Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O dano [moral] tanatológico

O irrequietismo da cultura pode levar ao caleidoscópio de categorizações jurídicas. Entre nós a figura do dano não patrimonial, chamado dano moral, tem sido tratado de modo unitário, gerando, seja qual for a sua forma, o ressarcimento compensatório afinal por equivalentes pecuniários.
Não assim no Direito italiano, como se colhe desta asserção, em que foi necessário definir pela negativa que: «non meritano alcuna tutela i diritti del tutto immaginari, come il diritto alla qualità della vita, allo stato di benessere, alla serenità: in definitiva il diritto ad essere felici».
Trata-se de um Direito em que só por um raciocínio jurídico redutor foi possível dar por adquirido que: «le distinte denominazioni (danno morale, danno biologico, danno esistenziale, danno da perdita del rapporto parentale o tanatologico), ha precisato la Corte, devono essere lette come mere sintesi descrittive adottate [...] dal momento che «il danno non patrimoniale» si presenta come una «categoria generale non suscettiva di suddivisione in sotto categorie variamente etichettate».
A ler aqui sobre o dano tanatológico, seja o sofrimento em agonia a que segue a morte, a dor psicológica própria final e a dos demais via hereditária.
«Con il sintagma danno tanatologico si descrivono, in realtà, due distinte ipotesi di danno, originate dal medesimo evento: il danno da morte iurehereditatis e il danno tanatologico iure proprio. Il primo definisce il danno subito dalla vittima primaria dell’illecito che può essere rivendicato dai suoi eredi; il danno tanatologico iure proprio, invece, ha ad oggetto la violazione, patita dai parenti della vittima, dell’interesse all’intangibilità della sfera degli affetti reciproci. Quest’ultimo interessa la lesione di due beni della vita, inscindibilmente collegati: il bene dell’integrità familiare, con riferimento alla vita quotidiana della vittima con i suoi familiari, (artt. 2, 3, 29, 30, 31, 36 cost.); il bene della solidarietà familiare, sia in relazione alla vita matrimoniale che in relazione al rapporto parentale tra genitori e figli e tra parenti prossimi conviventi (artt. 2, 3, 29, 30 cost.)».

Prova de co-arguido

Vale a prova do co-arguido contra o arguido? O problema não é líquido, oscilando o Direito entre a pragmática do aproveitamento e a moral da desconfiança. A sombra do «tão amigos que nós éramos» [expressão de Teresa Beleza] pesa sobre a questão, a ensombrar a credibilidade e a exigir corroboração.

A Relação de Évora num seu recente acórdão de 08.11.11 [relatora Ana Brito, texto integral aqui] lembra que «a jurisprudência do STJ tem revelado diferentes acolhimentos do princípio». E, como exemplo, cita três arestos deste Tribunal:

1º «(...) a prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação» (STJ 12.06.2008, Rel. Santos Carvalho, www.dgsi.pt);
2º «(...) a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…)»;
3º «O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dúbio pro reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova» (STJ 03.09.2008, Rel Santos Cabral, www.dgsi.pt).

Entrando a conhecer o caso sentenciou aquela Relação,seguindo uma lógica expendida por Medina de Seiça, no seu estudo O Conhecimento Probatório do co-arguido [Coimbra, 1999]:

«Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.
Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos.
A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição.
Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido em incrimina o outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”) ou para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”).
Pode ainda ter um interesse geral de pseudo contribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena.
Por tudo, revela-se prudente desconfiar, não de toda a co-arguição, como regra – esta regra não existe – mas da declaração de co-arguido que se encontre numa das referidas situações. Já relativamente a declaração de arguido fora de situação suspeita, a fragilização do potencial probatório deste contributo carece de justificação».

Insegurança pública, segurança privada

Que o Estado está incapaz de garantir a segurança pública e que a insegurança pública vai aumentar e que isso abre uma janela de oportunidade à segurança privada de quem a puder custear, eis o facto.  
Sucedeu: «o vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos e do BPN foi sequestrado e roubado, na noite desta terça-feira, por dois homens armados e abandonado na zona de Camarate, nas imediações de Lisboa».
A propósito opinou o presidente da direcção da ANASP, Ricardo Vieira: «(...) a actividade de segurança privada, pelo seu carácter complementar e subsidiário à segurança pública, poderia e deveria representar aqui um papel fulcral, não fosse esta encontrar-se 'manietada' na sua natureza de protecção de pessoa e bens, por uma lei absolutamente desenquadrada e desajustada da actual realidade».
O qual mais disse: «o Legislador, consciente da ineficácia do próprio Estado em responder adequadamente a todas as necessidades de segurança dos cidadãos, permite que ente privados complementem essa mesma actividade, assumindo para si (e muito bem) a regulação e fiscalização da mesma, o grande problema é que, impelido por razões que a própria razão desconhece, impede empresas e profissionais de recorrerem aos meios tidos por necessários para o exercício cabal da actividade, nomeadamente no âmbito da formação e dos meios de protecção como o são as armas letais e não letais conforme a situação o justifique» [itálico nosso].

