Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Recurso das medidas coactivas negadas ao MP



Confesso que as questões de técnica jurídica não param de me espantar, sobretudo aquelas que incidem sobre temas que, num primeiro instinto, me pareciam pacíficas, e verifico que são, afinal, controversas. E sobretudo quando o discutível põe em causa - porque não dizê-lo se é o que sinto? - a posição do Ministério Público, pois interpretações cerceadoras do direito da defesa a essas já me habituei quer pela profissão quer pela reflexão sobre o que fui interpoladamente estudando.

A folha oficial informa que o Supremo Tribunal de Justiça com o seu ACórdão 16/2014 [ver aqui] fixou jurisprudência no sentido seguinte: «É admissível recurso do Ministério Público de decisão que indefere, revoga ou declara extinta medida de coação por ele requerida ou proposta»

Ao tomar conhecimento do decidido um primeiro momento de surpresa interrogativa atacaria qualquer um: mas seria possível pensar que não era admissível recurso? 

Ora, pelos vistos, tinha sido admissível pois assim sucedia por força da alteração do artigo 219º do CCP por força da Lei n.º 48/2007 de 29.08 [ver aqui], já que na redacção primitiva do preceito o recurso era possível.

Só que a Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto [ver aqui]  teria supostamente posto termo a este inaceitável regime e fizera aparentemente regressar o sistema ao que havia sido inicialmente gizado.

Sucede, porém, que havia quem não aceitasse esta interpretação segundo a qual a recorrribilidade havia sido reposta o que levou o assunto a ser submetido ao STJ

Chamado a pronunciar-se o Tribunal Constitucional [Acórdão n.º 160/2010, ver aqui] declarara, aliás,  a conformidade da norma na versão anterior com a Lei Fundamental o que facilitava a tese dos que patrocinavam a tese de legalidade e da legitimidade da inviabilidade do recurso.

A batalha travada em sede de Tribunal Constitucional, aparentemente ganha por via legislativa, reacendera-se assim no terreno jurisprudencial. Terminou agora julga-se que definitivamente e, afinal, na sede própria, o mais alto tribunal.

De tudo quanto se possa dizer a propósito creio que vale a pena rememorar, na síntese feita pelo Ministério nas suas alegações de recurso com que argumentos se sustentou a posição agora derrotada

«- Da norma revogatória ínsita no artigo 4.º, da Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, não decorre a derrogação expressa dos n.ºs 3 e 4 do artigo 219.º do Código de Processo Penal, na formulação decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sendo que da nova redacção ora conferida ao n.º 1 deste preceito resulta, sim, que a matéria ali em causa, antes tratada naqueles dois segmentos normativos (nºs 3 e 4), passou agora a ser refundida neste [n.º 1 do
artigo 219.º];
 - Só assim se compreende que o legislador, que também alterou o disposto nos artigos 389.º e 391.º -E, do Código de Processo Penal, tenha procedido à revogação expressa das normas contidas no n.º 6 do artigo 389.º e no n.º 3 do artigo 391.º -E – [artigo 4.º, alínea a), citada] – e o não tenha feito em relação aos n.ºs 3 e 4 do mencionado artigo 219.º;
 - E a revogação não pode ter -se por implícita porque a nova redacção dada ao n.º 1 desse artigo 219.º não eliminou nenhum daqueles dois segmentos normativos: o n.º 4, relativo ao prazo de 30 dias para o julgamento do recurso, passou a estar integrado no n.º 1; e o n.º 3, que previa a irrecorribilidade, só desapareceu porque passou a ser desnecessário face à redacção agora introduzida no
novo n.º 1;
- Configurando, com efeito, o n.º 1 do citado artigo 219.º uma norma de carácter excepcional, a regulamentação nele operada dos casos em que cabe recurso de decisões relativas a medidas de coacção, com inclusão do prazo, antes contido no n.º 4, para o subsequente julgamento, implicou
a desnecessidade da previsão contida naquele n.º 3;
 - Com o actual n.º 1 do artigo 219.º visou o legislador regular de forma abrangente os casos em que é admissível recurso em matéria de medidas de coacção, tendo tomado posição expressa no sentido de que apenas são recorríveisas decisões que, nesta sede, as apliquem, substituam ou mantenham;
 - A contrario, nas situações não previstas no preceito não há recurso;
 - A eventual convocação do princípio geral do artigo 399.º do Código de Processo Penal redundaria na falta de sentido útil da norma contida no artigo 219.º, na parte em que limita o recurso às concretas situações no mesmo elencadas;
 - Se tivesse sido intenção do legislador abrir a porta à recorribilidade de todas as decisões que se pronunciassem sobre medidas de coacção, então, bastar -lhe -ia revogar aqueles n.ºs 1 e 3 do artigo 219.º, passando a vigorar a regra geral do artigo 399.º do CPP.»

