Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Notícias ao Domingo!


Tive a oportunidade de assistir às duas sessões do evento, organizado pelo Forum Penal [ver aqui], em Lisboa, na Sala do Senado da Assembleia da República - devido à afluência, o que é de registar e augura os melhores resultados a esta agremiação - dedicado à (possível mas necessária) reforma do sistema legal das contra-ordenações.
Isto permite-me deixar aqui, algumas breves reflexões, ante o que me foi dado presenciar, meros enunciados de três questões.
Primeiro, não me parecer ser possível que um sistema de punição não penal, concebido que foi como de «mera» ordenação social, pensado, aliás, na origem para suceder às contravenções - lembremos que na formulação inicial em 1979 havia uma inexequível e por isso abortada conversão automática de todas as contravenções em contra-ordenações - consiga resistir, sem uma mudança de estrutura, a um mundo novo, que se inaugurou desde então, com a hipertrofia das entidades administrativas de regulação financeira, bancária, seguradora, em suma, da economia em geral e do ambiente, e aplicação por estas de coimas que vão em alguns casos aos quinze milhões de euros, sendo de aplicação por igual, sem mudança de rito procedimental [pois há só uma forma de processo], às insignificâncias atinentes às prescrições de administração local, rodoviária e afins.
Um sistema de simplificação formal, estruturado na lógica de um procedimento disciplinar, em que a defesa judicial surge só após a pena e onde a entidade tutelar assume a plenitude das funções da investigação à sanção, choca diametralmente - a não ser que não se queira ver - com as necessidade de reforçar garantias, estando em causa coimas de valores que o Direito Penal não acompanha na prática com as suas multas.
E quando se fala em "garantias" que se não pense que estamos a reduzi-las às do arguido - torna-se necessário dizer isto num mundo que passou a olhar quase com desdém para as garantias deste sujeito como se fossem causa de entrave processual, luxo de prodigalidade liberal, razão da impunidade dos ilícitos - mas sim logo para começar garantia de certeza na busca da verdade - pois quem soma o poder de investigar com o de acusar e ademais o de punir é atreito a enganos derivados da visão unilateral das coisas e arrisca o seu prestígio em resultado desse superavit de poderes.
Além disso, porque um sistema que expressamente manda aplicar, como Direito subsidiário integrador de lacunas, normas do Direito penal e do Direito Processual Penal, que passam a ser, por isso, Direito a aplicar aos processos contraordenacionais e à concretização das coimas aplicáveis, não pode, sob pena de se sujeitar a uma evidente contradição de princípios, negar, para o enquadramento de tais normas, definição dos seus limites e tutela das situações que se apliquem, as garantias constitucionais estabelecidas por exemplo nos artigos 29º e 32º e outros da Lei Fundamental para as normas com aquela específica natureza criminal. Que justifica e como legitimar esta desnaturação?
É que, usar tal expediente, se serve as conveniências da prática dos reguladores, invalida, por um lado, o princípio da unidade e coerência do sistema jurídico - normas de cunho penal perdem tal natureza, ao serem remetidas, por imperativo legal, em ordem a regularem o domínio contraordenacional, sem que, no entanto haja razão para a degradação da sua qualidade jurídica; por outro, porque se trata, na verdade, de desguarnecer o âmbito e a intensidade da tutela de que estas normas de cunho criminal gozam, independentemente de operarem por aplicação directa ou através de remissão. 
Enfim, a partir daqui todo um universo de aporias surgem, nomeadamente quando se coteja o regime geral das contra-ordenações com os múltiplos regimes especiais, como o encontro amplamente evidenciou.
E, enfim, tive a possibilidade de lançar uma questão que me vem preocupando e para a qual ainda procuro resposta que se convença: se o Tribunal Constitucional já emitiu juízo de conformidade constitucional a um sistema - que é o que vigora - de cumulação na mesma entidade administrativa dos poderes para investigar, deduzir acusação, avaliar a defesa e sentenciar - sem se impressionar com a perda de isenção que é abstractamente possível, para não falar na lesão da regra da separação de poderes [porque isso implicaria aceitar, o que tal jurisprudência nega, que a regra do acusatório processual penal vale aqui], então, que pensar quando, a toda esta soma de poderes, se soma o poder de decretar normativos reguladores cuja violação aquelas entidades investigam, pelos quais acusam e no fim punem, tornando-se legisladores, intérpretes autênticos e aplicadores das normas às infracções que dão como verificadas?


Notícias ao Domingo!

