o que, pensado em função do caso, se mostraria exemplarmente impertinente.
Mas não só. Logo outra fragilidade existe ao supor-se que a segurança jurídica impõe que o já decidido decidido esteja e que essa lógica do caso julgado passe dos factos para o Direito, abrindo a porta - por comodidade claro e celeridade - às decisões sumárias por semelhança, injustas até, mas despachadas.
Há em tudo isto uma falha grave, imposta por uma deficiência séria.
A falha grave é que à individualização humana do caso e à interiorização mental do problema - a primeira por respeito à dignidade de quem é julgado a segunda por respeito à dignidade de quem julga - segue-se hoje em dia uma lógica de massificação, nivelamento e padronização que torna toda a riqueza da vida sub iudice em categorias redutíveis ao menor denominador comum. A justiça do caso passou a ser uma espécie de atendimento personalizado para uns poucos, tudo o mais enfileirado na mesma lógica com que se resolvem as filas de espera no Serviço Nacional de Saúde. A pergunta se é possível fazer-se melhor.
A deficiência séria é que, se não fosse assim, o sistema funcional incumbido de julgar soçobraria ante a massa crítica de casos no qual se move. E não é só a quantidade de vida que se reduz à quantidade de processos e a quantidade de decisões a que se reduz a tarefa do sistema e avaliação de quem o serve. À tirania da estatística irmana-se a tirania da forma. A processualite passou a ser uma patologia grave dos fígados do sistema jurídico. Um destes dias se falará aqui disso mesmo.


O labirinto da perplexidade

Talvez tenha sido uma manifestação do kantismo filosófico que expulsou do Código Civil de Seabra o homem - e só ele poderia ser sujeito de direitos e obrigações - e esse acto de homízio que abriu as portas para a entrada em cena daquela inumana personagem que dá por nome de "sujeito", a qual, ao lado do "facto", do "objecto" e da "garantia", e com eles igualado como se coisa idêntica e de igual peso, integra, já sem corpo nem cheiro, os elementos essenciais da chamada "relação jurídica".
Seja qual for o pensamento que ditou tal mudança, certo é que, nesse genocídio construtivista radicou a génese de um Direito tecnicamente estruturado na dispensabilidade do humano. Faltava o resto: a ilusão de que o jurídico é ciência e não Arte e com ela a construção de sistemáticas lógico-dedutivos auto-apelidados, em recorrência vocabular teológica, de dogmática. A caucionar como se teoria fosse o que não escapa a ser uma retórica legitimada.
Parecem e talvez o sejam, migalhas insignificantes estas matutinas reflexões minhas. Mas marcam um caminho mental feito de labirintos em que a vida se perdeu, entre caminhadas pelo real da experiência sofrida e excursões pelo ideal da literatura estudada.
De uma coisa estou certo. Entre a massificação da litigação em que o Direito se torna regulamento diário para ainda poder ser norma e as exemplaridades mediáticas em que se torna casuística para tentar ser moral, a Justiça, ante o cilindro compressor do seu quotidiano funcional, deixou de ter tempo para tragédias existenciais. E são essas que povoam, como sombras de remorsos, os seus corredores, corroem de aflição as folhas áridas dos seus processos e gritam nas entrelinhas da linguagem formulária do processado.
Feito função, tornado técnica, imaginada engenharia para a erradicação de patologias da sociedade, o Direito perdeu no seu horizonte diário o concreto humano e a pessoa que o habita e passou a desembaraçar-se da multidão de indivíduos e sua cidadania. É luxo, excepção e favor o aprimoramento e o adensamento, pois não há tempo. 
E, no entanto, quantos tratados de douta e ramificada reflexão se não escrevem sobre um maiúsculo Direito fantasiado pelas cátedras como problematicidade cósmica, quando a vida, no formigueiro da sua nevrose, o tem de admitir como pura questão a resolver no acto do dia, passando-se adiante para o dia seguinte.
Lembrei-me disto ao ter visto romperem lágrimas num acto processual. E ante a sua irrelevância, surgiu, inexorável e por todos consentida, a continuação do que haveria para fazer, como num doloroso acto de dentista ou no pesaroso ritual funerário. Mas já sem dor, diga-se, porque nos tornámos profissionais da forma para que seja ela o resultado que substitua o conteúdo. E eis aqui uma outra porta para o labirinto da perplexidade. Voltarei. A desumanização surge quando não há lugar já para o homem por não haver tempo para o humano. A existência passou a ser uma estatística, a plenitude uma probabilidade.

