Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Probidade

Quatro semanas de ausência. E, no entanto, a vontade íntima de que isso não tivesse sucedido, porque ao falhanço antecedeu a promessa de que iria revigorar este blog. Felizmente há o imperfeito para demonstrar a existência da perfeição. A regressar, que seja com ironia. É sinal de saúde. Hesitei se deveria retomar no dia 1 de Janeiro. Decidi que faria mais sentido fazê-lo antes. Para evitar regularidades.


Fonte: este blog aqui. Do Pais contíguo.

Violência doméstica

«A Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, afirmou que o Governo vai abrir um concurso para adquirir mais mil pulseiras electrónicas, a somar às 700 já existentes. A Ministra acrescentou ainda que quer reforçar as equipas que monitorizam a vigilância electrónica, especialmente em casos de violência doméstica.
Estas declarações foram feitas no seminário «10 anos de Vigilância Electrónica em Portugal», na Faculdade de Direito de Lisboa, onde estiveram também presentes a Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, o juiz do Tribunal de Contas e ex-presidente da Reinserção Social, João Figueiredo, o ex-presidente da Comissão de Acompanhamento da Vigilância Electrónica, Germano Marques da Silva, e o diretor-geral dos Serviços prisionais, Rui Sá Gomes.
Referindo que, a partir de 2007, o uso desta pulseira se alargou à execução da pena e que já foram aplicadas mais de 5 mil medidas com recurso a esta tecnologia, Paula Teixeira da Cruz realçou que a taxa de cumprimento desta medida de coação, em outubro de 2012, era de 97%.
Mas o número de pulseiras electrónicas ainda é «insuficiente»,afirmou a Ministra, acrescentando que «a aposta do Governo é reforçar estes meios», que em 2012 já se aplicam ao dobro dos agressores por violência doméstica do que no ano anterior.
Entre as soluções de controlo dos agressores são também utilizados meios tecnológicos de segunda geração, através da geolocalização por satélite, o que «coloca o Ministério da Justiça na vanguarda europeia nesta matéria», afirmou Paula Teixeira da Cruz.
Este ano, a violência doméstica já matou 30 mulheres e manteve em prisão efetiva 320 agressores.»

Erro sobre a ilicitude

Rara a ponderação da relevância do erro sobre a ilicitude, o qual é daquelas categorias conceituais que jazem adormecidas na parte geral do Código Penal. E, no entanto, ei-lo, fundado no pensamento de Figueiredo Dias e Taipa de Carvalho, a orientar esta decisão do Tribunal da Relação de Guimarães [proferida em 05.11.12, relator João Lee Ferreira, texto integral aqui]: «I- O erro sobre a ilicitude excluirá o dolo do tipo sempre que determine uma falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito. O erro será censurável, ou não, consoante ele próprio seja, revelador e concretizador de uma personalidade indiferente perante o bem jurídico lesado ou posto em perigo pela conduta do agente.
II) - Um homem “normal”, dotado de uma recta consciência ética e social não sentiria a obrigação de se informar periodicamente junto das autoridades rodoviárias sobre eventual alteração do regime da habilitação de condução de velocípedes com motor e de ciclomotores, tanto mais que a sua licença de condução não tinha qualquer prazo de validade.
III) - Assim, não se pode de forma alguma dizer que a falta de esclarecimento e de conhecimento da alteração dos requisitos necessários à condução daquele tipo de veículo se tenha ficado a dever a uma qualquer qualidade desvaliosa e juridico-penalmente relevante da personalidade do agente, a uma indiferença perante o bem jurídico protegido pela norma ou que seja consequência de uma omissão do cuidado exigível.»

Apontamento, depósitos e demais tropelias

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2012, de 27 de Junho deste ano [publicado aqui] sentenciou que «Não julga inconstitucional a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretada no sentido de que «o prazo para a interposição de recurso, onde se impugne a decisão da matéria de facto cujas provas produzidas em sede de audiência tenham sido gravadas, conta-se sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria e não a partir da data da disponibilização ao arguido dos suportes materiais da prova gravada, ainda que estes tenham sido diligente e tempestivamente requeridos por este último - por as considerar essenciais para o cabal exercício do direito de defesa mediante recurso -, se diligentemente facultados pelo tribunal».

