Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Brasil: associação criminosa


Só agora é que o Direito Criminal Brasileiro tipificou enquanto tal e de forma específica o crime de associação criminosa. Segundo se noticia no mês de Julho «foi aprovado, na madrugada desta quinta-feira (11), no Senado, o PLS 150/2006, que vai tornar mais eficaz o enfrentamento às organizações criminosas com penas de três a oito anos. Antes, apenas os crimes de quadrilha ou bando, grupos constituídos por mais três pessoas, eram tipificados com penas de até três anos.»

Em rigor dizendo, até aqui a previsão legal naquele País distinguia a organização criminosa da associação criminosa, mas esta exigia para a sua caracterização a pertença de um número mínimo de três pessoas.


De facto, o § 1º, do art. , da Lei 12.850/2013 [ver o texto integral aqui] previa que: «Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.»

Enquanto isso, o artigo 288 do CP (alterado pela Lei 12.850/2013, art. 24) trata do tipo penal da “Associação Criminosa”, onde o mínimo para a sua configuração é de 3 pessoas ou mais e é aplicado às infrações penais cujas penas máximas sejam inferiores a 4 (quatro) anos. 

Transcrevendo: «Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) (Vigência)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) (Vigência)
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) (Vigência)»

"Escuta" a Advogados


Com o Tribunal de Estrasburgo, defensor, diga-se, dos Direitos do Homem, a viabilizar a escuta num caso de terrorismo [ver aqui], também no Brasil a questão da licitude da intercepção telefónica da conversa entre o advogado e o seu constituinte está em aberto, agora no domínio do Direito Criminal Comum. Citando:

«Recentemente, tem se observado o vazamento dessas conversas gravadas, especialmente aquelas havidas entre o investigado e seu advogado, visando macular essa relação profissional de desconfiança pela sociedade em geral. Ainda que tal prática seja extremamente imoral, esse artigo se voltará para questão correlata de maior importância: Pode a conversa gravada entre cliente e advogado ser utilizada como meio de prova no processo penal?
Recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, datado de 27 de maio de 2014, nos autos do RMS 33.677 – SP, negou provimento ao recurso interposto por um escritório de advocacia que postulava pelo desentranhamento de interceptação telefônica onde foram captados diálogos havidos entre advogados daquele escritório com um investigado, tendo o tribunal justificado a manutenção daquela interceptação nos autos do processo sob o fundamento de que “não é porque o advogado defendia o investigado que sua comunicação com eles foi interceptada, mas tão somente porque era um dos interlocutores, não havendo, assim, nenhuma violação ao sigilo profissional”.Com a devida vênia, ousamos discordar da decisão proferida por aquela Egrégia Corte, uma vez que (...) [ler o texto integral aqui]

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Fonte da imagem: aqui

França: a Cour d'Asises

Para que se saiba o que é e como funciona. Texto aqui.

Como no Animal Farm, há uns mais iguais do que outros


Claro que as alterações aos grandes diplomas, como o Código Penal, poderiam não ser feitas aos poucos, uma de cada vez. 
Ainda na terça-feira falava na 32ª segunda alteração ao Código Penal, pela qual se alterou o seu artigo 132º, assim qualificando o homicídio e as ofensas à integridade física de solicitadores, agentes de execução e administradores judiciais e já surge a 33ª alteração, desta feita relativa a maus tratos a animais de companhia. Está aqui, sendo a Lei n.º 69/2014, de 29 de Agosto.
Lendo o preceituado em primeira leitura fica-se com estas controversas ideias. Ou eu estarei errado.
Primeira, de que a regra de que o definido não entra na definição é pura e simplesmente esquecida por este descuidado legislador para quem animal de companhia é o «detido ou destinado a ser detidos por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia». Em suma, animal de companhia é o que serve para fazer companhia, vício definitório que já decorria da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, para a protecção dos animais, com a especificidade de nesta se prever «prazer» em vez de «entretenimento».
A segunda e substancial é que o âmbito de protecção não se estende aos animais domésticos em geral e assim quem infligir dor ou privar de importante órgão ou membro animal que tenha na sua capoeira ou redil ficará impune, como se a lógica cruel de que, destinando-se a matança, podem ficar à mercê de qualquer malfeitoria imperasse com o apoio do legislador.
É aqui que ocorre a perplexidade. É que a acima citada Lei n.º 92/95, que, repete-se, pretendia a protecção aos animais e previa toda uma série de condutas lesivas dos mesmos [ver abaixo o artigo 1º], deixava em aberto a punição à violação dos seus preceitos, já que no artigo 9º estabelecia que «as sanções por infracção à presente lei serão objecto de lei especial», de que se ficou à espera.
Ora a dita «lei especial» acabou por ser esta que não só introduziu um título novo no Código Penal, alterando-lhe a sistemática, como, para além disso, acabou por restringir o âmbito de protecção penal aos animais ditos de companhia, com esquecimento dos demais.
Isto é, quando desde 1995 se aguardou uma legislação criminal que desse execução à lei de protecção a animais, com esta lei hoje publicada acabou por manter-se aquela lei geral sem protecção penal e deliberadamente criou-se por cima dela um articulado que, pela nova redacção ao artigo 9º - que agora trata ade outra matéria, concretamente dos poderes de intervenção das associações zoófilas - dá um sinal de que relativamente aos animais que não sejam os de companhia o Direito Penal os abandonou de vez. Até porque quanto aos de companhia já existia outro diploma o Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro [ver aqui com a redacção em vigor], que procurou dar execução a uma Convenção Europeia sobre a matéria.
Como no Animal Farm, há uns animais mais iguais do que outros.

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* Artigo 1º da lei n.º 92/95


1 - São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal. 
2 - Os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos. 
3 - São também proibidos os actos consistentes em: 
a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou actuações que, em virtude da sua condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas possibilidades; 
b) Utilizar chicotes com nós, aguilhões com mais de 5 mm, ou outros instrumentos perfurantes, na condução de animais, com excepção dos usados na arte equestre e nas touradas autorizadas por lei; 
c) Adquirir ou dispor de um animal enfraquecido, doente, gasto ou idoso, que tenha vivido num ambiente doméstico, numa instalação comercial ou industrial ou outra, sob protecção e cuidados humanos, para qualquer fim que não seja o do seu tratamento e recuperação ou, no caso disso, a administração de uma morte imediata e condigna; 
d) Abandonar intencionalmente na via pública animais que tenham sido mantidos sob cuidado e protecção humanas, num ambiente doméstico ou numa instalação comercial ou industrial; 
e) Utilizar animais para fins didácticos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou actividades semelhantes, na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimentos consideráveis, salvo experiência científica de comprovada necessidade; 
f) Utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em confrontar mortalmente animais uns contra os outros, salvo na prática da caça.

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Fonte da imagem [capa da primeira edição do livro de George Orwell], aqui.