Junk Food, Pure Law


É a ironia. O país de onde surgiu a "junk food" é o país onde estas questões são discutidas com tal vigor. O livro pode ser encontrado aqui. Trata-se de uma publicação da Universidade do Nebraska. Dessmonta o mito. Respigo do texto de apresentação: «One of the great myths of contemporary American culture is that the United States’ food supply is the safest in the world because the government works to guarantee food safety and enforce certain standards on food producers, processors, and distributors. In reality U.S. food safety administration and oversight have remained essentially the same for more than a century, with the Pure Food and Drug Act and the Federal Meat Inspection Act of 1906 continuing to frame national policy despite dramatic changes in production, processing, and distribution throughout the twentieth century. »

Xencora Camotim


Soube que morreu com a belíssima idade de 93 anos.
Conheci-o quando em 1974 assinou os papéis que me permitiram iniciar o meu estágio na advocacia, que efectuei mais sob a orientação do Dr. Francisco Salgado Zenha.
Tantos anos volvidos, em 2001, procurei-o no seu escritório  na Rua Anchieta, em Lisboa. É que eu tinha escrito, entretanto, um livro, a que chamara "O Espião Alemão em Goa", hoje já em segunda edição, que relatava um episódio, vivido no domínio da guerra secreta, ocorrido no Estado Português da Índia, concretamente no porto de Mormugão. E surgira-me como melhor ideia a de que tivesse a gentileza de proceder à apresentação da obra, a efectivar-se no Palácio de Galveias.
Para tentar estabelecer a razão do pedido invoquei o ser ele natural do lugar dos acontecimentos e, como tal, haver como que uma ligação umbilical entre o relatado no livro e a terra da sua origem.
Com aquela fina elegância de trato que o caracterizava, ia-me ouvindo, sorridente e amável sem me interromper.
Até que, esgotado o meu argumentário, com um sorriso que o olhar iluminava, disse-me, para minha grande surpresa: «isso que você conta nessa sua obra eu vi com os meus próprios olhos.»
E acrescentou: era então um miúdo. E estavam acostados ao porto de Mormugão três navios alemães - eu sabia serem, ele já não lembrava, o Ehrenfels, o Drachenfels e o Braunfels - e um outro italiano - o Anfora - que ali aportaram com o início da Segunda Guerra. Estabelecera-se então uma amiga convivência entre os tripulantes e o pessoal de terra. Isso deu-lhe a conhecer muitos deles, ressalvadas as distâncias de nacionalidade e de língua. Um dia, porém, pela noite de Carnaval, os barcos largaram a arder.
«No seu livro», afirmaria na sessão pública que teve a gentileza de presidir, apresentando-me, «você diz que foi um inferno dantesco o que se viveu naquela noite». E virando-se para a amiga assistência acrescentou: «ele escreve que era dantesco porque viu nos documentos, eu sei que foi dantesco porque vi com os meus olhos».
Foi um momento ímpar em que as teias da vida se conjugaram na rede do improvável: nasci em Angola, vim para Viseu em 1962, dali para Lisboa onde me formei. Tentando um estágio na advocacia encontrei na sua pessoa, ele que nascera na Índia, e viera cursar Direito em Lisboa, o meu arrimo e apoio. Na média idade dei em "escritor" entre outras coisas daquele insólito tema. De todos os relatos históricos possíveis - obtido por horas em arquivos e a recolher testemunhos - surgiu-me aquele. O destino levou-me de novo ao seu encontro. O tempo circular confinou o espaço deste nosso pequeno mundo.
Ao saber da notícia, lembrei-me deste facto. Triste ocorrência para uma grata memória.
Partiu um grande Senhor, de uma grandeza e finura de espírito, uma inteligência requintada.
Discretíssimo, em lado algum se encontrava uma fotografia sua, ele que foi Presidente da Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados, candidato a Bastonário. Devo à gentileza de sua filha a que aqui publico.
Cultivou a discrição ao lado de uma coragem cívica interveniente. Não fez da exibição pessoal método nem meio. 

