Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




CPP: ajustamentos pontuais e contados

«Vai ser criada uma Comissão para introduzir alterações no Código de Processo Penal, matéria a que atribuímos muita importância. É intenção do Governo proceder a ajustamentos pontuais em casos contados, como seja o de validar as declarações que o arguido presta nas fases preliminares do processo, verificadas certas condições, nomeadamente a de o arguido estar devidamente assistido por advogado, de modo a que possam ser utilizadas na fase de julgamento». Disse a ministra da Justiça. Sublinhado nosso. Entre a «muita importância» e a noção de «ajustamentos pontuais em casos contados», algo haverá que equilibre a aparente contradição. Aguardemos.

Quando um jurista se vê grego...

Hoje é Domingo e por isso uma pessoa pode intervalar do sério sem que seja pecado. A Grécia passou para a ordem do dia. Talvez por isso me permita esta citação de um blog jurídico grego: «Με τις διατάξεις του άρθρου 973 ΚΠολΔ ρυθμίζεται, παράλληλα με τη συνέχιση της διαδικασίας του πλειστηριασμού από τον ίδιο τον επισπεύδοντα σε περίπτωση ματαιώσεως ή μη διενέργειάς του για οποιονδήποτε λόγο κατά την ορισθείσα ημέρα, η υποκατάσταση άλλου δα (...)». Para os que queiram escapar à tradição romanística ou à invasão germânica e pretendam mais detalhes, veja aqui.

Recursos penais: aviso à navegação!

Há coisas que ainda hoje têm capacidade de me surpreender. Que tenha sido necessário clarificar jurisprudencialmente [despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Desembargador Sousa Pinto, publicado aqui] que «a interpretação dos artºs 380º e 411º, nº1 do CPP, efectuada à luz da CRP, e os princípios da segurança jurídica e do efectivo direito ao recurso, impõe a conclusão que, no âmbito do processo penal, o prazo para a interposição do recurso se conta a partir da notificação da decisão que recaiu sobre o pedido de correcção (efectuado ao abrigo do estatuído no artº 380º do CPP)», mostra que existirá quem entenda que, pedida a correcção de uma sentença, e tendo sido esta desatendida, a consequência para o recorrente seria puni-lo com a preclusão do direito [constitucional, diga-se] ao recurso. 
Isto é, de facto, navegar na Justiça por um mar de baixios, em risco de naufrágio permanente...


P. S. O site de onde retiro esta informação lembra que «em sentido concordante com a decisão é citado o Ac. Tribunal Constitucional nº16/2010, de 12-01-2010, acessível aqui». Quer dizer que já teve de haver intervenção ao nível do próprio Tribunal Constitucional para salvar os recorrentes deste modo de lhes rejeitar os recursos.

Congresso da Ordem dos Advogados: a minha ausência

Está a decorrer o Congresso dos Advogados. Depois de um exercício de consciência não me inscrevi e não compareci.
O meu contributo para a Ordem dos Advogados encerrou quando terminei o mandato de Presidente do Conselho Superior.
O órgão a que presidi, a última instância jurisdicional da Ordem, surgiu então em nome de um princípio, o da sua separação absoluta face ao Executivo da mesma. Separação logo originária, pois a candidatura foi em lista própria, sem alinhamentos ou apoios mútuos relativamente à lista do que concorresse a Bastonário. Recolhemos uma amplíssima votação. Mas o princípio não vingou. O meu sucessor já não o seguiu, os eleitores não o quiseram. Talvez eu tivesse sido mau soldado do estandarte pelo qual combati. 
Não iria, por isso, ao Congresso pugnar por aquilo que tentei fosse exemplo, que os tribunais nada tenham a ver com o Governo, no Estado ou na Ordem dos Advogados. Outros, a quem essa moral cale fundo, que o façam. Não sou dos que tentam o triunfo pela desforra.
Além disso, não tenho ambições a liderança, nem ao exercício do poder. Regressei, por isso, ao meu lugar de simples Advogado, irmanando-me aos que vivem a luta diária pelo Direito. A insígnia de Presidente do Conselho Superior, a qual tem sido tradição conservar-se e que com orgulho conservava ao peito, entreguei-a a quem me sucedeu. Nem isso guardo como memória do que fui.
Além disso, o Bastonário eleito, quando da campanha eleitoral, escreveu um livro, em que me dedica um capítulo, no qual me considera «uma página de ignomínia na História da Ordem dos Advogados». Foi reeleito, referendado. De tudo tirei daí, no plano público, a lição que me cabia recolher. A honra, essa, ficou intacta, porque é o meu único património moral, intangível.
Poderia ir ao Congresso para tirar desforço de tudo isso, para encontrar palco de justificação, concitar apoios, defender-me, acusar o que vejo estar a suceder. Não o fiz. 
Na medida do que puder contribuirei para prestigiar a profissão nos locais onde essa oportunidade surge, o dia a dia dos tribunais. 
A minha toga está rota mas não está manchada.
Espero que os colegas me compreendam. No concreto exercício da função terei falhado em muita coisa, não consegui vencer a adversidade em que se trabalhou, estou grato a quem me ajudou e partilhou as dificuldades, mas guardo a consciência intacta.
Como se sabe, não sou dos que têm  medo de dizer o que pensam. Mas não nesta matéria. Àqueles que a História derrota cabe não perderem a esperança. Mesmo vilipendiados, nunca humilhados. 
Orgulho-me da minha profissão. Os cargos e o mando são um acidente na vida. Ninguém esgota o que é naquilo que faz.

