Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A lei celerada

Comentando o que chama a "celerada" Lei n.º 49/201, de 7 de Setembro, Menezes Leitão afirma, no seu blog resumindo-a e confrontando-a com a Constituição:

«A Constituição proíbe no seu art. 103º, nº3, os impostos que tenham natureza retroactiva? Não há qualquer problema. Pode lançar-se desde já um imposto retroactivo para aumentar a 7 de Setembro de forma brutal os impostos incidentes sobre os rendimentos gerados nos oito meses anteriores, com a agravante de ainda se antecipar parcialmente apenas para alguns contribuintes em cerca de seis meses o seu pagamento normal».

É como se vivesse, de facto, em estado de sítio, com a suspensão das garantias constitucionais.

A alquimia das custas

A ideia da justiça gratuita já teve dias. Podem os tribunais não funcionar para dar ao credor o que o devedor não solveu, mas, tal como no Casino, a casa ganha sempre. É esta, pelo menos, a leitura dos números. Como repartição fiscal não vai mal. Citando a notícia:

«Em 2010 os tribunais portugueses obtiveram mais de 194,3 milhões de euros em custas judiciais, um valor bastante superior aos anos anteriores, no entanto este valor não é real, dado que algum desse dinheiro é posteriormente devolvido aos cidadãos. Os mais rentáveis são os tribunais cíveis que angariaram quase 135 milhões de euros, 70 por cento do total de custas, em 2010. No entanto, segundo declarações do Sindicato dos Funcionários de Justiça e do Sindicato dos Juízes ao jornal i estes valores não são tão elevados como se poderia pensar, dado que este dinheiro é como denomina o juiz António Martins "virtual".
O problema é se o dinheiro é "virtual", como dizem os críticos, coisa que ainda gostaria de saber o que é. É que cada vez que pago uma taxa de justiça o que entra nos cofres do Estado é dinheiro real. Ó estranha alquimia que transforma ouro em chumbo...

Operação Eurocar: quem avisa teu amigo é...

A coordenação internacional no campo da criminalidade organizada quanto ao furto, tráfico e transformação de veículos automóveis vai dar um passo, se aprovada, sob a presidência polaca, uma operação policial conjunta a nível europeu, a efectivar durante dois dias de Setembro.

«The purpose of this operation is combating and suppressing cross-border vehicle-related criminal activities by performing intensified vehicle controls (for detecting legality of origin) on access roads to the borders of Member States, on maritime borders (especially in southern and eastern directions), controls of market trading in used vehicles and their parts. The operation could also serve the purpose of identifying vehicle drivers travelling outside the EU, and making use of this information in case of subsequent reporting of stolen cars by vehicle owners which may be related to possible car insurance fraud. Apart from law enforcement services of Member States, international organisations and EU agencies such as Interpol, Europol and FRONTEX are invited to participate in this operation».

O que surpreende é o anúncio da altura em que aquela vasta operação policial vai ter lugar. A criminalidade organizada agradece.Está tudo aqui.

A libação da ilibição

Adoptei neste blog uma regra de conduta a de não comentar os meus casos profissionais, nem os dos outros, nem aqueles que, nem sabendo quem neles intervém, sei pela comunicação social que existem. No primeiro caso é uma questão de deontologia, no segundo de ética e de prudência, no último de legítima defesa da minha credibilidade. É que sabendo [como sabemos] quantas vezes o fosso que existe entre aquilo que os media relatam e o que dos processos consta, manda o cuidado que haja parcimónia, para que se não tome a nuvem por Juno e não se fique roxo de cólera ao sábado e vermelho de vergonha à segunda-feira. 
Vem isto a propósito do caso do senhor DSK, como passou a ser conhecido o ex-líder do FMI. Mesmo que se trate de análises sociológicas sobre o modo como a comunidade instruída e a instrumentalizada reagiu ao caso. Prefiro não comentar.
Vejo, porém, aqui no blog Sine Die, Maia Costa constatar que, mau grado a "presunção de inocência" e a ilibação pela qual os procuradores americanos optaram quanto ao seu caso «foi destruído levianamente o seu bom nome, a sua carreira profissional, a sua vida de cidadão e político, à margem das regras do processo penal democrático».
Leio e penso duas coisas.
Primeira: pena que o mesmo pensamento, o mesmo espírito condoído não se tenha expressado em todos os casos daqueles que, portugueses, no nosso País, ante o nosso sistema de legalidade acusatória, foram arrastados ao pelourinho da infâmia, sob o batuque mediático concomitante, para depois saírem referidos numa mísera local que dá conta de que tudo deu em nada, quando têm a sorte de terem esse privilégio noticioso, tal qual os mortos o direito à necrologia das agências funerárias.
Segunda: falar de "presunção de inocência" e "ilibação" num sistema em que o capitalismo mental está presente no intra-muros da Justiça, com procuradores e advogados a negociarem o que se acusa e o que se esquece, a transaccionarem quem entrega quem à morte e quem beneficia do olho vesgo de uma justiça selectiva, que usa rufiões pseudo-arrependidos e se ufana de ter conseguido filar Al Capone nem que tenha sido à conta dos impostos...
Nesse admirável mundo novo, procuradores eleitos elegem quem são os culpados. 90% dos casos nem chegam aos tribunais. 
Ante isso de que valem lições de moral quanto ao senhor DSK? Sabe-se lá onde acabou a verdade dos factos e começou a mentira do processo!
Que me perdoe o Maia Costa por ter escrito isto.Serei mais anti-yankee que ele, ó paradoxo da vida, mas a dialéctica tem destas.

