Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




CPP: ajustamentos pontuais e contados

«Vai ser criada uma Comissão para introduzir alterações no Código de Processo Penal, matéria a que atribuímos muita importância. É intenção do Governo proceder a ajustamentos pontuais em casos contados, como seja o de validar as declarações que o arguido presta nas fases preliminares do processo, verificadas certas condições, nomeadamente a de o arguido estar devidamente assistido por advogado, de modo a que possam ser utilizadas na fase de julgamento». Disse a ministra da Justiça. Sublinhado nosso. Entre a «muita importância» e a noção de «ajustamentos pontuais em casos contados», algo haverá que equilibre a aparente contradição. Aguardemos.

Quando um jurista se vê grego...

Hoje é Domingo e por isso uma pessoa pode intervalar do sério sem que seja pecado. A Grécia passou para a ordem do dia. Talvez por isso me permita esta citação de um blog jurídico grego: «Με τις διατάξεις του άρθρου 973 ΚΠολΔ ρυθμίζεται, παράλληλα με τη συνέχιση της διαδικασίας του πλειστηριασμού από τον ίδιο τον επισπεύδοντα σε περίπτωση ματαιώσεως ή μη διενέργειάς του για οποιονδήποτε λόγο κατά την ορισθείσα ημέρα, η υποκατάσταση άλλου δα (...)». Para os que queiram escapar à tradição romanística ou à invasão germânica e pretendam mais detalhes, veja aqui.

Recursos penais: aviso à navegação!

Há coisas que ainda hoje têm capacidade de me surpreender. Que tenha sido necessário clarificar jurisprudencialmente [despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Desembargador Sousa Pinto, publicado aqui] que «a interpretação dos artºs 380º e 411º, nº1 do CPP, efectuada à luz da CRP, e os princípios da segurança jurídica e do efectivo direito ao recurso, impõe a conclusão que, no âmbito do processo penal, o prazo para a interposição do recurso se conta a partir da notificação da decisão que recaiu sobre o pedido de correcção (efectuado ao abrigo do estatuído no artº 380º do CPP)», mostra que existirá quem entenda que, pedida a correcção de uma sentença, e tendo sido esta desatendida, a consequência para o recorrente seria puni-lo com a preclusão do direito [constitucional, diga-se] ao recurso. 
Isto é, de facto, navegar na Justiça por um mar de baixios, em risco de naufrágio permanente...


P. S. O site de onde retiro esta informação lembra que «em sentido concordante com a decisão é citado o Ac. Tribunal Constitucional nº16/2010, de 12-01-2010, acessível aqui». Quer dizer que já teve de haver intervenção ao nível do próprio Tribunal Constitucional para salvar os recorrentes deste modo de lhes rejeitar os recursos.

Congresso da Ordem dos Advogados: a minha ausência

Está a decorrer o Congresso dos Advogados. Depois de um exercício de consciência não me inscrevi e não compareci.
O meu contributo para a Ordem dos Advogados encerrou quando terminei o mandato de Presidente do Conselho Superior.
O órgão a que presidi, a última instância jurisdicional da Ordem, surgiu então em nome de um princípio, o da sua separação absoluta face ao Executivo da mesma. Separação logo originária, pois a candidatura foi em lista própria, sem alinhamentos ou apoios mútuos relativamente à lista do que concorresse a Bastonário. Recolhemos uma amplíssima votação. Mas o princípio não vingou. O meu sucessor já não o seguiu, os eleitores não o quiseram. Talvez eu tivesse sido mau soldado do estandarte pelo qual combati. 
Não iria, por isso, ao Congresso pugnar por aquilo que tentei fosse exemplo, que os tribunais nada tenham a ver com o Governo, no Estado ou na Ordem dos Advogados. Outros, a quem essa moral cale fundo, que o façam. Não sou dos que tentam o triunfo pela desforra.
Além disso, não tenho ambições a liderança, nem ao exercício do poder. Regressei, por isso, ao meu lugar de simples Advogado, irmanando-me aos que vivem a luta diária pelo Direito. A insígnia de Presidente do Conselho Superior, a qual tem sido tradição conservar-se e que com orgulho conservava ao peito, entreguei-a a quem me sucedeu. Nem isso guardo como memória do que fui.
Além disso, o Bastonário eleito, quando da campanha eleitoral, escreveu um livro, em que me dedica um capítulo, no qual me considera «uma página de ignomínia na História da Ordem dos Advogados». Foi reeleito, referendado. De tudo tirei daí, no plano público, a lição que me cabia recolher. A honra, essa, ficou intacta, porque é o meu único património moral, intangível.
Poderia ir ao Congresso para tirar desforço de tudo isso, para encontrar palco de justificação, concitar apoios, defender-me, acusar o que vejo estar a suceder. Não o fiz. 
Na medida do que puder contribuirei para prestigiar a profissão nos locais onde essa oportunidade surge, o dia a dia dos tribunais. 
A minha toga está rota mas não está manchada.
Espero que os colegas me compreendam. No concreto exercício da função terei falhado em muita coisa, não consegui vencer a adversidade em que se trabalhou, estou grato a quem me ajudou e partilhou as dificuldades, mas guardo a consciência intacta.
Como se sabe, não sou dos que têm  medo de dizer o que pensam. Mas não nesta matéria. Àqueles que a História derrota cabe não perderem a esperança. Mesmo vilipendiados, nunca humilhados. 
Orgulho-me da minha profissão. Os cargos e o mando são um acidente na vida. Ninguém esgota o que é naquilo que faz.

Olha o balão!

«O Tribunal concluiu, portanto, que o Governo, ao dispor inovadoramente, e sem a devida autorização, no n.º 6 do artigo 153.º do Código da Estrada, sobre o modo de valoração da prova em matéria de fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas, invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Com efeito, estando em causa matéria com implicação penal ou processual penal, mostrava-se necessária a autorização legislativa. Tal autorização não consta no entanto da Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, que “autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Mário”. A lei habilitante é na verdade omissa no que respeita à matéria em causa – apesar das múltiplas alíneas, de a) a z) e de aa) a ee), que compõem o seu artigo 3.º, o qual define a extensão da autorização conferida ao Governo».

E por isso o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 485/2011 de 19.11 declarou, «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição».