Olha o balão!

«O Tribunal concluiu, portanto, que o Governo, ao dispor inovadoramente, e sem a devida autorização, no n.º 6 do artigo 153.º do Código da Estrada, sobre o modo de valoração da prova em matéria de fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas, invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Com efeito, estando em causa matéria com implicação penal ou processual penal, mostrava-se necessária a autorização legislativa. Tal autorização não consta no entanto da Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, que “autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Mário”. A lei habilitante é na verdade omissa no que respeita à matéria em causa – apesar das múltiplas alíneas, de a) a z) e de aa) a ee), que compõem o seu artigo 3.º, o qual define a extensão da autorização conferida ao Governo».

E por isso o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 485/2011 de 19.11 declarou, «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição».

Voto de vencido de Maria João Antunes, segundo o qual [para além de razões atinentes aos pressupostos processuais do recurso] se consignou o seguinte: «Entendo também que o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, estatui sobre o valor probatório da contraprova, quando no capítulo sobre a “avaliação do estado de influenciado pelo álcool” nada diz quanto à prevalência da prova ou da contraprova consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado. O silêncio da lei tem o sentido de afirmar a regra geral constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal – “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. O que coloca a questão da revogação da “norma constante do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado”, apreciada num processo que segue os termos do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade».

O pelourinho

Primeiro foi a sedução pela doutrina alemã, citada não só pelos problemas jurídicos que suscitava mas como solução para os nossos problemas jurídicos concretos. Sem curar de saber se a norma jurídica era idêntica, se o contexto da lei era semelhante ou se a realidade social era idêntica. Na esteira de Roxin, de Welzel ou de Stratenwerth resolvia a questão. Há livros jurídicos portugueses que dizem que «de acordo com a jurisprudência»...e citam acórdãos do Bundesgericshtof! Tudo começou com a 2ª Guerra quando a Alemanha exportou os seus Institutos Jurídicos criando o espaço vital.
Agora é a hipnose post-moderna pela criminalística yankee. No Congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses foi tema. No estudo que apoiou esse Congresso está patente.
Já escrevi sobre isso e disse o que pensava. Lembrei-me foi do tema a propósito deste «site» norte-americano, onde como na Idade Média se faz o pelourinho dos presos, mesmo sem culpa formada, mesmo que venham a ser absolvidos. Com fotografia e tudo! Bonito não? Edificante! Magnífico exemplo de um sistema que vem na nossa melhor tradição, não é? É só ver aqui. E meditar se a terra da Lei do Lynch serve de moral e de modelo!