O que é interessante é quando ilegalmente a sentença é lida «por apontamento» - isto é dizendo a verdade com todas as letras não está escrita! - e só é depositada depois - quantas vezes em data incerta - pois, uma vez que a lei não obriga à notificação do acto do depósito, o sujeito processual por ela afectado - sobretudo aquele que não tem o privilégio de estar no intramuros do tribunal e ter assim informação privilegiada, como sucede ao com isso bafejado Ministério Público - tem de andar num jogo de gato e rato para saber quando é que o depósito ocorreu para apurar quando é que começa o prazo para recorrer, ou seja, quando é que, enfim, tem na mão o texto da sentença que até ali era uma inexistência!
Alguém fala disto?

Lugares comuns


Regressei de um tempo de voluntária pausa e fui dar uma volta pelo que escreve na blogoesfera jurídica.
Vejo que a escrita sobre casos concretos sujeitos à Justiça continua. O fundamento factual é o relato do que a comunicação social noticia, mesmo sabendo-se a imperfeição com que as notícias são dadas. 
Um minuto de reflexão leva a que se pense que a complexidade de um processo dificilmente se reduz a uma forma simples de o expressar. 
Ora é a lei da simplificação do facto uma das regras que permite aos media serem conhecidos e o que através deles se relata. 
Além disso, estão em causa, outras vezes, questões de cunho técnico que não é viável reduzir à formulação que o leigo entenda e este não tem outro meio de saber salvo o que a sua formação não jurídica lhe permite compreender. 
Enfim, é sabido que o relato mediático é centrado por uma lógica adversarial, sublinhando o que é contrastante, polémico, apto a ser notícia por causar sensação.
Estas constatações não desencorajam quantos cronistas há que diariamente emitem opinião sobre o que conhecem pelos jornais.
Mais: quantas vezes quando a notícia ainda revela apenas o embrião do facto, indefinidos os contornos. Mais ainda: na hora zero da notícia permitem-se serem comentadores em directo na TV e na rádio, brevemente informados pelos jornalistas quanto ao que supostamente se está a passar, não se desencorajando por reconhecerem que «do caso concreto nada sabem, mas...», estando ao abrigo do dito «mas» o resto do longo discurso e do autoritário veredicto com que nos brindam nem percebendo quanto se aviltam nesse falar do que ignoram.
Vem a isto propósito de se concluir que a comunicação social se deve abster de divulgar o que pela Justiça se passa? Não, antes pelo contrário, assim certas realidades que verdadeiramente se passam fossem relatadas, mas não são. É que há buracos negros no que se noticia, santuários de protecção.
Vem sim, a propósito, de quantos, tendo tido ou tendo ainda responsabilidades públicas no que à Justiça respeita, deveriam ter, assim o penso, mais contenção verbal não só quanto ao modo como se pronunciam mas sobre aquilo sobre o que se pronunciam.
A comunicação social, na ânsia de ter colaboradores privilegiados, multiplica os tempos de antena. A questão é saber se com isso ganha a Justiça ou a comunidade em nome da qual ela é administrada.
Confesso que ao regressar fiquei impressionado como a blogoesfera jurídica, mesmo a que deveria ser um espaço para os que nela fazem vida profissional, ainda aquela que visa intervenção cívica, se está a tornar indiscriminadamente num replicar dos jornais, numa lógica de espelhos, o território dos lugares comuns.

O político e o judiciário

É a França. A política em matéria criminal é determinada pelo Governo através do Ministério da Justiça e concretizada por circulares. 
Aqueles que, entre nós,gostam de fundamentar-se em exemplos alheios terão dificuldade em compreender e na maioria repudiarão 
A notícia, para que se fale do que se sabe, está aqui, a circular aqui.
Nela assume-se sem complexos o critério de separação entre o poder político, o Ministério Público e o poder judicial.
Discutível? Sem dúvida. Inaplicável em Portugal? Mais do que evidentemente. Para quê citar? Para demonstrar que na Justiça as coisas podem ser assumidas clara e transparentemente, sem que ninguém se sinta limitado no seu mandar e no seu agir.