Voto de vencido de Maria João Antunes, segundo o qual [para além de razões atinentes aos pressupostos processuais do recurso] se consignou o seguinte: «Entendo também que o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, estatui sobre o valor probatório da contraprova, quando no capítulo sobre a “avaliação do estado de influenciado pelo álcool” nada diz quanto à prevalência da prova ou da contraprova consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado. O silêncio da lei tem o sentido de afirmar a regra geral constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal – “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. O que coloca a questão da revogação da “norma constante do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado”, apreciada num processo que segue os termos do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade».

O pelourinho

Primeiro foi a sedução pela doutrina alemã, citada não só pelos problemas jurídicos que suscitava mas como solução para os nossos problemas jurídicos concretos. Sem curar de saber se a norma jurídica era idêntica, se o contexto da lei era semelhante ou se a realidade social era idêntica. Na esteira de Roxin, de Welzel ou de Stratenwerth resolvia a questão. Há livros jurídicos portugueses que dizem que «de acordo com a jurisprudência»...e citam acórdãos do Bundesgericshtof! Tudo começou com a 2ª Guerra quando a Alemanha exportou os seus Institutos Jurídicos criando o espaço vital.
Agora é a hipnose post-moderna pela criminalística yankee. No Congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses foi tema. No estudo que apoiou esse Congresso está patente.
Já escrevi sobre isso e disse o que pensava. Lembrei-me foi do tema a propósito deste «site» norte-americano, onde como na Idade Média se faz o pelourinho dos presos, mesmo sem culpa formada, mesmo que venham a ser absolvidos. Com fotografia e tudo! Bonito não? Edificante! Magnífico exemplo de um sistema que vem na nossa melhor tradição, não é? É só ver aqui. E meditar se a terra da Lei do Lynch serve de moral e de modelo!

Paraísos fiscais

Quer saber onde ficam os paraísos fiscais? O Governo informa e actualiza a informação sobre as offshores e onde estão. Vem na folha oficial:«Para todos os efeitos previstos na lei, designadamente no n.o 3 do artigo 16.o do Código do IRS, no n.o 2 do artigo 59.o e no n.o 3 e na alínea c) do n.o 7 do artigo 60.o do Código do IRC, na alínea b) do artigo 26.o, no n.o 7 do artigo 41.o e no n.o 8 do artigo 42.o do EBF, no n.o 3 do artigo 7.o do Código do Imposto do Selo, no artigo 3.o do Decreto-Lei n.o 88/94, de 2 de Abril, no n.o 4 do artigo 2.o e no n.o 3 do artigo 4.o do Decreto-Lei n.o 219/2001, de 4 de Agosto, no n.o 7 do artigo 9.o e no n.o 3 do artigo 112.o do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e no n.o 4 do artigo 17.o do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis» está publicada aqui.

O queijo gruyère

O segredo bancário suíço tornou-se um queijo gruyère. Basta ler esta notícia:

«Credit Suisse Group AG (CSGN), Switzerland’s second-biggest bank, told U.S. clients it is giving confidential client account data to the Swiss tax authorities, who will decide whether to disclose it to the Internal Revenue Service. The U.S. is probing whether Credit Suisse helped Americans evade taxes, and the IRS used a 1996 tax treaty to request data for certain accounts held between 2002 and 2010, according to Nov. 2 letter sent to a client by the bank. The IRS sought data for accounts owned through domiciliary companies in which clients are the beneficial owners, according to the letter».

O resto da história vem aqui. País de chocolates, o que era doce, acabou-se...

Salvo erro ou omissão

Procurei na lateral deste meu blog dar conta dos blogs jurídicos [e aparentados] que estão activos. Temo que possa ter falhado algum. Não quero cometer indelicadeza. Procuro citar mesmo aqueles que me ignoram e leio todos sempre que posso. Para a eventualidade de estar em falta com qualquer fico grato pela informação sobre a sua existência. A ideia é partilhar informação, mesmo aquela com que não concordo.

Branqueamento e opacidades

Um estudo da KPMG e da UIF [Unidade de Informação Financeira] da Polícia Judiciária sobre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, elaborado em  2010 [que retirei daqui] revela quanto aos sectores bancário e segurador em Portugal que:

«A legislação actual, resultante da transposição da Terceira Directiva Comunitária (Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho), obriga a que as Organizações abrangidas pela mesma tenham definidos e implementados procedimentos específicos na identificação e acompanhamento das Pessoas Politicamente Expostas (PEP)».
Definindo quem são os PEP's o documento acrescenta: «Este tipo de contraparte, tal como se encontra definido, é constituído por pessoas singulares que desempenham, ou desempenharam até há um ano, altos cargos de natureza política ou pública, bem como os membros próximos da sua família e pessoas que reconhecidamente tenham com elas estreitas relações de natureza societária ou comercial».
Como que a sublinhar os bons resultado obtidos o inquérito quantifica: «É de salientar a evolução significativa que se verificou face ao estudo anterior, dado que existiu um acréscimo de 29% das Organizações que referem possuir agora políticas, processos e procedimentos específicos para identificar e monitorizar as PEP. Em 2008 esta percentagem era de 61% e em 2010 é de 90%».
Sucede, porém, que, segundo o dito estudo «quanto se questionaram as Organizações participantes sobre qual a principal metodologia adoptada na identificação de uma PEP, verificou-se que 61% utilizam o cruzamento de listas, e que 33% utilizam principalmente uma declaração da própria pessoa». Sublinhado nosso.

P. S. O estudo é, afinal, um inquérito em que os inquiridos responderam como quiseram. E nem todos se dignaram responder. Citando do documento: «Este estudo foi suportado na realização de um questionário on-line dirigido a 31 Organizações do Sector Bancário e a 21 Organizações do Sector Segurador com actividade no ramo “Vida”. O questionário ficou disponível para preenchimento dos participantes no primeiro trimestre de 2010. No Sector Bancário existiu uma taxa de resposta de 65%, superior à registada em 2008 (56%). O conjunto de Instituições do Sector que responderam a este Estudo representam, aproximadamente, 86% do Sector Bancário, em termos de valor de Activos. Quanto ao Sector Segurador existiu uma taxa de resposta de 43%, igual à registada em 2008. O conjunto de instituições do sector que responderam a este Estudo representam, aproximadamente, 74% do sector Segurador, em termos de total do Activo Líquido». [sublinhados nossos também]. Esclarecedor. 
Com conhecimento oficial obtido desta forma de como estamos em matéria de branqueamento de capitais é caso para dizer que estamos às escuras.

To be or not to be...