Manual Prático

Um dia perguntou-me uma jovem estudante de Direito que livros deveria comprar. Respondi: «Todos. É que nunca se sabe quando é que um livro nos resolve um problema».
Lembro-me de ter passado uma madrugada, no escritório do meu patrono, a tentar encontrar uma saída para uma questão prévia de ilegitimidade do recorrente - aqueles alçapões que o contencioso administrativo de então tinha de embarda e ainda por cima o caso pendia no chamado Conselho Ultramarino pois o pleito vinha-nos de Moçambique - e eis quando um velho alfarrábio, a Carta Orgânica do Império Colonial Português me resolve a angústia!
Lembrei-me disto ante este "Manual Prático", de Paula Marques Carvalho, dedicado ao processo penal, que já vai na sexta edição. O título promete utilidade e do que precisamos é de livros úteis que resolvam problemas concretos, sobretudo em vésperas de prazos. E já agora que ensinem quem quiser aprender. Que com as constantes mudanças legislativas estamos todos em estado de ignorância permanente...

A crónica de um juiz menor...

Fernanda Palma lembra que: «O artigo 194º, nº 2, do Código de Processo Penal determina que o juiz de instrução não pode aplicar, durante o inquérito, medida de coacção mais grave do que a proposta pelo Ministério Público». E acrescenta que «Esta norma foi introduzida pela Revisão de 2007, se bem que tal solução já fosse defendida, antes, por parte da doutrina, à luz do modelo processual português». 
E defende o sistema. E pergunta-se: «Não se traduzirá ele num benefício injustificado do arguido, esquecendo--se a situação da vítima e a defesa da sociedade?». E mais se pergunta: « A existência de casos em que o Ministério Público parece exibir um critério pouco rigoroso perante crimes graves imputados a suspeitos perigosos não justificará o alargamento dos poderes do juiz de instrução?».
Está tudo aqui
E que tal perguntar se o sistema não traduz antes o apoucamento da jurisdicionalização em favor da promoção? 
É que se há acto que tem de ser judicial por ser intrinsecamente jurisdicional é o da aplicação de uma medida de coacção. Transformar o juiz num minus ante o MP, chancela de legalidade formal dos poderes superavitários deste, é inaceitável: não por causa da dicotomia arguido/sociedade, mas por causa do primado do judiciário sem o qual não há Estado de Direito. 

Combate à Corrupção

Está sujeito a consultas desde Junho antes de se converter em relatório definitivo, o que se converterá em medidas concretas no combate à corrupção. Pode ler-se aqui o texto do documento e o despacho que sobre ele foi proferido.
Trata-se da execução de algo que foi deliberado pela Assembleia da República em Julho...de 2010! Celeridade exige-se para haver eficácia no combate à corrupção!





Justiça Internacional no FB

Toda a informação não é demais, sobretudo quando sistematizada, actualizada, útil:

«O Gabinete de Relações Internacionais da Direcção Geral da Política de Justiça criou uma nova página no Facebook - «Justiça Internacional». A página «Justiça Internacional» pretende proporcionar a todos os interessados uma nova forma de acompanhar a actividade do Ministério da Justiça no âmbito internacional, assim como outras questões da actualidade que se entendam relevantes no âmbito da justiça internacional».

Responsabilidade do Estado

A Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa vai realizar, no dia 19 de Outubro, uma conferência sobre o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas. Mais informações aqui.

Cooperação judiciária e policial na área penal

A cooperação entre as autoridades judiciárias e polícias na área do intercâmbio de informação reforça-se. De acordo com um relatório que pode ser lido aqui:

«Co-operation between the police and judicial authorities of the EU’s Member States has increased significantly in the last decade. This analysis looks at three recent developments and finds a number of issues of major concern.

The European Criminal Records Information System

The ECRIS is intended to permit the exchange of information extracted from criminal records between Member States’ judicial authorities. The primary intention is to ensure that individual’s prior convictions can be taken into account if they face new criminal proceedings in a different Member State.

However, the desire for a swift and systematic exchange of information has led to the development of a highly problematic system. It is marked by serious gaps in data protection, a reliance on potentially untrustworthy automated translation, and a significant lack of oversight.

