Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




De assassino a carrasco: uma história moral...


O caso traduz uma imoralidade, a mesma em parte que leva a Justiça, pragmática, a aproveitar-se, como arrependidos fossem, dos delatores úteis, com eles entrando em entendimentos.

«Em 1842, estando ainda em vigor no nosso país a pena de morte, era carrasco em Lisboa José António Simões, assassino condenado à forca e cuja pena fora comutada em prisão perpétua na condição de exercer o ofício de carrasco, tal como veio a suceder».

O resto é uma novela amorosa notável deste assassino de Pombeiro que se tornou em carrasco na Relação do Porto, que se pode ler aqui
Dá um romance ou um livro histórico. Talvez ficção para os que não gostam das feias realidades e para tudo encontram uma razão.

Barbosa de Magalhães (filho): uma vida


Estou a escrever o que creio virá a ser uma tentativa biografia de José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães: advogado, Bastonário da Ordem dos Advogados, professor de Direito, três vezes ministro da República, director da Gazeta da Relação de Lisboa, jurisconsulto com projecção internacional, e tanto mais, porque um Homem não se reduz à função. É que há o Ser, inescapável ao melhor biógrafo.
O texto, na sua forma embrionária, terá uma primeira apresentação, a 7 de Junho, no Supremo Tribunal de Justiça, em evento cultural em que, sob o título Figuras do Judiciário, serão homenageadas, pela sua actualidade, várias figuras do nosso passado jurídico. Trata-se de uma organização conjunta do STJ e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
A quem possa ter qualquer elemento de informação sobre este aveirense ilustre, filho de outro notável homem do foro e político, jurisconsulto e doutrinador, José Maria Barbosa de Magalhães, desde já os meus antecipados agradecimentos.

Medidas coactivas irrecorríveis



Tudo quanto permita restringir o direito ao recurso tem uma boa probabilidade de encontrar eco jurisprudencial, sendo o culpado legislador, que muitas vezes o é, por inconsideração, má técnica, ingenuidade e perversão. Não espanta, pois, ler o decidido pelo Tribunal da Relação de 14.05.2013 [proferido no processo n.º 137/12.3PBLRS-A.L1-5, relator José Adriano, texto integral aqui]:

I - O legislador quis regular de forma abrangente os casos em que se pode recorrer, aquando da aplicação de medidas de coacção, tendo tomado posição expressa no sentido de que apenas são recorríveis - pelo arguido ou pelo MP, agora já não apenas em beneficio do primeiro -, as decisões que aplicam, substituem ou mantêm qualquer das medidas coactivas previstas no Código.
II - A contrario, não serão recorríveis todas as demais decisões que não apliquem uma qualquer medida proposta pelo MP e as que revoguem ou declarem extinta uma medida anteriormente aplicada.»

Explicando o porquê e culpando o legislador pelo decidido explicita a decisão: «Até há pouco tempo, dispunha o art. 219.°, nos seus n.°s 1, 3 e 4, do CPP:
"1 - Só o arguido e o MP em benefício do arguido podem interpor recurso da decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas previstas no presente título.
2 - ...
3 - A decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as medidas previstas no presente título é irrecorrível.
4 - O recurso é julgado no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos forem recebidos".
Perante tal normativo, a decisão ora impugnada era irrecorrível, sem quaisquer dúvidas.
Todavia, com a entrada em vigor (em 29/10) da Lei n.° 26/10, de 30/8, a redacção do aludido art. 219.° foi alterada, passando a ser a seguinte:
"1 - Da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo MP, a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos foram recebidos.
2 - ..."
Contrariamente ao que possa parecer à primeira vista, os anteriores números 3 e 4 não foram revogados — veja-se a norma revogatória do art. 4.°, da mencionada Lei, e a nova redacção dada pela mesma ao aludido art. 219.° do CPP, na qual não constam expressamente como revogados aqueles números, diversamente do que acontece relativamente ao n.° 6 do art. 389.° e n.° 3 do art. 391.°-E, do mesmo Código, que também foram alterados -, tendo a matéria desses números sido refundida com a do n.° 1, que passou a regular também a matéria que antes constava daqueles n.°s 3 e 4.
Consequentemente, tendo em conta esse n.° 1, terá de concluir-se que o legislador quis regular de forma abrangente os casos em que se pode recorrer, aquando da aplicação de medidas de coacção, tendo tomado posição expressa no sentido de que apenas são recorríveis - pelo arguido ou pelo MP, agora já não apenas em beneficio do primeiro -, as decisões que aplicam, substituem ou mantêm qualquer das medidas coactivas previstas no Código.
A contrario, não serão recorríveis todas as demais decisões que não apliquem uma qualquer medida proposta pelo MP e as querevoguem ou declarem extinta uma medida anteriormente aplicada.
E não se venha argumentar que para tais situações vigorará a regra geral da recorribilidade de quaisquer decisões, nos termos previstos nos arts. 399.° e 400.° (este a contraio), do CPP — normas que foram, efectivamente, invocadas pelo recorrente no seu requerimento de interposição do recurso -, pois, nesse caso, seria totalmente destituída de sentido a norma do art. 219.°, n.° 1, por inútil, salvo na parte em que fixa prazo para julgamento do recurso.
Partindo-se do pressuposto de que o legislador pensou devidamente o sistema e não criou normas inúteis, só pode concluir-se que quis manter afastada a recorribilidade das demais decisões não expressamente previstas naquele n.° 1 do art. 219.°, do CPP. Se, pelo contrário, fosse intenção do legislador abrir a porta à recorribilidade de todas as decisões que se pronunciassem sobre medidas de coacção, então bastar-lhe-ia revogar os n.°s 1 e 3, do art. 219.°, passando a vigorar a regra geral do art. 399.°, do mencionado Código. Não foi este, manifestamente, o intuito do legislador.»

RAI: os requisitos sine qua non


Sucedâneo funcional de uma acusação, de modo a permitir que o juiz da pronúncia tenha factos sobre os quais possa fundamentar a decisão instrutória, o requerimento de abertura de instrução tem de ser formulado contra pessoa certa e conter precisamente os factos integradores do tipo penal que se quer imputar ao arguido. 
Não resulta da letra da lei que tenha de ser assim, mas decorre da lógica de um sistema que veda nesta parte oficiosidade ao juiz. E é o efeito perverso, diga-se, de um sistema que o arquivamento decretado pelo Ministério Público - e que o requerimento de instrução visa enfrentar - não tenha, como requisito essencial, de conter os factos concretos sobre os quais há lugar ao arquivamento.
Daí que, no campo dos caídos que é a instrução, muitos requerimentos de instrução sejam nados-mortos, pois sendo arrazoado sobre os motivos de discordância ante o arquivamento não tenha estrutura que contenha factos a imputar e normas incriminatória que se pretende ver decretada como aplicável ao caso.
Eis o que proclama o presente Acórdão da Relação de Évora de 21.05.2013 [relator Sénio Alves, proferido no processo n.º 8009.7GAGLG.E1 e texto integral aqui]:

«I. Deve ser rejeitado o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente que não contenha a narração dos factos que justificam a aplicação ao arguido de uma pena.II. Tal requisito não se satisfaz com a simples remissão para peças processuais. Uma forma tão vaga de imputar não permite uma defesa eficaz e viola o princípio do acusatório.
III. Não admitida a instrução, prejudicado fica o conhecimento de uma alegada nulidade por insuficiência do inquérito, a ter lugar em sede de decisão instrutória”.».