Impunidade absoluta

Antes de ser norma o Direito é programa e antes de ser programa deveria ser ideia. Supondo-se segurança o Direito terá de provir de ideias seguras. Claro que sendo fruto da política, o Direito acaba por estar sujeito a ideias que os eleitores aceitem, gostando delas. Projectada no espaço mediático a política vive de frases citáveis, tanto melhores quanto mais façam manchete. Em suma, há o risco de o Direito tornar-se a continuação de um editorial por outros meios, as leis parangona jornalística por outra forma.
Lendo o programa do Governo para a área da Justiça - ante o qual manifestei simpatia - vê-se que na área criminal ainda não há ideias totalmente assentes, pois o tom é vago, contrastante sobretudo com o que se passa no domínio das propostas medidas em outras áreas. 
Agora o que é importante é que a titular da pasta da Justiça, cujo pensamento ainda está por descortinar, não se deixe aprisionar por frases redondas que, ao limite, prometem o que não se pode cumprir e acabam por dizer algo para não ter dito nada. 
Li aqui, - e inútil dizerem que o blog é contestável, porque isso os meus também o são e eu leio tudo mesmo aquilo com que não concordo - a capa do jornal onde veio a frase «terminou a impunidade absoluta da corrupção», imputada a Paula Teixeira da Cruz.
Admito que a frase esteja fora do contexto. Que foi um facilitismo jornalístico destinado a puxar pela venda do jornal. Só assim não desanimo. É que se estamos numa de rigor que não se digam ambiguidades.
A corrupção pode ser minimizada, talvez não eliminada. Mesmo que supressão da sua vergonhosa generalização seja possível não é por causa da frase «terminou a impunidade absoluta» que ela acaba ou que acaba a «impunidade absoluta». Só Deus cria pelo Verbo. Ou então o que se quer dizer é que terminou a «impunidade absoluta» vamos entrar no domínio da «impunidade relativa».
Haja pois tento na língua!

Dualidade de jurisdições: fiscal e penal

«( ...) a jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional tem vindo a considerar que não existe sequer uma reserva constitucional absoluta da jurisdição administrativa e tributária, pelo que o legislador não se encontra impedido de cometer a outros tribunais — que não os administrativos e tributários — o conhecimento de questões decorrentes de relações jurídico-administrativas e tributárias, desde que tal não descaracterize o modelo de dualidade de jurisdições». Eis o que foi considerado pelo Tribunal Constitucional em acórdão de 05.05.11 [publicado aqui] segundo o qual «não julga inconstitucional a interpretação conjugada das normas extraídas dos artigos 50.º do Código Penal e 14.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, segundo a qual cabe a um juiz criminal aferir da falta de pagamento de dívidas de natureza fiscal, para efeitos de aplicação da suspensão da execução de pena de prisão por abuso [de confiança] fiscal».

Sentença sem presos por causa do gasóleo

Não acredito no que leio, que razões economicistas há presos não são transportados para ouvir a leitura das sentenças!
Como se a sentença fosse uma burocracia dispensável!
Um sistema que pressupõe a ressocialização de um arguido e funciona na base da sua ausência ao acto mais solene em que a Justiça lhe faz ouvir a suma das suas responsabilidades, fundamentando o porquê, terminando inclusivamente por uma exortação que o convide à vida conforme o Direito, dispensa, como se de um boneco tratasse, o arguido?
Um sistema que obriga o juiz a um trabalho insano de escrita para a sentença, com a minuciosa fundamentação, em que deve consignar o exame crítico da prova a seguir aos factos, o Direito aplicável e o critério da escolha da medida da pena - a haver pena -  funciona bem com um acto que deveria ser destinado a vencer o arguido pertinaz convencendo-o da sua culpa, e abrindo a primeira brecha para a recuperação da sua personalidade desviante, quando é o caso de uma condenação, é lido na sua ausência podendo ele estar presente, pode sentir-se confortável com a sua forçada revelia, o juiz travestido em burocrata escrevente para o vazio?
Um sistema que pressupõe que o arguido compareça todas as vezes que notificado, verga ante a falta de gasóleo dos serviços prisionais, o Poder Judicial ao serviço dos interesses da intendência do Ministério da Justiça?
Mas acaso o arguido é uma figura de segunda, uma mercadoria incómoda, de que a Justiça se vê livre logo que possível, dispensando-o, porque assim é mais barato?
Haja vergonha e sejamos dignos de um Estado de Direito!
Ou então assumamos aquela miséria moral que eu senti na pele quando há muitos anos fui à Relação de Évora para um interrogatório para extradição e fui informado que o senhor Desembargador ouvia os presos na cadeia. «Na cadeia?» perguntei eu, ingenuamente atónito. «Sim, senhor dr. assim já lá ficam», respondeu-me o solícito funcionário.