The European Police Records Index System

The legislation to establish EPRIS is currently being developed by Council Working Parties and Europol. It is intended to provide national police forces with the ability to search each others’ databases, to find out if and where information and “intelligence” (hard and “soft”) on individuals can be found. The insistence of the Commission and a small group of Member States for its development has been already been questioned, partly due to concerns for the potential establishment of an EU-wide police database. Greater scrutiny of this measure is urgent.

The Information Exchange Platform for Law Enforcement Authorities (IXP)

The IXP is the most recent of the three developments, and proposes to centralise access to all the EU’s law enforcement information exchange instruments. Its development is still in the early stages, but a suggestion to extend access to the European Union’s bureaucracies - including to a number of Directorate-Generals of the European Commission, and the General Secretariat of the Council – would breach the “separation of powers” between the lawmakers and the law enforcement agencies (whose job is to implement the law).  As with the EPRIS, greater knowledge and scrutiny of the proposed system is vital»

Blogs jurídicos

Os leitores terão notado que na lateral deste blog consta a menção a outros blogs de natureza jurídica ou que tratam de assuntos com isso aparentados, nomeadamente os que se referem à área criminal. No caso de haver qualquer omissão relevante agradeço que mo façam saber. Oportunamente sistematizarei as ligações a sites. Tudo no âmbito de um esforço de renovação e de continuidade. Obrigado a quantos, sobretudo aos que tiveram a paciência de esperar durante este tempo de sonolência do Patologia Social. Ao termos retomado vimos quantos blogs ficaram pelo caminho e estão hoje adormecidos. O que é pena.

Um Outono estranho

Amanhã começa um novo ciclo. Para quem trabalha nos tribunais a esperança inerente ao recomeço ocorre em Setembro e no primeiro de Janeiro. E, afinal, todos os dias. 
Vamos para um Outono estranho.
Temos uma nova ministra da Justiça mas não sabemos o que vai suceder de novo na Justiça.
Temos leis de quem se disse o pior possível meses a fio mas que continuam a vigorar, intocáveis.
Acossado o País pela questão financeira a única questão que parece preocupar o espaço mediático - para além dos escândalos inerentes às figuras públicas que quase já nem escandalizam ninguém e a violência feroz que corrói a sociedade, as escolas e as famílias - é o quanto custa e continua a custar o "Campus da Justiça" e as dívidas que os tribunais deveriam cobrar em nome da "troika".
O debate reformista recolheu pendões. Os que entoavam clamores quanto à necessidade da reforma do "sistema" na sua globalidade, estão mudos.
Há talvez um ambiente de contenção nascido da falta de meios.
Apenas a lógica securitária - filha do medo - se faz ouvir. Agora no sentido de que também as "secretas" deviam fazer escutas telefónicas. Mesmo quando se assiste ao corropio entre quem ontem era secreto e hoje é privado. Um destes dias alguém me disse que em Portugal havia 54 polícias. Fora os candidatos, imagino eu.
Actualmente liberais só na economia. Um vento autoritário sopra sobre a sociedade jurídica, ante o desregramento da vida social.

O contraditório, essa formalidade

Um destes dias explicava a um leigo a importância do princípio do contraditório no processo penal como tradutora de uma regra de civilidade e de respeito pelo outro. Vi-o hoje louvavelmente expresso num dos últimos acórdãos que a Relação de Lisboa proferiu antes das férias judiciais. Vou citar-lhe o sumário. [Foi proferido no processo n.º 2914/10.0TXLSB, relator João Lee Ferreira]:

«I. A particular relevância da decisão judicial de revogação do regime de cumprimento em dias livres da pena de prisão aplicada ao arguido e as previsíveis consequências dessa apreciação de incumprimento, impõe uma interpretação normativa do artº 125º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que pressuponha, necessariamente, a participação eficaz, directa e presencial do condenado.
«II. Nessa medida, torna-se indispensável que ao condenado e defensor seja facultada a possibilidade de exposição dos argumentos e de comprovação dos motivos de eventual justificação de faltas, em diligência presencia perante o juiz do Tribunal de Execução das Penas (cfr. artº176º, aplicável ex vi do artº234º do CEPMPL)
«III. No caso, esse direito à audiência foi preterido atendendo a que, antes da prolação da decisão, não se deu possibilidade ao defensor de apresentar os meios de defesa, nem se viabilizou a realização de uma audição presencial do condenado. A preterição do mencionado direito à audiência integra a nulidade insanável prevista no artº 119º, al.c) do CPP».

Ante a minha explicação sobre o essencial do contraditório e da audiência prévia dos arguidos em relação às decisões que lhe dizem respeito e o afectam, o meu interlocutor, leigo nas coisas do Direito, atirou-me com esta que deixa uma pessoa de rastos: «mas que interessa que o juiz tenha de ouvir o arguido se depois decide como quiser? Não é uma perda de tempo?». Com cidadãos destes, a Constituição é puro papel de embrulho: são um perigo permanente para as liberdades públicas.