Porque convergente com o sentido decidido o aresto cita o Acórdão da Relação de Coimbra de 01.04.2009, cujo sumário é

«1 - Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa. II - Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis. III - Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287º, nº 2, remeta para o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução. IV - O assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. V - Não tendo sido deduzida acusação pública, o requerimento (do assistente) de abertura da instrução que não contenha os factos que se imputam ao arguido e pelos quais se pretende que este venha a ser pronunciado não será apto a possibilitar a prolação de uma decisão instrutória de pronúncia que seja válida. No mínimo (e dizemos “mínimo” porque, nessas condições, parece inexistir um verdadeiro objecto da instrução), tal decisão seria nula nos termos do artigo 309.º, n.º1».

Recurso da pronúncia: A incomodidade e a regressão


É o reconhecimento da verdade. «A incomodidade de alguns senhores advogados e dos arguidos», como reconhece o Presidente da Relação de Guimarães neste seu despacho [texto integral aqui] e, já agora, o facto de o Código de Processo Penal da Ditadura Nacional saída do 28 de Maio de 1926, que instaurou o Estado Novo, saído das mãos de Beleza dos Santos [na foto], permitir o recurso da pronúncia em dois graus de jurisdição, ou seja, para a Relação e desta para o Supremo Tribunal de Justiça, e o Código de Processo Penal do Estado dito de Direito Democrático proibir totalmente o recurso, em clara regressão de direitos por causa da celeridade!

«Bem se compreendendo a incomodidade de alguns Senhores Advogados e mais ainda dos arguidos, pelo inusual espartilho que o Legislador processual penal português corajosamente consagrou com a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º, ou do nº 4 do artigo 285º, consagrada no nº 1 do artigo 310º, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 48/2007, de 29.08, vigente desde 15.09.2007, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento, o que a torna uma norma atípica no nosso ordenamento jurídico, onde não imperam as exigências de simplicidade, eficiência, eficácia, cognoscibilidade e muito menos celeridade.
Conhecedor da controvérsia jurídica suscitada na sequência do Acórdão 6/2000 do STJ, veio o legislador, agora sem margem para tergiversações e aquando da Revisão do CPP, consagrar aquela solução que muito tem contribuído para evitar o arrastamento que antes se verificava até um processo penal chegar ao julgamento.»

Cor e Luz

Curioso como podemos surpreender o outro no outro. Mesmo quando o intuímos, como é o caso. Moraes Rocha, juiz desembargador, expõe aguarelas. Pelo traço adivinha-se o tom e a delicadeza da pessoa.


Crime de peculato

A monografia "Crime de Peculato", a primeira de uma série dedicada aos crimes de recorte patrimonial, encontra-se já à venda. Pode ser adquirida directamente on line, através de um email a enviar para a editora Labirinto de Letras, clicando aqui, beneficiando de um desconto de 10% e sem custo postal.


O direito constitucional à tatuagem


A polémica vem do Brasil, o do direito à tatuagem, o da proibição da discriminação por causa da tatuagem. No caso um polícia enfrentou na Justiça o problema. Lê-se aqui. Tudo quanto é fracturante é interessante na modorra sonolenta do Direito em que nem todos os acórdãos acordam.

Ser apenas professor...




Poucos sabem e muitos já se lembram que Marcelo Caetano leccionou Direito Penal na Faculdade de Direito de Lisboa onde se notabilizou no domínio do Direito Administrativo.

O alfarrabista Monasticon, que se pode encontrar aqui, anuncia agora o seu livrinho onde compendiou as Lições. Transcrevo:

«CAETANO, Marcello - LIÇÕES DE DIREITO PENAL. Súmula das prelecções feitas ao curso do 4º ano jurídico no ano lectivo de 1938-39. Lisboa, [s.n. - Composto e impresso na Emprêsa de O Jornal do Comércio e das Colónias - Lisboa], 1939. In-8º grd. (22cm) de 385, [3] p. ; E.
Muito valorizado pela dedicatória autógrafa do Prof. Marcelo Caetano ao Prof. Joaquim Pedro Martins.
Obra terminada em 1938 e publicada no ano seguinte, em 1939, ano em que M. Caetano atingiu a cátedra em Ciências Jurídico-Políticas.

"A falta de livros portugueses por onde se possam guiar, costumam os estudantes utilizar-se para a sua preparação escolar de apontamentos colhidos nas aulas e publicados, Deus sabe com quantos erros e defeitos, por algum condiscípulo prestimoso.
Dizia não sei quem, e com muita verdade, que «uma sebenta óptima é um livro péssimo»; e por isso me pareceu preferível dar aos alunos os meus próprios apontamentos, onde, ao menos, só encontrarão os erros que comêto - e não mais..." (excerto da introdução - Nota preliminar).

Encadernação em meia de pele com ferros a ouro na lombada. Sem capas de brochura.»

Tenho pena de não ter aqui o meu exemplar. Cito, por isso, de cor. A seguir a este texto introdutório, Marcelo acrescenta num lamento, ele que viveu dificuldades económicas por razões pessoais, que vencendo como professor universitário o ordenado de um primeiro oficial - o que admite seja coisa em que nem se acredite - tenha de se dispersar em outras actividades remuneradas, o que bem gostaria de evitar se lhe fosse permitido ser apenas...professor.

Acordos sobre sentença penal: prova proibida!


Enfim, o caminho barrado ao que a lei não permite e a Constituição impede! Um marco histórico.

«I - O direito processual penal português não admite os acordos negociados de sentença . II - Constitui uma prova proibida a obtenção da confissão do arguido mediante a promessa de um acordo negociado de sentença entre o Ministério Publico e o mesmo arguido no qual se fixam os limites máximos da pena a aplicar.». 

É a definição emergente do Acórdão do STJ de 10.04.13 [proferido no processo n.º 224/06.7GAVZL.C1.S1, da 3ª Secção, relator Santos Cabral, texto integral aqui].

A fundamentação do aresto é de tal modo exaustiva que só a leitura integral permite a sua total compreensão. Leitura que se exige.

O Albergue Espanhol.


Confusa, sem sistemática, traduzindo várias filosofias e muita burocracia a Ley de Enjuiciamento Crimiminal de Espanha, vulgo Lecrim, o Código de Processo Penal de nuestros hermanos, vai ser mudada. 
Não tive tempo de ler o que será diferente. 
Oxalá mude o albergue espanhol legislativo.
Mas aqui fica a ligação para os curiosos que possam passar os olhos e mesmo para os estudiosos que por aqui passem.