É, na tragédia shakespeariana da nossa jurisprudência, a chamada segurança jurídica mais a estabilidade do ordenamento jurídico
Passo a citar daqui: «A matéria das consequências da falta de entrega da carta de condução de condenado na pena acessória de proibição de conduzir é objecto de profunda divisão na nossa jurisprudência, desenhando-se em suma, três orientações distintas, a saber, que a falta de entrega da carta de condução I- não constitui crime de desobediência; II- integra o crime de violação de imposições, proibições ou interdições p. no art. 353 do CPenal; III- integra um crime de desobediência; a) p. na alínea a) do art. 348 do CPenal; b) p. na alínea b) do mesmo».
O cidadão vive à mercê do depende, princípio basilar deste nosso "Estado de Direito", a lógica do tem dias...

Prender e apreender

O blog Outros Direitos abre aqui uma questão essencial, a dos bens apreendidos pelo Estado. E fá-lo a propósito de uma decisão da ministra da Justiça sobre uns funcionários que terão doado o que estava apreendido. Permitam-me alinhar mais umas quantas ideias.
Se a titular da pasta da Justiça entendeu entrar no assunto - porque as questões patrimoniais da Justiça estão hoje na ordem do dia e prevalecem sobre todas as outras - que mande fazer uma funda sindicância a quanto se tem passado nesta matéria, um levantamento [que torne público] de situação que apure [entre tantas coisas]:

1º O critério que tem levado à apreensão de bens a propósito de servirem como meio de prova ou instrumento do crime [eu sei que o Governo não pode interferir na área processual penal concreta, mas é bom que fiquemos a saber como é que tem funcionado a jurisprudência concreta a tal respeito];
2º Quais os cuidados de conservação que existem em relação a esses bens, pois consta teimosamente que amiúde são devolvidos deteriorados por estarem ao Deus-dará, na rua ou em depósitos sem condições, inúteis.
3º Qual o tempo de duração dessas apreensões, pois não havendo prazo legal improrrogável as apreensões perpetuam-se no tempo, algumas indefinidamente, nisso incluindo dinheiro.
4º Se é verdade que todo o dinheiro apreendido está depositado na Caixa Geral de Depósitos ou se não há práticas [legalizadas ou assumidas como legais] de o depositar em outras instituições de crédito.
5º Quais os poderes de uso pelas autoridades [não só judiciárias mas também policiais e até governamentais] dos bens apreendidos enquanto não lhes é dado destino final, pois já assisti a um caso caso em que até um membro do Governo usou automóvel que estava à ordem do processo-crime, devolvendo-o no fim depois de "estafado" e até os estofos tinha mandado alterar, porque Sexa. não gostava da cor.
6º Quais as entidades que estão a ser beneficiadas e a que título com a fruição de bens apreendidos, nomeadamente viaturas.
7º O que aconteceu ao SIBAP, criado pelo ministro Rui Pereira, como se vê aqui no Ministério da Administração Interna, como se o assunto não tivesse a ver com a Justiça, de que ele gostaria por ventura de ter sido ministro.
8º Qual o critério vigente para o efectivo reembolso do dono dos bens em caso de devolução, pois que a miséria que é paga não compensa o dano causado ao apreendido.
9º Como se processam as vendas dos bens apreendidos por constar que há casos e casos a merecerem que se abra os olhos sobre o que rodeia esse negócio.

Veja-se como está a ser cumprida esta lei aqui, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 31/85, ou a quantas andamos no que se refere ao Gabinete de Recuperação de Activos, criado por esta Lei [do Governo anterior] aqui, a Lei 45/2011, não só do ponto de vista do recuperado para benefício do Estado [para isso já tínhamos a lógica predadora e instigadora à extensão da «perda ampliada», do projecto Fénix, orientada pelo apetite estadual sobre os bens alheios em nome e a pretexto do combate ao crime, como se evidencia aqui e aqui], mas do efectivo respeito pela propriedade dos donos dos bens. Porque no quadro europeu sabemos qual é a dinâmica: tornar o processo penal uma lógica de captação de bens e de meio de financiamento, como se percebe por aqui, ao ler a Lei n.º 25/2009.

É que na lógica do «Governo vai vender bens apreendidos para financiar Justiça», como foi título de notícia publicada aqui, já temos que baste. E lendo estas comunicações às instâncias internacionais, como aqui, está tudo conforme.

Digo o que já escrevi: num País em que a liberdade ambulatória é objecto de debate nacional, por causa da prisão preventiva, a liberdade patrimonial do cidadão anda a tratos de polé. O Estado permite-se tanta vez apreender com ampla liberdade, dá-se ao luxo de não conservar, pois não lhe dói a deterioração, e impunemente devolve o apreendido já deteriorado ou inutilizado, reembolsando com uma gorjeta.
Dir-se-á que  este modo de dizer é rude e que cometo o pecado da generalização injusta. Mostrem-me que não tenho razão. Gostava de não a ter.
A senhora ministra que se preocupe com o geral, já que se preocupou com o particular.

As pautas

Querem consultar as tabelas de distribuição dos processos penais no Supremo Tribunal de Justiça? Estão aqui. Até o nome do relator se fica a saber, quanto mais os dos interessados...

Halt!

Alguém precisa do índice do Código Penal Português traduzido em alemão? Está aqui
Em breve vou abrir na lateral espaço para traduções de leis portuguesas. With a little help from my friends...

P. S. Não sei porque razão a expressão «Dos crimes contra a vida» ficou no original em português. Não porque não seja crime na Alemanha seguramente.

Contra a Justiça dos ricos, a Advocacia para ricos

A frase pertence a Fred Allen: «Fiz tão bem o meu curso de Direito que, no dia que me formei, processei a Faculdade, ganhei a causa e recuperei todas as mensalidades que havia pago». A propósito, a Tabela de Emolumentos que vigorará na Ordem dos Advogados vem publicada aqui
É a "Deliberação do Conselho Geral aprovada em sessão plenária de 21 de Outubro de 2011 que altera e republica a tabela de emolumentos e preços devidos pela emissão de documentos e prática de actos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados". Entre os custos o quanto custa o estágio.

Congresso da ASJP

As conclusões do 9º Congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, os discursos e comunicações estão aqui. O estudo elaborado, após um ano de trabalho pelo Grupo de Estudo e Observatório dos Tribunais dessa Associação lê-se aqui.
Não me é possível comentar de imediato o segundo, mas quanto às conclusões do Congresso, nota-se o carácter vago de todas elas. Não sei se por não ter sido viável alcançar um acordo convergente em torno de ideias menos indeterminadas ou se foi uma forma de deixar margem aberta para uma política de não compromisso. 
Lê-se, por exemplo, a propósito do processo penal: «3- No processo penal há que assumir a diferenciação e simplificação processual, nomeadamente agilizando o inquérito e a fase instrutória e dando uma maior abertura à sentença abreviada».
Ora quer isto dizer precisamente...nada! O que é pena.
Vou ler o estudo, esperançado em realidades úteis.