2ª feira próxima


Diria que Segunda-Feira regresso à minha profissão. Mas, na verdade, nunca deixei de estar com a minha profissão. É daquelas que nos seguem como uma sombra, porque há prazos que nela nunca se interrompem, porque as angústias e ânsias daqueles que assistimos não se suspendem no tempo apenas faz intervalo, quando possível, o respeito que alguns têm ante o tempo em que nos supõem a descansar.
Além disso, tenho feito ironia com a frase de "estar sempre de férias", forma de me organizar fazendo, durante todo o ano, para além do que devo o que quero, descansando sempre que posso, mesmo quando descansar é fazer outra coisa.
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Fiz ponto de honra não usar este espaço para falar da minha profissão nem dos casos profissionais. Acho que nunca quebrei, nem por aproximação, essa regra. E, no entanto, como se imagina, pretextos não faltariam porque cada dia é um manancial de razões para trazer aqui todo o teclado de sentimentos nesse piano de acontecimentos que vão do risível ao revoltante, só para me ficar pela letra erre. Mesmo nos dias em que apeteceu gritar alto ou em que fez sentido o "é preciso avisar toda a gente", abstive-me. Talvez tenha feito mal mas é um modo de ser. E contra isso a razão pode pouco e a vontade de intervenção cívica fica desguarnecida.
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Assim, Segunda-Feira não regresso, pois, à minha profissão, continuo, afinal, com ela. Para além disso, mantenho-me naquela outra vida que tenho procurado viver, a da escrita e agora a da edição, esta a diminuir o tempo para aquela, ambas a abrir espaço para o perpétuo renascer através da renovação. 
No campo jurídico tinha planeado ter adiantado para Setembro dois livros, mas talvez isso só seja verdade mais para o fim do mês. 
É que, estando sempre de férias, devo ter estado em Agosto mais em férias do que devia, entregue àquela preguiça inocente de quem acorda cedo deita-se tarde mas trabalha pouco e dormita angustiado pelo pesadelo do que poderia ter sido, como se numa escada rolante em que se está sempre abaixo do degrau seguinte.
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Tudo começou em 1966 quando entrei na Faculdade de Direito. Cinco anos depois, quando saí, queria ser juiz. O tempo ocupou, porém, o seu espaço. Proporcionou-se mais tarde ensinar e estudei, enfim, para isso. O resto tem sido a profissão, a avalanche dos factos e das histórias de vida de que se é confidente, a esmagadora maioria a de pessoas de quem não reza a História. 
A realidade tem pouco a ver com o mito, assim como o sonho é diverso da ilusão.

O estado de Citius...


É parte do caos: «A plataforma CITIUS estará indisponível desde as 24h00m do dia de hoje 26 Agosto 2014 (Terça-Feira), até às 24h00m do dia 31 Agosto 2014 (Domingo), devido à realização de intervenções técnicas», informa-se.
Estamos para ver o estado em que estarão tribunais, processos, magistrados, funcionários no dia 1 de Setembro.
Isto por causa de algo que, recém chegada a troika, foi propagandeado pelas hostes governamentais como uma das causas do atraso económico do País, a morosidade na Justiça, de que o mapa judiciário seria a prioritária solução.
A propósito será interessante ler isto aqui que consta do site do Ministério da Justiça como sendo o papel deste e, afinal, o seu plano de acção, ante os memorandos com a dita troika.



Homicídio e OIF qualificados: a 32ª alteração ao Código Penal


É trigésima segunda alteração ao Código Penal de 1982, decretada pela Lei n.º 59/2014, de 26 de Agosto [ver aqui], alterando o artigo 132º do Código Penal e assim qualificando o homicídio e as ofensas à integridade física de solicitadores, agentes de execução e administradores judiciais.
Como se legisla ao sabor da casuística, fica por saber porque se não qualifica o homicídio e as ditas ofensas quando cometidas sobre revisores oficiais de contas, os notários privados ou aqueles que, em geral, devido à natureza da sua profissão, vêm a sua vida e segurança posta em risco.
Além disso, prevendo-se no artigo em causa, como uma das entidades especialmente protegidas pela qualificação do crime, os funcionários, e admitindo-se que se pretenda aí o conceito de funcionário no sentido incomum penal, previsto no último artigo do Código Penal - outra estranha particularidade do nosso sistema a pôr em crise a noção de plenitude e coerência do ordenamento jurídico, o qual vale como mera regra aparente - sempre fica a dúvida quanto a saber se os casos que em concreto se previram já não estariam, por aquela forma, tutelados penalmente.

França: nova reforma penal


Em França, a lei de 15 de Agosto deste ano, agora publicada no jornal oficial, do dia 17 [ver o texto aqui], aprovou, na sequência de esforços da ministra da Justiça, Christiane Taubira, a Reforma Penal, de há muito controversa.
Eis os principais eixos da reforma [para desenvolvimentos ler aqui e aqui] cujo propósito essencial é o combate à reincidência [que é o critério de sucesso de uma política criminal]:


-» Il supprime les automatismes qui entravent la liberté du juge et font obstacle à l'individualisation de la sanction. Sont ainsi supprimées les peines plancher et les révocations de plein droit du sursis simple ou du sursis avec mise à l'épreuve. La peine encourue par les récidivistes demeurera doublée par rapport à celle encourue par les nonrécidivistes et le juge conservera la possibilité de prononcer la révocation des sursis antérieurs par décision motivée si la situation le justifie. Il instaure ensuite la césure du procès pénal : le tribunal pourra, après s'être prononcé sur la culpabilité, ajourner la décision sur la condamnation afin qu'une enquête sur la personnalité et la situation sociale du condamné soit effectuée. Le tribunal pourra ainsi statuer sur les dommages et intérêts des victimes dès le prononcé de la culpabilité et obtenir les éléments nécessaires pour déterminer la sanction la plus adéquate. Dans l'attente de cette enquête, il pourra placer en détention le condamné si cela est nécessaire.

-» Crée une nouvelle peine, la contrainte pénale: cette peine pourra être prononcée lorsqu'un délit est puni d'une peine d'emprisonnement maximale inférieure ou égale à cinq ans. Cette nouvelle peine n'est pas définie par rapport à une durée d'emprisonnement de référence. Elle ne se substitue pas aux peines existantes mais s'y ajoute, de sorte que les juges disposeront d'un nouvel outil de répression. Cette peine vise à soumettre la personne condamnée, pendant une durée comprise entre six mois et cinq ans et qui est fixée par la juridiction, à des obligations ou interdictions justifiées par sa personnalité, les circonstances de l'infraction, ou la nécessité de protéger les intérêts de la ou des victimes ainsi qu'à des mesures d'assistance et de contrôle et à un suivi adapté à sa personnalité. Ces mesures, obligations et interdictions seront déterminées, après évaluation de la personnalité de la personne condamnée par le service pénitentiaire d'insertion et de probation, par le juge de l'application des peines. [ver desenvolvimentos aqui]. Les obligations peuvent être la réparation de dommages causés par l’infraction, l’obligation de suivre un enseignement ou une formation professionnelle, des traitements médicaux ou des soins, ou encore un stage de citoyenneté. Le condamné intègre un programme de suivi et de contrôle, visant à le responsabiliser et à interrompre sa trajectoire de délinquance. Le condamné pourra aussi se voir contraint de participer à des programmes individuels ou collectifs de prévention de la récidive. Les interdictions, elles aussi en relation directe avec l’infraction, peuvent par exemple empêcher la personne condamnée de conduire un véhicule, d’entrer en relation avec la victime, de fréquenter les débits de boisson, de se présenter dans certains lieux.

-» Instaure un nouveau dispositif pour éviter les sorties de prison sans contrôle ni suivi: lorsque les condamnés sortent de prison sans contrôle et sans suivi, le risque de récidive est nettement majoré. Afin d'éviter ce type de sorties, la réforme introduit le principe d'un examen systématique de la situation de tous les condamnés qui ont exécuté les 2/3 de leur peine. S'agissant des longues peines (supérieures à cinq ans), la situation des condamnés sera obligatoirement examinée par le juge ou le tribunal de l'application des peines qui statuera après débat contradictoire sur l'octroi éventuel d'une libération conditionnelle. S'agissant des courtes peines (inférieures à cinq ans), la situation des personnes condamnées sera examinée par le juge de l'application des peines en commission de l'application des peines

Pena de morte: proposta de restabelecimento em 1937


«Em 1937, o Deputado José Cabral [José Pereira dos Santos Cabral] apresentou o projeto de lei n.º 191, que estabelecia a pena de morte para crimes contra a segurança do Estado, alterando o n.º 11 do artigo da Constituição Política da República Portuguesa. Até 1976, o Código de Justiça Militar manteve a pena de morte. Atualmente, segundo o artigo 24.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, “em caso algum haverá pena de morte”.» [fonte: newsletter da Assembleia da República, aqui; ver mais aqui].