De acordo com a folha oficial {ver aqui]: «La referida Comisión se adscribe a la Secretaría de Estado de Justicia, cuyo titular ejercerá labores de coordinación. estará presidida por don Manuel Marchena Gómez, Magistrado del Tribunal Supremo, y formarán parte de la misma los miembros que a continuación se designan:

Don Jacobo López Barja de Quiroga, Magistrado Jefe del Gabinete Técnico del Tribunal Supremo.
Don Antonio del Moral García, Fiscal del Tribunal Supremo.
Don Jaime Moreno Verdejo, Fiscal del Tribunal Supremo.
Doña Gabriela Bravo Sanestanislao, Fiscal y Vocal Portavoz del Consejo General del
Poder Judicial.
Don Luis Rodríguez Ramos, Catedrático de Derecho Penal y Abogado.
Don Nicolás González-Cuéllar Serrano, Catedrático de Derecho Procesal y Abogado.»

Proibição de prova interna: o depoimento de testemunhas


Proibição de prova interna mas não externa, assim o assume o Acórdão da Relação do Porto de 3 de Abril [proferido no processo n.º RP20130403140/08.8TAOAZ.P1, relatora Maria Leonor Vasconcelos Esteves, texto integral aqui] ao decidir que «I - As declarações prestadas pelas testemunhas no inquérito não podem ser valoradas em julgamento fora do quadro em que a sua leitura é permitida.II - Mas nada impede que, enquanto prova documental, as mesmas declarações sejam valoradas no âmbito de outro processo em que se imputa aos declarantes a prática de um crime de Falsidade de testemunho, do artigo 360.º do Cód. Penal».
Ou seja a prova testemunhal é quando é e deixa de ser quando passa a interessar que não seja, transmutando-se em prova documental. É uma espécie de alquimia jurídica, com o devido respeito que, como soe dizer-se, é muito.

Crime de peculato - data de apresentação

Finalmente pode anunciar-se a data da apresentação, ultrapassado o contra-tempo. Será no próximo dia 29, pelas 18:30. O convite é aberto aos que entenderem convidar. Trabalho já no segundo livro da colecção, dedicado ao crime de participação económica em negócio.

Segredo de Advogados


A doutrina parece fora de questão: «Não pode depor como testemunha porque tal contraria um princípio fundamental do direito processual, o advogado que mantém em vigor a relação jurídico-profissional com alguma das partes do processo». Assim o decidiu o Acórdão de Relação de Lisboa de 07.03.13 [proferido no processo nº 2042/09.1IDLSB-A.L1-9, texto integral aqui].

O que tem interesse é ler a fundamentação, porque vivemos em anos de chumbo em que há muitos para quem o sigilo do advogado não é uma defesa da dignidade da classe, sim um modo de embaraçar a justiça. 
«Estamos, assim, perante uma problemática semelhante à que esteve na base do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-10-2009, proferido no Proc. n.º 874/08.TAVCD-A.P1[2], no qual, citando Parecer do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados emitido para o caso, se lê:
«”Na verdade, um obstáculo subsiste, que impossibilita irremediavelmente a possibilidade de o advogado em questão vir a depor sobre matéria abrangida pelo segredo profissional.
“Com efeito, é jurisprudência pacífica deste Conselho Distrital que o advogado não pode depor em circunstância nenhuma em processo no qual seja advogado constituído. É a máxima: «Advogado e testemunha, nunca!» que a Ordem tem perfilhado, ao que sabemos, de forma unânime, em todas as decisões.
“Segundo doutrina que inteiramente acolhemos, e que encontrou tradução na jurisprudência da Ordem dos Advogados, “é inaceitável autorizar a depor um Advogado para prestar depoimento em processo no qual esteja ou tenha estado constituído”, pois que “isso seria completa subversão do próprio sistema processual, em que o Advogado entre nós, se não pode nunca confundir com simultânea testemunha. E seria outrossim altamente desprestigiante para a Advocacia” - Augusto Lopes Cardoso, “Do Segredo Profissional na Advocacia”, ed. CELOA, 1997, pág. 82.
“É certo que o Tribunal não parece ainda ter em seu poder procuração que traduza esse mandato forense, nesta fase processual de inquérito. Mas tal não significa que o mandato não exista já. E o próprio advogado, ao ser inquirido, afirmou isso mesmo, dizendo que é igualmente mandatário da arguida neste inquérito, rectius, relativamente aos factos em averiguação neste inquérito.
“Ora, é sabido que o mandato forense se constitui pela declaração de vontade do constituinte, no sentido de que o advogado o represente ou patrocine num determinado assunto, sendo essa declaração de vontade (unilateral e receptícia) completada com uma declaração (expressa ou tácita) do advogado no sentido de aceitação desse patrocínio, que lhe é proposto pelo cliente. Assim se forma o contrato de mandato, que seguidamente se consubstancia numa procuração com poderes forenses, no caso de se tratar dum processo judicial.
“Portanto, pode existir a procuração e não constar ainda dos autos, por razões que só à parte e seu mandatário dizem respeito, como pode bem acontecer que o mandato já tenha sido ajustado mas ainda não tenha sido traduzido num instrumento de representação escrito.
“Num caso como noutro, o mandato já existe e as obrigações decorrentes do mesmo já têm de ser respeitadas pelo advogado, maxime as de índole deontológica e os deveres para com o seu cliente, entre os quais avulta o dever de guardar sigilo profissional.
“Por isso, a ocorrer mandato forense, bem andou o advogado em suscitá-lo e o sigilo — como vimos — não poderá ser dispensado neste caso”».
E, mais adiante:
«Uma vez que o CPP, não obstante tantas e tamanhas alterações, continua a estatuir apenas que “nenhum juiz pode exercer a sua função num processo penal … Quando, no processo, tiver sido ouvido ou dever sê-lo como testemunha” (art 39º nº 1 al d) e que “As disposições do capítulo VI do título I são correspondentemente aplicáveis, com as adaptações necessárias, nomeadamente as constantes dos números seguintes, aos magistrados do Ministério Público” (art 55º nº 1), “estão impedidos de depor como testemunhas: a) o arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade; b) As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição; c) As partes civis; d) Os peritos, em relação às perícias que tiverem realizado” (art 133º nº 1), “Podem recusar-se a depor como testemunhas: a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido; b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação” (art 134º nº 1);
Uma vez que o Código de Processo Civil, não obstante tantas e tamanhas alterações, continua a estatuir apenas que “Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária: h) Quando haja deposto ou tenha de depor como testemunha (art 122º nº 1)” e que “Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes” (art 617º),
Importa afirmar que o estatuto jurídico-processual-penal da Testemunha não se compagina com o estatuto jurídico processual-penal, civil e estatutário-deontológico do Defensor constituído.
Enquanto “qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos caso previstos na lei” (art 131º nº 1), “é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova” (art 128º nº 1) e, maxime, “incumbem à testemunha os deveres de: b) Prestar juramento, quando ouvida por autoridade judiciária; d) Responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas” (art 132º nº 1) e “Não pode acompanhar testemunha, nos termos do número anterior, o advogado que seja defensor de arguido no processo” (art 132º nº 2, todos do CPP),
“O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido (discriminados nas 9 alíneas do nº 1 do art 61º nº 1), salvo os que ela reservar pessoalmente a este” (art 63º nº 1), “o arguido pode retirar eficácia ao acto realizado em seu nome pelo defensor, desde que o faça por declaração expressa anterior a decisão relativa àquele acto” (art 63º nº 2, todos do CPP), “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra” (art 1157º), “O mandato geral só compreende os actos de administração ordinária (art 1159º), “O mandatário é obrigado: a) A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante; b) A prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão; c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu; d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir; e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato (art 1161º); O mandatário pode deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas, quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil (art 1162º), “O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação (art 1170º), “Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258º e seguintes (art 1178º nº 1), “O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participam nos actos ou sejam destinatários destes (art 1180º, todos do CPC), “O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros” (art 84º), “A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca” (art 92º nº 1), “O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas” (art 92º nº 2).
Conforme síntese efectuada no Acórdão de 07.02.2007 desta 1ª Secção Criminal do TRPRT, relatado por Maria Leonor Esteves tendo, como Adjuntos, Maria do Carmo Dias e Augusto Carvalho, como Presidente daquela, Baião Papão, publicado na CJ XXXIIII Tomo I / 2007, pág 207:
“Muito embora em nenhum dos preceitos legais que regulam a matéria da prova testemunhal se vislumbre a referência textual a qualquer impedimento que obste a que o advogado de uma das partes do processo preste depoimento durante a vigência da relação processual que o liga àquela, a inadmissibilidade de tal depoimento decorre não só do princípio da não promiscuidade dos intervenientes, princípio geral do processo, mas também de interesses de ordem pública. As razões justificativas que obstam à acumulação das qualidades processuais - seja de julgador com a de parte, seja desta com a de testemunha ou de perito -, que vários preceitos legais procuram prevenir, têm igual cabimento relativamente a actuações que possam produzir efeitos na esfera jurídica de qualquer dos interessados, como sucede com a do mandatário que, em termos jurídicos, se identifica com a do mandante. Por outro lado, a função da testemunha no processo, com o inerente dever de comunicar ao tribunal, de forma isenta, objectiva e verdadeira, todos os factos acerca dos quais seja inquirida (cfr. al. d) do n° 1 do art. 132°), não se coaduna com a do advogado que, não obstante participe na realização da Justiça, se encontra sempre condicionado pelo interesse da parte que representa e ao qual em muitos casos tem de dar prevalência. Nessa medida, os deveres processuais do advogado - que não raro implicam o dever de reservar factos de que tenha conhecimento quando esteja em causa o interesse do seu constituinte, não lhe permitem desempenhar as funções de testemunha de acordo com o figurino traçado na lei para quem ocupa esta posição processual.
“São estas as linhas gerais traçadas no Parecer n° E/950, aprovado em sessão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 22 de Setembro de 1995 (publicado em www.oa.pt) e de acordo com o qual, em processo penal, «Não pode depor como testemunha porque tal contraria um princípio fundamental do direito processual, o advogado que mantém em vigor a relação jurídico-profissional com alguma das partes do processo».