A Justiça a pulso

O economicismo entrou, enfim, na agenda da Justiça. A imprensa obtém de fonte oficial que «actualmente estão activadas 582 pulseiras (Vigilância Electrónica) e o custo de cada uma é de 17,20 euros por dia, muito mais barato do que o custo médio diário de um recluso no sistema prisional, que ronda os 50 euros, segundo os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça à Agência Lusa». Ou seja, de acordo com a mesma fonte «cada um dos 582 arguidos com pulseira electrónica, instrumento que pode substituir as penas de prisão até dois anos ou a prisão preventiva, custa ao Estado menos 33 euros por dia do que um recluso numa cadeia».
É o sinal dos tempos: o liberalismo punitivo vai entrar nas mentalidades por via do liberalismo económico. A lógica é antiga: em tempo de guerra não se gastam balas em fuzilamentos, por que com o enforcamento a corda sai mais barata.

À espera de Godot...


QUANDO É QUE ACONTECE QUALQUER COISA VINDA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA?

O que não tem remédio...

Leio no Cum Grano Salis este sumário de um acórdão do STJ sobre o recurso extraordinário de revisão de sentenças: «(...) XI – Nas palavras do Ac. do STJ de 20-04-2005, publicado na CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no art. 449.º do CPP, apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo (...)».
Leio e lembro-me de uma história vivida: o preso alertou que o prazo da prisão preventiva estava esgotado. O processo corria na Relação. Cauteloso o Advogado ainda deixou passar uns dias. Interpôs o recurso de "habeas corpus". Entrado este, umas horas depois - sim, umas horas depois! - a Relação onde o processo corria decretou a excepcional complexidade do caso! Que nunca a tivera! Complexidade que, assim decretada, legitimava a posteriori a prorrogação do prazo da prisão preventiva. Um «expediente» lhe chamou o Advogado entre o irado e o ofendido, vociferando em requerimento. 
Querem saber como acabou a história? Eu conto: conhecendo o "habeas corpus", o STJ decretou que este, pois que é um mero remédio visa curar de situações em que se justifique uma tal providência. E - continuou - é certo que à data em que o "habeas corpus" entrou o preso estava ilegalmente preso, mas agora, pois que o processo era excepcionalmente complexo, já estava tudo legal, justo, perfeito e o "habeas corpus" não tinha razão de ser! Pelo que - já agora - se condenou o [idiota] do requerente numas unidades de conta pelo trabalho que deu!
Leio isto pois e fico a cismar no sangue, suor e lágrimas que explodem no campo de batalha pelo Direito e pela Justiça!
P.S. Esta jurisprudência assenta no chamado "princípio da actualidade". Um nome interessante.

Nem morto!

Pressupondo e por isso esperando e rezando aos santinhos da minha devoção para que não surja doença e a surgir que seja limite e de surpresa, eis-me a trabalhar, porque para além dos prazos que correm em férias, há aqueles outros que nada faz parar. É que, depois de ter lido isto num Acórdão da Relação do Porto, que vem publicado aqui, o que passo a citar, senti súbitas melhoras, que isto de ser advogado dá cá umas resistências que não há bacilo, bactéria, vírus ou pandemia que vire! Eis a prosa jurisprudencial, generosa, compreensiva:

«As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento».

O racionalmente justificável

Quando comecei a minha vida profissional havia o hábito - de duvidoso gosto e equívoco propósito - de as leiloeiras espalharem pelas secretarias judiciais e até pelos gabinetes dos juízes calendários e outros "regalos" que tinham o condão de imaginar uma justiça em dia e sobretudo lembrar o nome da empresa obsequiante. 
O que talvez fosse hoje interessante era espalhar pelos tribunais, talvez como poster a afixar nas paredes, espécie de lembrete perpétuo, o seguinte excerto de um Acórdão do STJ de 17.01.11 [relator Armindo Monteiro] que o blog Cum Grano Salis - em boa hora agora retomando vigor - editou, aqui:

«1 - O exame probatório traduz-se na análise em globo das provas, a respectiva crítica, a forma de inteligenciar, intuir, racionalizar e conceber, para formular, a final, um juízo definitivo, na meta de um processo justo, que assegure todos os direitos de defesa, como vem proclamado pelo art.º 32.º, n.º 1, da CRP.
2 - A motivação das decisões judiciais é um autêntico momento de verdade do perfil do juiz, que deve situar-se à margem de qualquer blindagem, no dizer de Perfecto Andrés Ibañez, in Jueces y Ponderacion Argumentativa, pág. 73.
3 - A fundamentação decisória, nos termos do art.º 374.º, n.º 2, do CPP, está desenhada na lei para, pelo enunciar os pontos de facto provados e não provados, como de uma súmula dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o julgador explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão, excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se unicamente no âmbito do racionalmente justificável»