Programa do Governo para a Justiça

Lê-se e fica uma ideia simpática ante o que se lê. É o programa do Governo para a área da Justiça. Claro que alguns enunciados são abertos e vagos. A simpatia pode surgir daí. Além disso, importa saber quem vai ser incumbido de propôr e se há ou não um controlo político efectivo do que for proposto para que as necessárias mudanças não fiquem ao serviço de interesses particulares ou de grupo. E se haverá um controlo efectivo da aplicação das medidas, sabendo-se que a prática jurisprudencial pode descaracterizar qualquer reforma tornando-a no que não se queria. Veja-se o que se passou em matéria de documentação da prova, de exame da matéria de facto, de declaração da excepcional complexidade, das medidas coactivas.
Enfim, é preciso mudar quando uma das queixas quanto ao sistema é a sua constante mutabilidade, donde a respectiva insegurança. Não é fácil encontrar equilíbrio.
Mas repito com a mesma esperança de quem sabe que este Governo não pode falhar porque se tal suceder falha algo superior e ele próprio, é o País quem falha.

«O sistema de Justiça é um pilar do Estado de Direito e uma das funções de soberania fundamentais do Estado que tem como desígnio primeiro o cidadão, na defesa de direitos, liberdades e garantias e um factor de eficiência da economia, sendo transversal a sua importância na vida política e social.
Importa melhorar a qualidade do Estado de Direito, reforçar a cidadania, dignificar a Justiça e os seus agentes e combater a corrupção, bem como agilizar os sistemas processuais. As reformas a empreender só podem ser levadas à prática com o envolvimento dos órgãos de soberania, dos operadores judiciários e respectivas instituições e da sociedade.
Objectivos estratégicos
- Estabilizar a produção legislativa;
- Sujeitar todas as leis à avaliação das respectivas eficácia e eficiência, princípio que se estende à avaliação dos projectos e das  propostas de lei, impondo-se a prévia  aferição da situação existente e dos custos, resultados previsíveis e interesses afectados pelas reformas a introduzir. A avaliação será levada a cabo no âmbito dos respectivos órgãos de soberania;
- Assegurar  o acesso universal  à Justiça e ao Direito e  garantir  a tutela judicial efectiva dos interesses legítimos dos cidadãos e  dos  agentes económicos, em particular dos grupos mais frágeis da sociedade;