Peritos de nada


Sabe-se, por aquilo que a lei impõe, o que é a prova pericial penal. Sabe-se, ante essa mesma lei, o que não pode ser considerado prova pericial. O mais eminente sábio indicado pelos sujeitos processuais para iluminar o tribunal com o seu muito saber é nada em termos processuais. Nem consultor técnico é. 
A questão ampliou-se agora ante o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 13.03.13 [proferido no processo n.º 33/01.0GBCLD.L1-3, relator Carlos Almeida, texto integral aqui] quando determinou que:

«1 – O Relatório Final de uma Comissão de Inquérito nomeada por um membro do Governo na sequência do desmoronamento de um viaduto que se encontrava em construção não pode ser considerado, no processo penal, como prova pericial uma vez que não se trata de um acto processual, não tendo, por isso, sido adoptado para a sua elaboração o procedimento previsto quanto a este meio de prova pelos artigos 151.º a 163.º do respectivo Código.
«2 – De igual forma, não constitui prova documental uma vez que a declaração que esse relatório consubstancia não é idónea a provar qualquer facto juridicamente relevante – alínea a) do artigo 255.º do Código Penal – uma vez que, na sua essência, essa declaração não traduz qualquer conhecimento directo dos factos que constituem o objecto do processo por parte de quem a elaborou. 
«3 – Tratando-se de uma peça escrita de natureza valorativa que, tendo por base declarações dos arguidos e de outras pessoas, informações e relatórios técnicos de distintas entidades, fotografias, alguma observação pessoal e conhecimentos especializados próprios, extrai, para fins político-administrativos, conclusões sobre as circunstâncias em que o acidente ocorreu e sobre as suas causas, não pode servir para formar a convicção do tribunal de julgamento – artigos 355.º a 357.º do Código de Processo Penal,
«4 – Pelo contrário, o “Parecer” elaborado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, porque reflecte um saber técnico especializado, pode ser junto aos autos – n.º 3 do artigo 165.º do Código de Processo Penal – e valorado para a formação da convicção do tribunal – artigos 355.º e 356.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma.
«5 – A insusceptibilidade de valoração do Relatório Final da Comissão de Inquérito não afecta minimamente a possibilidade de os seus subscritores serem ouvidos na audiência como testemunhas uma vez que os mesmos têm capacidade e dever de testemunhar – artigo 131.º do Código de Processo Penal – e não estão impedidos de o fazer – artigo 133.º do mesmo diploma.
«6 – Porém, eles apenas podem depor sobre factos de que possuam conhecimento directo e que constituam objecto de prova – artigo 128.º, n.º 1, do Código –, podendo, no entanto, interpretar esses mesmos factos se essa interpretação tiver lugar em função de qualquer ciência ou técnica que dominem – alínea b) do n.º 2 do artigo 130.º daquele diploma. 
«7 – As testemunhas que, no desempenho de funções administrativas, tiverem tomado declarações a outras pessoas que não possam ser lidas na audiência, não poderão nela depor sobre o seu conteúdo. É o que resulta, por identidade ou maioria de razão, do disposto no artigo 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Trata-se de um tema proibido de prova, modalidade das proibições de prova, e não de qualquer impedimento das testemunhas.
«8 – Se se determinar a realização de uma perícia e se pretender que ela venha a ser valorada pelo tribunal de julgamento, os actos e documentos do processo que podem ser mostrados aos peritos para seu esclarecimento – n.º 3 do artigo 156.º do Código de Processo Penal – são apenas aqueles que também podem ser valorados para o mesmo efeito, sob pena de se estar indirectamente a permitir a valoração do que directamente não podia ser valorado.»