As amibas

«Segundo um inquérito a nível europeu ontem divulgado (ESS), 76,7% dos portugueses pensam que as decisões dos tribunais são influenciadas por pressões políticas. 83% acham que os tribunais protegem mais os ricos e os poderosos. Sobre a confiança nas instituições, numa escala de 0 a 10, 84% dos portugueses não vão além de 5», revela aqui o blog Sine Die
Ainda me lembro que há bem pouco tempo os jornais publicavam que os portugueses se havia mundo em que tinham confiança era no da Justiça. 
É um universo de mutantes.
O que vale é que os inquéritos são como as sondagens. É o mundo reduzido ao sim ou não de uma só cruzinha, próprio para seres unicelulares, de um e apenas um neurónio. 
A vida vista pelas amibas!

P.S. Um inquérito europeu achar que 76,7% dos portugueses "pensam" já é um bom "score". É que a atentar no que supõem que temos que seguir em matéria de Europa, imagino que muitos suporão que nem de pensar seremos capazes...

Levante-se o Véu!

A editora não levará a mal que revele o que é este texto de abertura do que escrevi. Espero que os leitores não tomem esta citação como vaidade. É apenas uma forma de prevenir para o tom e para agradecer a oportunidade que me deram de, levantando a cabeça do quotidiano, pensar o que tenho visto e vivido.

«Num mundo dual, num mundo que se simplificou, num mundo em que o maniqueísmo virou modo de sobrevivência dos ingénuos e de dominação dos perversos, a distinção entre o bem e o mal [na Justiça] tem sentido e sucesso: os críticos ganham o seu espaço hiperbólico, o de diabolização do que há, os apologistas o seu território de redenção, legitimando quanto é. A pequena esquadra destes, mercenários tantos deles, não consegue, porém, nem se atreve, a enfrentar o esquadrão de todos os outros. Nem batalha há, mas longo cerco, com o seu cortejo de depredação, desânimo, ruína. É a crise permanente da Justiça, a banalização da noção de crise, a indiferença ante tudo isso.
Olhando para quantos estão no intra-muros da Justiça não há gente feliz. Nenhuma testemunha, nenhum ofendido, nenhum arguido, nenhum cidadão gostou do que viu ou gostaria de viver aquilo pelo que passou, fosse só uma outra vez».

O TC: uma questão de extintores

Não sou constitucionalista. Com esta prevenção atrevo-me a exprimir uma opinião sobre a questão, que está na ordem do dia, a da extinção ou não do Tribunal Constitucional, como se lê aqui neste blog amigo.
Acho que o problema pode fazer sentido, como matéria premente, no que se refere à fiscalização concreta. Já não quanto à abstracta e à preventiva. Ali é que se pode suscitar o caso de se perguntar se não deveria confiar-se essa questão da constitucionalidade à jurisdição comum.
Porque pensam assim tantos que eu tenho escutado?
Primeiro, por uma desconfiança congénita quanto à electividade dos juízes que integram o Palácio de Ratton, na lógica de que da eleição política deriva sujeição partidária, onde dependência, o que é a antinomia da ideia de juiz. A ser assim, que se extraia o mesmo efeito quanto aos membros politicamente eleitos e nomeados que integram os órgãos de cúpula das magistraturas, os respectivos Conselhos Superiores.
Segundo, pelo facto de a jurisprudência emitida pelo Tribunal Constitucional, pelo que se contradiz, pelas vezes em que surge insólita, pelas especulações a que se presta quanto a servir este interesse ou aquela força, indiciar que não de Tribunal se tratará, mas de instância de conveniências legitimadoras de um apriori que o Direito serve, secundarizado. A ser assim, que se escrutine com o mesmo critério a jurisprudência da jurisdição comum em ordem a saber se esta se move imaculada no limbo incensado das categorias jurídicas puras, não alumiado pelo mundo das realidades interessantes do mundo das ideologias, da política, jurisprudência dos interesses, em suma, pensada na sacristia das convicções pessoais antes da paramentarização para a solenização do ritual forense.
Enfim, porque poderá ser uma onerosa inutilidade, esta de atribuir a um outro Tribunal aquilo que caberia, afinal, no dever funcional de todos os tribunais. A ser assim, que se examine como têm os tribunais comuns tratado as questões de (in) constitucionalidade que se lhes colocaram.
Querem a minha verdade sofrida, feita de chagas e edemas do dia a dia na luta pelo Direito? Assim tivessem os tribunais comuns mostrado sensibilidade à Constituição, assim não tivessem convivido anos a fio com verdadeiras tropelias aos direitos fundamentais, apoando-as de legais, legítimas, desejáveis e conformes à Lei Fundamental, e não teríamos que dar graças por haver um Tribunal que até uma certa altura ainda foi a forma de evitar lesões à cidadania que ocorreriam a não haver apelo quanto à mentalidade de quantos sentiam servir a justiça despachando processos, as arguições de invalidade um abuso dilatório, os recursos uma chicana, a exigência de acatamento da forma um pretexto para emperrar a Justiça.
Claro que hoje, tornado jangada dos aflitos a quem um destes legisladores subtraiu o duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional, tal como o STA do antigamente, aprendeu a defender-se. A esmagadora maioria dos recursos morrem logo na decisão sumária por razões formais e por formalidades cada vez mais exigentes. Uma delas é aquela geometria fantástica, que nem o Pitágoras ou o Euclides demonstrariam, a de que a dimensão normativa suscitada no recurso quase nunca é coincidente com a dimensão normativa aplicada na decisão recorrida. Jogo de círculos nunca coincidentes, o recurso de fiscalização concreta para o TC tornou-se um verdadeiro jogo de azar: quase nunca se tem sorte.
Extinguir o Tribunal Constitucional? Que interessa? Neste incêndio de ideias que grassa pelo País, em que a palavra de ordem é extinguir organismos públicos, extinguir sim a necessidade de ter de ir para Tribunal para que a Constituição se cumpra nos próprios Tribunais.