A honrosa oportunidade que me permitiu colaborar num livro, a publicar, proporcionou-me o ensejo de estudar o que chamei - de forma tendencialmente apelativa e por isso discutível - as ideias constitucionais derrotadas na Constituição de 1976.
Estudei os projectos que se perfilaram e seleccionei os pontos que me pareceram significativos mas que não passaram para o texto aprovado.
Esse deambular pela História, que sendo a da vida política, é também a do essencial da vida jurídica do País, mostrou-me a título pessoal como o tempo passa, não porque não sido deputado à Constituinte, mas, na altura, apenas cercado quando esta foi sitiada e nisso incluída a Residência Oficial do Primeiro-Ministros, o lendário Almirante Pinheiro de Azevedo com quem então trabalhava. 
Volvido o tempo, tal viagem pela feitura de uma lei, a Lei das Leis, deu-me a confirmação - se necessária ela fosse, tanto visto e tanto sentido - do carácter relativo de todas as coisas, e como os absolutos de antes se tornam os precários de amanhã. 
Uma vez que o Notícias ao Domingo! [do título faz parte o ponto de exclamação por nenhuma outra razão que não seja a minha...] se tornou num espaço de reflexão, aqui se oferece o mote do que pretende proporcioná-la, afinal a tese que o meu escrito tenta sustentar, através de uma sua fotografia, em retrato à la minute. Os coordenadores do livro sabem que isto é verdade: na 25ª hora libertei, esta manhã direi, o possível texto final, por não me ter possível almejar melhor. 

Cito-me [com a devida vénia pela vaidade inerente]:

«Quem, com maior juventude ou menor preparação histórico-política, recordar hoje, mesmo com a usura do tempo a interpor-se, o artigo 1º da Constituição de 1976 vê o seu espírito ser vincado por perplexidade, ante quanto ali se escreve.

Lido a 2 de Abril de 1976, pelo secretário da mesa, o advogado António Arnaut, perante 195 dos 250 deputados eleitos à Constituinte, o texto da Lei Fundamental aprovada abria assim:

«Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes».

Se é verdade que a fórmula tentava o compromisso entre o um comprometido personalismo proposto pelo CDS e o substantivo colectivismo propugnado pelo PCP e pelo MDP/CDE, esquecido o radicalismo revolucionário patrocinado pela UDP, impressiona a menção a um dos conceitos fundamentais do marxismo, a «sociedade sem classes», a evidenciar que o compromisso alcançado no hemiciclo fora largamente favorável às forças sociais e políticas que haviam ocupado o espaço da revolução democrática inaugurara, tudo bem diferente do que faria prever o texto programático inicial proclamado pelo Movimento das Forças Armadas.

A fórmula só era parcialmente atenuada pelo artigo seguinte, quando fazia apelo ao conceito de «socialismo», ao invés do expectável «comunismo», a atingir através não de uma “revolução” mas sim de uma «transição», temperando tudo com a noção de que o poder das classes trabalhadoras seria «democrático» e não efectivado pela “ditadura do proletariado”, o que se alcançaria mediante a «criação de condições» para o efeito e não como “tomada imediata do poder”:

«A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo, mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras».

Eis, num hemiciclo presidido pelo Professor Henrique Teixeira Queiroz de Barros, o desigual ponto compromissório de um confronto político duro, materializado através do Direito, encerrado o ciclo revolucionário, conseguido, dentro dos limites do possível, através da inter-relação de projectos constitucionais oriundos dos partidos com assento parlamentar, os já referidos e mais o PS, o PPD e o CDS.

Houve derrotados nesse prélio jurídico-constitucional? Vendo os projectos apresentados, o texto final resultante, e as declarações políticas quanto ao sentido do voto, quase que se pode concluir que não, com uma excepção que, como soe dizer-se, confirma a regra. 

Para usar uma analogia com a teoria dos jogos, não se tratou de um jogo de soma nula em que aos ganhos de uns correspondeu globalmente a perda de outros. Aqui todos perderam, todos ganharam porque algo ficou do que cada um tentou. E se este meu estudo não permite uma visão mais rigorosa, porquanto se cinge aos projectos iniciais, não reconstituindo quanto se passou a nível da discussão, nomeadamente na especialidade, certo é que os consensos difíceis que ali ocorreram acabaram por maximizar os contributos parciais para um texto comum que acabou por funcionar como um referencial histórico determinante do momento histórico que se vivia.»

(...)

Notícias ao Domingo!