Arquivos privados e História do Direito


O Instituto de História Contemporânea, da Universidade Nova de Lisboa efectivou hoje um Seminário sobre Fontes Documentais para a História da Justiça no Portugal Contemporâneo. Convidado a falar sobre os arquivos privados apresentei esta brevíssima reflexão. Escrevê-la ontem e dar dela conta hoje, ainda que por interposta voz, a manhã ocupada com a profissão e seus horários, marca o teimoso reacender da intermitente chama do entusiasmo e a organização de alma sem a qual não há espírito que resista. É um texto pobre mas é melhor do que as circunstâncias que permitiram produzi-lo. Amanhã será melhor.



Antes de mais uma palavra de honradez: eu deveria estar aqui em pessoa e não subrogadamente pela gentileza de quem me lê, e quem deveria aqui estar e a quem eu tributo a mais amiga homenagem de respeito e muito apreço, seria o meu amigo Luís Bigotte Chorão, ele sim especialista porque amigo da História e de quanto a documenta. A ele devo uma breve conversa, já em aflição ante o meu encontro com o tema, e tudo só envergonha o meu escasso saber e o atrevimento de ter aceite o repto, seja, o vosso embaraço final que já prevejo à distância.

Julgo que o tema que me é proposto pode ser desdobrado nas seguintes três vertentes.
Em primeiro lugar, e vai nisto já uma deformação profissional de jurista, a definição do que sejam arquivos privados.
Em segundo lugar, um esboço enunciativo de onde possam estar arquivos com tal natureza.
Enfim, alguns problemas que sejam privativos dessa espécie de arquivos, atenta a natureza dos documentos que os integram.

São mera pistas de reflexão as que ficam. E ao fazer assim permito-me pensar que terei cumprido, o que melhor que sei, o propósito que presidiu a quem entendeu que poderia ser útil dar-me a palavra.
Comecemos pela definição. 

Penso que o senso comum apontará para a ideia quase lapalissiana de que serão privados os arquivos que não pertençam a entes públicos. 
Só que este modo de entender abre a porta a uma questão: que natureza terão os espólios que, oriundos de privados, e por conseguirem escapar aos trambolhões da lei sucessória e às batalhas hereditárias em que se misturam a cupidez e o desprezo familiares, conseguem ter a sorte de ser depositados em arquivos públicos? Ou seja, arquivos privados na origem mas públicos pelo seu destino final? Manterão a natureza da sua génese, a da sua certidão de nascimento, ou ganharão aquela etiqueta do lar oficial de acolhimento?
Não se diga que a questão é puramente conceitual, sem relevo prático, pois que, estando os arquivos públicos sujeitos a estritas regras legais atinentes ao seu funcionamento, acesso à informação e sua difusão, bem pode concluir-se, conforme seja a solução dada ao problema da definição, poder haver aqui uma regra de absorção que dita que, uma vez integrados no acervo do património cultural público, tais arquivos perderiamm a natureza de privados em sentido estrito que detinham até àquele acto.
E, assim, como decorrência, a autonomia da vontade que governava a sua existência, em que a palavra do seu titular ou dos seus herdeiros era a única lei válida a geri-los, com os limites óbvios atinentes aos direitos de terceiros, perderia agora sentido ante a incorporação em entidade pública, para tudo ficar sujeito ao que fosse a regra válida para os arquivos de natureza pública.
Vistas as coisas neste ângulo, desclassificando como privados os espólios integrados já em arquivos públicos, menor seria o seu número e talvez mais fácil, porque mais reduzido, o objecto do nosso estudo. A preguiça do ignorante levaria a aceitar esse critério. Mas há o escrúpulo intelectual do rigor e as boas maneiras!
Creio, assim, que critérios documentalísticos deverão prevalecer sobre as regras estritamente jurídicas. E assim, considero terem natureza privada os arquivos cuja génese pertença a pessoas, singulares ou colectivas, de natureza privada, ainda que, pelas vicissitudes da vida ou da morte de quem detinha a sua titularidade, os mesmos acabem por ser recolhidos por organismos de natureza pública mas mantenham ali autonomia de existência.
E porquê? Porque de algum modo a titularidade do arquivo acaba por determinar o perfil, donde a natureza e, por osmose, a própria regra de funcionamento do acervo respectivo, diferenciando-o daqueles outros que logo na sua formação tiveram mão pública a ditar-lhes o conteúdo e a organização; acessório, e por isso não determinante, será a natureza dos documentos que o integrem, pois nada exclui que um privado junte em vida, e assim compile, documentação de cunho oficial e por isso pública.
Claro que nada disto é isento de dúvidas: os arquivos paroquiais que se integraram, pela mão de Alexandre Herculano, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, que natureza terão hoje? E o Arquivo Oliveira Salazar na parte em que não está abrangido pela cota “CO”, Correspondência Oficial? E os de todos os entes fundacionais ou associativos que detenham utilidade pública, por contribuírem, com a sua existência, para a aculturação que é um bem patrimonial fundamental da Humanidade do Espírito? 