- Os recursos humanos na Justiça abrangem, actualmente, mais de 27  mil pessoas. Em nome da responsabilidade perante estas pessoas e perante toda a comunidade, o Governo estabilizará as suas regras de funcionamento e deixará claro a todos os seus agentes que  uma sociedade democrática e
economicamente dinâmica deve assentar na confiança no sistema judicial;
- Assegurar a independência judicial e a autonomia do Ministério Público, pois a construção do Estado de Direito exige instituições fortes e prestigiadas, com identidade própria, forjada na sua história e na acção. Dar  confiança aos cidadãos no desempenho das magistraturas, profissionalizando e racionalizando, de acordo com as boas práticas internacionais, os critérios e os procedimentos
de gestão judiciária;
- É intenção do Governo restaurar o modelo das “profissões jurídicas”, em que as diferentes profissões  – juízes, de magistrados de Ministério Público, de advogados, de notários, de conservadores, de solicitadores, de funcionários judiciais, de agentes de execução e de outros auxiliares da Justiça – se possam rever, com regras claras, e os cidadãos nelas;
- Assim, as reformas a introduzir serão objecto de participação,  de ampla divulgação e de debate público e transparente. Todos os elementos fundamentais da governação serão publicados:  os  contratos do Ministério, nomeadamente  os  imobiliários,  as  estatísticas da Justiça,  os  orçamentos e  as contas,  os  projectos de reforma legislativa e  os  seus debates, permitindo um
maior escrutínio público;
- O combate à corrupção e aos conflitos de interesses são determinantes para realizar uma sociedade mais justa;
- Aumentar a eficiência, reduzir custos, evitar os desperdícios e centralizar a gestão de equipamentos.
Medidas
- Instituir como prioridade a criação de mecanismos institucionais e processuais de protecção dos direitos de personalidade em casos de urgência. A ausência de mecanismos  - especialmente judiciais  - para tutela urgente dos direitos das pessoas constitui uma lacuna do sistema processual português, para a qual têm chamado a atenção os tribunais e instituições internacionais de protecção dos
direitos do homem;
- Adopção de um Estatuto da Criança que estabeleça a necessária sistematização e coerência entre as disposições do Código Civil, da legislação de menores e da legislação penal e contra-ordenacional. A Justiça dos menores – tal como a dos idosos  – não  supõe apenas instituições administrativas e serviços judiciais adequados;  requer igualmente a existência de  legislação própria, em particular
no que toca ao apoio às associações que prossigam fins de interesse social;
- Actualmente, os cidadãos idosos estão sujeitos a práticas que atentam contra os seus direitos mais elementares.  A revisão do regime das incapacidades previsto no Código Civil (interdição e inabilitação), em especial dos idosos,  terá em consideração  um tratamento específico dos problemas relacionados com o seu modo de vida a que a evolução demográfica obriga, particularmente no que
respeita à preservação da sua autonomia;
- Alteração da Lei Tutelar Educativa;
- A legislação orgânica dos tribunais e a legislação processual devem ser congruentes na definição clara do papel dos Supremos Tribunais de Justiça e Administrativo como tribunais de uniformização da jurisprudência e não, em regra, como instâncias;
- Gerir o  sistema  judicial em função  de objectivos preferencialmente quantificados, círculo a círculo, comarca a comarca e sector a sector, avaliando com regularidade o seu grau de concretização. Esta é uma mudança absolutamente essencial para combater a morosidade judicial;
- Dotar os Tribunais de uma gestão profissional e do necessário apoio técnico;
- A melhoria dos sistemas de informação e de controlo de gestão é um elemento fundamental para aumentar a eficiência, reduzir custos e evitar desperdícios;
- Melhorar o sistema de recrutamento e formação dos magistrados, revitalizando o Centro de Estudos Judiciários como entidade vocacionada para a formação dos diferentes operadores de justiça. O programa de formação deve ter um tronco comum e deve incluir noções básicas sobre o funcionamento da economia, das empresas e de gestão;
- Assegurar a especialização dos operadores judiciários;
- Introduzir a contingentação processual;
- Avaliar as alterações que o regime das custas judiciais tem sofrido nos últimos anos e uniformizar os respectivos regimes;
- Fazer corresponder as novas tecnologias a um princípio de unificação.
- Criação de uma bolsa de juízes de reacção rápida para atrasos crónicos, dos Conselhos respectivos, associada a um mecanismo de alerta informático que permita uma intervenção rápida e eficaz;
- Consagração de normas visando uma limitação acentuada da participação dos magistrados em comissões de serviço fora da judicatura;
- Estabelecer uma verdadeira avaliação do desempenho dos magistrados, a ser levada a cabo pelos Conselhos Superiores;
- Simplificação processual, designadamente com sentenças simplificadas, fazendo com que, em determinado tipo de processos e sem diminuição de garantias, a sentença possa ser elaborada a partir de minuta própria e adequada, previamente elaborada;
- Redução das formas de processo, simplificando o regime e assegurando eficácia e celeridade, apostando, ao mesmo tempo, na desformalização de procedimentos, na oralidade processual e na limitação das questões processuais relevantes, tornando o processo mais eficaz e compreensível pelas partes;
- É crucial alterar o paradigma do processo decisório dos juízes, presentemente chamados a presidir a todos os actos do processo, a proferir todos os despachos, ainda que de mero expediente, a presidir a todas as audiências, o que, na verdade, constitui um ponto de bloqueamento administrativo do sistema
judicial;
- Criação de gabinetes de apoio em cada Juízo ou agrupamento de Juízos, para que os juízes se possam dedicar quase exclusivamente à sua tarefa essencial. Tais gabinetes de apoio serão constituídos maioritariamente por juízes em formação, fazendo parte integrante do seu estágio. O mesmo modelo de funcionamento será aplicado à estrutura do Ministério Público;