Paraísos fiscais

Quer saber onde ficam os paraísos fiscais? O Governo informa e actualiza a informação sobre as offshores e onde estão. Vem na folha oficial:«Para todos os efeitos previstos na lei, designadamente no n.o 3 do artigo 16.o do Código do IRS, no n.o 2 do artigo 59.o e no n.o 3 e na alínea c) do n.o 7 do artigo 60.o do Código do IRC, na alínea b) do artigo 26.o, no n.o 7 do artigo 41.o e no n.o 8 do artigo 42.o do EBF, no n.o 3 do artigo 7.o do Código do Imposto do Selo, no artigo 3.o do Decreto-Lei n.o 88/94, de 2 de Abril, no n.o 4 do artigo 2.o e no n.o 3 do artigo 4.o do Decreto-Lei n.o 219/2001, de 4 de Agosto, no n.o 7 do artigo 9.o e no n.o 3 do artigo 112.o do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e no n.o 4 do artigo 17.o do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis» está publicada aqui.

O queijo gruyère

O segredo bancário suíço tornou-se um queijo gruyère. Basta ler esta notícia:

«Credit Suisse Group AG (CSGN), Switzerland’s second-biggest bank, told U.S. clients it is giving confidential client account data to the Swiss tax authorities, who will decide whether to disclose it to the Internal Revenue Service. The U.S. is probing whether Credit Suisse helped Americans evade taxes, and the IRS used a 1996 tax treaty to request data for certain accounts held between 2002 and 2010, according to Nov. 2 letter sent to a client by the bank. The IRS sought data for accounts owned through domiciliary companies in which clients are the beneficial owners, according to the letter».

O resto da história vem aqui. País de chocolates, o que era doce, acabou-se...

Salvo erro ou omissão

Procurei na lateral deste meu blog dar conta dos blogs jurídicos [e aparentados] que estão activos. Temo que possa ter falhado algum. Não quero cometer indelicadeza. Procuro citar mesmo aqueles que me ignoram e leio todos sempre que posso. Para a eventualidade de estar em falta com qualquer fico grato pela informação sobre a sua existência. A ideia é partilhar informação, mesmo aquela com que não concordo.

Branqueamento e opacidades

Um estudo da KPMG e da UIF [Unidade de Informação Financeira] da Polícia Judiciária sobre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, elaborado em  2010 [que retirei daqui] revela quanto aos sectores bancário e segurador em Portugal que:

«A legislação actual, resultante da transposição da Terceira Directiva Comunitária (Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho), obriga a que as Organizações abrangidas pela mesma tenham definidos e implementados procedimentos específicos na identificação e acompanhamento das Pessoas Politicamente Expostas (PEP)».
Definindo quem são os PEP's o documento acrescenta: «Este tipo de contraparte, tal como se encontra definido, é constituído por pessoas singulares que desempenham, ou desempenharam até há um ano, altos cargos de natureza política ou pública, bem como os membros próximos da sua família e pessoas que reconhecidamente tenham com elas estreitas relações de natureza societária ou comercial».
Como que a sublinhar os bons resultado obtidos o inquérito quantifica: «É de salientar a evolução significativa que se verificou face ao estudo anterior, dado que existiu um acréscimo de 29% das Organizações que referem possuir agora políticas, processos e procedimentos específicos para identificar e monitorizar as PEP. Em 2008 esta percentagem era de 61% e em 2010 é de 90%».
Sucede, porém, que, segundo o dito estudo «quanto se questionaram as Organizações participantes sobre qual a principal metodologia adoptada na identificação de uma PEP, verificou-se que 61% utilizam o cruzamento de listas, e que 33% utilizam principalmente uma declaração da própria pessoa». Sublinhado nosso.

P. S. O estudo é, afinal, um inquérito em que os inquiridos responderam como quiseram. E nem todos se dignaram responder. Citando do documento: «Este estudo foi suportado na realização de um questionário on-line dirigido a 31 Organizações do Sector Bancário e a 21 Organizações do Sector Segurador com actividade no ramo “Vida”. O questionário ficou disponível para preenchimento dos participantes no primeiro trimestre de 2010. No Sector Bancário existiu uma taxa de resposta de 65%, superior à registada em 2008 (56%). O conjunto de Instituições do Sector que responderam a este Estudo representam, aproximadamente, 86% do Sector Bancário, em termos de valor de Activos. Quanto ao Sector Segurador existiu uma taxa de resposta de 43%, igual à registada em 2008. O conjunto de instituições do sector que responderam a este Estudo representam, aproximadamente, 74% do sector Segurador, em termos de total do Activo Líquido». [sublinhados nossos também]. Esclarecedor. 
Com conhecimento oficial obtido desta forma de como estamos em matéria de branqueamento de capitais é caso para dizer que estamos às escuras.