Posta assim a questão, que transporta para a esfera privada em sentido amplo aquilo que, fosse outro o critério, estaria dela subtraída, passemos à questão do elenco possível dos arquivos privados, centrando-nos nos espólios que estão hoje disponíveis para consulta pública institucionalizada. 
E se digo “possível” é porque muitos deles estão fora do conhecimento comum e acabam por ser apenas conhecidos pelos especialistas em sectores determinados da investigação, ou iniciados com acesso privilegiado às famílias ou aos detentores de tais tesouros documentais e ainda os frequentadores de alfarrabistas, adelos e “sebos” aqueles que fazem, afinal, do “andar ao papel” vício, paixão, profissão, negócio por vezes.
Peço licença para que os próximos momentos sejam de tipo meramente exemplificativo, a convidar quem seja historiador a retomar, de modo organizado, isto que aqui fica a esmo, a evidenciar a brutalidade da minha ignorância.
Assim, na Biblioteca da Ordem dos Advogados, e começo pela minha casa, na secção de Fundos Documentais Especiais, encontram-se o espólio do Bastonário Adelino da Palma Carlos e de sua mulher, Elina Guimarães e também parte do Bastonário José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães (parte deste confiado igualmente à Biblioteca Nacional), ambos a aguardarem tratamento documental e bem assim do Bastonário Vicente Rodrigues Monteiro, que compreende documentos entre 1927 e 1936.
Na Procuradoria-Geral da República está guardado o espólio de Cunha Gonçalves, do Procurador-Geral Arala Chaves e do Procurador-Geral Pinheiro Farinha.
Na Biblioteca Nacional encontra-se, que esteja divulgado como tal, como se disse parte do espólio de José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães e o de Abranches Ferrão.
Relevante também o conteúdo da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nomeadamente na parte em que se arquivam espécimes de Paulo Merêa e Beleza Santos, e numa menor medida, que eu saiba, o da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, nomeadamente documentos oriundos dos seus professores Paulo Cunha e Marcello Caetano.
E do mesmo modo é a Torre do Tombo onde se encontra, o que surpreenderá os menos informados, por exemplo, parte relevante do espólio do Bastonário Adelino Palma Carlos.
Na Fundação Mário Soares, e aqui outrem falará por mim com conhecimento directo de causa, encontram-se documentos de muitos dos que exerceram actividade política, como Afonso Costa, e por isso mais centrado nesta vida pública que não na advocacia que exerceu também. E a Universidade do Minho guarda, para além da Biblioteca, muita documentação jurídica daquele que foi o meu patrono na advocacia, Francisco Salgado Zenha, um marco obrigatório na cidadania e na dignidade da profissão.