Compliance: a teoria da não complacência

Matéria pouco conhecida a os «compliance officers», que a legislação financeira hoje obriga que existam com o propósito de efectuarem um controlo interno dos possíveis actos fraudulentos nomeadamente a nível do branqueamento de capitais [ver por exemplo esta legislação aqui, artigo 3º, n.º 6, ou esta explicação no portal de um banco, aqui].
Interessantes, por isso, estas reflexões na Revista de Crítica Jurídica [brasileira], aqui: «Parece, assim, que o desenvolvimento do Compliance implica um paradoxo. O objetivo de Compliance é claro: a partir de uma série de controles internos, pretende-se prevenir a responsabilização penal. A sua concretização, porém, ao invés de diminuir as chances de responsabilização, cria as condições para que, dentro da empresa ou instituição financeira, se forme uma cadeia de responsabilização penal. Isso porque as atribuições que têm sido conferidas aos Compliance Officers acabam por colocá-los na posição de garantidores (respondem, portanto, como se tivessem agido positivamente nas situações em que venham a se omitir). Mais: podem ser considerados garantes também os integrantes do Conselho de Administração, pois, segundo doutrina majoritária, eles têm o dever de supervisão dos Compliance Officers. Evidencia-se, assim, que toda a administração da empresa é exposta ao risco de uma persecução criminal».
 
Ao limite é a responsabilização do garante do [não] resultado em função da omissão do dever de fiscalização. Numa só regra um emaranhado de questões.

Instrução e hipocrisia

Integrei a comissão legislativa de que saiu o Código de Processo Penal de 1987, presidida pelo Professor Figueiredo Dias. 
Na altura a Itália debatia o Progetto Preliminare de um código homólogo, publicada que fora a Legge Delega respectiva. É verdade que não nos tendo servido de guia, foi largamente inspirador da nossa tarefa. Mais tarde comprei um livro que já colocava esse projecto em «câmara de reanimação». Se não estivesse a escrever-vos fora do meu escritório iria buscá-lo para a citação ser mais exacta. Mas a ideia ficou vincada no meu espírito. Modificado, embora, o Código italiano vingou e entrou em vigor em 24.10.89.
Comissão de ambiente amigável, a nossa, nela o debate foi intenso, um estimulante trabalho intelectual. Veio esta rememoração a propósito da discussão que se esboça publicamente sobre o futuro da instrução judicial. Essa inutilidade, esse alçapão.
Inutilidade, porque pouquíssimos são os casos em que, através dela, sai modificada, a posição que o Ministério Público tomou ao encerrar o inquérito, acusando ou arquivamento: a pronúncia tendo havido arquivamento ou a não pronúncia quando houve acusação, são o que quase não se espera na esmagadora maioria das vezes. E assim sucede. O legislador, ao conferir o bónus da irrecorribilidade ao juiz que seja obediente à prévia posição do Procurador, veio deixar ao escrúpulo de cada magistrado o divergir, pois aquiescendo, vê a sua decisão "blindada". Mesmo em relação às questões prévias. Mesmo quando julga os seus próprios actos jurisdicionais praticados no inquérito.
Alçapão, porquanto, na ânsia de escaparem ao julgamento, os arguidos abrem o jogo da sua defesa e no final, entram na audiência com a "asa quebrada" de quem vê na pronúncia uma pré-sentença, e, a defenderem-se ali, naquela que é a fase processual definitiva, não sabem o que mais poderão agora dizer. Mais: tudo o que ante o juiz de instrução se passar em sede de instrução e for documentado em auto pode ser lido na audiência contra eles.
Acto de confirmação, a instrução surge, enfim, como um acto de reforço das acusações imperfeitas, salvas na parte em que a factualidade era incompleta ou incongruente, refeitas na parte em que a subsunção jurídica era incorrecta e por tudo isso o processo, julgado, corria o risco de naufragar.
Eis o que se se debate hoje, num contexto em que, vingando ainda a cantata heróica do "excesso de garantismo" e seus filhos monstruosos, há quem considere a instrução um luxo indevido que a lei dá aos bandidos à conta da delapidação do erário público, quando deviam ser era logo sumariamente condenados e só não o são por terem advogados que, porque cúmplices afinal, deviam ser encostados ao mesmo paredão para o mesmo fuzilamento.
Eliminar a instrução essa perversidade do sistema? Dizem que é a Constituição que o impede e literalmente nela prevê-se que haja uma fase com esse nome, seja qual for, sirva para o que servir.
Reconstrui-la, tornando-a essencialmente um debate instrutório, em que os actos de averiguação são complementares ou subsidiários? É o modelo actual italiano [artigos 417º e seguintes, vê-los aqui]. Trata-se de uma solução com duas desvantagens. Resolve contra a acusação [porque perde a possibilidade de ter mais autos legíveis em julgamento], resolve contra a defesa [porque lhe subtrai a investigação judicial do que o MP não averiguou].
Não sei o que pensar em definitivo. Ao longo dos anos tenho convivido com juízes de instrução que se limitam a receber as acusações fundamentando o acto com meia-dúzia de linhas conclusivas em que proclamam que a instrução não logrou enfraquecer a indiciação do inquérito, ponto, e dizem que é o melhor para o arguido, porque mau é o juiz que rebate ponto por ponto, numa lógica adversarial, aquilo que o requerente da instrução pretendia. Tenho encontrado sucesso em instrução que evitaram julgamentos que seriam ignominiosos, que levaram a julgamento pessoas que escapariam à Justiça assim tivessem os autos ficado pelo Ministério Público.
Sinto é que as realidades processuais não são entidades objectivas, sim instrumentos ao serviço dos homens. A boa lei é péssima nas mãos do homem mau. Tenho anos de vida suficientes para saber que o Código de Processo Penal de 1929, o da "Ditadura" nacional, era mais liberal e mais liberalmente aplicados em algumas das suas facetas do que a prática que quantas vezes vemos por aí.
Talvez a supressão da instrução seja a eliminação da hipocrisia processual, o começo de uma fase nova na moral da nossa vida jurídica: adaptar o que é àquilo que todos sabemos que é. Um mundo sem máscaras. E sim, revogue-se esta parte da Constituição. E outras. Chega de ilusões macabras.

Enriquecimento ilícito: o pau e a pedra

Publiquei aqui o link para os textos dos projectos de diplomas sobre a criminalização do enriquecimento ilícito. O blog Porta da Loja trouxe-me, pois não tinha reparado, um artigo que o professor Costa Andrade publicou num jornal sobre a matéria e que pode ler-se aqui e que o blog citado comenta aqui.
A ideia geral é que já tínhamos lei que chegasse. Talvez. Mas a regra é conhecida: quando se não sabe acertar com o pau, tenta-se aprender a atirar a pedra.