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«[...] José Pereira dos Santos Cabral [1885-1950], nasceu [16 de Setembro] em Travanca de Tavares (Mangualde). Formado em Direito por Coimbra [entra em 1906-07], foi advogado em Fornos de Algodres, director-geral dos Serviços Prisionais (1929), presidente da direcção da Associação do Patronato das Prisões, director geral dos Serviços Jurisdicionais de Menores, director dos Serviços de Acção Social e Política da Legião Portuguesa (medalha de oiro, por dedicação), administrador das Companhias Reunidas de Gás e Electricidade, da Companhia das Águas de Lisboa e presidente da assembleia-geral da Companhia de Seguros "Europeia". 
Monárquico [aparece como candidato eleito nas listas monárquicas, pelo círculo nº 18 de Gouveia nas eleições de 28 de Abril de 1918 e participa narevolta monárquica de 1919, tendo de exilar-se em Espanha] e católico, pertenceu ao grupo fascista formado em torno da revista Ordem Nova, à Liga Nacional do 28 de Maio e foi militante nacional-sindicalista [integrou e chefiou o grupo de Coimbra, fazendo parte do directório do Grande Conselho Nacional Sindicalista]. Mais tarde aderiu ao Salazarismo e à União Nacional [participa, mesmo, no I Congresso na União Nacional] rompendo (Março de 1934) com chefia dos “camisas azuis” de Rolão Preto e Alberto de Monsaraz[a cisão no movimento nacional-sindicalista e o “trânsito” para o Estado Novo foi acompanhada por outros, como Pedro Teotónio Pereira, Manuel Múrias,João Costa Leite (Lumbrales), Fernando Pires de Lima, Eusébio Tamagnini, Cabral Moncada, Ramiro Valadão, Supico Pinto, Dutra Faria,Luís Forjaz Trigueiros, Amaral Pyrrait, Castro Fernandes].
Curiosamente a proposta de dissolução do Movimento Nacional-Sindicalista(e a aceitação da liderança por Salazar) partiu do próprio José Cabral, na reunião do directório de Agosto de 1934» [fonte, aqui]
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Fonte da foto: Ephemera.

A presença do arguido: da sujeição à dispensa


Está publicada no último número da Jurismat, a revista jurídica do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes. Não querendo prejudicar a leitura integral, deixo aqui o que é o tema de abertura dessa crónica sobre a presença do arguido no processo penal, o que ora é um estado de sujeição ora uma formalidade tida como dispensável, dependendo de razões que exigem que se convoquem os princípios para que tudo seja repensado. E foi esse o objectivo do que escrevi, o fomentar a discussão.

«Ao contrário do processo civil – de onde dimanaram historicamente alguns dos conceitos do primitivo processo penal – a presença do arguido na audiência de julgamento é um requisito lógico ante a natureza do sistema de justiça de que se trata e com ele compatível numa unidade indissociável.

Várias são as razões que podem ser alinhadas em tal sentido:

(1) Como forma única de o fazer sentir aquele acto processual como coisa sua, ante o qual ele haverá de interiorizar os termos em que decorre a tramitação, a produção da prova, afinal, o próprio ritual de julgamento, criando no seu mundo cognitivo a representação da Justiça em acção, e na sua emotividade, os sentimentos consequentes dos quais resultará a sua adesão ao sistema de valores do Estado de Direito;

Creio ser este o ponto nodal do sistema, tantas vezes esquecido por alguma da nossa prática judiciária: o julgamento não é uma formalidade em que a presença do arguido seja algo dispensável, sim momento formal essencial de um ritual que é – em caso de condenação – o primeiro passo para a interiorização pela sua pessoa dos valores basilares do Estado de Direito, das regras de vivência comunitária, em suma, o iniciar do caminho para a sua ressocialização.

(2) Como meio adestrado a garantir-lhe a percepção da prova que vai desfilar ante o pretório, aquela que o poderá incriminará e aquela de onde poderá resultar a sua exculpação, tudo lhe proporcionando a oportunidade de sobre isso formar um juízo e, em nome do contraditório, intervir, fazendo consignar a sua posição;

Como poderá alguém que não o próprio, cujos actos estão sujeitos a julgamento, percepcionar, até ao limite do pormenor relevante, o que é dito pelos coarguidos – tantas vezes propensos a exonerarem-se sobrecarregando no ausente – pelos ofendidos, pelas testemunhas, o que está nos documentos, o que é, em sede de prova pericial tida como verdade oponível autoritariamente ao próprio poder de julgar (veja-se o artigo 163º)?

Como poderá um defensor consciente sentir-se confortável ante factos ou alegados factos que atingem aquele que assiste sem ter consigo quem sobre eles dar-lhe o arrimo de uma versão, um comentário, uma sugestão quanto à forma de os contraditar?

Acaso não é a percepção de um tribunal prudente que, tendo diante de si o próprio arguido, pode fazer funcionar, nos seus rigorosos termos, a regra da imediação probatória, que não é um princípio atinente à forma do processo, mas meio instrumental essencial para se alcançar a íntima convicção, a qual é critério reitor da aferição da prova, consoante o artigo 127º do CPP?

Como, sem a presença do próprio, medir a reacção, até fisionómica, que a prova produz naquele contra quem ou a benefício de quem é produzida?

Como aferir, com empenhamento e profundidade, da personalidade de quem é julgado e assim a culpabilidade – que é o requisito ético de um Direito Penal da culpa – sem ter em julga-lo a personagem do qual se cura? E não se diga que se julgam apenas factos na sua dimensão objectiva, sim factos oriundos de seres humanos concretos que na sua possível prática se envolvem com a dimensão integral dos seus seres e que, julgados em ausência ou com rara presença, não são – diga-se – julgados sequer, sim avaliados apenas um corpo decapitado de ocorrências sem causa.

(3) Como local onde, por estar em causa o apuramento da sua responsabilidade, lhe é conferida a oportunidade formal (artigo 61º, n.º 1, b)) de a poder reconhecer, através de confissão (artigo 344º), de a negar, ou invocar circunstâncias mitigadoras da mesma, prestando declarações, querendo fazê-lo, pois que quanto aos factos a tal não é obrigado (artigos 343º, 61º, n.º 1, d)).

Estamos ante um sistema em que a confissão é acto pessoal, insusceptível de ser prestada mediante representação, mesmo nos casos em que, ausente, o arguido é representado pelo defensor (artigo 343º, n.º 4 e artigo 344º).

Trata-se daquela pessoalidade que não está coberta pela faceta da defesa em que esta, para além de garantir a assistência técnica ao arguido, opera como representação do mesmo (artigo 63º, n.º 1).

Toda uma progressiva aculturação que tem vindo a tomar conta do nosso subconsciente colectivo em matéria de justiça penal tem trazido, porém, a representação imagética do julgamento criminal com um figurino em que, tal como no processo civil, o arguido está ao lado do seu defensor, e não sentado na cena de julgamento, como o vértice para onde tudo naquele acto converge; assim é no que chega em doses maciças pela cinematografia, pela televisão, dos julgamentos norte-americanos.