Enviei para que seja integrada em livro a publicar o que foi a minha comunicação às Jornadas Açorianas de Direito, ocorridas em 10 e 11 de Novembro de 2016 e dedicadas ao tema da criminalização e da descriminalização, no caso em que intervim no domínio do chamado "segredo" de justiça. Ao rever o que foi o texto oralmente apresentado aditei este breve resumo que aqui partilho, sujeito à crítica por conter opinião diversa da maioritária, nomeadamente quanto à problemática do bem jurídico tutelado, cujo âmbito baliza não só o âmbito da criminalização mas, afinal, a exclusão da tutela que deveria ser a essencialmente garantida, aos direitos das pessoas.

«Eis os conceitos: a regra é a publicidade, a excepção o segredo de justiça; para além do segredo interno, que vincula os participantes processuais, há o segredo externo, referente aos que, face a ele, sejam terceiros; a violação do segredo de justiça é crime de natureza pública; o bem jurídico tutelado não são só os interesses atinentes ao bom funcionamento da justiça, também os individuais referentes às pessoas que a incriminação visa defender.
Esta última asserção – no que se refere à extensão do bem jurídico tutelado – implica uma justificação porquanto a doutrina que se tem pronunciado sobre a matéria restringe o âmbito da tutela ao que releva para a protecção da funcionalidade da justiça.
Ora se configuro os interesses legítimos a defender deste modo amplo, abrangendo não os valores públicos inerentes ao bom funcionamento da administração da justiça, é porque, por um lado, entendo que a presunção de inocência está em causa com a prática deste tipo de ilícito e também correlativamente a defesa do bom nome e da própria privacidade.
Vejamos, pois. 
Não se diga que não pode haver na incriminação uma razão atinente à defesa da presunção de inocência do arguido, porquanto esta vale até ao trânsito em julgado de sentença que o condene e aquele segredo é restrito – e excepcional – à fase de inquérito processual, pelo que o primeiro círculo de tutela seria mais extenso do que o segundo e assim este não poderia apoiar naquele. 
Em primeiro lugar, porque a própria geometria dos conceitos mostra que se há uma defesa da presunção da inocência mais extensa do que a zona de defesa do segredo de justiça, esta bem pode arrimar-se naquela e só o inverso é que o provaria o que pretendemos infirmar.
Em segundo lugar, porque, sendo a presunção de inocência uma garantia tão extensa no procedimento criminal – quase a acompanhar o seu alfa a ómega pois que desde a constituição de arguido até à passagem em julgado da decisão condenatória – há fases do procedimento em que existem especiais razões para que tal valor deva merecer uma tutela mais intensa, sobretudo aquela, a do inquérito, em que a incerteza quanto à indiciação ainda subjaz pois que esta só é tida por suficiente quando da acusação e mesmo assim, havendo instrução, ainda aquela sujeita à condição resolutiva de uma decisão instrutória que pode não a receber.
Assim, considerando o bem jurídico-constitucional presunção de inocência como um valor que exige níveis diferenciados de tutela processual consoante as fases do processo teremos de entender que o binómio segredo de justiça/publicidade processual releva como instrumento adequado a garantir a defesa da mesma.
Do mesmo modo o bom nome e o direito à privacidade e por igual razão. São valores com assento constitucional, de que o processo penal teve ser garante, mas tal garantia no que à questão do segredo de justiça respeita, deve operar de modo diferenciado consoante a fase processual em causa e ser mais exasperantemente garantida naqueles momentos preliminares em que o objecto do processo seja ainda indefinido, a prova indiciária incerta e, assim, o sujeito investigado – ou os demais que o segredo de justiça defensa – não possa (m) ficar à mercê de revelações que causem dano ou ponham em perigo não só aquela presunção de inocência como o respectivo bom nome e reputação.
Sucede que de um segredo de polichinelo se trata: mesmo o cidadão desatento constata que os meios de comunicação social difundem e captam audiências à conta da revelação de factos e provas que são de processos tecnicamente em segredo de justiça; e não é preciso excesso de observação que o jornalismo dito de investigação concorre com a investigação criminal em torno do que, revelado, perde o secretismo quando por vezes dali provém.
Não espanta, pois que, desconsiderando as pessoas que o segredo de justiça possa afectar, patrocinando a tese segundo a qual apenas bens públicos e sobremodo o bom funcionamento da justiça estará em causa, esta coexista com tal situação pois que, subjacente a tal convívio com a impunidade está a ideia de que nada naquele bom funcionamento pode estar em causa; mais: em certos espíritos floresce até a ideia segundo a qual da coexistência entre situações de clara violação de segredo de justiça e o colaboracionismo de algum jornalismo de investigação decorre, fruto da miscigenação, um ainda melhor desempenho da justiça criminal.
Um sistema em que as pessoas sejam esquecidas em detrimento da eficácia da burocracia repressiva sente-se confortável com a restricção do bem jurídico tutelado, essa forma de alargar ou restringir o âmbito da tutela penal a partir de valores que se inserem ou excluem do âmbito material da tipicidade, legitimando a criminalização ou a descriminalização.
Pois que o segredo de justiça é um dever, surge a natural questão de nos perguntarmos se, correspondentemente, ante ele, surgirão direitos, direitos pessoais, subjectivos, inerentes à individualidade e à cidadania. A prática demonstra que os direitos maioritariamente invocados são os dos jornalistas, que pretendem fazer valer o direito a informarem, mas pergunto-me se serão os únicos que o sistema jurídico tem de acolher.
Dado que se considera ser o bem jurídico objecto de tutela pela incriminação não só o bom e regular funcionamento da justiça, mas também, interesses legítimos individualizados, abre-se a porta para que se ponderem, uma a uma, a situação dessas pessoas que, declaradamente protegidos pela incriminação, haverão de ter direitos a contrapor ao cumprimento desse dever.
Está aqui o foco da presente comunicação, para a qual vale uma restrição de âmbito: estamos em sede de segredo de justiça em processo criminal (protegido pelo artigo 371º do Código Penal) e não contraordenacional (tutelado pelo artigo 58º do Regime Geral das Contraordenações). 
Permito-me ressaltar, já que de criminalização se fala neste encontro, o facto de ocorrer uma notável contradição entre a existência de uma norma incriminatória – o artigo 371º do Código Penal – e, como disse, completa impunidade de reiteradas e despudoradas violações ao segredo de justiça que ao conhecimento de todos chegam pelo quotidiano da comunicação social. E é por isso que, antecipando, concluo pela lógica da descriminalização para que o Direito Criminal conserve prestígio, abalado que é quotidianamente, e apoucado, pela impunidade do que proclama dever ser punido, mas, afinal, se torna numa espécie de criminalidade invisível, nunca revelada. O crime de violação de segredo de justiça tornou-se num crime secreto.»