Medicina: um jogo de equipa

Não é só uma mudança legislativa e de orientação jurisprudencial. 
A avaliação da responsabilidade médica passou a ser subsidiária de uma nova orientação cultural, talvez fruto do cansaço público ante das disfunções do Serviço Nacional de Saúde, ou do esgotamento ante a exploração comercial em que por vezes se tornou o sistema de saúde privada, salvas as honrosas excepções. 
No terreno o sistema jurídico sentiu que teria de encontrar resposta perante a frequente opacidade da relação médico/doente, a incerteza opinativa entre eles no que se refere à definição dos critérios das leges artis, a ensombrar o ambiente com a dúvida do corporativismo. 
Tudo isto engendrava no passado como resposta do sistema jurídico criminal a resposta do in dubio pro reo, favorável aos eventuais prevaricadores; além disso o ónus da prova era complexo, o sistema de peritagem era tomado pelos juízes como uma conclusão intransponível, os queixosos parcos de meios.
A questão complica-se quando está em caso o apuramento de responsabilidades no âmbito de uma equipa médica, nomeadamente tratando-se de acto cirúrgico.
Eis pois porque tem interesse este artigo, na revista italiana on line Diritto, que pode ser lido aqui.
Fazendo o ponto de situação da actualidade, abre com: «Oggi si assiste a una più equilibrata redistribuzione dell’onere probatorio e di una mutata visione della responsabilità del medico che da quasi presunta è divenuta soggetta all’onere della prova, sia pure invertito, da parte del medico di non aver fatto quanto era nelle sue concrete possibilità per evitare l’evento». Vero!

P. S. Previno para um preconceito cultural meu: o Direito estrangeiro interessa menos pelas soluções que dá mas sim pelos problemas que coloca. A identidade da resposta seria negar a especificidade social de cada País. A semelhança da problemática essa demonstra a universalidade do homem.

Da vacatura ao interinato

O site do DCIAP informa aqui duas coisas interessantes.
Primeiro: «É curioso registar que, no longo consulado que durou até 1974, o cargo de procurador-geral da República esteve vago por períodos consideráveis, sendo as funções exercidas interinamente pelo ajudante do procurador-geral da República para o efeito designado. De assinalar é especialmente o período que vai de 1954 a 1969. O preenchimento do cargo em 1969 foi associado, pelos meios políticos, à evolução do regime».
Segundo que «A Procuradoria-Geral orgulha-se de ter tido, à frente dos seus destinos homens dos mais ilustres das suas épocas — como juristas, como magistrados, como professores, como políticos, como cidadãos».
E já agora o elenco: «o primeiro procurador-geral da Coroa foi o conselheiro Baptista Felgueiras, empossado no cargo no ano de 1833. Seguiram-se-lhe os conselheiros Aguiar Ottolini (1838 - 1846), Martens Ferrão (1868) , Cardoso Avelino (1886), Cardoso Machado (1890), Hintze Ribeiro (1891), Sequeira Pinto (1892), António Cândido (1898), Manuel de Arriaga (1910), Azevedo e Silva (1912), Henriques Goes (1929 - 1938), Francisco Caeiro (1943 - 1954), Furtado dos Santos (1969 - 1974), Pinheiro Farinha (1974 - 1977) e Arala Chaves (1977 - 1984), todos já falecidos.
De 11 de Setembro de 1984 a 6 de Outubro de 2000, o cargo foi ocupado pelo Conselheiro José Narciso da Cunha Rodrigues. Entre 9 de Outubro de 2000 e 8 de Outubro de 2006 desempenhou funções como procurador-geral da República,  José Adriano Machado Souto de Moura.O actual procurador-geral da República,  Fernando José Matos Pinto Monteiro, tomou posse do cargo em 9 de Outubro de 2006».

O peso certo

Infelizmente são poucos os estudos sobre o Direito tal como o aplicam os tribunais; muitas das obras jurídicas que se editam, sendo doutrinais, são sobre o Direito que os seus autores gostariam que vingasse em Portugal, ou sobre o Direito tal como seria interpretado pelo professorado alemão. Não vai nisto uma crítica mas uma constatação. 
Por outro lado, não há maior factor de insegurança do que a assimetria das penas. Os presos na mesma cela comparam as penas e atribuem-nas a tudo menos a critérios racionais: uns ao subjectivismo dos juízes, aos bons e maus momentos do espírito do tribunal, outros a razões por vezes ilegítimas, entre o favoritismo, a peita e a política. 
Se a Justiça encontrasse um critério poupava-se a estes equívocos de interpretação e ao enxovalho de suspeitas. Esta é a realidade vista por quem chegará ao fim do terreno sendo soldado de infantaria, condenado a ser um pedestre pelos campos rasos onde a Justiça se sente e são humanos os seus heróis e as suas vítimas. Tomara eu não ouvir e ter de rebater este modo de ver de quantos olham para o lado e medem o quanto lhes calhou e quanto foi a sorte dos outros..
Vem isto a propósito da análise a que o Conselheiro Souto Moura submeteu a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça entre os anos de 2005 e 2010 no que respeita à escolha e à medida da pena. O trabalho dita do último ano observado e encontra-se no sítio do STJ, aqui.
São estes os temas ali tratados:
a) O critério de escolha da pena (art.º 70º do Código Penal [C.P.])
b) A determinação da medida da pena (art.º 71º do C.P.)
c) A pena conjunta aplicável ao concurso de crimes (art.ºs 77º e 78º do C.P.)
d) A punição do crime continuado (art.º 79º do C.P.)
e) A atenuação especial da pena relativamente a jovens adultos (art.º 4º do D.L.
401/82 de 23 de Setembro).
Sobre o tema urge ler também os livros da professora Anabela Rodrigues e do conselheiro Lourenço Martins
Desculpem os que sabem muito a trivialidade de ter aqui arquivadas estas referências. Mas como não nascemos ensinados, vivo na ilusão de que para alguém esta informação possa ser útil, nem para lembrar o mundo que há e o mundo por haver.