De facto, a arquitectura das nossas salas de audiências para a justiça penal traduz bem essa triangulação de que o “banco dos réus” é o vértice, estando contidos no interior de tal corpo geométrico, na lateral, o Ministério Público, a representação forense dos ofendidos e os defensores, o funcionário que assiste ao acto e redige a acta e, presidindo, os juízes. É nesse espaço geométrico que tudo ocorre; o vértice determina o ponto de convergência, simbólica que denota o sentido e significado do que ali se passa.

A própria prova por declarações e testemunhal ocorre dentro dessa espaço e diante do arguido, se bem que nem sempre em termos de este poder visionar o rosto de quem é ouvido, construção que é apta a pôr em crise um requisito essencial da defesa, qual seja a plenitude da percepção da prova por aquele que sofre os efeitos da mesma.»

A unicidade do TCIC


Fui dos que afirmei publicamente que o Tribunal Central de Instrução Criminal deveria voltar, no seu funcionamento interno, ao modelo com que já operara, o de um juiz para a prática dos actos jurisdicionais em sede de inquérito e um outro para a fase de instrução.
O regime que vigorava nos últimos tempos era o de impor ao mesmo e único juiz o dever se avaliar da legalidade dos actos que ele próprio praticara em sede de inquérito - quando arguida a sua invalidade através da instrução - e tudo decidir sem recurso.
Não estando em causa a probidade das pessoas, nem a fulanização da questão, sim uma questão de princípio, nunca me convenci de que este sistema fosse compatível com a Lei Fundamental apesar de o Tribunal Constitucional o ter viabilizado, pois nele cumulava-se na mesma entidade judicial a competência para o acto e para a sua sindicância, pondo em causa um pilar fundamental da estruturação do judiciário que é a terciarização face ao caso; isto para além das garantias defesa, que já quase se tornou argumento anémico na actual conjuntura jurídica. Isto para além de supor que a avaliação indiciária em sede de instrução pudesse ser outra quando imposta a respectiva apreciação a um magistrado que fora densificando a sua íntima convicção através dos actos que autorizara, a que presidira e que praticara, como o interrogatório de arguido detido, as intercepções de comunicações, as buscas.
Mais: não compreendi que fosse exigível a um magistrado o esforço acrescido de distanciamento para que, desligando-se do envolvimento que tivesse tido no inquérito, conhecer com a isenção e independência a que está adstrito, o que dera como adquirido pelo seu prévio activo envolvimento com o caso. 
Isto até porque o legislador, ao blindar e brindar com a irrecorribilidade a pronúncia obediente à acusação do Ministério Público, criava, em geral para todas as instruções e não apenas para as daquele Tribunal, uma questão de consciência pessoal: expor a decisão instrutória a recurso, distanciando-a do objecto configurado pelo Ministério Público ou conformá-la nos precisos termos em que este o delineara o caso, garantindo-lhe assim, através do conformismo, estabilidade e, sobretudo, intangibilidade.
Apercebo-me que o problema pode ter perdido actualidade pela nomeação de outro magistrado para aquele tribunal. Resta saber se, em termos da competência funcional, se trata da mera repartição de processos, se de divisão de competência por fases.
É que, ante o que leio - e confesso que leio pouco - parece-me que se está a centrar o problema em termos duplamente inaceitáveis: ou como o fim de um regime de suspeição sobre quem desempenhou funções ou como uma mera partilha da massa processual que por ali se tramita, oriunda do DCIAP que goza do benefício de ter aquele tribunal privativo, o que, só por si, é também uma outra questão; ou como uma mera questão de divisão do excesso de processos, como se de uma questão de gestão burocrática se tratasse.

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Fonte da foto: aqui

Imunidade dos Advogados


Fica aqui, em primeiro apontamento, o texto da intervenção ontem efectivada na conferência organizada pelo Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados. A minha gratidão pela oportunidade e a intenção de continuar o estudo do tema, melhorando este mero esboço.


A CRP e a Advocacia: primeiro, o facto sintomático: a Constituição da República Portuguesa, que dispõe no título dedicado aos tribunais um capítulo próprio para os juízes e outro para o Ministério Público, nenhum espaço sistemático reserva para os Advogados ou para a advocacia, o que só pode ser entendido como uma desconsideração no quadro do travejamento estruturante da Lei Fundamental destes profissionais e desta função de natureza, aliás, pública.
E, no entanto, trata-se de corpo normativo em que os legisladores não terão sido membros daquelas duas magistraturas, pois os advogados têm significativa expressão no hemiciclo parlamentar a ponto de se colocar reiteradamente a problemática da cumulação da profissão de Advogado com a da função política de deputado.
Apesar deste apoucamento normativo, é ali que encontramos o artigo 208º, segundo o qual «a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.». E, eis, a baliza que enuncia o objecto do nosso tema.
Trata-se, pois, num primeiro encontro com o enunciado jurídico-constitucional, de uma situação duplamente limitada na sua formulação: está prevista, primeiro, sob reserva de lei e considerada, depois, como atinente às imunidades «necessárias». Nesta segunda vertente, diga-se, a fórmula usada lembra o texto da Constituição de 1933 quando previa que ao arguido se conferiam em processo penal, não «todas as garantias de defesa», como actualmente lautamente se promete na Constituição desde 1976, sim as «necessárias garantias», para que sobejo não houvesse no que à outorga de garantias respeita.

Conceito de imunidade: de que imunidade se trata esta que estamos considerando? Estaremos ante o mesmo conceito que surpreendemos no ordenamento jurídico quando este, em vários dos seus momentos, logo na Constituição, utiliza tal vocábulo? Creio que não.
Pacífico parece que a imunidade dos advogados não implica irresponsabilidade total pelos seus actos, a “inviolabilidade” do Advogado, como, por exemplo, o proclama, talvez também em excesso e por isso no vazio, mas afinal de modo aparente, a Constituição brasileira, ao ditar no seu artigo 133º que: «O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei.»

[continua aqui]

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Fonte da imagem aqui

A Justiça fora do mapa...


À mercê da retórica, o País assistiu à afirmação reiterada de que havia falta de juízes, sobrecarga no trabalho dos que serviam nos tribunais, na necessidade de o Centro de Estudos Judiciários habilitar a Justiça com mais magistrados, mesmo através de meios extraordinários e céleres de formação. Vem agora o "mapa judiciário" e os portugueses assistem à noção exactamente inversa, a de que, afinal, há juízes e procuradores a mais. E ficamos todos perplexos.
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Tendo ouvido dizer que, em obediência às regras gerais de legitimação da Justiça, esta deve desempenhar uma função preventiva, sobretudo a penal, para que que, em função do julgamento, a comunidade aprenda que o crime não compensa e se abstenha de fazer o que nos tribunais se condenou, o País assistiu à noção da Casa da Justiça, o tribunal ao pé da porta, os juízes de fora que iam às comarcas, as NUTS, enfim, a Justiça de proximidade e assiste agora ao encerramento de tribunais, a julgamentos que vão ter lugar a dezenas e dezenas de quilómetros do local onde tudo se passou, essa forma da desaforamento encapotado em favor do tribunal de conveniência. E ficamos todos boquiabertos.
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Tendo visto os políticos clamarem o imperativo da reforma judiciária e o consequente "mapa judiciário", como condição essencial ditada pela troika porque o País real, o produtivo, o empresarial, estaria bloqueado por causa do mau funcionamento dos tribunais, o País apercebe-se que só quando a troika se foi, enfim, embora, é que o dito "mapa" surge, e, afinal, com isso, estão suspensas as marcações de julgamentos, haverá milhares de processos que vão ser encaixotados, juízes transferidos, magistrados novos que vão ter pegar nos processos desde a estaca zero quando havia outros que já os conheciam de fio a pavio. E ficamos como parvos.
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Tendo aprendido a não acreditar em coisa alguma, o País, não quer de nada saber. Problema é o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol. E, em matéria de juízes, grave é o que se passa com os árbitros de futebol! O mais que se dane!
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Viva, pois, tudo, e viva, por isso, nada! Tanto faz. 
O mapa judiciário, esse, será, assim, apenas um problema de camionagem, com polícias e soldados a alombarem com processos de cá para lá. 
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Conclusão: sem os Ministérios da Defesa e da Administração Interna, que seria do Ministério da Justiça? E porque é que, já que de mapas se fala, não se pediu ajuda aos Serviços Cartográficos do Exército, e, ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera, para se decidir o caso de tribunais nas Berlengas, no Farol do Bugio, e sobretudo nas Selvagens?