E, eis-nos, no último tópico da comunicação que – perdoe-se a estultícia – creio ser o mais relevante, o a problemática específica dos arquivos particulares.
Logo a primeira é serem eles fruto dos interesses próprios de quem os organizou, sendo, ou uma acumulação de papéis oriundos de uma actividade profissional, amiúde sem preocupação de sistemática ou sequer de ordem, ou a tradução de um espírito de colecionismo, em que a norma é a soma de tudo o que relevou para um certo sector da vida, muitas vezes com lacunas decorrentes do não acesso à espécimen que preencheria o hiato documental ou a circunstância de o móbil que presidiu à incessante procura ser o espírito de lucro através do comércio de antiquário ou de alfarrabista.
Gera isso uma necessária prevenção porque sempre estaremos ante uma fracção da realidade, amputada pela natureza das coisas ou pelas vicissitudes da vida. E, no entanto, quanto se tem escrito, até do campo fértil da fabulação romanesca, tomando a parte pelo todo juntando ficção àquilo que já o ser-se “económico com a verdade”.
Daqui decorre a natureza quantas vezes fragmentária de tais arquivos, porque quem os deteve e lhes deu origem teve menos preocupação em organizar um universo total de documentos respeitantes a um certo momento da existência, ou foi alheio à truncagem e assim ao parcelamento do universo documental, através da alienação de espécies mais valiosas e, por isso, mais rentáveis financeiramente. 
Arquivos que os próprios descendentes consideram destruídos porque jogados ao acaso do adelo acabam por entrar no mercado dos papéis e integram hoje o armazém avaro dos que os juntam e aferrolham sem porquê, subtraindo à investigação o alimento de que carece para subsistir e medrar.
Outra característica tem a ver com a natureza instrumental de tais acervos relativamente a uma finalidade profissional que presidiu à sua constituição e assim não será de espantar que deles constem apenas o que interessou para o precário momento em que a memória se formou, em que o acontecimento documentado relevou, em que ficou o apontamento, a súmula, o extracto, aquele farrapo de vida que é um pedaço amputado da própria História.
E isso obriga a que, não desconsiderando o documentado, lhe atribuamos sempre um valor relativo pois que parcelar é o objecto que constitui, parte da verdade, isto se é que o passado não é tão incerto que, ante ele, faça mais sentido falarmos em verosimilhança do que em veracidade, em que se nos oferece apenas uma contra-memória, oponente, adversarial, antagonista porque litigante, relativa pois.
Enfim, e agora entramos no campo da delicadeza, trata-se amiúde de material sensível, atinente a relações humanas frequentemente conflituosas, sobre temas em que as vertentes da intimidade estão presentes, em que pulula por isso a incerteza quanto a veracidade do documentado quando não do próprio documento e sobre a dúvida radical quanto à ética da sua utilização. 

A apetência historiográfica pelos arquivos, por exemplo de advogados, em relação a processos célebres, tem de ser temperada por apertadas regras prudenciais em relação ao que integra o seu conteúdo, regras essas e que orientem o espírito para uma lógica permanentemente dubitativa sobre o seu teor, completude e fidedignidade. E sobretudo de decência no que respeita à difusão do que por ali se encontra.
Talvez por isso mesmo alguns advogados em fim de existência confiem à destruição os dossiers que em vida fizeram, pelo seu teor, os seus pesadelos e o sonho de ansiosos polícias, para que traço não fique para terceiros do que foram segredos profissionais de que foram guardiões, moral de um tempo em que o escritório de um causídico partilhava com o confessionário a regra do vinculante sigilo da confissão auricular dos pecados.
Mas não só de papéis de advogados, porque um processo judicial, volume em folio que o é de papéis de diversa origem não é, só pela sua intrínseca natureza oficial, mais verosímil ou mais fiável. E não contém informação menos letal para a probidade, honra e consideração social ou o que disso resta no mercado de valores contemporâneos.

Eis, a findar, o momento atinente ao admirável mundo novo, digitalizado, em que juntamos a acumulação exponencial de informação e a facilidade de encriptação que torna esses arquivos, e dos privados falamos, absolutamente inacessíveis quando não sujeitos à inexorabilidade da tecla “delete”.

Tempos houve em que era possível ainda armazenar o que ficava de cópias de correspondência enviada, originais da recebida, minutas do que acabaria por ser levado a letra de forma. Hoje tudo isso são memórias computacionais invisíveis, de aparente eternidade mas de tão evidente precariedade. 
Ante isso pergunto se será o ciberespaço o arquivo universal eterno com que sonharam os conservadores de documentos, poupado ao perecimento do papel, ao extravio da folha, aos limites do armazenamento? Sim. Assim não ocorra uma tempestade solar, se invertam os pólos magnéticos e tudo quanto confiamos à digitalização se não torne o zero total, o absoluto vazio, a total ausência de memória!

Obrigado pela vossa atenção. Cada jurista que morre é um arquivo que se perde, o da sua memória, o da tumultuosa vida que viu viver, doce e amarga, chã e torrencial. Indocumentada, sem traço nem prova, a vida vivida no sobressalto do oculto e do esquecido. Como li num jornal cultural este mesmo fim-de-semana, porque a História trata de heróis, a memória de vítimas.

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Os arguidos de mãos atadas...


