Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Como no Animal Farm, há uns mais iguais do que outros


Claro que as alterações aos grandes diplomas, como o Código Penal, poderiam não ser feitas aos poucos, uma de cada vez. 
Ainda na terça-feira falava na 32ª segunda alteração ao Código Penal, pela qual se alterou o seu artigo 132º, assim qualificando o homicídio e as ofensas à integridade física de solicitadores, agentes de execução e administradores judiciais e já surge a 33ª alteração, desta feita relativa a maus tratos a animais de companhia. Está aqui, sendo a Lei n.º 69/2014, de 29 de Agosto.
Lendo o preceituado em primeira leitura fica-se com estas controversas ideias. Ou eu estarei errado.
Primeira, de que a regra de que o definido não entra na definição é pura e simplesmente esquecida por este descuidado legislador para quem animal de companhia é o «detido ou destinado a ser detidos por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia». Em suma, animal de companhia é o que serve para fazer companhia, vício definitório que já decorria da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, para a protecção dos animais, com a especificidade de nesta se prever «prazer» em vez de «entretenimento».
A segunda e substancial é que o âmbito de protecção não se estende aos animais domésticos em geral e assim quem infligir dor ou privar de importante órgão ou membro animal que tenha na sua capoeira ou redil ficará impune, como se a lógica cruel de que, destinando-se a matança, podem ficar à mercê de qualquer malfeitoria imperasse com o apoio do legislador.
É aqui que ocorre a perplexidade. É que a acima citada Lei n.º 92/95, que, repete-se, pretendia a protecção aos animais e previa toda uma série de condutas lesivas dos mesmos [ver abaixo o artigo 1º], deixava em aberto a punição à violação dos seus preceitos, já que no artigo 9º estabelecia que «as sanções por infracção à presente lei serão objecto de lei especial», de que se ficou à espera.
Ora a dita «lei especial» acabou por ser esta que não só introduziu um título novo no Código Penal, alterando-lhe a sistemática, como, para além disso, acabou por restringir o âmbito de protecção penal aos animais ditos de companhia, com esquecimento dos demais.
Isto é, quando desde 1995 se aguardou uma legislação criminal que desse execução à lei de protecção a animais, com esta lei hoje publicada acabou por manter-se aquela lei geral sem protecção penal e deliberadamente criou-se por cima dela um articulado que, pela nova redacção ao artigo 9º - que agora trata ade outra matéria, concretamente dos poderes de intervenção das associações zoófilas - dá um sinal de que relativamente aos animais que não sejam os de companhia o Direito Penal os abandonou de vez. Até porque quanto aos de companhia já existia outro diploma o Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro [ver aqui com a redacção em vigor], que procurou dar execução a uma Convenção Europeia sobre a matéria.
Como no Animal Farm, há uns animais mais iguais do que outros.

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* Artigo 1º da lei n.º 92/95


1 - São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal. 
2 - Os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos. 
3 - São também proibidos os actos consistentes em: 
a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou actuações que, em virtude da sua condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas possibilidades; 
b) Utilizar chicotes com nós, aguilhões com mais de 5 mm, ou outros instrumentos perfurantes, na condução de animais, com excepção dos usados na arte equestre e nas touradas autorizadas por lei; 
c) Adquirir ou dispor de um animal enfraquecido, doente, gasto ou idoso, que tenha vivido num ambiente doméstico, numa instalação comercial ou industrial ou outra, sob protecção e cuidados humanos, para qualquer fim que não seja o do seu tratamento e recuperação ou, no caso disso, a administração de uma morte imediata e condigna; 
d) Abandonar intencionalmente na via pública animais que tenham sido mantidos sob cuidado e protecção humanas, num ambiente doméstico ou numa instalação comercial ou industrial; 
e) Utilizar animais para fins didácticos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou actividades semelhantes, na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimentos consideráveis, salvo experiência científica de comprovada necessidade; 
f) Utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em confrontar mortalmente animais uns contra os outros, salvo na prática da caça.

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Fonte da imagem [capa da primeira edição do livro de George Orwell], aqui.