A Justiça na Constituição de 1976


A gentileza do Centro de Estudos Judiciários permitiu que eu tivesse proferido ali a seguinte intervenção, que irei agora rever tentando melhorar e corrigir, mas que aqui fica como uma primeira reflexão:


«Quais as questões controversas no domínio da Justiça, quando eclodiu o 25 de Abril de 1974, onde surgiu, com a queda do regime político anterior, a situação que acabaria por encontrar na Constituição de 1976 a sua primeira fase de pretensa consolidação?

Correndo o risco de simplificar, e porque o tempo é limitado, enuncio as seguintes:

-» A da separação das magistraturas, pois que a carreira do Ministério Público era vestibular da judicial, mesclada por passagem de alguns selectos “delegados do Procurador da República” pela Polícia Judiciária;

-» A da autonomia do Ministério Público e do próprio poder judicial face ao Executivo, pois que eram ministros quem acabavam por deter a competência para a nomeação dos delegados e de certos juízes, nomeadamente os que serviriam em cargos mais sensíveis;

-» A dos tribunais especiais, nomeadamente o plenário criminal para o julgamento dos crimes políticos, apodados de crimes contra a segurança interna e externa do Estado, sistema pelo qual a magistratura judicial se coresponsabilizava em tal repressão, sucedendo nisso ao que até então era da competência do Tribunal Militar Especial;

-» A da judicialização das fases nevrálgicas do processo criminal, quer na averiguação pré-acusatória, quer na fase pós-acusatória e antecedente ao julgamento, a primeira ou para apenas para garantir os direitos fundamentais civis ou para funcionar como modo judicial de investigação com afastamento do Ministério Público, a segunda como forma efectiva de garantir controlo da acção penal pública, sobretudo em caso de arquivamento que poderia passar a funcionar como autêntica amnistia administrativa;

-» A prevalência e avantajamento de meios de acção dos órgãos de polícia criminal, quer da Polícia Judiciária propriamente dita, quer da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), mais tarde crismada em DGS (Direcção-Geral de Segurança), isto por comparação com os poderes concedidos a magistrados;

-» A da indefinição da privação da liberdade, quer pela indeterminação dos pressupostos da prisão preventiva, quer pela prorrogabilidade e indefinição temporal das medidas de segurança e de certas penas, quer pela ineficácia do habeas corpus;

-» A da legitimação da justiça togada e a eventualidade de a participação privada na administração da justiça poder torná-la mais equitativa quanto eficaz;

-» O das garantias de defesa em processo criminal.

Nem tudo poderá ser aqui analisado. Circunscreverei, pois.

Todo este acervo de problemáticas decorria de uma longa polémica que várias vezes se colocou, umas vezes de forma explícita e polémica – como quando se aprovou, em marcha acelerada o Código de Processo Penal de 1929, tirando da gaveta um projecto que vinha da República Velha – outras já sotto voce – devido aos riscos inerentes ao exercício da liberdade de expressão – e foi assim que se passou quando das reformas aprovadas entre 1945 e 1954.

Não podendo aqui historiar esse longo e polémico curso dos acontecimentos, retomo parte dos temas que enunciei, focando-os naquilo em que a Constituição de 1976 acabou por encontrar solução.

[continua aqui]

Ramalhal visão



Com o devido respeito, que é muito, e o farto riso, que é maior, este excerto que vem dos tempos em que Eça de Queiroz proclamava que forraria o seu quarto de estudante coimbrão "a pele de Lente": «Em cada ano, pelo verão, quando as moscas chegam, a Universidade de Coimbra: abre as suas portas e esparge sobre o corpo social trinta bacharéis formados em direito. O país, tendo reconhecido nos últimos anos que há cinquenta indivíduos para cada um dos lugares destinados pelo estado para um jurisconsulto inteligente e sábio, havendo portanto para cada emprego provido um saldo importuno de quarenta e nove sábios desempregados, pede insistentemente à universidade que lhe mande bacharéis ignorantes a fim de que o país, não podendo, como é impossível, fazer deles procuradores da coroa, possa pelo menos estabelecê-los como contínuos de secretaria.(...)»

Ramalho Ortigão, As Farpas (1872)

O humor e a compreensão



O humor não ofende. Ajuda a compreender. A epistemologia contemporânea, sisuda e chata, dominada pela frieza lógica e seus resfriados mentais recolhe-a entre cobertores. 

O longo penar do sistema penal


Mandam as boas maneiras que não publique aqui a totalidade do texto, quando acaba de sair a revista que o edita, a "Julgar". Escrevi sobre a Justiça no Estado Novo. Ante muitas das afirmações que ali produzi, críticas para a actualidade por comparação a esse passado, há uma declaração de interesses que julgo necessária: a Justiça desse regime impediu-me de seguir a magistratura, porque, submisso à informação da Direcção-Geral de Segurança a meu respeito - segundo a qual eu «não dava garantias de cooperar na realização dos fins superiores do Estado» - me barrou a porta de acesso ao Ministério Público, então carreira vestibular para a magistratura judicial, mesmo que eu tivesse eleito como primeira comarca a Graciosa, e terminado com «qualquer outra» que se encontrasse vaga.
Digo isto, que já tinha tornado público, porque, num território em que pulula o argumento ad hominem, pelo qual, não se podendo atacar o argumento se ataca a pessoa, é bom que conste.
Ficam pois alguns excertos do que escrevi, os da introdução. O artigo é uma tentativa de síntese histórica, para tentar demonstrar que no campo das leis penais, o regime caído a 25 de Abril, se contentou até 1945 e mesmo depois da Constituição de 1933, com a lógica que provinha da "República Velha" e até da Monarquia - disso é exemplo o Código de Processo Penal de 1929 e a subsistência do Código Penal de 1852/versão de 1886 - e só em 1945 inaugurou um sistema próprio, compatível com a "nova ordem" que, entretanto, o desfecho da Segunda Guerra havia apeado na Europa.

+

«Não pretendo que este texto seja um ensaio, um estudo, sim uma crónica. É talvez estilo que, não sendo muito usual entre nós no domínio da literatura jurídica, talvez se adapte a fomentar no leitor o gosto pela sua leitura. Não tem o aparelho de erudição que seria necessário para um trabalho académico. É uma reflexão pessoal de quem, tendo entrado na Faculdade de Direito em 1966, conviveu com um regime político que, à data em que estudou Direito Penal e o seu processo, ainda não havia aquele entrado na fase de liberalização que se assinalaria em 1971, alguém que viveria, quer pela vida prática, quer pela participação na vida pública, o que foi o sistema que irrompeu, no ano de 1974 em revolução, até à Constituição de 1976 e depois disso até à situação a que hoje se chegou, em que não se construiu regime algum e se vive o ocaso da partidocracia tornada administração pública comanditária do capital tornado Europa.
Se me é permitida mais uma nota pessoal, direi que de crítico, o autor destas linhas passou a céptico. Concluiu, na recta final da sua vida de jurista, que tenta tornar em recomeço para ganhar o fôlego da esperança, que, lamentavelmente, em muitas facetas o regime jurídico-penal a que se opôs publicamente, porque era o de uma ditadura, não era pior, em alguma das suas facetas, do que aquele que temos de suportar no que se proclama como sendo uma democracia.»