- Criar um novo paradigma para a acção declarativa e para a acção executiva. As pendências cíveis têm de ser drasticamente reduzidas e é preciso criar condições para que os processos se concluam em tempo útil e razoável, dando adequada resposta  às expectativas sociais  e económicas  e atacando directamente os pontos de bloqueio do sistema;
- Consagrar novas regras de gestão e tramitação processual;
- Tornar obrigatória a audiência preliminar tendo em vista a fixação, após debate, dos “temas controvertidos segundo as várias soluções plausíveis de direito” e as “questões essenciais de facto carecidas de prova” e programar as diligências de prova em audiência final;
- Conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto;
- Reformar a acção executiva  no sentido da sua extinção sempre que o título seja uma sentença, devendo a decisão judicial ser executada em liquidação de sentença ou tramitar como incidente da acção;
- No caso de existir um título executivo diferente de sentença, deve ser criado um processo abreviado que permita a resolução célere dos processos, sem prejuízo da reponderação das condições de exequibilidade dos documentos particulares  como títulos executivos (mantendo-se o actual regime de
exequibilidade dos títulos de créditos),  que só poderão ter a virtualidade de adquirir força executiva quando for inequívoca a obrigação exequenda e estiverem asseguradas as garantias das pessoas contra execuções injustas;
- O Governo empenhar-se-á na criação das soluções institucionais que facilitem a cobrança de créditos das empresas, indispensáveis à sua sobrevivência;
- Agilizar a execução de sentença no processo administrativo e fiscal e facilitar a citação, permitindo que possa ser feita para a morada constante da base de dados das Finanças;
- Agilizar a actual lei dos processos de insolvência, redefinindo as prioridades dos credores no sentido de decisões rápidas que permitam, sem anular a defesa dos interesses do Estado e dos trabalhadores, contribuir para a aceleração da recuperação económica dos activos;
- Desenvolver a  justiça  arbitral. Nos campos da  justiça civil, comercial, laboral, administrativa e fiscal, o Estado, os cidadãos e as  empresas darão um passo importante se tiverem meios alternativos aos Tribunais, podendo entregar a resolução dos seus litígios aos Tribunais Arbitrais;
- Melhorar a imagem da justiça criminal e garantir os direitos dos cidadãos;
- Revisão do Código Penal e o Código de Processo Penal no sentido de ampliar e efectivar a aplicação do processo sumário quando se trate de detidos em flagrante delito, e ampliar a aplicação de prisão preventiva nos crimes com penas superiores a três anos;
- Para além da tipificação excessiva de crimes, de leis avulsas e do excessivo número de alterações ao Código Penal de 1982, assinala-se ainda o excesso de contra-ordenações e a falta de proporcionalidade interna. Falta um critério geral e simples de justiça material, facilmente entendido pelo cidadão  - designadamente o critério de que a pena pelo ilícito sempre deve ser proporcional à gravidade do acto praticado e ao benefício indevidamente recebido;
- Para além da ausência de critérios de justiça e de proporcionalidade na fixação das penas e das coimas, o excesso de leis penais e contra-ordenacionais tem um resultado perverso na boa organização da vida social;
- Reforço da autonomia e da responsabilização do Ministério Público no exercício da acção penal, cabendo-lhe dirigir toda a investigação num modelo em que o magistrado responsável pela investigação deve assegurar o processo na fase de julgamento;
- Reforma da  instrução como momento processual próprio, anterior ao do julgamento, para verificação do cumprimento dos princípios fundamentais do Estado de Direito;
- Fixação de prazos peremptórios para os inquéritos criminais quando correm contra suspeitos ou arguidos, de modo a impedir o prolongamento por tempo indefinido das investigações, com excepções muito restritivas como os casos de alta criminalidade organizada;
- Reforço do estatuto penal das vítimas, consagrando novos direitos de informação, apoio e intervenção no processo, admitindo a constituição como assistente do Estado, com o consentimento da vítima ou da família;
- Reforço da fiscalização das denominadas saídas precárias e tornar mais rigoroso o regime de concessão de liberdade condicional;
- Assegurar uma justiça de proximidade e a desjudicialização de conflitos.
- O mapa judiciário tem de ser pensado também do ponto de vista dos utentes do sistema de justiça. A qualidade do sistema de justiça  deve ser aferida pelos utentes da justiça e não apenas pelos seus profissionais. Neste contexto, há que recorrer a mecanismos mais flexíveis como a figura dos juízes agregados;
- Apostar num sistema de carreiras planas, permitindo que a evolução na carreira de um magistrado não esteja dependente de um modelo hierárquico nos Tribunais, reforçando a capacidade de resposta do sistema de justiça e permitindo o aproveitamento das melhores  capacidades dos magistrados
experientes nos Tribunais que maiores dificuldades de resposta apresentam;
- Importa ainda tomar em consideração boas práticas e recomendações internacionais, evoluindo para as propostas constantes do Relatório da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça (CEPEJ), onde se inclui a obrigação de informar as partes no início do processo quanto ao tempo previsível de duração daquele caso concreto, após uma avaliação do mesmo no quadro da gestão processual.
- Os julgados de paz, criados em 2001, são tribunais dotados de características de funcionamento e organização próprias e um bom exemplo do que pode ser uma justiça de proximidade. Em todo o caso, decorrida quase uma década desde a sua criação, parece adequado fazer uma avaliação detalhada da sua eficácia prática, e introduzir os ajustamentos que se mostrarem necessários à célere resolução da pequena conflitualidade;
- O Governo deverá reapreciar o regulamento emolumentar dos registos e notariado e do respectivo estatuto, de forma a assegurar a existência e sobrevivência do notariado, salvaguardando as legítimas expectativas entretanto criadas;
- Reforçar o combate à corrupção que está progressivamente a minar a confiança nas instituições e na economia;