2ª feira próxima


Diria que Segunda-Feira regresso à minha profissão. Mas, na verdade, nunca deixei de estar com a minha profissão. É daquelas que nos seguem como uma sombra, porque há prazos que nela nunca se interrompem, porque as angústias e ânsias daqueles que assistimos não se suspendem no tempo apenas faz intervalo, quando possível, o respeito que alguns têm ante o tempo em que nos supõem a descansar.
Além disso, tenho feito ironia com a frase de "estar sempre de férias", forma de me organizar fazendo, durante todo o ano, para além do que devo o que quero, descansando sempre que posso, mesmo quando descansar é fazer outra coisa.
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Fiz ponto de honra não usar este espaço para falar da minha profissão nem dos casos profissionais. Acho que nunca quebrei, nem por aproximação, essa regra. E, no entanto, como se imagina, pretextos não faltariam porque cada dia é um manancial de razões para trazer aqui todo o teclado de sentimentos nesse piano de acontecimentos que vão do risível ao revoltante, só para me ficar pela letra erre. Mesmo nos dias em que apeteceu gritar alto ou em que fez sentido o "é preciso avisar toda a gente", abstive-me. Talvez tenha feito mal mas é um modo de ser. E contra isso a razão pode pouco e a vontade de intervenção cívica fica desguarnecida.
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Assim, Segunda-Feira não regresso, pois, à minha profissão, continuo, afinal, com ela. Para além disso, mantenho-me naquela outra vida que tenho procurado viver, a da escrita e agora a da edição, esta a diminuir o tempo para aquela, ambas a abrir espaço para o perpétuo renascer através da renovação. 
No campo jurídico tinha planeado ter adiantado para Setembro dois livros, mas talvez isso só seja verdade mais para o fim do mês. 
É que, estando sempre de férias, devo ter estado em Agosto mais em férias do que devia, entregue àquela preguiça inocente de quem acorda cedo deita-se tarde mas trabalha pouco e dormita angustiado pelo pesadelo do que poderia ter sido, como se numa escada rolante em que se está sempre abaixo do degrau seguinte.
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Tudo começou em 1966 quando entrei na Faculdade de Direito. Cinco anos depois, quando saí, queria ser juiz. O tempo ocupou, porém, o seu espaço. Proporcionou-se mais tarde ensinar e estudei, enfim, para isso. O resto tem sido a profissão, a avalanche dos factos e das histórias de vida de que se é confidente, a esmagadora maioria a de pessoas de quem não reza a História. 
A realidade tem pouco a ver com o mito, assim como o sonho é diverso da ilusão.

O estado de Citius...


É parte do caos: «A plataforma CITIUS estará indisponível desde as 24h00m do dia de hoje 26 Agosto 2014 (Terça-Feira), até às 24h00m do dia 31 Agosto 2014 (Domingo), devido à realização de intervenções técnicas», informa-se.
Estamos para ver o estado em que estarão tribunais, processos, magistrados, funcionários no dia 1 de Setembro.
Isto por causa de algo que, recém chegada a troika, foi propagandeado pelas hostes governamentais como uma das causas do atraso económico do País, a morosidade na Justiça, de que o mapa judiciário seria a prioritária solução.
A propósito será interessante ler isto aqui que consta do site do Ministério da Justiça como sendo o papel deste e, afinal, o seu plano de acção, ante os memorandos com a dita troika.



Homicídio e OIF qualificados: a 32ª alteração ao Código Penal


É trigésima segunda alteração ao Código Penal de 1982, decretada pela Lei n.º 59/2014, de 26 de Agosto [ver aqui], alterando o artigo 132º do Código Penal e assim qualificando o homicídio e as ofensas à integridade física de solicitadores, agentes de execução e administradores judiciais.
Como se legisla ao sabor da casuística, fica por saber porque se não qualifica o homicídio e as ditas ofensas quando cometidas sobre revisores oficiais de contas, os notários privados ou aqueles que, em geral, devido à natureza da sua profissão, vêm a sua vida e segurança posta em risco.
Além disso, prevendo-se no artigo em causa, como uma das entidades especialmente protegidas pela qualificação do crime, os funcionários, e admitindo-se que se pretenda aí o conceito de funcionário no sentido incomum penal, previsto no último artigo do Código Penal - outra estranha particularidade do nosso sistema a pôr em crise a noção de plenitude e coerência do ordenamento jurídico, o qual vale como mera regra aparente - sempre fica a dúvida quanto a saber se os casos que em concreto se previram já não estariam, por aquela forma, tutelados penalmente.