(...)

«Começo com uma declaração de filosofia própria, ou seja o meu modo de entender as coisas na área do jurídico: para compreender o Direito, nomeadamente o Direito Penal, é preciso surpreende-lo na política lato sensu, nas ideologias, nas crenças e nos interesses, nos a priori dos Estados e das pessoas que os integram como governantes e cidadãos, no próprio espírito do tempo e do lugar, na antropologia global do ser, não apenas na hermenêutica das fórmulas legais.
O Direito não é uma produção liofilizada, bacteriologicamente pura, nem uma silogística alcançável more geometrico como mera operação mental. É também argumentação e legitimação do conveniente, evasão à responsabilidade, triunfo de idiossincrasias feitas teoria, sofisma, expediente. Trata-se da “luta pelo Direito”, como magistralmente o surpreendeu Rudolph Ihering, travada no campo do processo legislativo, antes disso nas estruturas de onde dimana o mando e, com ele, o poder de legislar, e depois disso, nos vários órgãos da Administração da Justiça, locais onde o legislado qual mera corporização intelectual, se torna no Direito a ser sentido na pele pelos destinatários do mesmo, os culpados, os inocentes e o grande vagão do meio, o daqueles relativamente aos quais estes conceitos são meras ficções de territórios seguros, de fronteiras fixas; porque não pode em dicotomia o mundo jurídico conter-se nos binómios verdadeiro/falso, justo/injusto, culpado/inocente.
Digo mais: tudo isto se torna urgente, como bandeira por um repensar as origens num momento de sedução intelectual de tantos com responsabilidades no domínio da justiça penal pelas ideias privatísticas da “justiça negociada”, da própria “pena negociada”, da transação tornada justiça, o “negócio jurídico” a romper do Direito Civil onde contaminou todas as suas estruturas conceituais para o campo do Direito Público e, último reduto, do próprio Direito Criminal, num tempo histórico em que a “taylorização” tomou conta do processo penal, como se ele fosse a linha de montagem da fábrica de automóveis do senhor Henry Ford, em que a estatística e a prevalência do número passaram a critério, nomeadamente em que nos processos a fracção anual entre os pendentes os entrados e os findos é índice de avaliação do bom magistrado, o que mais “despacha” processos, em que a celeridade processual passou a valor maior, com o que significa de triunfo do utilitarismo e do pragmatismo, enfim, os pilares da cultura yankee com o que nisso se contem o “admirável mundo novo” mas também o “far west”, há que afirmar que o processo penal não é apenas um formulário de formalidades, os seus agentes não são “burocratas da coacção”, por mais que o Estado sobrecriminalize para defender os seus réditos fiscais, por mais que situações graves sejam sujeitas a processos celerados pela aceleração legalmente imposta, mesmo quando noções que deviam ter, ou a Constituição é um proclamação vazia, conteúdo e substância como a de arguido, a de excepcional complexidade, a de “facto novo”, a de “indício suficiente”, e tantas outras, acabem reduzidas a pretextos e expedientes para prolongar a prisão preventiva, para sujeitar casos a julgamento onde triunfará a lógica do “logo se verá” os «os mega processos que dão mega absolvições», mundo em que violências processuais inadmissíveis são toleradas como meras irregularidades que três dias de sonolência legitimam, de selectividade punitiva para efeitos de estrondosa exemplaridade, de agraciamento de uns e estigmatização mediática de outros.»

(...)

«A revolução militar do 28 de Maio tornou-se no Estado Novo através da Constituição de 1933.
Aqueles que sonhavam com um regime em que a palavra “revolução” fazia sentido, como forma de ressurgimento nacional contra o demoliberalismo de partidocracia em perpétuo rotativismo em que tornara a então chamada 1ª República pagaram com o exílio e com a liberdade e com a própria vida essa ilusão macabra.
António de Oliveira Salazar, católico conservador, jurista de formação mental, oriundo de uma ruralidade de princípios que nele se tornou atavismo, habilidade e culto da modéstia, temente à religião tradicional do Reino, fiel no culto da Família tendo a autoridade por indiscutível, teceu a teia de que resultou, cinco anos volvidos sobre o 28 de Maio de 1926, um regime que era já uma outra ideia.
Não que o general Gomes da Costa na sua marcha sobre Lisboa, vindo do norte regenerador, tivesse mais ideias do que a de Pátria e Nação. Faltava-lhe, porém, pela positiva, uma filosofia sobre o Estado. Queria a ordem nas ruas e no Estado. Pouco mais e já não era pouco. Portugal tinha caído na banca rota.
Foram anos decisivos os que se viveram então. Entre o nacional-sindicalismo de um Francisco Rolão Preto, que terminaria preso, o restauracionismo monárquico de um Paiva Couceiro, que se finaria derrotado, ia um mundo, tudo caldeado pelas tentativas de subversão da banda anarquista, filo-comunista e as sobrevivências já dispersas dos que tinham sobrevivido às hostes republicanas.
Em 1933 uma falsidade política legitimou a Constituição de 1933. Sujeita a “referendo popular”, nela as abstenções valiam como aprovação com base num sofisma tão cínico quanto seria o de os próprios mortos valerem como votos na urna.
Como é sabido a política de “neutralidade colaborante” de Portugal durante a Segunda Guerra permitiu que Salazar se mantivesse no poder quando em 1945 a sorte das armas fez claudicar as ambições imperiais do III Reich de Adolph Hitler e do Eixo nazi-fascista.
Esse perdurar do salazarismo, que se esgotara como política nova, e entraria em agonia com o início da insurgência armada nas colónias em 1961, com a revolta da baixa de Cassanje e a invasão de Goa pela União Indiana, em que já só se tratava, contra os «ventos da História» em saber resistir, foi – e como tantos historiadores arregimentados fingem esquecê-lo – obra da gratidão aliada, favor à cedência aos americanos da base dos Açores, aos esforços que permitiram, para garantia britânica, que Francisco Franco Bahamonde, o Generlaíssimo, não alinhasse com a Alemanha, resistindo a Hitler naquele vagão de caminho-de-ferro em Hendaye, colocando a ensanguentada Espanha em situação de não-beligerância, enfim, por haver fechado dos olhos às deslealdades da Loira Albion, a nossa mais velha Aliada, a Grã-Bretanha.
Seria apenas em 1971 que, caído Salazar, empossado Marcelo José das Neves Alves Caetano, um jurista administrativista que perdera viço quando como Presidente do Conselho, que se daria, com os limites políticos da denominada “evolução na continuidade” a liberalização política do regime com a aprovação da revisão constitucional.
Marcelo tinha bebido na juventude na fonte da militância, escrevera com Albano Guimarães, os vibrantes cadernos da “Ordem Nova”, que fundara em 1926, fora Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa, pagando do seu honrado bolso, a própria farda – mas finara-se nos ímpetos pela docência conservadora, refrigério agora para uma tragédia pessoal, que por um instante intervalar se cruzaria aliás com o Direito Penal, numas magras mas e interessantes lições proferidas ao ano jurídico de 1938-1939, onde aflora um tímido tomismo e com ele o substrato vago de um Direito Natural, tudo cruzando, em intermitência, com passagens por cargos governativos, como a Presidência e as Colónias, onde o seu estilo reformista e organizador se mostrou operosamente, mas também a sua heterodoxia.
Tudo assim seria até à revolução militar do 25 de Abril, logo tornada no 1º de Maio o “levantamento nacional popular” que os sectores comunistas haviam proclamado como sendo o “rumo à vitória” contra o regime político que reduziam ao conceito de “fascismo”, irmanando-o, sem distinguir, ao de Mussolini e ao nazismo do cabo austríaco agora Chanceler do Reich dos mil anos…
A Constituição de 1976 daria legitimação ao que saíra de um “putsch” castrense tornado revolução, e cumpriria o desígnio de todas as Leis Fundamentais, a de impor uma nova «ordem social estabelecida», travando, não sem sobressaltos, o que havia mudar. Aos novos donos dos interesses apeados juntaram-se, regressados, muitos dos que retomaram o que lhes tinha sido tirado e todos irmanados no bloco central de interesses.»
(...)