- Aperfeiçoar o regime do crime urbanístico;
- Determinar a suspensão do exercício de funções de autarcas, nos termos previstos na Constituição para os Deputados e membros do Governo e consagrar uma nova inelegibilidade para eleições futuras;
- Gerir as estruturas e equipamentos de forma centralizada;
- Limitação de contratação de estudos e pareceres a entidades externas e publicação de todos os gastos em consultadoria;
- Eliminação de sobreposições de serviços;
- A abstenção de alterações processuais profundas subsequentes a reformas e a estabilização do quadro legislativo;
- Monitorização das pendências e afectação  dos meios necessários à resolução das mesmas no âmbito do sistema judicial».

E ainda o coeficiente Z...

Filosofemos com os olhos no real. Um cidadão que não pode prevalecer-se da ignorância da lei e um jurista que é suposto sabê-la abrem a folha oficial - ou já nem abrem porque se alcança pelo ciber-espaço - e são atingidos com isto:

«Cria o tribunal de competência especializada para propriedade intelectual e o tribunal de competência especializada para a concorrência, regulação e supervisão e procede à 15.ª alteração à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, à 4.ª alteração à Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, que aprova o Regime Jurídico da Concorrência, à 5.ª alteração à Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, que aprova a Lei das Comunicações Electrónicas, à 2.ª alteração à Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, à 7.ª alteração à Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Financiamento dos Tribunais Judiciais, à 1.ª alteração à Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro, que aprova o regime quadro das ordenações do sector das comunicações, à 23.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprova o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, à 15.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, que regula as condições de acesso e de exercício da actividade seguradora e resseguradora no território da Comunidade Europeia, ao Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, ao Código de Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, à 2.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio, que estabelece o regime jurídico aplicável aos contratos à distância relativos a serviços financeiros celebrados com consumidores, e à 2.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/92/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Dezembro Notas Pessoais Portaria n.º 250/2011. D.R. n.º 120, Série I de 2011-06-24 Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento Primeira alteração à Portaria n.º 1057/2010, de 15 de Outubro, que estabelece o valor do coeficiente Z aplicável a centrais fotovoltaicas de concentração de forma a permitir remunerar a electricidade produzida e entregue à rede Notas Pessoais Portaria n.º 251/2011. D.R. n.º 120, Série I de 2011-06-24 Ministério da Saúde Aprova o Regulamento do Internato Médico e revoga a Portaria n.º 1223-B/82, de 28 de Dezembro».

É para rir seguramente, mas é só o sumário da Lei n.º 46/2011 da defunta legislatura! Depois ambos têm de ir a cada uma destes diplomas e qual trabalho de tesoura e cola, riscar aqui e aditar acolá.
Tudo isto, claro, é conversa mais do que conhecida, a verborreia legislativa, o caos da legisferação, a incompreensibilidade do que se legisla. E, claro, os monstros frutos destas uniões: os erros em que incorrem os técnicos, os processos que são anulados por causa disto, o tempo que se gasta só para se saber qual a lei que está em vigor e como se aplica no tempo. É tudo tão ridículo como se ante uma máquina o seu operador perdesse mais tempo a saber como é que funciona do que a trabalhar com ela.
Naturalmente que isto ao fim de um tempo causa tédio, um aborrecimento a gerar sono como forma de uma pessoa escapar à rudeza do real.
Dirão que dado que o Direito é um sistema cada vez que se mexe numa peça têm que se alterar todas. Eu acredito tanto quanto sei que quando o legislador não o faz, ei-la, a surgir a controvérsia sobre a lei abrogante e a lei derrogativa. Assim, aqui mexeu-se em tudo, até no coeficiente Z, de Zorro...
Saber qual o Direito em vigor obriga a tirar um curso de Direito e outro de documentalista; para ter a ilusão que se sabe como aplicá-lo entra-se, enfim, na Faculdade de Direito.

A Transfiguração

Encontrei um jurista que estuda Arte e escreve sobre Iconologia Jurídica. E publicou um livro sobre uma obra de Rafael. E que a propósito vai deixando lembranças do mundo sobre o qual tem reflectido. Claro que tendo um filho estudante de pintura dar-lhe-ei a ler a parte deste pequeno livro de Paulo Ferreira da Cunha aberto sobre o tema ogni dipintori dipinge sè, em que anuncia a pequena biografia do Mestre de Urbino,  o ducado magnífico onde já estive tantas vezes por causa do Direito Criminal e suas penas e cuja Universidade é uma preciosidade escondida entre montanhas.
Mas mesmo que não tenha aprofundado quanto estendi a minha leitura pela alegoria sobre a Stanza della Segnatura naquilo em que nela estão presentes os elementos adjuvantes saídos, por exemplo, da interpretação de São Tomás de Aquino, mas «uma certa ideia» do que é a Arte que ali se expõe, ficam os apontamentos e muitas vezes as notas que são banquete para o espírito parecendo migalhas caídas da mesa de uma abastada ceia do pensamento.
Logo a abrir este estudo reflecte a sua contemporaneidade, como se espelhando o dia de hoje, esta semana, o corrente mês, aludindo aos «dias desencantados», fruto do «nihilismo hodierno», a «barbarização e a nesciência», em suma o «aligeiramento a tender para o nada», que são o contexto e, afinal, o cosmovisão de quem pensa a audiência de quem diz o que pensou.
Pensador de uma História que, sendo a da Justiça, tem de ser também a da injustiça, em perpétua vontade de se encontrar no pecado com a virtude, este professor atípico pelo "interessante" do ângulo de visão com que contempla o mundo humano, vendo-o pela cultura mesmo quando da sua negação se trata, surpreende-nos pela narrativa do que caminhou.
Rafael morreu aos 37 anos. Ferreira da Cunha surpreende-o no quadro sobre a Transfiguração como se a percorrer outros caminhos, o Céu como Círculo de eterna Circunferência, que a curta vida não lhe permitiria palmilhar.
É um livro a não perder. Porque o que obras como esta ensinam é que quem quiser estudar Direito estude a Poética e não a Geometria, e não invente na Justiça uma Medicina das Almas porque edificará sobre a fantasia o que serão os escombros da sua desilusão.