Apoio judiciário: taxa de justiça ante indeferimento

«I - O apoio judiciário, se concedido, produz efeitos a partir da data em que é requerido. II – Se o pedido é indeferido, a partir desse momento são devidas as taxas de justiça inerentes aos actos já requeridos, mesmo que, entretanto, tenha sido apresentado novo pedido de apoio judiciário [itálico nosso] III - Face ao não pagamento das taxas de justiça devidas tem de se considerar correcta a decisão do Mº juiz a quo. IV - Aliás, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade inerente à consequência do não pagamento da taxa de justiça, no âmbito do Código das Custas Judiciais, devida para a prática de acto (Ac. TC nº 491/2003, de 22 de Outubro, consultável in www.tribunalconstitucional.pt)». Eis o que definiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 20.10.11 [Processo n.º 5224/08.0TDLSB.L1 9ª Secção, relator João Carrola]. Quanto ao citado Acórdão do TC, pode ser lido aqui.

Recuperando devedores

São os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores, aprovados por Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, na sequência do Memorando de Entendimento com a troika que nos Governa, administrando o nosso Governo. Ver todo o texto aqui.

«A conduta do devedor e dos credores durante o procedimento extrajudicial de recuperação de devedores deve orientar -se pelos seguintes princípios:

«Primeiro princípio. — O procedimento extrajudicial de recuperação de devedores corresponde às negociações entre o devedor e os credores envolvidos, tendo em vista obter um acordo que permita a efectiva recuperação do devedor. O procedimento extrajudicial corresponde a um compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos, e não a um direito, e apenas deve ser iniciado quando os problemas financeiros do devedor possam ser ultrapassados e este possa, com forte probabilidade, manter -se em actividade após a conclusão do acordo.

«Segundo princípio. — Durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa -fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos.

«Terceiro princípio. — De modo a garantir uma abordagem unificada por parte dos credores, que melhor sirva os interesses de todas as partes, os credores envolvidos podem criar comissões e ou designar um ou mais representantes para negociar com o devedor. As partes podem, ainda, designar consultores que as aconselhem e auxiliem nas negociações, em especial nos casos de maior complexidade.

«Quarto princípio. — Os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente (mas limitado) para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros. Este período de tempo, designado por período de suspensão, é uma concessão dos credores envolvidos,
e não um direito do devedor.

«Quinto princípio. — Durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo -se a abster -se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes.

«Sexto princípio. — Durante o período de suspensão, o devedor compromete -se a não praticar qualquer acto que prejudique os direitos e as garantias dos credores (conjuntamente ou a título individual), ou que, de algum modo, afecte negativamente as perspectivas dos credores de verem pagos os seus créditos, em comparação com a sua situação no início do período de suspensão.
«Sétimo princípio. — O devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activo, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio.

«Oitavo princípio. — Toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se estiver publicamente disponível.

«Nono princípio. — As propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor.

«Décimo princípio. — As propostas de recuperação do devedor devem basear -se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros.

«Décimo primeiro princípio. — Se durante o período de suspensão ou no âmbito da reestruturação da dívida for concedido financiamento adicional ao devedor, o crédito resultante deve ser considerado pelas partes como garantido».

Quando o negócio é o segredo

No campo do branqueamento de capitais, há o que goza da hiper-publicidade da criminalização e o que se fica pela penumbra discreta da negociação. Até na lavandaria há especial cuidado com a roupa de seda, preferindo-se para esta a lavagem a seco.

«US. and Swiss officials are concluding negotiations on a civil settlement amid U.S. criminal probes of 11 financial institutions, including Credit Suisse Group AG (CSGN), suspected of helping American clients hide money from the Internal Revenue Service, according to five people with knowledge of the talks who declined to speak publicly because they are confidential», informa a agência de notícias Blomberg, que acrescenta «Switzerland, the biggest haven for offshore wealth, wants an end to new U.S. probes while preserving its decades-old tradition of bank secrecy, the people said. The U.S. seeks data on Americans who have dodged U.S. taxes and a pledge by Swiss banks to stop helping such clients, according to the people. The Swiss reached accords this year with Germany and the U.K. on untaxed assets».

De acordo com a mesma fonte a negociação já teve lugar com outros países:«"The Swiss would like to get out of this by paying money, and they’ve done that with other countries,” said tax attorney H. David Rosenbloom of Caplin & Drysdale Chartered in Washington, who isn’t involved in the talks».

É caso para dizer: business goes on, as usually...

Rertize-se, o Governo agradece, a PGR esquece

Poucos deram conta. Vem na Proposta de Lei do Orçamento para 2012. É um novo RERT, uma regularização fiscal para evitar a perseguição penal.
O Estado tributário fora ao armário do Direito Penal buscar o armamento da prisão e seus arreios porque, como teorizavam alguns meios mais extremistas do pensamento jurídico-penal-fiscal, o ataque ao sistema tributário, ao pôr em causa os fundamentos do Estado e assim da gestão da comunidade, era mais grave do que o tráfico de droga. E o colocado no espaço exterior em offshores, então, esse, era logo presunção de bandidagem.
Depois, com a moralidade do mesmo Estado pelas ruas da amargura, com a solvabilidade do Estado pelas casas de penhores internacionais, ei-lo a tornar negociável o que parecia um princípio fora de questão. É mais uma oportunidade para os que colocaram dinheiro no exterior.
O Direito Penal poderia ter sido poupado a estes embaraços, reservando-se para os casos em que, numa lógica de subsidiaridade, fosse a última razão possível. Banalizou-se e, pior, está a tornar-se um instrumento de pressão fiscal. É a lei do quem ainda tiver dinheiro compra a não prisão, mais a lei do volta, offshore, filha, estás perdoada! 
Citemos, pois, a norma [que se aplica sem prejuízo desta outra que citei aqui sobre o efeito exoneratório criminal do pagamento antes de acusação]:

SECÇÃO II
Regime de regularização tributária


Artigo 156.º

Regularização tributária de elementos patrimoniais colocados no exterior


É aprovado o regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais que não se encontrem em território português, em 31 de Dezembro de 2010, abreviadamente designado pela sigla RERT III, nos seguintes termos e condições:

Artigo 1.º
Objecto

O presente regime excepcional de regularização tributária aplica-se a elementos patrimoniais que não se encontrem no território português, em 31 de Dezembro de 2010, que consistam em depósitos, certificados de depósito, partes de capital, valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, incluindo apólices de seguro do ramo «Vida» ligados a fundos de investimento e operações de capitalização do ramo «Vida».