O Direito das elites?


Direito como forma de reprodução da ordem social estabelecida, Justiça em nome do Povo, Direito como forma de nivelamento igualitário, Direito das elites, eis todo um manancial de temas que merece um momento de leitura. Para elevar a prática ao nível da cultura, dar espaço às ideias no campo da função.
A ler aqui o sumário e aqui o texto integral, em francês.
Bom Domingo.

Processo do facto, Direito da culpa...


Que o julgamento visa o conhecimento do facto e da pessoa que foi seu agente é um dado essencial do nosso sistema penal, pois que importa saber o que fizeste e quem és tu. 
Que se chegou a pensar em 1986, quando da feitura do CPP, num faseamento da audiência em dois momentos, aquilo a que os franceses chamam a césure, pelo qual num momento se julgava o facto - sem cuidar de saber quem é a pessoa para não contaminar a apreciação da prova com a ideia já adquirida de quem era o seu possível autor - e em outro se apurava a personalidade e as condições sociais, também é certo, certo sendo também que acabou - em nome do chamado pragmatismo - por se consagrar um sistema pelo qual tudo se amalgamava, afinal, no mesmo momento, o reconstituir o que e o quem.
Ora, pelo que se vê, foi necessário a Relação de Évora ter de intervir para que esse quem fosse conhecido e o processo penal não se tornasse apenas o processo do facto, contrário com um Direito Penal que se diz ser o da culpa.
Eis o decidido a 04.04.13 [processo n.º 9/11.9GTSTB.E1,  relatora Ana Brito, texto integral aqui]: 
«1 - Enferma do vício da insuficiência da matéria de facto, da alínea a) do artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, a sentença condenatória que não contem os factos necessários para a decisão sobre a pena, nos quais se incluem os factos relativos à personalidade do condenado.
2 - Se o arguido está ausente, a prova dos factos pessoais - relevantes para a medida da pena preventiva, geral e especial - pode fazer-se em julgamento, através do relatório social ou por outro meio de prova lícito, não devendo o tribunal bastar-se com o teor do CRC. A indispensabilidade do conhecimento da personalidade do condenado não diminui na razão inversa da dimensão do seu passado criminal.
3 - Na ausência de factos relativos à personalidade do condenado, aceita-se que o tribunal decida sobre a pena com base apenas no teor do C.R.C., quando tentou, mas não logrou, obter mais elementos.»

Cancelamento

É com a maior consternação que tenho de cancelar o lançamento do livro "Crime de Peculato" que estava agendado para a próxima segunda-feira, dia 8, pelas 18:30. Motivos imponderáveis, e como calculam de força-maior, implicam esta decisão.
Ao pedido de compreensão junta-se o rogar a fineza de passarem a palavra quanto a este cancelamento, de modo a que se evitem comparências em vão.
Em breve comunicarei a nova data. Um abraço a todos.


Responsabilidade dos Advogados


A questão da responsabilização dos advogados pelos actos praticados no exercício das suas funções começa a colocar-se na agenda jurisprudencial. A culpabilização começa a surgir.

Elucidativo este aresto do Supremo Tribunal de Justiça [proferido no processo n.º 78/09.1TVLSB.L1.S1 da 7ª Secção, texto integral aqui]:

«1. Um lapso manifesto, ostensivo, detectável pela simples leitura do acórdão não justifica a respectiva anulação.
2. No cumprimento do mandato forense, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, naturalmente com respeito das regras de conduta genericamente impostas ao exercício da profissão respectiva, e dispõe de uma margem significativa de liberdade técnica.
3. Nesse cumprimento não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide.
4. No caso, o réu estava absolutamente vinculado a requerer a prova, tendo em conta os termos da contestação que apresentou e da reconvenção que deduziu; a falta de requerimento implica incumprimento do contrato de mandato, pois não praticou um acto manifestamente indispensável ao preenchimento dos objectivos contratualmente reconhecidos.
5. A falta de apresentação oportuna do requerimento de prova determinou a improcedência da sua defesa e da reconvenção; mas não se pode determinar qual seria o provável resultado da prova que viesse a ser oportunamente requerida e produzida; nem tão pouco oprovável desfecho jurídico da causa.
6. Mas a falta de requerimento de prova para lograr demonstrar os factos controvertidos é causa adequada da perda de oportunidade, autonomamente considerada.
7. O dano da perda de oportunidade de ganhar uma acção não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de elevada.
8. No caso presente, a chance de vencimento é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade.»

Na fundamentação o acórdão rememora a jurisprudência do mesmo Tribunal sobre o tema, afirmando:

«- No cumprimento do mandato forense, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, naturalmente com respeito das regras de conduta (nomeadamente de deontologia) genericamente impostas ao exercício da profissão respectiva, e dispõe de uma margem significativa de liberdade técnica que carece de ser respeitada (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 542/09.2YFLSB, de 10 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 9195/03.0TVLSB.L1.S1); essa liberdade, no entanto, tem âmbitos diferenciados, consoante as situações, e deve ser exercida de acordo com o fim do contrato;
«– Nesse cumprimento não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide; trata-se, como habitualmente se refere, de uma obrigação de meios, e não de resultado (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. 2622/07.0TBPNF.P1. S1, de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. Nº 171/2002.S1).»

Criminalidade participada...


Encontrei este quadro no Blog de Informação. A atentar nos números e cotejando com o que periodicamente vem a lume há qualquer coisa de profundamente errado em tudo isto: ou a ideia de insegurança rampante é demagogia política e jornalística ou as vítimas sofrem e calam, porque de criminalidade participada se trata, excluindo as chamadas cifras negras.


Pessoal


A quantos visitam este espaço em busca de novidades e não o encontram regularmente actualizado, peço compreensão: a vida nem sempre permite ser o que se deve ser. Àqueles que leram promessas várias vezes  por mim feitas aqui de que manteria a regularidade na escrita, que poderei pedir se não que entendam que sou o primeiro a envergonhar-me de não ter cumprido?
O meu contacto com o Direito não tem sido fácil: faço dele profissão e confesso que, ao fim destes anos, são muitas as vezes em que o desânimo se apodera pela superficialidade com que dele me socorro, pela ligeireza com que o vejo ser aplicado. O fosso entre a teoria que se ensina e a prática que deveria reproduzi-la atinge, por vezes, no quotidiano da vida, dimensões insuportáveis. 
Numa outra dimensão, procurei escrever, sobretudo livros, mas tenho consciência de que raramente fui além do que são obras de divulgação, de sistematização de ideias, a juntar ao já disperso, poucas vezes com um pensamento próprio. 
Há bem pouco retomei a escrita jurídica. Espero para muito breve um livro, incerto quanto ao dia desta semana em que estará produzido.Será o primeiro de uma série, talvez o primeiro de muitos outros em nome da ideia de que talvez tenha algo a dizer e alguém que me queira ouvir. 
De qualquer modo escrever é uma inevitabilidade, na Literatura em geral e, assim estejamos com ele reconciliados, no Direito também.
Houve tempos em que estudei para ensinar. Sinto que tenho de voltar a estudar.
A quantos me lerem hoje aqui em busca aqui de algo que não este momento pessoal, digo que a vida não é apenas a objectividade do que se faz, mas também a alma de quem o faz, irregular e incerta a minha. Como uma fractura no gelo, que pode ser o anúncio da Primavera da vida. 