Confesso que sempre me impressionou que o proclamado direito ao silêncio dos arguidos pudesse, enquanto decorrência da presunção de inocência, contrastar com o estado de sujeição enquanto objecto de prova. 
Decorria isto do facto de, através das escutas telefónicas, o arguido ser, afinal, surpreendido e à traição a "confessar" aquilo que de nada lhe valia em audiência recusar admitir. Mas também porque afinal poderiam ser-lhe tomadas ao seu corpo e roupa vestígios que conduziam a provar o que ele não quisesse verbalizar. E, eis agora o tema, porque os arguidos podem ser compelidos, até perante o Ministério Público, a escrever para que, pelo exame pericial de letra, ainda que daí decorra a sua própria responsabilização.
Ante o que acaba de ser sancionado pelo Supremo Tribunal de Justiça pelo Acórdão n.º 14/2014, de 28 de Maio [com votos de vencido, texto integral aqui], aliás profusamente fundamentado: «Os arguidos que se recusarem à prestação de autógrafos, para posterior exame e perícia, ordenados pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º, em sede de inquérito, incorrem na prática de um crime desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 b), do Código Penal, depois de expressamente advertidos, nesse sentido, por aquela autoridade judiciária.»
Lembro que aqui há uns anos, num célebre caso, o Ministério Público tentou compelir uma pessoa que inquiria como testemunha a proceder à escrita de certas palavras para que, examinadas grafologicamente, se achasse a autoria de um certo "recado" tido por relevante como prova. Recusando a fazê-lo, intimado a que a desobediência equivaleria a desobediência, o visado pela ordem exigiu ser tratado como arguido, pois um tal acto supunha uma investigação sobre a sua pessoa. Rejeitada a pretensão, foi detido então em flagrante e levado, com largo escândalo público, ao Tribunal de Polícia,  para julgamento sumário, de onde saiu em liberdade e absolvido.
Hoje, arguido que fosse, ai dele se recusasse: estava a condenar-se pelas suas mãos que não escrevessem.
Sei que o tema é complexo e não se compadece com a leviandade de um comentário aqui mais detalhado, necessariamente superficial. 
Trouxe-o, permita-se a amarga ironia, porque tenho estado silencioso e não quero ficar à mercê da presunção de culpa, não vá pensar-se que não escrevo não porque não apeteça, sim porque, pertinaz suepeito, não queira.

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Ainda a presença do arguido no processo penal



Tentando retornar à escrita jurídica, que tão intermitente tem estado, escrevi um destes dias uma crónica - pois não poderia honestamente chamar-lhe estudo - referida aqui, sobre a presença do arguido em processo penal, confrontado que tenho estado com a prática que começa a disseminar-se no sentido de a dispensar, a ponto de quase se tornar uma formalidade dispensável. Lembrei isso a propósito do Acórdão da Relação de Guimarães de 10.07.2014 [proferido no processo n.º 424/10.5GAPTL.G1, texto na íntegra aqui], cujo sumário consigna que:

 «I – A leitura da sentença integra a audiência de julgamento e exige a presença do arguido. II – O tribunal tem o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.III – Ocorre a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119 do CPP, se a leitura da sentença for feita em data não prevista inicialmente, sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito.»

E, aceitem que não seja vaidade citar um excerto desse apontamento, sim, ante esta encorajadora doutrina, um voltar sobre os próprios passos, para pensar o já pensado, escrevi, precisamente a propósito da não presença do arguido no acto da leitura da sentença:

«Dispõe com placidez o artigo 373º, n.º 3 que, estando o arguido ausente, a sentença é lida ante o seu defensor, considerando-se este assim notificado; do mesmo modo o 372º, n.º 4 adita que a leitura equivale à notificação dos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes. 
Quer dizer, um acto que é o momento decisivo em que o tribunal emite o veredicto de culpa ou de inocência, determina a responsabilização e seus efeitos, fundamenta o porquê do que decidiu e, no limite do qual, consoante o 375º, n.º 2, o juiz, se o entender conveniente profere, em caso de condenação, uma breve alocução exortando o arguido a corrigir-se, fica transformado, pela conjugação destes preceitos, numa pura rotina, peça processual lida quantas vezes sincopada porque resumidamente, se não “por apontamento”, sem que o destinatário essencial do decidido sinta, afinal, porque ausente, qual a valoração que a Justiça fez do seu caso. Como se nada disso fosse com ele e para ele. 
A primeira finalidade que a justiça penal visa atingir, a da prevenção especial e o propósito ressocializador, afinal um dos pilares da legitimação dos Tribunais Judiciais, é, por esta forma, posta em crise, como se de uma repartição pública administrativa se tratasse.»