Artigo 2.º
Âmbito subjectivo

1 - Podem beneficiar do presente regime os sujeitos passivos que sejam titulares, ou beneficiários efectivos, de elementos patrimoniais referidos no artigo anterior.
2 - Para efeitos do presente regime, os sujeitos passivos devem:
a) Apresentar a declaração de regularização tributária prevista no artigo 5.º;
b) Proceder ao pagamento da importância correspondente à aplicação de uma taxa de 7,5% sobre o valor dos elementos patrimoniais constantes da declaração referida na alínea anterior.
3 - A importância paga nos termos da alínea b) do número anterior não é dedutível nem compensável para efeitos de qualquer outro imposto ou tributo.

Artigo 3.º
Valorização dos elementos patrimoniais

A determinação do valor referido na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior faz-se de acordo com as seguintes regras aplicadas com referência à data de 31 de Dezembro de 2010:
a) No caso de depósitos em instituições financeiras, o montante do respectivo saldo;
b) No caso de partes de capital, valores mobiliários e instrumentos financeiros cotados em mercado regulamentado, o valor da última cotação;
c) No caso de unidades de participação em organismos de investimento colectivo não admitidos à cotação em mercado regulamentado, bem como de seguros do ramo «Vida» ligados a um fundo de investimentos, o seu valor para efeitos de resgate;
d) No caso de operações de capitalização do ramo «Vida» e demais instrumentos de capitalização, o valor capitalizado;
e) Nos demais casos, o valor que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do imposto do Selo ou o respectivo custo de aquisição, consoante o que for maior.

Artigo 4.º
Efeitos

1 - A declaração e o pagamento referidos no n.º 2 do artigo 2.º produzem, relativamente aos elementos patrimoniais constantes da declaração e respectivos rendimentos, os seguintes efeitos:
a) Extinção das obrigações tributárias exigíveis em relação àqueles elementos e rendimentos, respeitantes aos períodos de tributação que tenham terminado até 31 de Dezembro de 2010;
b) Exclusão da responsabilidade por infracções tributárias que resultem de condutas ilícitas que tenham lugar por ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou escrituração, de declarações apresentadas ou prestadas à administração fiscal ou que a esta devam ser revelados, desde que conexionadas com aqueles elementos ou rendimentos;
c) Constituição de prova bastante para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
2 - Para efeitos de apuramento de quaisquer rendimentos relativos a períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de Janeiro de 2011, considera-se que o valor de aquisição dos elementos patrimoniais objecto de regularização corresponde aos valores declarados, apurados nos termos do artigo 3.º, e que a data de aquisição destes elementos patrimoniais é 31 de Dezembro de 2010.
3 - Os efeitos previstos nos números anteriores não se verificam quando à data da apresentação da declaração já tenha tido início procedimento para apuramento da situação tributária do contribuinte, bem como quando já tenha sido desencadeado procedimento penal ou contra-ordenacional de que, em qualquer dos casos, o interessado já tenha tido conhecimento nos termos da lei e que abranjam elementos patrimoniais susceptíveis de beneficiar deste regime.

Artigo 5.º
Declaração e pagamento

1 - A declaração de regularização tributária a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º obedece a modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e deve ser acompanhada dos documentos comprovativos da titularidade, ou da qualidade de beneficiário efectivo, e do depósito ou registo dos elementos patrimoniais dela constantes.
2 - A declaração de regularização tributária deve ser entregue, até ao dia 30 de Junho de 2012, junto do Banco de Portugal ou de outros bancos estabelecidos em Portugal.
3 - O pagamento previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º é efectuado junto das entidades referidas no número anterior, em simultâneo com a entrega da declaração a que se refere a alínea a) do mesmo número e artigo, ou nos 10 dias posteriores contados da data da recepção daquela declaração.
4 - A entidade bancária interveniente entrega ao declarante no acto do pagamento um documento nominativo comprovativo da entrega da declaração e do respectivo pagamento.
5 - Nos limites do presente regime, a declaração de regularização tributária não pode ser, por qualquer modo, utilizada como indício ou elemento relevante para efeitos de qualquer procedimento tributário, criminal ou contra-ordenacional, devendo os bancos intervenientes manter sigilo sobre a informação prestada.
6 - No caso de a entrega da declaração e o pagamento não serem efectuados directamente junto do Banco de Portugal, o banco interveniente deve remeter ao Banco de Portugal a referida declaração, bem como uma cópia do documento comprovativo nos 10 dias úteis posteriores à data da entrega da declaração.
7 - Nos casos previstos no número anterior, o banco interveniente deve transferir para o Banco de Portugal as importâncias recebidas nos 10 dias úteis posteriores ao respectivo pagamento.

Artigo 6.º
Falta, omissões e inexactidões da declaração

Sem prejuízo das demais sanções criminais ou contra-ordenacionais que ao caso sejam aplicáveis, a falta de entrega da declaração de regularização tributária de elementos patrimoniais referidos no artigo 1.º bem como as omissões ou inexactidões da mesma implicam, em relação aos elementos patrimoniais não declarados, omitidos ou inexactos, a majoração em 60% do imposto que seria devido pelos rendimentos correspondentes aos elementos patrimoniais não declarados, omitidos ou inexactos.»

Condução sem carta

Nunca percebi que profunda razão psicológica leva a que certas pessoas, mesmo condenadas por conduzirem sem carta, insistam em não a obter. Ainda por cima quando, como sucede em muitos casos, até conduzem bem, razoavelmente, ou pelo menos não pior do que os encartados.
A situação atinge pontos em que, entre a prevenção geral e a perda da paciência, só a prisão efectiva surge como efectiva. Resta nem imaginar que à saída do cárcere tomem um transporte público e não sigam ao volante de um qualquer automóvel.
O problema esteve na ordem no dia na 9ª Secção da Relação de Lisboa, como o ilustram estes dois acórdão.
Primeiro o de 15.09.11 [proferido no processo n.º 670/11.4GLSNT.L1, 9ª Secção, relator João Abrunhosa] segundo o qual «pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (artº 3º do DL nº 2 /08, de 03 de Janeiro, mostra-se adequada, proporcional e necessária a assegurar os fins preventivos a imposição de uma pena de prisão efectiva de 18 meses, ao arguido que já antes fora condenado, por 7 (sete) vezes, pela prática do mesmo crime».
Depois o Acórdão de 13.10.11 [proferido no processo n.º 199/11.0GALNH.L1, 9ª Secção, relator Cid Geraldo], que determinou que «por razões de prevenção e porque o agente demonstra total insensibilidade de se pautar em conformidade com a lei, é de manter a pena de 1 ano e 4 meses de prisão efectiva aplicada a arguido que já anteriormente fora condenado, por 6 vezes e pela prática do mesmo crime de condução de veiculo automóvel sem habilitação legal».