CSPJ em Espanha


Vejam-se e comparem-se as atribuições e a composição do Consejo General del Poder Judicial de Espanha com o que se discute em relação ao nosso País quanto ao seu homólogo. Dirão que há diferenças de estrutura porque existem diferenças de sistema. Por isso mesmo. Ler aqui.

A sobre-prova pericial


Num processo penal moderno a prova pericial é uma prova mestra. Ela assenta em conhecimentos especializados sobre matérias que, em princípio, os tribunais não dominam. «Especiais conhecimentos» refere o artigo 151º do CPP  «técnicos, científicos ou artísticos».
Sucede, porém, que a lei em vigor reserva a competência para a efectivação de perícias àquelas entidades que sejam designadas pelas autoridades judiciárias. Quanto aos sujeitos privados, se quiserem designar alguém que tenha um especial domínio da situação controvertida - ainda que com maior e mais fundamentado saber relativamente aos peritos oficialmente designados - esbarram com esta situação: tal pessoa, por maior que seja a sua competência, saber e credibilidade, não tem estatuto próprio.
Poderá, sim, ser designados como «consultor técnico», mas nessa qualidade a sua intervenção é diminuta, pois só pode «propor a efectivação de determinadas diligências e formular objecções», isto quando tiver conhecimento de que a perícia está a ter lugar o que não sucede nos casos - que são os mais relevantes - em que o processo corre sob o regime de segredo de justiça. 
Além de que - como se para desconsiderar esta intervenção dos consultores - a lei consagra que «a designação de consultor técnico e o desempenho da sua função não pode atrasar a realização da perícia e o andamento normal do processo».
Com a vigésima revisão do Código de Processo Penal ficou-se na mesma. Peritos são só aqueles que a autoridade judiciária designa, mesmo que sejam, no caso da PJ, entidades sob a sua dependência funcional. Enfim, o juízo pericial sobrepõe-se ao judicial, que não poderá avaliar segundo critérios de livre apreciação da prova, sucedendo que quando o juiz divergir do perito está amarrado a ter «fundamentar a divergência». Reza o artigo 163º do CPP.

A ignorância explosiva



Hoje foi publicada uma lei que altera o regime jurídico do processo de inventário. [texto aqui]
Do seu preâmbulo comprova-se bem o que é absurdo o ficcionado do sistema jurídico segundo o qual todo o cidadão é obrigado a conhecer a lei, sendo que a sua ignorância o não exime de ser responsabilizado pelo respectivo incumprimento. É uma verdadeira explosão legislativa...
Leia-se:

«A presente lei aprova o regime jurídico do processo de inventário, altera o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, e alterado pelos Decretos -Leis n.os 67/75, de 19 de fevereiro, 201/75, de 15 de abril, 261/75, de 27 de maio, 561/76, de 17 de julho, 605/76, de 24 de julho, 293/77, de 20 de julho, 496/77, de 25 de novembro, 200 -C/80, de 24 de junho, 236/80, de 18 de julho, 328/81, de 4 de dezembro, 262/83, de 16 de junho, 225/84, de 6 de julho, e 190/85, de 24 de junho, pela Lei n.º 46/85, de 20 de setembro, pelos Decretos -Leis n.os 381 -B/85, de 28 de setembro, e 379/86, de 11 de novembro, pela Lei n.º 24/89, de 1 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 321 -B/90, de 15 de outubro, 257/91, de 18 de julho, 423/91, de 30 de outubro, 185/93, de 22 de maio, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, e 163/95, de 13 de julho, pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 329 -A/95, de 12 de dezembro, 14/96, de 6 de março, 68/96, de 31 de maio, 35/97, de 31 de janeiro, e 120/98, de 8 de maio, pelas Leis n.os 21/98, de 12 de maio, e 47/98, de 10 de agosto, pelo Decreto -Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, pelas Leis n.os 59/99, de 30 de junho, e 16/2001, de 22 de junho, pelos Decretos--Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 199/2003, de 10 de setembro, e 59/2004, de 19 de março, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelo Decreto -Lei n.º 263 -A/2007, de 23 de julho, pela Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 324/2007, de 28 de setembro, e 116/2008, de 4 de julho, pelas Leis n.os 61/2008, de 31 de outubro, e 14/2009, de 1 de abril, pelo Decreto -Lei n.º 100/2009, de 11 de maio, e pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, 9/2010, de 31 de maio, 23/2010, de 30 de agosto, 24/2012, de 9 de julho, 31/2012 e 32/2012, de 14 de agosto, o Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 224/84, de 6 de julho, e alterado pelos Decretos -Leis n.os 355/85, de 2 de setembro, 60/90, de 14 de fevereiro, 80/92, de 7 de maio, 30/93, de 12 de fevereiro, 255/93, de 15 de julho, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, 67/96, de 31 de maio, 375 -A/99, de 20 de setembro, 533/99, de 11 de dezembro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, e 194/2003, de 23 de agosto, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelos Decretos -Leis n.os 263 -A/2007, de 23 de julho, 34/2008, de 26 de fevereiro, 116/2008, de 4 de julho, e 122/2009, de 21 de maio, pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, e pelos Decretos -Leis n.os 185/2009, de 12 de agosto, e 209/2012, de 19 de setembro, o Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 131/95, de 6 de junho, com as alterações introduzidas pelos Decretos--Leis n.os 36/97, de 31 de janeiro, 120/98, de 8 de maio, 375 -A/99, de 20 de setembro, 228/2001, de 20 de agosto, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de dezembro, 113/2002, de 20 de abril, 194/2003, de 23 de agosto, e 53/2004, de 18 de março, pela Lei n.º 29/2007, de 2 de agosto, pelo Decreto -Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, pelos Decretos -Leis n.os 247 -B/2008, de 30 de dezembro, e 100/2009, de 11 de maio, pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, e 7/2011, de 15 de março, e pelo Decreto -Lei n.º 209/2012, de 19 de setembro, e o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961, e alterado pelo Decreto -Lei n.º 47 690, de 11 de maio de 1967, pela Lei n.º 2140, de 14 de março de 1969, pelo Decreto -Lei n.º 323/70, de 11 de julho, pelas Portarias n.os 642/73, de 27 de setembro, e 439/74, de 10 de julho, pelos Decretos -Leis n.os 261/75, de 27 de maio, 165/76, de 1 de março, 201/76, de 19 de março, 366/76, de 15 de maio, 605/76, de 24 de julho, 738/76, de 16 de outubro, 368/77, de 3 de setembro, e 533/77, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 21/78, de 3 de maio, pelos Decretos -Leis n.os 513 -X/79, de 27 de dezembro, 207/80, de 1 de julho, 457/80, de 10 de outubro, 224/82, de 8 de junho, e 400/82, de 23 de setembro, pela Lei n.º 3/83, de 26 de fevereiro, pelos Decretos -Leis n.os 128/83, de 12 de março, 242/85, de 9 de julho, 381 -A/85, de 28 de setembro, e 177/86, de 2 de julho, pela Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 92/88, de 17 de março, 321 -B/90, de 15 de outubro, 211/91, de 14 de junho, 132/93, de 23 de abril, 227/94, de 8 de setembro, 39/95, de 15 de fevereiro, e 329 -A/95, de 12 de dezembro, pela Lei n.º 6/96, de 29 de fevereiro, pelos Decretos -Leis n.os 180/96, de 25 de setembro, 125/98, de 12 de maio, 269/98, de 1 de setembro, e 315/98, de 20 de outubro, pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, pelos Decretos -Leis n.os 375 -A/99, de 20 de setembro, e 183/2000, de 10 de agosto, pela Lei n.º 30 -D/2000, de 20 de dezembro, pelos Decretos -Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, e 323/2001, de 17 de dezembro, pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, pelos Decretos -Leis n.os 38/2003, de 8 de março, 199/2003, de 10 de setembro, 324/2003, de 27 de dezembro, e 53/2004, de 18 de março, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelo Decreto -Lei n.º 76 -A/2006, de 29 de março, pelas Leis n.os 14/2006, de 26 de abril, e 53 -A/2006, de 29 de dezembro, pelos Decretos -Leis n.os 8/2007, de 17 de janeiro, 303/2007, de 24 de agosto, 34/2008, de 26 de fevereiro, e 116/2008, de 4 de julho, pelas Leis n.os 52/2008, de 28 de agosto, e 61/2008, de 31 de outubro, pelo Decreto -Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, pelos Decretos -Leis n.os 35/2010, de 15 de abril, e 52/2011, de 13 de abril, e pelas Leis n.os 63/2011, de 14 de dezembro, 31/2012, de 14 de agosto, e 60/2012, de 9 de novembro.»