Cum Grano Salis

O panorama na blogoesfera jurídica é desolador. Na sua maior parte os blogs estão parados. Eu próprio contribui para isso. Este Patologia Social andou ao sabor dos meus humores, nunca tendo estado a reboque das minhas necessidades. Poderia ter sido uma espécie de arquivo meu. Tentou ser uma forma de intervenção cívica, limitado a não falas dos casos forenses em que tenho intervenção e a proibido a não comentar os casos dos outros. Teve grandes hiatos, períodos de dormência. Agora que regressei vejo que o mesmo mal - distintas porventura as razões - acometeu outros. Uns dormem, tantos morreram.
Vejo que o Cum Grano Salis, onde ainda há a gentileza de manterem o meu nome, revivesceu. Bom sinal, oxalá sintoma. Longa vida, amigos!

O Divino Marquês


Há livros que são eternamente actuais. A esses se chamam "clássicos". No Direito Criminal o livro do Marquês de Beccaria "Dos Delitos e das Penas" é um desses.
Trata-se de um falso pequeno livro. Sobretudo as páginas iniciais. Quem quiser perceber o que lê e não apenas lêr para ir lendo, tem dificuldade em prosseguir. Não porque a escrita seja densa sim porque as ideias nos transportam para o inesperado. Na aparência do "more geometrico" é um livro de poética.
Reconciliado com o Direito, resolvi ir aos livros iniciais. É porque há um ilogismo na nossa formação escolar. Aprendemos os princípios de um Direito que não conhecemos. Depois de o conhecer já esquecemos que ele tem princípios ou devia tê-los para não serem apenas leis ou arbítrios decisórios de aparência  jurídica. E que pode ser-se feliz ao estudar o que por vezes se ensina como uma sensaborona maçadoria.
Nesta obra a ideia da origem das penas é peculiar: nasce nos sentimentos e visa agir sobre os sentimentos. A existência sensitiva do homem, sendo o que o torna mais humano, tornada a razão mãe de monstros, ganha aqui toda a sua evidência e sobretudo a melhor expressão.
Porque os homens têm medo de que a sua liberdade conquistada seja precária - «tornada inútil pela incerteza de ser conservada»  - então «se uniram em sociedade» e nela cada um abdica um pouco da sua liberdade «para gozar o restante com segurança e tranquilidade». As leis são assim matematicamente - e o autor era matemático e economista - a soma das parcelas de liberdade individual sacrificada em nome da qual se enfrentam os déspotas individuais, os que querem do «depósito comum» das liberdades retirar mais do que a sua parte. Ora para que estas «usurpações privadas» não sucedam, é preciso que tais prevaricadores sejam confrontados com «argumentos sensíveis».
Ora eis as penas: «argumentos sensíveis» que «firam os sentidos» e impeçam o triunfo do «princípio universal de dissolução». Parecem ser a tirania quando afinal visam esconjurar tiranetes.
Nascidas do medo, as penas são editadas e aplicadas pelo medo. «Apavorados» de medo de que se condene um inocente os legisladores «carregam a jurisprudência de excessivas formalidades», «apavorados» por «delitos graves e difíceis de provar julgar-se-iam na necessidade de transpor as mesmas formalidades (...)».
Há nesta fórmula refinamento e ironia. Educado pelos jesuítas o autor diz o que quer dizer através do que não parece dito.
Editado em português pela Fundação Calouste Gulbenkian, o livro, traduzido e apresentado por Faria Costa tem um único senão: falta-lhe uma biografia deste que deveria ser "o Divino Marquês". Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, nasceu em Milão. Deu a obra em causa à estampa por altura de 1764, anonimamente. Fora iluminado por Montesquieu e por Voltaire. Temperara a ânsia de lógica com a de justiça. Ainda viveria o suficiente para assistir ao surgimento da Revolução Francesa. Morreu quando nesta se instalou o Terror e com ele milhares de pessoas foram sumariamente guilhotinadas.

