Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Revistas, buscas e apreensões: orientação do PGR

Foi proferido a 12 de Março de 2012 Despacho do Procurador-Geral da República referente a «revistas, apreensões e detenções em estabelecimentos prisionais, estabelecimentos ou unidades policiais, estabelecimentos ou unidades militares ou outros estabelecimentos públicos, em geral, sujeitos a regime especial (serviços públicos, hospitais, etc.).». Texto integral aqui. Pelo enunciado prevê-se que se incluirão também serviços públicos e lugares de funcionamento de órgãos políticos.
O normativo visa estabelecer critérios de articulação entre as autoridades judiciárias e as entidades responsáveis pelos locais onde se efectivem as diligências.

Concurso de ameaças

Por Acórdão de 29.02.12 [relatora Eduarda Lobo, texto integral aqui] decidiu-se que «A ameaça de morte tem punição no art. 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal, prevalecendo essa norma sobre a do art. 153º, nº 1, do mesmo código».
Equacionando o problema no domínio do concurso de normas e de crimes, o aresto concluiu que: «No caso em apreço, a relação que se estabelece entre o tipo do artº 153º e o previsto no artº 155º nº 1 do Cód. Penal é, sem dúvida, uma relação de especialidade, estando o tipo-base previsto na primeira norma, à qual foram acrescentados elementos modificativos (quanto ao limite máximo da pena do crime ameaçado) que deram origem a um crime agravado na segunda norma, a qual contém necessariamente todos os elementos constitutivos da primeira. Sendo assim, resulta da estrutura da relação de especialidade que a norma especial prevalece sobre a norma geral e afasta inteiramente a aplicação desta (lex specialis derogat legi generali). Daí que, sendo o crime objecto da ameaça punido com pena de prisão superior a três anos, o agente deva ser punido pelo crime agravado previsto no artº 155º nº 1 al. a) do Cód. Penal, excluindo-se definitivamente a aplicação do crime simples previsto no artº 153º nº 1.»

O CSM e a reforma dos Tribunais

O Conselho Superior da Magistratura vai organizar nos próximos dias 13 e 14 de Abril de 2012, o VIII Encontro Anual, subordinado ao tema "A Administração dos Tribunais - Rumos de uma Reforma Inevitável". O programa pode ser encontrado aqui.

Pena suspensa no cúmulo jurídico

Técnica seguramente e por isso interessante neste tumultuoso universo em que o Direito parece rendido à Retórica e eivado de Política esta temática da relevância da pena suspensa no domínio da formação do cúmulo jurídico: «Iº A inclusão da pena suspensa num cúmulo de penas não equivale tecnicamente à revogação da suspensão, tendo apenas o alcance de considerar sem efeito a suspensão pela necessidade legal de proceder ao cúmulo de penas; IIº Uma pena de prisão suspensa na sua execução, aplicada pela prática de um crime que está em relação de concurso com os demais em que o arguido foi condenado, deve ser incluída no cúmulo jurídico a efectuar»
Decidiu-a a Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 6 de Março de 2012 [relator Artur Varges, texto integral aqui].
Fundamentando, a decisão recorrida havia já esclarecido que sobre o problema do relevar a pena suspensa no âmbito do cúmulo jurídico «o Supremo Tribunal de Justiça vem produzindo jurisprudência em dois sentidos. Uma corrente minoritária que impede o cúmulo jurídico de penas de prisão efectiva com penas prisão suspensa, uma vez que estas duas penas têm natureza diversa - a segunda é pena de substituição.
E uma outra maioritária, que, argumentando não excepcionar a lei esta possibilidade, defende a realização de cúmulo jurídico mesmo nestes casos.
No primeiro sentido: Conselheiro Henriques Gaspar, Ac. STJ de 02.06.2004, Proc.º 4P1391 in www.dgsi.pt e Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 217; de 06-10-2004, Procº. n.º 2012/04; de 20-04-2005, Procº. n.º 4742/04; da Relação do Porto de 12-02-1986, CJ, 1986, tomo 1, pág. 204; e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao Ac. do STJ de 03-07-2003, na RPCC, 2005, n.º 1, págs.117-153.
No segundo sentido: Conselheiro Raul Borges, Ac. STJ de 25.09.2008, P.º 8P2891, in www.dgsi.pt e Ac. STJ: de 04-03-2004, Procº. n.º 3293/03 - 5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Procº. n.º 4106/04; de 21-04-2005, Procº. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Procº. n.º 897/05; de 05-05-2005, Procº. n.º 661/05; de 09-11-2006, Procº. n.º 3512/06 - 5.ª, CJSTJ, 2006, tomo 3, pág. 226; de 29-11-2006, Procº. n.º 3106/06 - 3.ª; de 03-10-2007, Procº. n.º 2576/07 - 3.ª; de 27-03-2008, Procº. n.º 411/08 - 5.ª.
Decidindo, a Relação de Lisboa considerou: «A razão de ser da inclusão da pena parcelar suspensa na sua execução num cúmulo posterior radica no princípio segundo o qual o arguido deve ser condenado numa pena única por todos os crimes em concurso. Se, por razões ligadas ao funcionamento dos tribunais, mormente por lentidão de alguns deles ou por desconhecimento de outras condenações já impostas, houver condenações que não tomem em consideração todos os crimes em concurso, deve proferir-se nova sentença em que se aplique uma única pena, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1). Como expende o Prof. F. Dias, em As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 285, só relativamente à pena conjunta tem sentido pôr a questão da substituição. E não é chamar à colação o regime do artigo 56.º do Código Penal, que regula a revogação da suspensão. Com efeito, a inclusão da pena suspensa num cúmulo de penas não equivale tecnicamente à revogação da suspensão, tendo apenas o alcance de considerar sem efeito a suspensão pela necessidade legal de proceder ao cúmulo de penas. Em conclusão: não existe impedimento legal à inclusão da referida pena de prisão com suspensão da execução no cúmulo de penas, antes se tratando de uma exigência legal”. E, no mesmo sentido, também nesta Secção, o Acórdão de 05/04/2011, Proc. nº 663/07.6PKLSB-C.L1, consultável no referido sítio. Entendimento que subscrevemos integralmente, perfilando-nos ao lado da jurisprudência dominante, sem necessidade de fazer acrescer argumentos aos que se mostram já exaustivamente explanados.»