De novo as leituras...

A ideia britânica de que o julgamento se pauta pela oralidade - ou seja só vale para a sentença a prova produzida e examinada em audiência - sempre se articulou no nosso País com a prática, oriunda do processo inquisitorial, de que «os autos» oriundos da investigação não deixam de ter entrada em juízo e fazerem parte do acervo que ali se terá em conta.
Falo não dos documentos ou das perícias que o investigador reuniu e que entendeu ser relevante conhecer-se em julgamento ou peças da mesma natureza que a defesa carreou, mas sim dos autos onde se contêm os depoimentos testemunhais que foram recolhidos na fase de inquérito pelo Ministério Público ou pelas polícias ao seu serviço e bem assim declarações de arguidos ou assistentes.
Tempos houve em que o legislador os tentou escorraçar do julgamento decretando que tais «autos» eram arquivados «à parte», a modos de fazer passar a ideia de que não incorporavam os nobres volumes principais que, esses sim, seriam matéria cognoscível em julgamento e não seriam "poluídos" por tais figuras do passado processual.
Mas a força dos maus hábitos impera e não raras vezes todos se apercebiam de que os participantes processuais se conduziam em audiência com um olho na prova que ali se produzia e outra nos ditos fólios apensados «à parte» com um barbante...
Revogada essa legislação ingénua, voltou-se ao sistema da hipocrisia organizada.
A lei determina que só em certos casos, mediante requerimentos e após todos os sujeitos processuais se pronunciarem, é que, excepcionalmente, pode ter lugar a "leitura" em audiência dos autos que contenham testemunhos ou declarações e, em alguns casos essa leitura não pode mesmo ter lugar; mas no entanto, eles ali estão, incorporados nos volumes principais, a convidar todos que queiram a lê-los, fingindo que os não lêem, ficando ao escrúpulo de quem julga ignorá-los, cumprindo a lei. Escrúpulo silencioso, em que é só a consciência moral a dita a regra.
Que fez a recente reforma do CPP? Manteve exactamente o mesmo sistema em relação à prova testemunhal, aumentando os casos em que a "leitura" é permitida para as «declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento.» (novo n.º 4 do artigo 356º do CPP); quanto ao arguido permite-se a leitura integral do que disse desde que, quando interrogado em inquérito, tenha sido sido prevenido de que tal poderia suceder, leitura que, porém - compreensivelmente - não vale como confissão (nova redacção conferida ao artigo 357º, nºs 1, b) e números 2 e 3 do mesmo diploma)
Ou seja, a ficção legal, a insídia feita lei mantém-se: só se pode ler o que afinal pode ser lido. Continuarão, pois, os requerimento a requer "leituras", mais os requerimentos a oporem-se às leituras e os despachos a fundamentar o porque sim e o porque não. E horas perdidas nisto.
Confesso que no estado em que estou, esgotado ante um sistema em que a irrealidade fingida do formalismo se sobrepõe ao conteúdo material dos actos, estou por tudo: fique tudo no processo, leia-se tudo, decida-se com base em tudo, valorando o que for para valorar, desconfiando do que não parecer credível. Antes a cruel verdade imperfeita que a perfeição velhaca da mentira.
Houve tempos em que o legislador pensou só valorar a prova desde testemunhal a por declarações produzida no inquérito desde que gravada. Agora, que houve que dar forma de lei a essas ideias generosas de protecção da verdade da prova penal, triunfou o Ministério das Finanças sobre o Ministério da Justiça. Basta ler a nova redacção do n.º 7 do artigo 141º e o artigo 144º, n.º 2, ambos do CPP, referentes ao interrogatório do arguido onde se lê que «o interrogatório do arguido é efetuado, em regra, através de registo áudio ou audiovisual (...)». O em regra diz tudo: é tal domínio da regra que legitima a imensa excepção.
Dinheiro para gravadores nas esquadras de polícia ou nos serviços do MP, não há. Tempos houve em que se equiparam as salas de audiências com mesas misturadoras que nem algumas boîtes conhecem, com mil botões de que os funcionários usam dois ou três para gravações que em muitos casos nem se ouvem em condições. Gastou-se o que havia e o que não havia. Hoje nem para papel já há, excepto para permitir as leituras.