Rejeição da acusação particular

 
Há temas que causa espanto exijam definição por via de recurso. Um deles é o que constitui objecto do Acórdão proferido pela 9ª Secção da Relação de Lisboa de 02.06.11 [Proc. 440/08.7PHAMD.L1 9ª Secção, sendo Desembargadores: João Carrola e Carlos Benido], quando entendeu que «I – Não está ferida de nulidade a acusação particular deduzida pelo assistente que ao indicar a prova a produzir em julgamento, remete para os autos, utilizando a fórmula “Prova testemunhal: as indicadas pela assistente em sede de inquérito e aí melhor identificadas.”».
Sublinhando que «tal remissão não é proibida por lei, pois que não subsistem dúvidas sobre as provas a produzir, que não constituem sequer surpresa para o arguido», o aresto adita que «de resto, convirá notar que só a total falta de indicação das provas que fundamentam a acusação poderiam relevar para os efeitos da alínea c) do n.º 3 do art. 311.º do CPP».
Fazendo notar que «outro entendimento de maior rigor e de exigência formal sempre constituiria um, obstáculo desproporcionado no acesso ao direito, garantido pelo artº 20º da Constituição da República», o Acórdão termina decidindo que «o  Juiz, ao proferir analisar os autos, para os efeitos do artº 311º, do CPP, não deveria proferir despacho de rejeição da acusação do assistente».
De facto, a perceptibilidade que se alcança pelo simples voltar da folha de um processo para se reconstituir qual é a prova que o acusador particular quer indicar em sustentação da sua acusação, é de tal modo patente que é na realidade difícil de aceitar que em nome de uma concepção tão formulária do processo penal se possa configurar como critério judicial de decisão. Rejeitar uma acusação nestes termos em nome da formalidade equivale a impossibilitada que triunfe a substância da análise da viabilidade da mesma, garantir à sociedade a condenação de um arguido, se culpado, ou garantir ao arguido a paz social, se inocente. No mais, já não são os princípios a revoltarem-se contra tal critério, a lei qu o não permite. Como o lembrou a Relação.

Começar de novo

Este blog tem andado ao sabor de várias condicionantes. Tomara eu ter a persistência necessária para as ter vencido todas. Mas há o tempo que resolve. E o mudar de vida. Enfim, penso que estou em condições de voltar. Voltar ao Direito, não apenas como ferramenta profissional, mas como objecto de reflexão. Há muito que lhe havia virado as costas. A verdade é que o panorama não ajuda muito, mas houve quem tivesse porfiado.
Juntando as peças soltas de uma vida estou na advocacia desde que iniciei o meu estágio em 1972, estive durante dezassete anos ligado ao ensino universitário. Escrevi livros, fiz parte de Comissões legislativas, uma a de que saíu o Código de Processo Penal de 1987. Talvez seja a altura de tornar tudo isso uma vida com sentido e sobretudo propósito. Além disso não me esgotei neste mundo jurídico.
Ao escrever isto penso que poderei ser lido como num assomo de vaidade. Se fosse o caso não estaria aqui a confessar um extenso mau momento. O que este blog testemunha. O que assim quero fazer cessar, reatando.
O Direito não é um sistema formal abstracto aplicável como os teoremas da Geometria. É sim, a luta pelo Direito, no dia a dia, nos tribunais e fora deles. A luta pelo Direito é, porém, uma luta com o Direito. Fora disto está a actividade cívica, social, política. Através delas muda-se o Direito, seguramente. Mas não é disso que aqui se trata.
Claro que não estamos com aqueles que no Direito teriam puras as mãos se acaso tivessem mãos, forma de hipocrisia mental que os leva a refugiarem-se no que supõem ser uma teorização pura do Direito como se de um espírito incorpóreo se tratasse, tudo quase sempre para caucionar, através de formulações meramente mecanicistas da lei, soluções de incivilidade e de compressão de liberdades pessoais. Por alguma razão o autoritarismo se esconde tanta vez por detrás de uma concepção abstracta do Estado e tecnicista do Direito.
O Direito porque humano, e o Direito Criminal, sobretudo, são o Direito na tragédia da existência. É um território de gritos e de silêncios, terra de dor. Não há gente feliz aqui. A incompreensão para esta visão da vida, que nos leva ao âmago do ser, é apenas uma forma de se ser legalista mas não jurista, saber de leis que não do Direito.
Aqui estamos por isso, assim. Aos que já viram afirmada no passado esta promessa de reiterar e na prática incumprida, peço paciência e compreensão. O meu mundo é hoje um outro mundo. Voltei, pois.