Honrados, desde que não muito pobres

Na hora em que escrevo o tema está já fartamente tratado, em tom de indignada resposta da maioria e de tímida complacência de alguns outros. Trata-se de se ter considerado, pelas palavras do Presidente da ASJP, que a diminuição remuneratória dos juízes pode afectar a sua independência.
Há só duas coisas que talvez ainda valha a pena dizer.
Primeiro, que o argumento do ataque à independência judicial tem sido tantas vezes usado, em relação a reformas processuais, em relação a soluções de administração judiciária, até de simples nomenclaturas normativas, que acaba, não só por se banalizar, como ainda por mostrar que, afinal, de tão pouco vale a dita independência, porque a pouco resiste e, a qualquer pretexto, se grita por «lobo, lobo».
Segundo, que a questão que se coloca é clara e descaradamente que, ante a magreza remuneratória, pode haver juízes que alienem a independência em favor da dependência do que lhes trouxer melhor benefício patrimonial.
Ora isso é uma facada dada, pela própria magistratura, no coração do que verdadeiramente caracteriza o poder judiciário, precisamente a independência.
Viesse a suspeita da boca de quantos têm sistematicamente emporcalhado a Justiça, não chegaria com mais opróbio.
Um dia, ouvi da boca de um senhor alto magistrado deste País, quando se discutiam, em sede de reforma legislativa, as questões dos conflitos de competência, esta lapidar frase: «no tempo em que os juízes ganhavam emolumentos, os conflitos de competência eram todos positivos».
Confesso que corei de vergonha. Mais de quinze anos passaram sobre essa frase. Não sabia eu o que ainda me faltava ouvir: o assim nos paguem pouco e a tentação pode surgir.
Fantástico, de facto!
A gravidade do dito exigiria solenidade na retratacção. Não vai chegar. Houve tempos em que o «pobres mas honrados» era uma virtude moral, hoje, já nem há pudor em proclamar-se que honrados, desde que não muito pobres.
Eis, insofismavelmente, a questão.

Cúmulo jurídico e princípio da confiança

Extenso texto, mas merece leitura. São três partes diferenciadas, a conduzir à solução. A primeira tem a ver com o princípio constitucional da confiança, essencial à categorização do Estado de Direito. É o Acórdão da Relação do Porto de 10.10.12 [relator Joaquim Gomes, texto integral, aqui]

«A Constituição, através do seu 18.º, n.º 2, estabelece como um dos parâmetros da aplicação de qualquer reacção penal a sua necessidade, ao preceituar que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia também enuncia vinculativamente para os respectivos Estados Membros e através do seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção”, podendo e devendo esta referência ser constitucionalmente convocada para o ordenamento jurídico nacional (8.º, n.º 2 Constituição). A proporcionalidade tem sido perspectivada a partir de três sub-princípios: da idoneidade ou adequação (i), da necessidade ou exigibilidade (ii), ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida (iii), o qual se reporta à optimização normativa, seja a propósito dos direitos, liberdades e garantias em geral (Ac.TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008[1]), seja especificamente no que concerne às reacções penais (Ac.TC 370/94, 527/95, 958/96, 329/97) ou à tipificação criminal (Ac.TC 128/2012).
Decorre da conjugação daqueles preceitos e da sua leitura os princípios constitucionais da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas, os quais podem ser conjugados com outros, que o aqui recorrente não deixou de fazer apelo.
A propósito foram invocados o princípio da confiança, enquanto dimensão essencial de um Estado de Direito Democrático (2.º Constituição) e o princípio “non bis in idem” (29.º, n.º 5 Constituição).
Na substancialidade do princípio da confiança, entram normalmente em tensão a protecção das legítimas expectativas do cidadão no quadro legislativo vigente e na certeza na aplicação da lei, por um lado, e a margem constitucionalmente vinculada mas ampla de conformação legislativa por parte do Estado legislador, por outro lado.
Na leitura que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a fazer deste princípio da confiança ressaltam duas vertentes. A primeira mediante a proibição constitucionalmente expressa da retroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, das leis penais e das leis criadoras de impostos (18.º,n.º 3, 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, e 103.º, n.º 3 Constituição). A segunda através da afectação das legítimas expectativas dos cidadãos por revisões legislativas que se mostrem inadmissíveis ou arbitrárias. Esta ideia geral de despotismo ou abuso legislativo tem sido aferida a partir dos seguintes critérios: afectação desfavorável das expectativas dos destinatários de certas normas, mediante mudança(s) do respectivo quadro legislativo com que aqueles não estavam, razoavelmente, a contar (i); quando essa mudança não for exigida pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes em relação aos interesses particulares afectados e desde que seja observado o princípio da proporcionalidade (ii) (Ac.TC 176/2012, 135/2012, 18/2011, 158/2008, 615/2007, 302/2006, 160/2000, 99/99, 625/98, 285/92, 303/90, 287/90, 86/84, 17/84, 11/83). Assim e como já se salientou “o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar” (Ac.TC 60/2000).
O STJ tem seguido este posicionamento ao considerar que o principio da protecção da confiança postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhe são juridicamente criadas, não admitindo as afectações arbitrárias ou desproporcionalmente gravosas com as quais, o cidadão comum, minimamente avisado, não pode razoavelmente contar (Ac.STJ 2007/Mar./27).».