Um pobre sistema para ricos: as gravações de audiências


O Estado implantou um sistema de gravação da prova produzida em audiências que conseguiu o pleno do elevado custo e do péssimo funcionamento.
Ante a ratoeira da deficiência do sistema de documentação da prova - vozes inaudíveis, excertos por gravar - surgiu o problema: como controlar tais deficiências que punham em causa o direito constitucional a recorrer invocando a prova produzida em julgamento.
O racional seria o funcionário que está adstrito à audiência e que coloca o sistema em funcionamento, assegurar não só que ele estava a funcionar capazmente como que o dito era efectivamente gravado em termos de perceptibilidade.
Mas não, talvez porque durante a audiência o funcionário tenha mais que fazer, talvez por aquela razão endémica segundo a qual são os do costume a suportar o custo das disfunções.
E assim surgiu sobre o assunto a querela jurisprudencial, com decisões em todas as variantes: quando interessados em recorrer da matéria de facto e tendo assim que indicar onde estava gravada a prova que demonstrava o contrário do dado como provado ou não provado na decisão recorrida, os advogados, ao aperceberem-se que, afinal, em vez de uma voz estava um silêncio ou um ruído, deparavam-se com tribunais que tinham por legal esta ideia: cabia aos advogados no final de cada audiência solicitarem desde logo as gravações, ouvi-las e, no caso de haver qualquer falha, reportá-la logo num prazo que foi também discutível - o que é que no Direito é certo, seguro e indiscutível, pergunto eu - sob pena de já não poderem levantar a questão por se tratar de uma nulidade sanável.
Isto é, às horas e horas passadas em audiência somavam-se mais umas outras tantas ou quase tantas horas a ouvir o já dito para saber se tinha sido ouvido pelos esquisitos maquinismos que o Ministério da Justiça comprara para equipar os tribunais, alguns servidos com mesas misturadoras com mais botões que os de um estúdio de gravação em alta fidelidade mas inúteis e, assim, meramente decorativos
Claro que ninguém pensou que estas horas perdidas são mais custos para o cidadão que se cruza com a Justiça e torna os advogados serventuários de um sistema oficial que devia ser o sistema público a controlar. É que a ideia tornada jurisprudência tinha a vantagem de matar recursos sobre a incómoda matéria de facto, porque com base na regra do se não se ouve tivesse dito, pelo que reunia o aliciante de ser tentadora.
É este o contexto que subjaz ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 13/2014, de 3 de Julho de 2014 [texto integral aqui] segundo o qual «a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada».
Claro que os advogados com meios para dedicarem horas a preparar audiências, horas a nelas intervir e horas a ouvirem o que nelas se passou e que supostamente deveria estar gravado não se importarão porque a facturação reflectirá esse tempo todo, assim haja quem pague. 
O problema são os outros, a esmagadora maioria, aqueles que subsistem de magros honorários pagos por remediados constituintes. 
Mas, nesta lógica, que importam esses postergados pelo sistema? No final ainda ficamos todos à mercê de haver uma Justiça para ricos quando é a própria Justiça que prepara tudo para que só o rico se aguente ao seu custo. Irónico, não é?

A Alemanha o País da prisão perpétua...



Em causa a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da Assembleia da República nº 8/93 de 20/04, publicada no DR n.º 92, Série I, de 20 Abril 1993), numa dupla vertente: a da conversão de uma pena prevista no ordenamento estrangeiro que o nosso não preveja; a prevalência do nosso sistema legal sobre o estrangeiro onde ocorreu a condenação no que se refere à execução da pena, nomeadamente no que se refere à liberdade condicional. Decidiu-o o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.09.2014 [proferido no processo 364/13.6YRLSB-A.L1 -9, texto integral aqui]


Primeiro problema: «O arguido LT foi condenado, por decisão transitada em julgado, por tribunal estrangeiro em pena perpétua, pela prática de um crime de homicídio qualificado, por decisão proferida pelas autoridades alemãs, que só admitem a libertação do arguido, após 15 anos de cumprimento de pena». 

Isto é, estamos ante um Estado, o alemão, integrante da União Europeia, que admite a prisão dita perpétua, a qual pode dar azo à libertação quinze anos, porém, após o seu início, verificadas que sejam certas condições e que, se bem que na prática não gere a prisão por mais de vinte e dois anos, mantém aquela regra da perpetuidade tida como legítima.