O Direito que existe mas não se vê




Cito este Domingo o artigo 9º da Constituição japonesa, que abaixo transcrevo, por várias razões.
Primeiro, porque aquele País do Sol Nascente é um laboratório jurídico interessantíssimo: tem um Código Civil, encomendado a um francês [Gustave-Emil Boissonade, ver texto do seu projecto aqui] que o construiu segundo o modelo napoleónico, leis comerciais de inspiração alemã, minutadas pelo prussiano Hermann Roesler [ver aqui], cujo contributo foi decisivo para o ordenamento jurídico autoritário da dinastia Meiji [ver aqui], e, enfim um sistema jurídico-penal de inspiração americana, baseado na lógica adversarial. [sobre tudo isto ler extensamente aqui]
O que é interessante e razão deste texto é o declarado pacifismo, proclamado pelo artigo 9º da Constituição japonesa, a qual foi imposta pela potência ocupante, no estretror da Segunda Guerra, a mesma que cometeu o crime contra a Humanidade que foi o lançamento vingativo de duas bombas atómicas, em Hiroshima e Nagasaki: os Estados Unidos da América
Tudo mostra quanto o Direito é, quantas vezes, uma retórica feita aparente norma. Tudo evidencia quanto o Direito é a lei dos mais fortes.
Mas o que ainda há para dizer é a tentativa de alterar este estado de coisas. Ante um sistema constitucional assente no carácter rígido da Lei Fundamental, o Governo nipónico tenta que, por interpretação, esta proibição seja torneada, como não prejudicando o direito de autodefesa, previsto no artigo 51º da Carta das Nações Unidas. Interpretação que tem se limitar ao conceito em si, sem que extravase para o que muitos gostariam que se tornasse o âmbito de extensão da norma, o de "autodefesa colectiva", porque aí já se estaria em território proibido. 
Dispõe aquele artigo [ver aqui]: «Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou colectiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer momento, a acção que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.»
Em suma, a vingar esta interpretação constitucional, mesmo na forma consensual, tudo ficando como está no que se lê, tudo mudaria no que sucederá ou poderá suceder.
Eis o Direito, surpreendido na sua ductibilidade, essa perigosa forma de ele ser do acto o instrumento.
Em homenagem ao espírito daquele estranho Povo, fica o facto de, mau grado serem estrangeiras as leis essenciais que o governam e impostas mesmo algumas pela força dos vencedores, o respeito pela sua perdurabilidade permanece como uma segunda pele. Por isso o site onde colhi a informação que deu azo a este escrito, dedicado ao Direito Janponês, se chama "O Direito que existe mas não se vê" [ver aqui], o que, é a poética feita modo de ser normativo.


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«Art. 9

1 - O povo japonês, aspirando sincermanete à paz entre as Nações, fundada na Justiça e na ordem, renuncia para sempre à guerra enquanto direito soberano do Estado e à a ameaça do uso da força militar enquanto meio para resolver as controvérsias internacionais

2 – Para alcançar o objectivo do número precedente, não serão mantidas forças militares terrestres, marítimas ou aéras, ou outras forças militares. Não é reconhecido o direito do Estado de declarar guerra.»

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Já agora, por curiosidade apenas, o original:

第九条 日本国民は、正義と秩序を基調とする国際平和を誠実に希求し、国権の発動たる戦争と、武力による威嚇又は武力の行使は、国際紛争を解決する手段としては、永久にこれを放棄する。

二 前項の目的を達するため、陸海空軍その他の戦力は、これを保持しない。国の交戦権は、これを認めない。

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Fonte da imagem aqui

O peso da Lei


Sir William Rothestein pintou. O quadro chama-se "Carrrying the Law". No caso a Lei judaica. Da imagem fica o símbolo, a do quanto ela pesa para aqueles que verdadeiramente a servem, para os que a não sentem como uma leve folha de papel.

O objecto e o modo de pensar

É a reconstrução da máquina torturadora, inspirada no livto 'A Colónia Penal', de Franz Kafka. A diferença face ao real decorre de ser aqui um objecto não uma prática ou um modo de pensar.

Portugaliae Monumenta Iuridica


Cada regime político espelha-se nas suas leis, tentando que sejam elas a nova ordem. Surgiu-me a ideia, revisitando, em modesta escala, Alexandre Herculano e já direi porquê.
Aproveitando ter voz própria através de uma pequena editora a que meti ombros, publicarei, facsimilados da folha oficial, autorizado que fui pela Imprensa Nacional, antecedidas de breve texto puramente explicativo, as principais leis que marcaram os marcos miliários da nossa História colectiva.
Começo pelas do 25 de Abril, compilando os diplomas iniciais do desmantelamento do que sobejava do Estado Novo, já em «evolução na continuidade», e as que tentaram estabelecer um novo Estado e um novo País. Terminarei na Constituição de 1976 para, regredindo no tempo, editar o que foram os diplomas essenciais da Ditadura Militar de 1926 e do Estado Novo de 1933, continuando até ao tempo em que o «corporativismo» se transformara em  alegada «democracia orgânica», caindo com a Revolução dos Cravos.
Os tomos que se irão seguindo ao que conto trazer a lume ainda em Maio, passarão pela República nas suas várias facetas, o vintismo e tudo quanto se lhe seguiu, o pombalismo, enfim...
São leis apenas, dirão. Mas é nelas que se vê o que se quis como Futuro e se percebe o que sucedeu como Presente.
Serve a intenção como arquivo e como esboço de pedagogia. Os mais velhos começam a já não lembrar, os mais novos nunca ouviram falar. Pior: tantos vêem citar em segunda mão, à mercê das interpretações de quem calhou. Aqui iremos às fontes primárias.
A colecção chamar-se-à, e aí a inspiração do insigne historiador [ver porquê, aqui], Portugaliae Monumenta Iuridica

O Império dos Sentidos


O que são as emoções, o que é o crime? As primeiras são, na aparência, o vulcânico jorrante dos sentimentos, o segundo a categorização, igualmente aparente, da racionalidade humana.
Lisa Appignanesi escreveu e o jornal britânico The Guardian fez do livro a recensão. A ler aqui.
O campo é movediço porque as teorias sobre as patologias são volúveis e a consideração da emoção como causa do acto está sujeita a preconceitos. 
Mais depressa o sistema penal convive o frigido pacatoque animo da premeditação. Classicamente ensinava-se que o crime feminino era frio. O envenenamento era o método usual, até por uma razão psicológica, a de que admitia o arrependimento activo, isto é, o cessar a tempo, que é uma forma de perdoar.

Figuras do Judiciário, séculos XIX e XX


Para que os mais velhos não se esqueçam e os mais novos saibam. Em boa hora uma iniciativa conjunta da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e do Supremo Tribunal de Justiça, reuniu palestrantes que falaram sobre figuras do judiciários dos séculos XIX e XX.