À conversa com a Ministra da Justiça

A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, foi a convidada do Direito a Falar. No programa, a ministra fez uma análise sobre a actual situação da Justiça em Portugal e apontou as principais reformas que o Ministério pretende levar a cabo. A emissão contou como habitualmente com a presença do comentador residente e director do jornal jurídico Advocatus, João Teives, e do jornalista do Diário Económico Francisco Teixeira. A conversa pode ser vista aqui.

Perguntar não ofende!

É o Despacho n.º 16171/2011 da Ministra da Justiça. Está publicado na íntegra aqui. Aprova o «plano de acção para a justiça na sociedade da informação».

Há que lê-lo com atenção. No imediato traduz uma lógica de eficácia, de celeridade, de simplificação, de desburocratização. Mas há perguntas inevitáveis. Sei que vou ser antipático ao colocá-las e que haverá quem pense que estou ao serviço de uma lógica de desconfiança das rectas intenções e dos honestos propósitos. Mas a ambiguidade do escrito não permite outra atitude cívica se não a de perguntar. Perguntar não ofende.

Quando se prevê um «sistema de gestão processual integrado nos tribunais, dando suporte a todas as actividades realizadas, não apenas as administrativas, mas também no registo pleno das múltiplas intervenções no tribunal, envolvendo todos os intervenientes judiciários»  fica claro que se pretende abranger o trabalho dos magistrados. E quando se acrescenta que «a presente acção visa o aumento do controlo do respectivo processo «produtivo» e, dessa forma, o aumento da previsibilidade processual e do cumprimento de prazos», quer-se dizer que se vai criar um sistema de fiscalização [por quem?] do «processo "produtivo"» dos magistrados [como se de indústria se tratasse e de puro economicismo, numa lógica de taylorização?].

Quando se diz que se pretende «rever os metadados [manifesta gralha, quer dizer-se métodos * ] associados aos processos para que seja criado um único entendimento [sublinhado nosso] dos mesmos e que seja consistente em todos os processos e instâncias, para assegurar uma efectiva transparência e eficiência da actividade de todos os operadores judiciários envolvidos», quer-se dizer o quê em concreto no que respeita à actividade jurisdicional e à independência dos juízes e autonomia do Ministério Público? A padronização? A criação de uma justiça de formulário obrigatório e de livro único, conseguindo pela informática o que os "Assentos" obrigatórios não conseguiram fazer vingar, o sistema do «único entendimento»?;

Quando se diz pretender «promover em conjunto com a iniciativa privada uma plataforma de resolução alternativa de litígios integrada na arquitectura de sistemas de informação da justiça, mediante uma plataforma electrónica de serviços de mediação em linha», quer-se dizer o quê? Mediação por chat? Justiça pelas redes sociais? E porquê a «iniciativa privada» aqui chamada?

Sei que está tudo ainda ao nível de um grupo de trabalho que «é coordenado pelo Dr. João Miguel Barros, chefe do Gabinete da Ministra da Justiça, e integrará o Dr. Ricardo Negrão dos Santos, técnico especialista do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos do Ministério da Justiça, e a Dr.ª Patrícia Moital, técnica especialista do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos do Ministério da Justiça, que secretariará, bem como representantes do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, do Instituto dos Registos e do Notariado, da Direcção-Geral da Administração da Justiça e da Direcção-Geral de Política de Justiça». 

Os resultados virão depois. Mas antes que se esteja a trabalhar para o que não se sabe é melhor que saibamos no que se trabalha. É que a técnica tem coisas excelentes, resta saber ao serviço do quê. No seu pior momento ela dá azo à ditadura tecnológica, ao pesadelo orwelliano.

* P. S. Dizem-me que não é gralha e que os metadados são os dados que descrevem dados. Como aqui se diz. Que não se tratará da procura de «único entendimento» quanto ao conteúdo das decisões. A ser assim teria sido melhor ter encontrado uma outra fórmula enunciativa porque tal como está redigido o texto e ao fazer apelo à «transparência» e «eficiência» da actividade de todos os operadores judiciários a ideia que se inculca é a de que trata do controlo do conteúdo do processado.