Intercepções e processo penal

Não são apenas as escutas telefónicas, mas as intromissões nos faxes, no correio electrónico. A violação da privacidade das comunicações - mesmo dos advogados - passou a ser forma fácil de investigação. O que está defendido pela porta blindada do segredo profissional tem acesso pela janela da intercepção. Tem, pois interesse esta obra de Rita Castanheira Neves, de que se cita o texto de apresentação, editada pela Coimbra Editora:

«Esta obra tem como mote traçar a natureza e o regime jurídico das intercepções no correio electrónico enquanto meio de obtenção de prova em processo penal. A confusa e conceptualmente desvirtuada redacção conferida ao artigo 189.º do Código de Processo Penal encontra se, assim, na pretensão original de explorar e ultrapassar as dificuldades prático jurídicas sentidas pelo intérprete da norma, bem como de assimilar e sistematizar os abusos na intromissão da privacidade e a violação do segredo das comunicações que a mesma permite. Para alcançar tal compreensão, faz-se uma primeira aproximação ao âmbito das comunicações electrónicas no direito processual penal, convocando, para o efeito, os desígnios constitucionais que se projectam como garantia da privacidade, ínsita a qualquer comunicação privada, bem como da palavra, da salvaguarda da inviolabilidade das comunicações e da autodeterminação informacional, de modo a aferir do alcance de cada uma das esferas de protecção implicadas».

More geometrico

Paulo Ferreira da Cunha é um daqueles pensadores de que nunca se aproveitou o suficiente, pela invulgaridade, o atípico, o surpreendente modo de ver. Guardo os primeiros livros e o remorso de ter lido pouco. Esta noite li-o no "As Artes entre as Letras", um jornal cultural que se edita no Porto e de que é colaborador. Escrevia, tristonho, sobre o abaixamento do nível universitário, a «infatilização da Universidade», a «liofilização dos cursos». E de passagem aludia aos «burocratas da coacção», e pela palavra fui transportado ao mundo daqueles para quem o Direito é uma técnica e a Justiça um reflexo condicionado, quantos fruto dos que tornaram aquele Ciência para que não pudesse ser Arte, formação profissional para não ser Universidade e geraram esta tão desapegada como inumana Justiça.
O rancor enfrenta o ódio que se defende como se comoção apenas fosse e revolta. A uma aritmética ilusória que os manuais ensinam segue-se uma álgebra de incógnitas que é a equação em que se torna o acto de julgar. 
É um mundo em que os sentimentos só entram quando silenciosos e encontram, more geometrico um lugar possível, diminuto. Morto o homem fica a função. Objectivada. Ilusoriamente racional. É um mundo em que o riso e as lágrimas valem como sintoma, raramente como pretexto, por vezes como argumento.

No pasa nada...

A ideia de que num Estado de Direito o Estado altera a sociedade através de leis, demonstra que na Justiça «no pasa nada». É que a folha oficial continua lacónica, sem nenhum diploma legal relevante, como se nada acontecesse e falo não só na área da Justiça. O Governo parece governar através da Administração Pública, ou seja gerir.
Claro que, ante a profusão legislativa com que governos antecedentes nos habituaram, em que tanto se legislava nada mudando, é caso para dizer «para tanto mal já basta assim».
Os que se movem nas esferas do poder dizem que «a senhora ministra está a pensar e a estudar». Admitamos que sim. E que há muito para estudar. 
Oxalá quando estiver tudo pensado a situação ainda esteja resolúvel. E não apenas no que releva para o contrato que firmámos com a "troika", porque há mais Portugal para além da dívida.

Anonimato de menores

Onde está na lei o direito dos menores ao anonimato nos processos penais? Uma coisa é certa: em Inglaterra os que forem levados a tribunal por causa dos recentes distúrbios perdem o direito à privacidade de que gozam naquele País. Lê-se aqui.
A protecção visa prevenir os efeitos estigmatizantes sobre os jovens delinquentes. 
É claro uma tutela que tem de ser compatibilizada com outras. O que é questionável é o argumento em prol da excepção: convencer o público de que uma abordagem mais dura a essa inesperada criminalidade de rua está em curso. 
Ou a prevenção geral, em caso de aflição, suplanta tudo ou aqueles "menores" perderam, com a sua conduta, a possibilidade de o serem.