Contribui com uma comunicação sobre José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, de onde seria exonerado por razões políticas, advogado, jurisconsulto em vários ramos do Direito entre os quais sobretudo o processo civil. Foi Director da Gazeta da Relação de Lisboa, sucedendo a seu pai, ele também um notável jurista. Suspender-lhe-ia a publicação para não ter de a submeter à Censura, depois da polémica que suscitou ao publicar ali, em 1940, um artigo crítico à Concordata com a Santa Sé.

Sobre ele preparo um livro que aguardava a saída desta comunicação e algum tempo de permanência deste para que não se sobrepusesse o que foi um primeiro apontamento a um trabalho que procuro seja de maior fôlego. Tenho trabalho com os hiatos que os meus outros deveres permitem, incluindo no seu espólio, que a Biblioteca Nacional conserva. Em breve haverá notícias sobre essa minha tentativa de dar vida 

Prescrição criminal-conferência no CDL



A neuro-ciência criminal


Em vez de encarcerar delinquentes, ainda vale a pena ter esperança no contributo da neuro-ciência? O tema é teimosamente reiterado sem que se anule com resposta definitiva.
A palestra de Daniel Reisel merece o tempo que use a ouvi-la. O site fornece a transcrição para quem queira seguir pelo texto.  [subtítulos e transcrição em inglês; o vídeo leva alguns segundos a a carregar]
+ Daniel Reisel grew up in Norway but settled in the UK in 1995. He works as a hospital doctor and as a research fellow in epigenetics at University College London. He completed his PhD in Neuroscience in 2005, investigating how learning rewires the brain. Since then, his research has been concerned with the effect of life events on gene function. Daniel is currently training to become an accredited restorative justice facilitator with the UK Restorative Justice Council.

Convite

Trata-se da apresentação do livro, no qual me foi dada a honra de poder colaborar e que referi aqui. Terei o maior gosto em juntar-me aos que puderem estar: no Porto, dia 20, pelas 18.00.


Em "flagrante delito"


Houve tempos em que aqui houve Tribunal.
Em 1908 havia o largo, o quiosque, e este solitário passeante que, ante a canícula, se refrescava copiosamente. 
Joshua Benoliel surpreendeu-o em "flagrante de litro", espécie de justiça sumária destinada a despachar o processo da desidratação naquele ano em que, como diria o Eça, fazia um calor "de ananazes"!
Hoje nem sei o que há por ali. Talvez já nem "um copo de três!". 
No tempo de um outro ministro era para ser "Hotel de Charme". É como tudo na vida: o que tasca é em tasca se pode tornar, até terminar tudo atascado...

P. S. Aos que têm notado que eu não tenho aparecido por aqui digo: ando em obras de arrumação.

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Origem da foto [Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa]: aqui

A "democracia" da Justiça sumária....


Segundo o Código de Processo Penal de 1929, assinado por António de Oliveira Salazar e pelo Ministro da Justiça Mário de Figueiredo, em plena Ditadura Nacional, podiam ser julgados em processo sumário as transgressões e os crimes puníveis com prisão, desterro ou multa até seis meses, ou infracções a isso inferiores quando cometidas em flagrante delito (artigos 67º e 556º a 561º). Veja-se o texto integral aqui.

Com o Código de Processo Penal de 1987 do Estado de Direito Democrático, na sua versão inicial, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17.02, o processo sumário passou a ser possível de aplicar a crimes puníveis com pena de prisão de máximo até três anos (artigo 381º). Ver o texto aqui.

Em 2007, com a nova redacção conferida ao citado artigo pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o processo penal passou a ser aplicável a crimes passíveis de prisão até cinco anos. Ver o texto aqui.

Com a redacção de 2012, decorrente da Lei n.º 20/2012, de 20.02, por proposta do Governo de Passos Coelho, sendo Ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, o processo sumário passou a ser aplicável a todos os tipos de crimes, incluindo homicídios, pois só ficaram excluídos «aos detidos em flagrante delito por crime a que corresponda a alínea m) do artigo 1.º ou por crime previsto no título iii e no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal e na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário». Ver o texto aqui.

Eis como estamos em matéria de protecção de direitos sob a bandeira do Estado de Direito Democrático. Não fosse o Tribunal Constitucional ter considerado «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição» [texto integral aqui] e, entregues à concepção de Justiça dos nossos políticos era este impudor. 

P. S. Na sua declaração de voto, no sentido de que não existia inconstitucionalidade alguma Maria João Antunes afirma que em relação àquilo que de mais grave poderia ser julgado em processo sumário, porque punível com prisão superior a oito anos, a lei permite que o próprio Ministério Público em nome da defesa e o arguido possam requerer o júri. Que liberalidade e que lógica não é?

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Origem da foto: aqui.

O circuito das leis


Talvez o humor ajude. Rir é, dizia o Eça de Queiroz, uma opinião constitucional. Voilà!

O Direito Colonial


Ainda fui dos que estudei Direito Ultramarino, cadeira a cargo do Professor André Gonçalves Pereira. Por essa altura os velhos diplomas que haviam atingido o seu apogeu com a Carta Orgânica do Império Colonial Português estavam em revisão. 
Adriano Moreira, ministro do Ultramar do Governo de Oliveira Salazar havia ensaiado a possível alteração das estruturas e das mentalidades. E legislava sobre o «trabalho indígena». Um dia escreverei sobre isso.
No início do meu estágio ainda minutei para o meu patrono recursos contenciosos para o Conselho Ultramarino, o Supremo Tribunal Administrativo do Ultramar.
O Direito Colonial ficou como uma memória passada, hoje um facto histórico.
Foi, por isso, com um renovar de memória que dei conta deste livro. Não fala de nós, sim dos espanhóis, nisso se esgotando a Ibéria vista do lando americano.
Pode ser adquirido através daqui.
É uma colectânea de estudos, editada pela Universidade Vanderbilt, coordenados por Santa Arias, professor associado na Universidade do Kansas, nos EUA, e Raul Marrero-Fente, da Universidade do Minnesota.

Copio do índice do que se trata:

Politics
-» Jose de Acosta: Colonial Regimes for a Globalized Christian World
Ivonne del Valle

-» Conquistador Counterpoint: Intimate Enmity in the Writings of Bernardo de Vargas 
MachucaKris Lane

-» Voices of the Altepetl: Nahua Epistemologies and Resistance in the Anales de Juan Bautista
Ezekiel Stear

-» Performances of Indigenous Authority in Postconquest Tlaxcalan Annals: Don Juan Buenaventura Zapata y Mendoza's Historia cronologica de la noble ciudad de Tlaxcala
Kelly S. McDonough

Religion

-» Translating the "Doctrine of Discovery": Spain, England, and Native American Religions
Ralph Bauer

-» Narrating Conversion: Idolatry, the Sacred, and the Ambivalences of Christian Evangelization in Colonial Peru
Laura Leon Llerena

-» Old Enemies, New Contexts: Early Modern Spanish (Re)-Writing of Islam in the Philippines
Ana M. Rodríguez-Rodríguez

-» Art That Pushes and Pulls: Visualizing Religion and Law in the Early Colonial Provinces of Toluca
Delia A. Cosentino

Law

-» The Rhetoric of War and Justice in the Conquest of the Americas: Ethnography, Law, and Humanism in Juan Gines de Sepulveda and Bartolome de Las Casas
David M. Solodkow

-» Human Sacrifice, Conquest, and the Law: Cultural Interpretation and Colonial Sovereignty in New Spain
Cristian Roa

-» Legal Pluralism and the "India Pura" in New Spain: The School of Guadalupe and the Convent of the Company of Mary
Monica Diaz

-» Our Lady of Anarchy: Iconography as Law on the Frontiers of the Spanish Empire
John D. (Jody) Blanco

Afterword

-» Epilogue: Teleiopoesis at the Crossroads of the Colonial/Postcolonial Divide
Jose Rabasa