Segue-se o enunciado da regra non bis in idem, a propósito da qual se escreve: 

«Por sua vez, o princípio ne bis in idem, com assento no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição, estabelece o comando genérico de que “Ninguém pode ser julgado mais que uma vez pela prática do mesmo crime”, no sentido de que após o trânsito em julgado de um sentenciamento, o qual passa a adquirir força obrigatória, quer interior (caso julgado formal), quer externamente ao processo (caso julgado material) (205.º, n.º 2 Constituição; 673.º C. P. Civil “ex vi” 4.º C. P. Penal), os mesmos factos não podem, em regra, ser sujeitos a novo julgamento, salvo razões prementes de justiça, como sucede com os recursos extraordinários, tanto de uniformização de jurisprudência (437.º e ss.), como de revisão de sentença (449.º e ss.). Esta garantia de não se ser julgado mais que uma vez pelo mesmo crime, enquanto umas das vertente do princípio da dignidade humana, pode assumir diversas dimensões, como a de não se ser condenado duas vezes pelo mesmo crime ou então de interditar a dupla valoração dos mesmos factos, tanto em sede culpabilidade, como de determinação da correspondente reacção penal.»


Entra-se, enfim, no essencial do que havia para decidir, o tema do cúmulo jurídico no caso de concurso de crimes.