A grande evasão: um filme de aventura

O princípio da oportunidade acusatória - pelo qual o Ministério Público escolhe aquilo que quer acusar e negoceia aquilo que quer resolver por acordo - tem traduções várias mesmo nos países que não o aceitam como regra. Nos crimes em que estão em causa incidências patrimoniais há atenção de aplicar o princípio «cuidar a dentada do cão com o pêlo do próprio cão» e fazer o infractor pagar com o que ganhou, lucrando zero, e carregá-lo, adicionalmente, com multas e indemnizações que o fazem arrepender-se de ter prevaricado e dissuadem outros de lhe seguir o exemplo. É a máxima chinesa, onde está a doença está a cura.
Em Portugal, segundo certas mentalidades, porém, a "cultura" reinante é a da hipertrofia do Estado, os valores públicos como se sagrados, os crimes contra o Estado como se de lesa-majestade fossem, os crimes fiscais como se atentados aos pilares e fundamentos da sociedade pudessem ser. 
A verdade jurisprudencial corrente é, sabemo-lo, outra, e aí estão os acórdãos a mostrá-lo quanto às penas efectivas aplicáveis e sobretudo as suspensões processuais mediante injunção de pagamento fiscal - do imposto devido e exigível e mesmo do tributo caducado, tudo amalgado segundo um princípio do «aproveitar agora que o contribuinte está sitiado» - a mostrar como é.
Vem isto a propósito de ter lido isto, aqui:
«Credit Suisse Group AG (CSGN), the Swiss bank facing possible U.S. indictment for aiding tax evasion, will likely settle with prosecutors by admitting wrongdoing and paying a penalty that may exceed $1 billion, tax lawyers said. Credit Suisse, the second-largest Swiss bank, has too much to lose by fighting the Justice Department and risking indictment, said lawyers not involved in the case. Prosecutors told the bank last month that it’s a target of a probe into its former cross-border banking services to U.S. customers. The lawyers expect Credit Suisse to reach an agreement like that of UBS AG (UBSN), which was charged in 2009 with aiding tax evasion by U.S. clients. UBS avoided prosecution by paying $780 million, admitting it fostered tax evasion, and giving the U.S. Internal Revenue Service data on more than 250 accounts. It later turned over data on another 4,450 accounts»

Estuprador, o marido "puzzolente"

Nove anos de reclusão, que a Cassação reduziu para dois, a pena aplicada a um pastor que forçava a mulher a sujeitar-se a relações sexuais contra vontade. O motivo de recusa era que o próprio não cuidava do mínimo de higiene corporal e os actos eram praticados no próprio local onde ele exercia pastorícia. Crime: estupro.
Citando: «Commette violenza sessuale il marito "puzzolente" che impone alla moglie rapporti sessuali senza rispettare la richiesta della donna di farsi prima una bella doccia. È questo il punto di vista della Cassazione (sentenza 30364/11) che ha chiesto ed ottenuto il nuovo rinvio a giudizio nei confronti di un pastore siciliano restio all’uso del sapone e solito a fare sesso con la moglie appena rientrato dal pascolo delle pecore, senza provvedere a farsi almeno una rapida toeletta preliminare».Notícia aqui.

A teoria do conflito irreal

Eu sei, por ter tentado aprender e ter tentado ensinar que o problema do concurso de crimes e de normas é dos mais intrincados do Direito Penal. É verdade. Mas a tentativa de mostrar que o concurso aparente não traduz um conflito real pode dar azo a um momento irreal. Se o Direito e seus problemas fossem assim tão simples e tudo fosse apenas um modo de dizer por outras palavras!
É bom estar em férias e poder sorrir...