RPCC-3

O n.º 3 da Revista Portuguesa de Ciência Criminal prosseguiu com a arrumação sistemática idêntica aos primeiros números.
No capítulo referente à doutrina (i) Raul Soares da Veiga escreveu Sobre o consentimento desconhecido [incidindo sobre o Direito Português antigo e o estrangeiro], concluindo pela positiva que o tratamento jurídico que o nosso Código Penal deu à questão [no seu artigo 38º, n.º 4] se caracteriza por «pioneirismo» e pela negativa que questões que outros ordenamentos estrangeiros suscitavam «carecem de sentido face à nossa lei» (ii) Manuel da Costa Andrade Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas [estudo que viria a tornar-se um clássico, nomeadamente quanto às escutas a defensor e a portadores de confiança e no que se refere ao problema dos «conhecimentos fortuitos» obtidos a partir das intercepções] e (iii) Fernando Oliveira Sá uma análise a que chamou As ofensas corporais no Código Penal: uma perspectiva médico-legal, em que procede ao inventário e crítica das conclusões de um workshop ocorrido na Curia em 16 e 17 de Fevereiro de 1989 sobre o tema.
Na secção sobre a jurisprudência crítica são escalpelizados dois arestos (i) um Assento do STJ de 03.04.91, sobre a não indicação do motivo da doença quando justificação de falta por atestado médico, por Manuel Simas Santos e (ii) outro da Relação de Coimbra de 30.01.91, sobre o concurso de ordenações e a matéria da continuação de contra-ordenações.
Mário Araújo Torres prosseguiu a sua crónica legislativa e J. Silva Miguel deu notícia de uma reunião conjunta entre a PGR portuguesa e a Fiscalía General del Estado espanhola, terminando esse capítulo informativo com uma nótula sobre a procriação assistida.

Os quase-delitos

Eram os quase-delitos, os cometidos sem dolo, com mera culpa. Numa época em que o Direito Penal parecia desproporcionado em extensão. Hoje que diríamos quando só até a severidade das coimas para as contra-ordenações parece nivelar-se ao rigor punitivo das penas para os crimes. A foto é a de uma página do livro de Direito Criminal escrito por Pascoal José Melo Freire [e não «e Freire» como tantas vezes se erra]. Escreveu em latim. Tenho um exemplar. Este está ao alcance de todos, digitalizado, no site da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, aqui: Paschalis Josephi Mellii Freirii ... Institutionum juris criminalis lusitani ... liber singularis. - Olisipone : Ex Typographia Regalis Academiae Scientiarum Olisiponensis, 1794.


Levante-se o Véu!

Permiti-me fazer menção ao livro aqui. Coloquei-a na lateral deste blog. Compreendam que afixe aqui o convite. Tenho sempre dúvidas quanto a ser mal interpretado. Sou o maior crítico do que escrevo. Convidar é expor-mo-nos no bom e no mau. Eis o risco. Até o de ninguém querer ler. Não é, pois, vaidade, mas sim atrevimento.
 

Relatório de Segurança Interna - 2010

É um documento extenso. Normalmente toma-se conhecimento dele pela imprensa. Mesmo os que estão ligados por razões profissionais ligados à área do conhecimento e da resposta à criminalidade [e em geral da segurança interna de que esta é uma das vertentes] não o lêem. Por ser longo ou porque se bastam com ideias gerais, ou porque a sua função dispensa saber tais coisas.
Tomei conhecimento dele aqui no blog "Das Ciências Forenses". São 243 páginas. Datado de 25 de Março do corrente ano. Não passível de ser copiado, nem por excerto. 

Por causa dos gregos e seu cavalo...

Enfim descobri a analogia literária que explica o porquê da para mim inaceitável irrecorribilidade total da decisão instrutória em processo penal. 
Leio-a num acórdão da Relação do Porto de 09.11.11 [proferido no processo 148/00.1IDPRT-A.P1, relator António Gama, texto integral aqui]: «(...) é hoje indiscutível que a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, nomeadamente a prescrição do procedimento criminal. Outro entendimento equivalia a recolher o cavalo de Tróia dentro da cidadela da celeridade processual, valor constitucional relevante em processo penal, quando o legislador tem tentado, a todo o custo, remover, nesta fase, os obstáculos a que o processo seja remetido imediatamente para julgamento, art.º 310º n.º1 do Código de Processo Penal».
Claro que no tempo do Estado Novo de Oliveira Salazar a pronúncia admitia recurso até ao STJ [artigo 377º do Código de Processo Penal de 1929], sendo que a recorribilidade só até à Relação foi uma "conquista" do PREC [artigo 21º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro] e sob a bandeira do Estado de Direito Democrático é como hoje se vê, de nada se pode recorrer, percebo agora eu por causa dos gregos e seu cavalo de Tróia.