França: nova reforma penal


Em França, a lei de 15 de Agosto deste ano, agora publicada no jornal oficial, do dia 17 [ver o texto aqui], aprovou, na sequência de esforços da ministra da Justiça, Christiane Taubira, a Reforma Penal, de há muito controversa.
Eis os principais eixos da reforma [para desenvolvimentos ler aqui e aqui] cujo propósito essencial é o combate à reincidência [que é o critério de sucesso de uma política criminal]:


-» Il supprime les automatismes qui entravent la liberté du juge et font obstacle à l'individualisation de la sanction. Sont ainsi supprimées les peines plancher et les révocations de plein droit du sursis simple ou du sursis avec mise à l'épreuve. La peine encourue par les récidivistes demeurera doublée par rapport à celle encourue par les nonrécidivistes et le juge conservera la possibilité de prononcer la révocation des sursis antérieurs par décision motivée si la situation le justifie. Il instaure ensuite la césure du procès pénal : le tribunal pourra, après s'être prononcé sur la culpabilité, ajourner la décision sur la condamnation afin qu'une enquête sur la personnalité et la situation sociale du condamné soit effectuée. Le tribunal pourra ainsi statuer sur les dommages et intérêts des victimes dès le prononcé de la culpabilité et obtenir les éléments nécessaires pour déterminer la sanction la plus adéquate. Dans l'attente de cette enquête, il pourra placer en détention le condamné si cela est nécessaire.

-» Crée une nouvelle peine, la contrainte pénale: cette peine pourra être prononcée lorsqu'un délit est puni d'une peine d'emprisonnement maximale inférieure ou égale à cinq ans. Cette nouvelle peine n'est pas définie par rapport à une durée d'emprisonnement de référence. Elle ne se substitue pas aux peines existantes mais s'y ajoute, de sorte que les juges disposeront d'un nouvel outil de répression. Cette peine vise à soumettre la personne condamnée, pendant une durée comprise entre six mois et cinq ans et qui est fixée par la juridiction, à des obligations ou interdictions justifiées par sa personnalité, les circonstances de l'infraction, ou la nécessité de protéger les intérêts de la ou des victimes ainsi qu'à des mesures d'assistance et de contrôle et à un suivi adapté à sa personnalité. Ces mesures, obligations et interdictions seront déterminées, après évaluation de la personnalité de la personne condamnée par le service pénitentiaire d'insertion et de probation, par le juge de l'application des peines. [ver desenvolvimentos aqui]. Les obligations peuvent être la réparation de dommages causés par l’infraction, l’obligation de suivre un enseignement ou une formation professionnelle, des traitements médicaux ou des soins, ou encore un stage de citoyenneté. Le condamné intègre un programme de suivi et de contrôle, visant à le responsabiliser et à interrompre sa trajectoire de délinquance. Le condamné pourra aussi se voir contraint de participer à des programmes individuels ou collectifs de prévention de la récidive. Les interdictions, elles aussi en relation directe avec l’infraction, peuvent par exemple empêcher la personne condamnée de conduire un véhicule, d’entrer en relation avec la victime, de fréquenter les débits de boisson, de se présenter dans certains lieux.

-» Instaure un nouveau dispositif pour éviter les sorties de prison sans contrôle ni suivi: lorsque les condamnés sortent de prison sans contrôle et sans suivi, le risque de récidive est nettement majoré. Afin d'éviter ce type de sorties, la réforme introduit le principe d'un examen systématique de la situation de tous les condamnés qui ont exécuté les 2/3 de leur peine. S'agissant des longues peines (supérieures à cinq ans), la situation des condamnés sera obligatoirement examinée par le juge ou le tribunal de l'application des peines qui statuera après débat contradictoire sur l'octroi éventuel d'une libération conditionnelle. S'agissant des courtes peines (inférieures à cinq ans), la situation des personnes condamnées sera examinée par le juge de l'application des peines en commission de l'application des peines