O menor denominador comum

Vistas com mais minúcia, decomposto o raciocínio que lhes está subjacente, muitas decisões jurisprudenciais e quanta literatura jurídica - aquilo a que [de novo a recorrência teológica] se chama "doutrina" - são manifestações puras de voluntarismo infundamentado e autoridade não convincente. As excepções notam-se.
Voluntarismo, porque afirmam e decidem, dizendo que ante o problema é esta a solução, sem que, primeiro, problematizando a questão, verifiquem da sua correcta configuração, e depois se ocupem da adequação do modo de enunciar os problemas que cabe resolver. São diktats emanados de quem sente poder sem ter interiorizado que há, em anterioridade a esse poder, o dever. E no caso o dever é o de convencer. E na Justiça o convencimento do outro só pode resultar da força do eu. De outro modo um qualquer maquinismo faria as vezes, fazendo de conta. Ora não há convencimento sem fundamentação. E não há fundamentação sem argumentação em que o ser de quem decide se jogue todo, na plenitude do seu intelecto e do seu afecto pela vida, no acto de ter decidido. De outro modo entre um copista e um amanuense a coisa resolver-se-ia.
E aqui entra a questão da autoridade: o fundamento do decidido passou a ser, em cada vez mais vezes, o previamente pensado por outrem. É a lógica da citação, com o seu caudal de fórmulas tão ocas quanto seguidistas do estilo do «na esteira de», ou o «conforme já doutamente» e quejandas, quantas vezes mais não sendo do que a abdicação do pensar o pensado. A ideia inqualificável da «jurisprudência maioritária» ou da «doutrina dominante» passou a entrar nas formas de fundamentação jurídica, como se na interpretação da norma a questão fosse a votos, triunfando quem mais espingardas tivesse do seu lado, ainda que irrazoáveis, o triunfo da força sobre a razão! E, no entanto, se mais vezes se voltasse sobre os mesmos passos, menos vezes se percorreriam caminhos erróneos.
Claro que há em tudo isto equívocos, aporias,  incertezas.
Logo uma que decorre de se dar como igual o que nem sempre é sequer idêntico. Os que se viciaram na erudição jurídica comparatista nem se perguntam, quantas vezes na exibição de leituras que traduzem nos seus escritos, se o que imputam a certo e quantas vezes ignoto autor [germânico de preferência] tem sustentação em igual norma, igual sistema, igual contexto, em suma, igual ordenamento. Vale o mesmo para quantos em "copy paste" que a informática hoje permite, transcrevem como adequado, por ser o mesmo exemplo, o que, pensado em função do caso, se mostraria exemplarmente impertinente.
Mas não só. Logo outra fragilidade existe ao supor-se que a segurança jurídica impõe que o já decidido decidido esteja e que essa lógica do caso julgado passe dos factos para o Direito, abrindo a porta - por comodidade claro e celeridade - às decisões sumárias por semelhança, injustas até, mas despachadas.
Há em tudo isto uma falha grave, imposta por uma deficiência séria.
A falha grave é que à individualização humana do caso e à interiorização mental do problema - a primeira por respeito à dignidade de quem é julgado a segunda por respeito à dignidade de quem julga - segue-se hoje em dia uma lógica de massificação, nivelamento e padronização que torna toda a riqueza da vida sub iudice em categorias redutíveis ao menor denominador comum. A justiça do caso passou a ser uma espécie de atendimento personalizado para uns poucos, tudo o mais enfileirado na mesma lógica com que se resolvem as filas de espera no Serviço Nacional de Saúde. A pergunta se é possível fazer-se melhor.
A deficiência séria é que, se não fosse assim, o sistema funcional incumbido de julgar soçobraria ante a massa crítica de casos no qual se move. E não é só a quantidade de vida que se reduz à quantidade de processos e a quantidade de decisões a que se reduz a tarefa do sistema e avaliação de quem o serve. À tirania da estatística irmana-se a tirania da forma. A processualite passou a ser uma patologia grave dos fígados do sistema jurídico. Um destes dias se falará aqui disso mesmo.


O labirinto da perplexidade

Talvez tenha sido uma manifestação do kantismo filosófico que expulsou do Código Civil de Seabra o homem - e só ele poderia ser sujeito de direitos e obrigações - e esse acto de homízio que abriu as portas para a entrada em cena daquela inumana personagem que dá por nome de "sujeito", a qual, ao lado do "facto", do "objecto" e da "garantia", e com eles igualado como se coisa idêntica e de igual peso, integra, já sem corpo nem cheiro, os elementos essenciais da chamada "relação jurídica".
Seja qual for o pensamento que ditou tal mudança, certo é que, nesse genocídio construtivista radicou a génese de um Direito tecnicamente estruturado na dispensabilidade do humano. Faltava o resto: a ilusão de que o jurídico é ciência e não Arte e com ela a construção de sistemáticas lógico-dedutivos auto-apelidados, em recorrência vocabular teológica, de dogmática. A caucionar como se teoria fosse o que não escapa a ser uma retórica legitimada.
Parecem e talvez o sejam, migalhas insignificantes estas matutinas reflexões minhas. Mas marcam um caminho mental feito de labirintos em que a vida se perdeu, entre caminhadas pelo real da experiência sofrida e excursões pelo ideal da literatura estudada.
De uma coisa estou certo. Entre a massificação da litigação em que o Direito se torna regulamento diário para ainda poder ser norma e as exemplaridades mediáticas em que se torna casuística para tentar ser moral, a Justiça, ante o cilindro compressor do seu quotidiano funcional, deixou de ter tempo para tragédias existenciais. E são essas que povoam, como sombras de remorsos, os seus corredores, corroem de aflição as folhas áridas dos seus processos e gritam nas entrelinhas da linguagem formulária do processado.
Feito função, tornado técnica, imaginada engenharia para a erradicação de patologias da sociedade, o Direito perdeu no seu horizonte diário o concreto humano e a pessoa que o habita e passou a desembaraçar-se da multidão de indivíduos e sua cidadania. É luxo, excepção e favor o aprimoramento e o adensamento, pois não há tempo. 
E, no entanto, quantos tratados de douta e ramificada reflexão se não escrevem sobre um maiúsculo Direito fantasiado pelas cátedras como problematicidade cósmica, quando a vida, no formigueiro da sua nevrose, o tem de admitir como pura questão a resolver no acto do dia, passando-se adiante para o dia seguinte.
Lembrei-me disto ao ter visto romperem lágrimas num acto processual. E ante a sua irrelevância, surgiu, inexorável e por todos consentida, a continuação do que haveria para fazer, como num doloroso acto de dentista ou no pesaroso ritual funerário. Mas já sem dor, diga-se, porque nos tornámos profissionais da forma para que seja ela o resultado que substitua o conteúdo. E eis aqui uma outra porta para o labirinto da perplexidade. Voltarei. A desumanização surge quando não há lugar já para o homem por não haver tempo para o humano. A existência passou a ser uma estatística, a plenitude uma probabilidade.