Instrução: o quê para quê


É uma visão ampla do que seja, afinal, a instrução criminal, ao arrepio das perspectivas reducionistas que campeiam em alguma jurisprudência que o legislador animou ao ter clausulado a total irrecorribilidade do que essencial se passa nesta fase. 
«1. No exercício do controlo da decisão do Ministério Público, o juiz de instrução investiga autonomamente o caso submetido a instrução, resultando do nº 4 do art. 288º do Código de Processo Penal, a imposição de um dever de investigação que transcende a matéria apurada em inquérito.
2. O grau de deficiência da actuação do Ministério Público enquanto dominus do inquérito, a dimensão das suas eventuais omissões no cumprimento do poder-dever de investigar, podem condicionar a opção do assistente no modus de reacção ao arquivamento, no sentido de suscitar a intervenção hierárquica.
3. No entanto, a lei não lhe impõe a via exclusiva da intervenção hierárquica, impedindo-o de suscitar a abertura de instrução nos casos em que haja diligências de investigação a realizar, podendo o assistente pretender que o juiz da instrução leve a cabo a prática de acto ou de recolha de provas não considerados no inquérito (art. 287º, nº 2 do Código de Processo Penal).
4. Na fase da instrução requerida pelo assistente, devem praticar-se os “actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo” (art. 289º, nº1 do Código de Processo Penal), de acordo com um princípio do acusatório mitigado por um princípio da investigação, mas também com a garantia da tutela efectiva dos direitos do ofendido.
5. E se o juiz da instrução não pode deixar de actuar dentro dos princípios constitucionais estruturantes do processo penal – da acusação e do processo equitativo –, na instrução requerida pelo assistente deve praticar os actos que, não pretendendo substituir o inquérito do Ministério Público, assegurem ainda a tutela efectiva do direito da vítima, à luz do art. 20º da Constituição da República Portuguesa.
6. Direitos esses a cujo exercício a lei não associa nenhum ónus preclusivo, caso o assistente, na sindicância do arquivamento do inquérito, tenha optado pela via, não da intervenção hierárquica (art. 278º do Código de Processo Penal), mas da instrução (art. 287º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal).
7. Em hipóteses complexas de pluralidade de agentes, a decisão instrutória tem de tratar esgotantemente, no sentido da pronúncia ou da não pronúncia, todas as formas de autoria e de comparticipação criminosa.
8. Determinando em que medida cada uma das actuações individuais se entrecruza com as restantes, num projecto eventualmente comum, conhecido, querido ou sabido por todos (co-autoria); em que medida algum deles terá determinado, mesmo que de forma mediata, os executores à prática de factos ilícitos típicos (instigação e instigação em cadeia); em que medida a intervenção de algum deles possa ter ajudado ou favorecido a prática do facto, auxiliando os restantes (cumplicidade).
9. Ao não ter abordado e tratado esgotantemente a relevância dos concretos contributos individuais de cada arguido na realização do ilícito típico, a decisão instrutória é nula por omissão de pronúncia (art. 308º, nº2 do Código de Processo Penal).»
Trata-se do Acórdão da Relação de Évora de 26.02.13 [proferido no processo n.º 453/07.3GELSV.E1, relatora Ana Brito, texto integral aqui]

O novo artigo 340º do CPP

Quando a reforma foi anunciada a crítica surgiu. Mas o Governo insistiu e a ideia passou na Assembleia da República, a alteração do artigo 340º do CPP.
Na sua versão originária este preceito era uma válvula de escape em prol da verdade, através da atribuição ao juiz de poderes oficiosos de investigação. Agora ficou reduzida a um alçapão.
De acordo com a nova redacção, saída da 20ª alteração ao Código de Processo Penal [Lei n.º 20/2013, de 21.02],os requerimentos de prova são indeferidos se for notório que «as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa».
Na aparência trata-se de um preceito moralizador, visando pôr termo ao abuso das provas requeridas fora do tempo próprio, trazendo para o processo a surpresa e, desta forma, a desigualdade de armas. Nessa dimensão nada a dizer.
Só que há uma outra.
A novidade parte do pressuposto de que em todos os processos existe uma adequada defesa técnica. Ora isso nem sempre sucede, muitas vezes a defesa nomeadamente é assegurada por quem não tem preparação suficiente para a função. Assim, a correcta contestação, a congruente elaboração dos requerimentos de prova deixam por vezes muito a desejar e é no momento da audiência que surge, inevitável, a impor-se como absolutamente indispensável, a necessidade de produzir prova que não foi até então considerada. E aí o poder corrector do juiz impõe-se para que a causa seja bem decidida e a verdade se alcance.
Em casos como este o artigo 340º era uma norma garantística, que beneficiava sobretudo o pior assistido, quantas vezes o de mais fracos recursos económicos para poder beneficiar de defesa não oficiosa.
Pode dizer-se que a parte final do preceito agora alterado é garantia suficiente de que os poderes judiciais oficiosos subsistem para a prossecução daqueles valores da descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Em parte assim pareceria ser se esse segmento da norma não estivesse redigido como excepção. Desta forma, na sua formulação, a regra passa a ser o convite ao indeferimento à prova que teve já o seu tempo processual para ser indicada, na acusação e ma contestação. E imagina-se certas mentalidades avessas a delongas judicativas a encontrarem aqui arrimo fácil para a rejeição da prova porque intempestiva. 
Além disso, o legislador, ao ter reportado àqueles dois momentos processuais os tempos inexoráveis de indicação das provas - com preclusão da sua menção em momento posterior - parece ter esquecido que se manteve a possibilidade de alteração do rol de testemunhas, por força do artigo 316º do Código nesta parte não modificado.
E assim, o que o artigo 340º agora diz é uma incongruência: as provas não são admitidas se poderiam ter sido indicadas na acusação e na contestação com a possibilidade de serem indicadas, porém, em momento posterior àqueles dois momentos, o que o artigo 316º clausula e aquele artigo não ressalva.
É o que sucede quando se emitem leis avulsas sobre Códigos que têm a sua lógica. Altera-se um preceito esquecendo-se os outros que são o que conferem a plenitude e a suposta harmonia do ordenamento jurídico.


Peculato do acessível


Determinou a Relação de Coimbra no seu recente acórdão de 23.01.13 [proferido no processo n.º 214/11.8PCCBR, texto integral aqui] que «O segmento “acessível em razão das suas funções” referido no n.º 1, do art.º 375º, do C. Penal, que se reporta ao tipo legal de crime de “Peculato”, exige uma especial relação de poder ou de domínio ou de controlo/supervisão sobre a coisa que o agente detém em razão das suas específicas funções e que vem a postergar com abuso ou infidelidade das específicas funções, ao apropriar-se, para si ou para terceiro, dessa mesma coisa - não sendo suficiente apenas a simples acessibilidade física em relação à coisa de que se apropria.»

Li-o com atenção, a este controverso acórdão, porque estou a rever, para o fazer publicar no próximo mês, um estudo jurídico sobre este tipo de crime, o de peculato, o primeiro de uma série regular de monografias sobre os crimes com relevo patrimonial.