Mais um Estado que prevê que o homicídio voluntário seja punido com prisão até cinco anos e em «casos  especiais graves» [que não se definem quais sejam] com prisão perpétua, isto é uma variação de penas que mais não é do que o arbítrio concedido à discricionariedade punitiva. 

Para os que têm o germanofilismo jurídico como farol interpretativo do nosso próprio Direito e como critério face ao que é justo porque legal, é caso para pensar.

Assim se transcrevem [ver aqui] o §§ 211 e 212 do Código Penal Alemão:

§ 211

«1) Der Mörder wird mit lebenslanger Freiheitsstrafe bestraft.
«(2) Mörder ist, wer aus Mordlust, zur Befriedigung des Geschlechtstriebs, aus Habgier oder sonst aus niedrigen Beweggründen, heimtückisch oder grausam oder mit gemeingefährlichen Mitteln oder
um eine andere Straftat zu ermöglichen oder zu verdecken,
einen Menschen tötet.»

§ 212

«1) Wer einen Menschen tötet, ohne Mörder zu sein, wird als Totschläger mit Freiheitsstrafe nicht unter fünf Jahren bestraft.
«(2) In besonders schweren Fällen ist auf lebenslange Freiheitsstrafe zu erkennen.»

Segundo problema: prevendo o nosso sistema jurídico condições de execução de pena, nomeadamente no que à liberdade condicional respeita, mais favoráveis do que as que estão previstas no ordenamento do País da condenação, qual deve prevalecer? O Acórdão em referência decidiu que será o português, antes de decorrido o tempo mínimo que a lei alemã previa.

E assim ficou consignado que, fazendo triunfar os nossos princípios jurídicos: 

«I - Tendo-se procedido a revisão de sentença penal estrangeira, no âmbito da qual o Tribunal da Relação converteu para a pena máxima permitida pelo ordenamento jurídico criminal português (25 anos de prisão) a pena de prisão perpétua que havia sido aplicada na Alemanha a cidadão português que aí havia cometido homicídio, e tendo, seguidamente, o condenado, que ali cumpria a pena, sido transferido para Portugal, a seu pedido, para aqui cumprir o remanescente desta, passa a ser a lei portuguesa que, para futuro, regerá todas as questões atinentes à execução da pena. II - Na liquidação de pena dever-se-á fixar a data em que o condenado atingirá o meio da pena, para efeitos de apreciação e eventual concessão da liberdade condicional nesse momento (artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal), o que no caso concreto ocorrerá decorridos 12 anos e 6 meses, ainda que atento o disposto no do § 57º do Código Penal alemão a libertação condicional de recluso em prisão perpétua pressuponha terem sido imprescindivelmente cumpridos 15 anos de prisão efetiva de encarceramento penitenciário.»

Assentos e uniformização de jurisprudência: uma questão em aberto


Decisão judicial ou lei? Este era o núcleo problemático do instituto dos Assentos, sobre cuja natureza António Castanheira Neves escreveu a sua decisiva dissertação. Problema que de algum modo parecia reposto em novos termos antes os acórdãos uniformizadores de jurisprudência que tanto o processo civil como o penal acolheram. Mas é questão, afinal, em aberto.

Tirado em matéria cível, este, do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.09.2014 [agora publicado na íntegra aqui] veio retomar o problema sentenciando que: «Não basta não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

Eis o passo essencial do raciocínio:

«Entre a rigidez interpretativa obrigatória dos antigos assentos e a mera natureza indicativa da jurisprudência em geral, está a jurisprudência uniformizada. Esta tem de ter um valor próprio que não se pode ficar pela mera sugestão (ainda que reforçada), hipótese em que perderia a razão de ser.
A regra só pode ser a de que a jurisprudência uniformizada não deve ser afastada pela mera discordância doutrinal do julgador, caso que não se distinguiria da restante jurisprudência.
A citação do conselheiro Abrantes Geraldes feita no acórdão em apreço resolve de forma lapidar a questão: “o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”. (...)  “a discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior” Ou seja, não basta não se concordar com o entendimento do acórdão uniformizador. Essa é uma questão ultrapassada. É necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

[...]
«Citando novamente Abrantes Geraldes – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 379 – :

“Ou seja, a divergência ( com a jurisprudência uniformizada) não se justifica por si mesma, antes devendo ser encarada como um objectivo cujo alcance exige um percurso que, sem hiatos, tenha como ponto de partida a letra da lei e percorra todas as etapas intermédias.
Em suma, para contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo devem valer fortes razões ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tenham sido suficientemente ponderadas.”»