Impunidade absoluta

Antes de ser norma o Direito é programa e antes de ser programa deveria ser ideia. Supondo-se segurança o Direito terá de provir de ideias seguras. Claro que sendo fruto da política, o Direito acaba por estar sujeito a ideias que os eleitores aceitem, gostando delas. Projectada no espaço mediático a política vive de frases citáveis, tanto melhores quanto mais façam manchete. Em suma, há o risco de o Direito tornar-se a continuação de um editorial por outros meios, as leis parangona jornalística por outra forma.
Lendo o programa do Governo para a área da Justiça - ante o qual manifestei simpatia - vê-se que na área criminal ainda não há ideias totalmente assentes, pois o tom é vago, contrastante sobretudo com o que se passa no domínio das propostas medidas em outras áreas. 
Agora o que é importante é que a titular da pasta da Justiça, cujo pensamento ainda está por descortinar, não se deixe aprisionar por frases redondas que, ao limite, prometem o que não se pode cumprir e acabam por dizer algo para não ter dito nada. 
Li aqui, - e inútil dizerem que o blog é contestável, porque isso os meus também o são e eu leio tudo mesmo aquilo com que não concordo - a capa do jornal onde veio a frase «terminou a impunidade absoluta da corrupção», imputada a Paula Teixeira da Cruz.
Admito que a frase esteja fora do contexto. Que foi um facilitismo jornalístico destinado a puxar pela venda do jornal. Só assim não desanimo. É que se estamos numa de rigor que não se digam ambiguidades.
A corrupção pode ser minimizada, talvez não eliminada. Mesmo que supressão da sua vergonhosa generalização seja possível não é por causa da frase «terminou a impunidade absoluta» que ela acaba ou que acaba a «impunidade absoluta». Só Deus cria pelo Verbo. Ou então o que se quer dizer é que terminou a «impunidade absoluta» vamos entrar no domínio da «impunidade relativa».
Haja pois tento na língua!

Dualidade de jurisdições: fiscal e penal

«( ...) a jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional tem vindo a considerar que não existe sequer uma reserva constitucional absoluta da jurisdição administrativa e tributária, pelo que o legislador não se encontra impedido de cometer a outros tribunais — que não os administrativos e tributários — o conhecimento de questões decorrentes de relações jurídico-administrativas e tributárias, desde que tal não descaracterize o modelo de dualidade de jurisdições». Eis o que foi considerado pelo Tribunal Constitucional em acórdão de 05.05.11 [publicado aqui] segundo o qual «não julga inconstitucional a interpretação conjugada das normas extraídas dos artigos 50.º do Código Penal e 14.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, segundo a qual cabe a um juiz criminal aferir da falta de pagamento de dívidas de natureza fiscal, para efeitos de aplicação da suspensão da execução de pena de prisão por abuso [de confiança] fiscal».

Sentença sem presos por causa do gasóleo

Não acredito no que leio, que razões economicistas há presos não são transportados para ouvir a leitura das sentenças!
Como se a sentença fosse uma burocracia dispensável!
Um sistema que pressupõe a ressocialização de um arguido e funciona na base da sua ausência ao acto mais solene em que a Justiça lhe faz ouvir a suma das suas responsabilidades, fundamentando o porquê, terminando inclusivamente por uma exortação que o convide à vida conforme o Direito, dispensa, como se de um boneco tratasse, o arguido?
Um sistema que obriga o juiz a um trabalho insano de escrita para a sentença, com a minuciosa fundamentação, em que deve consignar o exame crítico da prova a seguir aos factos, o Direito aplicável e o critério da escolha da medida da pena - a haver pena -  funciona bem com um acto que deveria ser destinado a vencer o arguido pertinaz convencendo-o da sua culpa, e abrindo a primeira brecha para a recuperação da sua personalidade desviante, quando é o caso de uma condenação, é lido na sua ausência podendo ele estar presente, pode sentir-se confortável com a sua forçada revelia, o juiz travestido em burocrata escrevente para o vazio?
Um sistema que pressupõe que o arguido compareça todas as vezes que notificado, verga ante a falta de gasóleo dos serviços prisionais, o Poder Judicial ao serviço dos interesses da intendência do Ministério da Justiça?
Mas acaso o arguido é uma figura de segunda, uma mercadoria incómoda, de que a Justiça se vê livre logo que possível, dispensando-o, porque assim é mais barato?
Haja vergonha e sejamos dignos de um Estado de Direito!
Ou então assumamos aquela miséria moral que eu senti na pele quando há muitos anos fui à Relação de Évora para um interrogatório para extradição e fui informado que o senhor Desembargador ouvia os presos na cadeia. «Na cadeia?» perguntei eu, ingenuamente atónito. «Sim, senhor dr. assim já lá ficam», respondeu-me o solícito funcionário.