«Tais princípios tentam, ao fim e ao cabo, traduzir uma ideia de justiça, a qual é imanente a um Estado de Direito Democrático, que tem a sua matriz na Constituição (artigo 2.º), mormente quando estão em causa a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, sendo neste quadro constitucional que deve ser lido em geral o instituto da punição e especificamente da punição do concurso de crimes superveniente.
Por sua vez, tanto na determinação como na execução das penas, dever-se-á ter em atenção as finalidades da mesmas, que segundo o art. 40.º do Código Penal, consiste na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica ou social, típica da prevenção geral[2], seguindo-se as vertentes da prevenção especial. Aliás, este fundamento é renovado no artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal, ao enunciar que “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável”. Tudo isto reforça que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base, sendo de resto a sua âncora, razões nítidas de prevenção geral, associadas à defesa da sociedade e da paz jurídica ou social, mas com nítidas orientações de prevenção especial, tanto positiva na vertente da ressocialização do arguido, como negativa face à perigosidade revelada pelo arguido.
Nesta conformidade, os referidos princípios constitucionais da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade, têm igualmente reflexos na pena única a determinar no cúmulo jurídico, de modo que a determinação de uma sentença condenatória privativa da liberdade deverá sempre restringir-se aos casos de manifesta idoneidade ou adequação (i), necessidade ou exigibilidade (ii) e, sempre, na sua justa medida, respeitando-se os respectivos pressupostos e limites de não perpetuidade das penas de prisão (27.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 Constituição), bem como as referidas finalidades de punição.O Código Penal estabelece como regra de punição do concurso de crimes e salvaguardados o limite mínimo, que corresponde à pena mais elevada que concretamente foi aplicada aos crimes em concurso, e os limites legais máximos de 25 anos de prisão e 900 dias de multa (determinação legal – 77.º, n.º 2 C. Penal), que “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (determinação judicial – 77.º, n.º 2, parte final C. Penal). Para o efeito e previamente estabelece que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena” (pressuposto formal – 77.º, n.º 1, I parte C. Penal). Consagra-se assim um sistema de cúmulo jurídico das penas, em detrimento do sistema de cúmulo material das mesmas.
Estas regras de determinação legal e judicial são igualmente aplicáveis ao conhecimento superveniente do concurso, apenas diferindo o seu pressuposto formal, que de acordo com o preceituado actualmente no artigo 78.º, n.º 1 é o seguinte: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”. Este pressuposto formal resultou da Revisão de 2007 (Lei n.º 59/2007, de 4/Set.), o qual suprimiu o trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta” – na redacção anterior constava “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar ….”.
A propósito do regime de punição de concursos superveniente o Tribunal Constitucional já se pronunciou que o mesmo, para além de não postergar os princípios da culpa, das garantias de defesa, de aplicação da lei mais favorável e do direito à liberdade, também não contende com a garantia da proibição do ne bis in idem, ao ter por base o disposto nos artigos 77.º, 78.º e 81.º, todos do Código Penal quando interpretados no sentido de, em sede de cúmulo jurídico superveniente, se deverem considerar, no cômputo da pena única, as penas parcelares, desconsiderando-se uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização de cúmulo jurídico anterior (TC 112/2011).
No entanto, o momento temporal decisivo para o estabelecimento da relação de concurso ou da sua exclusão é o trânsito em julgado de qualquer das decisões condenatórias, com destaque para aquela que foi primeiramente proferida, pois é esta que delimita o conhecimento superveniente, estabelecendo a fronteira até onde se pode formar a unificação das respectivas penas, pois obsta a que se cumulem com infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse trânsito (Ac.STJ 2012/Jan./18, 2009/Jun./25 CJ (S) I/209, II/247). Daí que os crimes cometidos posteriormente à primeira condenação transitada em julgado, não estejam em relação de concurso superveniente com essa condenação, devendo antes tais ilícitos ser punidos num cumulo jurídico autónomo em relação àquele outro, o que conduz ao cumprimento sucessivo das respectivas penas únicas (Ac.STJ de 2010/Mai./19, CJ (S) II/191).
Também tem vindo a ser ultimamente reiteradamente sufragado pela jurisprudência e não vemos razões válidas para inverter esse caminho que em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena unitária deve englobar todas as penas de prisão parcelares condenatórias, incluindo aquelas cuja execução ficou suspensa na sua execução, nada obstando que, no julgamento conjunto, se conclua pela necessidade de aplicação de uma pena única de prisão – percurso esse que remonta ao Ac.STJ 1986/Fev./26, BMJ 354/345, passando pelo Ac.STJ de 2006/Nov./09, CJ (S) III/206 até ao Ac.STJ de 2011/Mai./16[3]).
Na sequência da Revisão de 2007 e com a eliminação daquele trecho que excluía a abrangência nos concursos supervenientes das penas já cumpridas, prescrita ou extintas, passou-se a considerar que estas mesmas penas, verificando-se os demais pressupostos formais, passavam a integrar o cúmulo jurídico, procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena entretanto cumprida (Ac.STJ 2012/Jan./18 CJ (S) I/209, 2011/Fev./02 (Recurso n.º 994/10.8TBLGS.S1)[4], 2009/Jun/25 CJ (S) II/247, 2008/Nov./19 CJ (S) III/229).
