Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A Alemanha o País da prisão perpétua...



Em causa a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da Assembleia da República nº 8/93 de 20/04, publicada no DR n.º 92, Série I, de 20 Abril 1993), numa dupla vertente: a da conversão de uma pena prevista no ordenamento estrangeiro que o nosso não preveja; a prevalência do nosso sistema legal sobre o estrangeiro onde ocorreu a condenação no que se refere à execução da pena, nomeadamente no que se refere à liberdade condicional. Decidiu-o o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.09.2014 [proferido no processo 364/13.6YRLSB-A.L1 -9, texto integral aqui]


Primeiro problema: «O arguido LT foi condenado, por decisão transitada em julgado, por tribunal estrangeiro em pena perpétua, pela prática de um crime de homicídio qualificado, por decisão proferida pelas autoridades alemãs, que só admitem a libertação do arguido, após 15 anos de cumprimento de pena». 

Isto é, estamos ante um Estado, o alemão, integrante da União Europeia, que admite a prisão dita perpétua, a qual pode dar azo à libertação quinze anos, porém, após o seu início, verificadas que sejam certas condições e que, se bem que na prática não gere a prisão por mais de vinte e dois anos, mantém aquela regra da perpetuidade tida como legítima.

Mais um Estado que prevê que o homicídio voluntário seja punido com prisão até cinco anos e em «casos  especiais graves» [que não se definem quais sejam] com prisão perpétua, isto é uma variação de penas que mais não é do que o arbítrio concedido à discricionariedade punitiva. 

Para os que têm o germanofilismo jurídico como farol interpretativo do nosso próprio Direito e como critério face ao que é justo porque legal, é caso para pensar.

Assim se transcrevem [ver aqui] o §§ 211 e 212 do Código Penal Alemão:

§ 211

«1) Der Mörder wird mit lebenslanger Freiheitsstrafe bestraft.
«(2) Mörder ist, wer aus Mordlust, zur Befriedigung des Geschlechtstriebs, aus Habgier oder sonst aus niedrigen Beweggründen, heimtückisch oder grausam oder mit gemeingefährlichen Mitteln oder
um eine andere Straftat zu ermöglichen oder zu verdecken,
einen Menschen tötet.»

§ 212

«1) Wer einen Menschen tötet, ohne Mörder zu sein, wird als Totschläger mit Freiheitsstrafe nicht unter fünf Jahren bestraft.
«(2) In besonders schweren Fällen ist auf lebenslange Freiheitsstrafe zu erkennen.»

Segundo problema: prevendo o nosso sistema jurídico condições de execução de pena, nomeadamente no que à liberdade condicional respeita, mais favoráveis do que as que estão previstas no ordenamento do País da condenação, qual deve prevalecer? O Acórdão em referência decidiu que será o português, antes de decorrido o tempo mínimo que a lei alemã previa.

E assim ficou consignado que, fazendo triunfar os nossos princípios jurídicos: 

«I - Tendo-se procedido a revisão de sentença penal estrangeira, no âmbito da qual o Tribunal da Relação converteu para a pena máxima permitida pelo ordenamento jurídico criminal português (25 anos de prisão) a pena de prisão perpétua que havia sido aplicada na Alemanha a cidadão português que aí havia cometido homicídio, e tendo, seguidamente, o condenado, que ali cumpria a pena, sido transferido para Portugal, a seu pedido, para aqui cumprir o remanescente desta, passa a ser a lei portuguesa que, para futuro, regerá todas as questões atinentes à execução da pena. II - Na liquidação de pena dever-se-á fixar a data em que o condenado atingirá o meio da pena, para efeitos de apreciação e eventual concessão da liberdade condicional nesse momento (artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal), o que no caso concreto ocorrerá decorridos 12 anos e 6 meses, ainda que atento o disposto no do § 57º do Código Penal alemão a libertação condicional de recluso em prisão perpétua pressuponha terem sido imprescindivelmente cumpridos 15 anos de prisão efetiva de encarceramento penitenciário.»

Assentos e uniformização de jurisprudência: uma questão em aberto


Decisão judicial ou lei? Este era o núcleo problemático do instituto dos Assentos, sobre cuja natureza António Castanheira Neves escreveu a sua decisiva dissertação. Problema que de algum modo parecia reposto em novos termos antes os acórdãos uniformizadores de jurisprudência que tanto o processo civil como o penal acolheram. Mas é questão, afinal, em aberto.

Tirado em matéria cível, este, do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.09.2014 [agora publicado na íntegra aqui] veio retomar o problema sentenciando que: «Não basta não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

Eis o passo essencial do raciocínio:

«Entre a rigidez interpretativa obrigatória dos antigos assentos e a mera natureza indicativa da jurisprudência em geral, está a jurisprudência uniformizada. Esta tem de ter um valor próprio que não se pode ficar pela mera sugestão (ainda que reforçada), hipótese em que perderia a razão de ser.
A regra só pode ser a de que a jurisprudência uniformizada não deve ser afastada pela mera discordância doutrinal do julgador, caso que não se distinguiria da restante jurisprudência.
A citação do conselheiro Abrantes Geraldes feita no acórdão em apreço resolve de forma lapidar a questão: “o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”. (...)  “a discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior” Ou seja, não basta não se concordar com o entendimento do acórdão uniformizador. Essa é uma questão ultrapassada. É necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

[...]
«Citando novamente Abrantes Geraldes – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 379 – :

“Ou seja, a divergência ( com a jurisprudência uniformizada) não se justifica por si mesma, antes devendo ser encarada como um objectivo cujo alcance exige um percurso que, sem hiatos, tenha como ponto de partida a letra da lei e percorra todas as etapas intermédias.
Em suma, para contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo devem valer fortes razões ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tenham sido suficientemente ponderadas.”»

Injustamente desimpedido!



Vivam todos quantos se preocuparam com a minha gripe, forma amável de se preocuparem com a minha pessoa! Pois o malvado bicho lá retornou às catacumbas da minha carcaça, soterrado a um cocktail explosivo de comprimidos que penso devem ter expurgado tudo quanto é ser vivo nas entranhas de mim. 

Semi-refeito cá estou agarrado ao remo da profissão. E sabem porquê? Passo a explicar citando a pertinente jurisprudência:


-» Acórdão da Relação do Porto de 01.06.2011 [texto integral aqui]: «As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento.»

-» 13.05.2008 [texto integral aqui]: «1. A notificação efectivamente expedida para o patrono da parte, ainda que comprovadamente após o falecimento desse patrono, é, todavia operante, face ao disposto no artigo 254.º , nº 4, ª parte do CPC.2. Constatado o decesso do patrono dos RR. antes da expedição da notificação do acto passível de recurso, impor-se-ia que o respectivo escritório diligenciasse pela imediata informação - e comprovação - do referido evento no processo, visando não apenas a suspensão da instância e inutilização do prazo, como a substituição do falecido advogado.
3. Não o tendo feito, e tendo a parte realizado a comunicação do facto para além do decurso do prazo do recurso, quando se demonstrou que o poderia ter efectuado antes desse momento, assim beneficiando do efeito mencionado na parte final do nº 2 do artigo 283 do CPC, o direito de recorrer foi precludido, sem que possa invocar o justo impedimento.»

Por isso, já que nem morto me livraria, cá estou. 

P. S. A propósito, o CITIUS ainda mexe?





O CITIUS e a máquina do tempo...

Enfim, foi achada a solução para o problema do CITIUS. A Senhora ministra tinha dado o mote: o regresso ao "antigamente". Bom fim-de-semana e haja humor, o possível.