Fundamentação da decisão instrutória

É interminável a batalha pela fundamentação, das sentenças, dos despachos, a luta pela compreensibilidade, pela garantia da sindicabilidade, afinal pelos direitos dos intervenientes processuais. Daí que se registe o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2012 [relator Eduardo Nascimento, texto integral aqui] quando sentenciou que: «A possibilidade prevista no art. 307º, nº 1, do Código de Processo Penal de fundamentação da decisão instrutória por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução refere-se somente à dispensa da narração/descrição dos factos e da respectiva qualificação jurídica, não desobrigando o juiz de instrução de explicitar os motivos pelos quais, nomeadamente, não viu nos factos e nos elementos probatórios indicados pelo arguido virtualidade suficiente para infirmar a tese da acusação.» Reclamações:

O necessário e o escusado

Há questões no Direito que nem se imagina que se possam colocar. Eis que foi necessário decidir [Acórdão da Relação de Évora de 6 de Março de 2012, relator Sénio Alves, texto integral aqui] que «deve ser concedida escusa de intervir no processo criminal no qual os arguidos são acusados da prática de um crime de homicídio por negligência, na sequência de um acidente de viação, ao juiz que, no âmbito de um processo cível, julgou os mesmos factos, declarando um dos ora arguidos exclusivo culpado da produção do acidente».
É que, ante o artigo 40.º, alínea c)  do Código de Processo Penal, nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver «participado em julgamento anterior».
Ao não se ter ido pelo impedimento [eventualidade que nem se considerou] foi-se para a tramitação mais complexa  do incidente da escusa que, por lei, teria de ser decidida, como o foi, pelo Tribunal da Relação.
E, nesta linha lógica, foi em nome de argumentos oriundos do atletismo que se decidiu: «se encararmos o processo como uma corrida, seria hipocrisia não reconhecer que, perante aquela concreta Magistrada, um deles [leia-se um dos arguidos] parte com clara desvantagem. Dito de outra forma: para qualquer cidadão médio representativo da sociedade, existe fundamento sério e grave para duvidar da imparcialidade desta magistrada, no julgamento desta causa».

Enriquecimento ilícito: o porquê da dúvida

[Para não nos limitarmos ao que vem na imprensa e recorrendo ao melhor rigor das fontes oficiais, até porque estamos entre juristas] está aqui o historial e a versão final do Decreto n.º 37/XII, aprovado pela Assembleia da República, que legisla sobre a criminalização do enriquecimento ilícito. E está aqui a nota oficiosa emitida pela Presidência da República que comunica que o Chefe do Estado suscitou a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma.
De acordo com essa comunicação: «Atendendo às diversas questões suscitadas em torno da constitucionalidade deste diploma, que pode pôr em causa princípios essenciais do Estado de direito democrático, entendeu o Presidente da República que a sua entrada em vigor deve ser precedida da intervenção do Tribunal Constitucional, por forma a que a criminalização do enriquecimento ilícito se processe sem subsistirem dúvidas quanto a eventuais riscos de lesão dos direitos fundamentais de todos os cidadãos.»
Uma faceta ressalta: num assunto com esta gravidade como o da (in) constitucionalidade do diploma sobre o enriquecimento ilícito, era de se supor, se não de se exigir, que que a Presidência explicitasse o porquê da sua iniciativa de remissão do assunto para o Tribunal Constitucional. Até precisamente em função das questões suscitadas, da sua natureza e seriedade. Assim fica aberta a porta à especulação sobre a atitude presidencial, se jurídica, se política.

O preço da liberdade

Significativo: «[...] e tendo em conta, finalmente, que este Supremo Tribunal tem fixado compensações que raramente ultrapassam os € 15 000, mesmo em casos de perdas mais significativas do que as sofridas pelo autor (por exemplo, perda da liberdade por prisão ilegal ou manifestamente infundada) [...]». É o que se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.12 [relator Nuno Cameira, texto integral aqui].
Eis pois quanto vale um dos supremos bens, a liberdade: quinze mil euros no máximo.

O intervalo e o enredo

Retomo hoje este blog depois de uns dias de ausência, espécie de justo impedimento. Tentarei ver como vai o mundo jurídico. Que não seja como aquelas telenovelas em que, quando se perdem uns episódios, nunca se perde o enredo da história.

Serpentinas

Declarações conjuntas e eventualmente conjugadas do Procurador-Geral da República e da Procuradora Distrital de Lisboa responsabiliza a falta de formação dos juízes pelo insucesso no combate ao crime económico. Da banda da Associação Sindical dos Juízes já houve resposta. Não fossem guerras de serpentinas entre carros alegóricos em período eleitoral mas o fruto de um estudo sério e científico sobre o que causa o quê mereceria reflexão. Assim suscita indiferença e uma nota: desta vez escaparam os Advogados, os suspeitos do costume, os culpados de malvadez universal. Adiante, pois.