Esta alteração legislativa veio, assim, a sufragar o posicionamento minoritário que se tinha anteriormente manifestado neste sentido, que conjugando o disposto naquele artigo 78.º, n.º 1 com o artigo 81.º ambos do Código Penal, argumentava que deveria afastar-se a interpretação literal e formal daquele primeiro segmento normativo por razões de justiça material, pois o princípio da igualdade ficaria tolhido, em virtude de situações que à partida estariam em condições de beneficiar de uma pena única, por realização de um cúmulo jurídico, passariam a estar dependentes da maior ou menor celeridade dos tribunais, sendo este factor prático que acabaria por condicionar o conhecimento superveniente do concurso de crimes (Ac. STJ 2000/Mai./24 e 2001/Mai./30 CJ (S) II/204, II/210). Na linha desta posição só se excluiria do âmbito do cúmulo jurídico a hipótese de na pena cumprida se não achar qualquer benefício para o condenado. Assim, os argumentos decisivos para este entendimento passavam por razões de justiça material, tendo por base o princípio da igualdade e o pressuposto formal da pena de prisão já ter sido cumprida e o critério material de haver benefício para o condenado.
Nesta conformidade, a leitura do que se encontra actualmente disposto no artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal, não pode ignorar as razões de justiça material que estavam subjacentes àquela posição minoritária e que foi sufragada pela Revisão de 2007, muito embora a redacção dada àquele segmento normativo, com eliminação pura e simples daquela passagem interlocutória – “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta” – não tenha sido a mais feliz. Por isso, aquela alteração legislativa que foi efectuada tendo em vista e como consequência jurídica prática a obtenção de um benefício para o condenado, mediante a realização alargada do cúmulo jurídico, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos formais, não pode vir a redundar numa situação em que o mesmo condenado venha a ser nitidamente prejudicado. Tanto mais quando essa prejudicialidade infringe até os ditames constitucionais de uma ideia de justiça, que se encontra aqui traduzida no princípio da confiança e da certeza na aplicação da lei pelos tribunais, na vertente de se assegurarem as legítimas expectativas de um condenado que, num primeiro momento, vê a respectiva pena ser declarada extinta para depois, num segundo momento, essa mesma condenação vir a alargar os limites da moldura penal onde se vai encontrar a pena única do concurso de crimes superveniente. No mesmo sentido aponta a garantia constitucional de proibição do ne bis in idem, porquanto está em causa a valoração subsequente e para efeitos de determinação legal da pena unitária de uma condenação numa pena de prisão cuja execução ficou suspensa, mas em que aquela já foi declarada extinta.
Seguindo esta leitura substantiva do que se encontra actualmente disposto no artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal, tem surgido o posicionamento de que se a pena suspensa inicialmente aplicada for declarada extinta pelo cumprimento (artigo 57.º, n.º 1), não será tida a mesma em conta para efeitos de concurso superveniente de crimes, devendo aquela condenação ser desconsiderada (Ac.STJ de 2011/Mai./16, 2011/Mai./11, 2011/Dez./07)[5]. Daí que no conhecimento superveniente do concurso de crimes em relação à integração de uma pena de prisão cuja execução tenha ficado suspensa, deva ser desconsiderada para efeitos de determinação legal da pena única aquela que já tenha sido declarada extinta.»
Eis, a conclusão:
«No caso da determinação de uma pena única na sequência de concurso de crimes cujo conhecimento seja superveniente exige-se uma especial necessidade de fundamentação, que passa por uma descrição, ainda que sucinta, dos factos pertinentes a cada um dos crimes cometidos cujas condenações encontram-se em concurso, bem como daqueles factos que sejam reveladores das características pessoais, do modo de vida e inserção social do condenado, a fim que se conheça a globalidade da sua actividade criminosa e a sua personalidade (Ac. STJ de 2012/Jan./18, 2011/Mar./10, CJ (S) I/299, I/206).
Para o efeito deve obstar-se à utilização de formas tabulares ou genéricas, como o “número”, a “natureza” e a “gravidade” dos ilícitos, já que estas são expressões vazias de conteúdo e que não acrescentam nada de útil, ainda que sejam antecedidas de uma mera enunciação dos crimes em causa e das correspondentes condenações. Também não é aceitável a remissão para os factos descritos nas sentenças condenatórios que estão em concurso para a determinação da pena unitária (Ac.STJ de 2011/Mai./11)[6], porquanto exige-se que a fundamentação expressa no sentenciamento da pena unitária tenha, apenas por si e para os seus destinatários ou qualquer outro leitor, a plena suficiência argumentativa, tanto na sua descrição, como na sua justificação. Nessa descrição devem constar as circunstâncias de facto relevantes e indispensáveis tanto na aferição dos pressupostos formais do concurso de crimes superveniente, como para a determinação legal e judicial da pena única, que no caso da pena de prisão cuja execução ficou suspensa na sua execução passa por indicar qual o seu estado no momento da realização do respectivo cúmulo jurídico, designadamente se essa pena de prisão suspensa ainda persiste por ter sido ampliado o respectivo período de suspensão ou então foi declarada extinta ou está em condições de o sê-lo, conduzindo a inobservância dessa especial fundamentação à nulidade do sentenciamento cumulatório, atento o disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), c) e n.º 2 (Ac.STJ de 2011/Mai./16, 2008/Abr./09).
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As galés

Uma coisa é certa, nunca deixei de trabalhar na minha profissão. Quando tudo parou, até quase o ânimo para pensar e assim poder escrever, a mão não largou o remo da advocacia, esta vida que é uma espécie de condenação às galés.
Sempre achei uma ironia trágica chamar a isto profissão «liberal» e não de escravatura.
Sempre achei que a melhor demonstração da completa desconsideração pública que os advogados merecem é a sua falta a um acto processual só quase por favor dar azo ao seu adiamento, as leis quase todas a dizerem que não. «É que se aceitássemos adiar», dizem alguns, entre o convicto em alta voz de uma proclamada verdade e sussurrantes no que ela sugere, «nunca mais havia julgamentos porque os advogados inventavam motivos».
Claro que há os motivos que a vida inventa. Mas desses não cura o pretor.
Fui a todas, actos e prazos, excepto aqui. 
Regressei hoje. Temo que algo tenha mudado para estar tudo na mesma.

O imprevisível e o imprevisto

Há na escolha de Joana Marques Vidal para o cargo de Procuradora-Geral da República o notável de ter-se aberto excepção ao previsível e derrogação ao previsto. 
De há muito que a dança dos nomes tinha palco certo na comunicação social, os prós e os contras faziam da nomeação uma espécie de deve e haver do cálculo político. 
Houve quem se prestasse a declarações ambíguas mas suficientemente interpretáveis como significando uma caução de boa conduta para o lugar. Houve quem desde há anos tivesse assumido pose de mando como se em ensaio geral de tiques para as cortesias palacianas que da função fabulava. Houve silêncios sem desmentidos de ambição.
A degradação começou quando já se dava como assente que iria ser escolhido alguém porque assim era certo poder financeiro com seguro garantido através do cargo, ou outro alguém porque a familiaridade com quem pode sugerir a escolha quando não é motivo é critério. O nojo chegou quando se punha em agenda o que seria conveniente através da escolha para os partidos no poder ou para os indivíduos que servem os círculos políticos que em Belém se concentram.
Enfim, surgiu quem ninguém esperava.
Não vou comentar da designada as virtudes nem sublinhar defeitos. Quanto aos segundos pois não conheço algum, quanto às primeiras porque fiz-me na escola dos que não elogiam magistrados, evitei na advocacia as alegações laudatórias, as que, incensando o espírito de quem as ouve, tentam obter complacência de quem a tal se presta. Não o faria aqui. 
Conheço-a, e tenho com ela uma relação amistosa de há muitos anos, dentro dos limites da distância com que sempre privei com quem desempenha funções na Justiça e por respeito a esta.
Veremos ante os actos, quando eles surgirem o que poderei dizer.
Para já fica aqui uma palavra de profunda esperança e votos de boa sorte. 
É que os tempos são de tal modo duros, o poder está de tal pulverizado, o desprestígio da Justiça é de tal modo grave que, ter aceite o cargo, é risco, inclusivamente vindo de alguns dos desapontados.
O problema do Procurador-Geral da República não é o Ministério Público, sim o que gira em torno do Palácio de Palmela.