Notícias à semana!


-» AC/programa de clemência: agora que tanto se fala sobre o tema da delação premiada, será interessante ter presente o denominado Programa de Clemência instituído pela Autoridade da Concorrência, com fundamento em lei e que pode ser visto aqui.

-» AR/morada única digital: o Decreto n.º 62/XIII da Assembleia da República autoriza o Governo a legislar no prazo de 180 dias sobre a matéria da criação de uma morada única digital, ou seja, um sistema de fidelização de endereço electrónico através do qual o cidadão pode ser notificado relativamente a certos actos oficiais.


A legislação em causa deve respeitar a seguinte extensão e sentido:

«No uso da autorização legislativa referida no artigo anterior, pode o Governo:


a) Estabelecer os termos, os meios e as condições em que as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, podem fidelizar um endereço eletrónico, que constitui a sua morada única digital;


b) Prever que a fidelização do endereço eletrónico, para efeitos de criação da morada única digital, bem como a adesão ao serviço público de notificações eletrónicas, são voluntárias para todas as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras;


c) Estabelecer que o endereço eletrónico a fidelizar é livremente escolhido pelos interessados em aderir ao serviço público de notificações eletrónicas;

d) Prever que a morada única digital equivale ao domicílio ou à sede das pessoas singulares e coletivas, respetivamente;

e) Estabelecer os termos e as condições em que as entidades públicas aderem voluntariamente ao envio de notificações eletrónicas através do sistema público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

f) Permitir que as entidades que legalmente sejam competentes para processar contraordenações e aplicar coimas ou sanções acessórias e que as entidades prestadoras de serviços públicos essenciais possam aderir ao envio de notificações através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

g) Estabelecer as regras de garantia, de segurança e de privacidade do sistema informático de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas, nomeadamente garantindo a comprovação da data e hora de disponibilização efetiva das notificações e o sistema de arquivo de notificações, bem como as regras aplicáveis à sua indisponibilidade;

h) Estabelecer o regime aplicável às vicissitudes do serviço público de notificações eletrónicas, incluindo as alterações à morada única digital e a possibilidade de livre cancelamento da adesão ao referido serviço;

i) Estabelecer o regime especial de envio e de perfeição das notificações eletrónicas administrativas remetidas através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

j) Para prever como domicílio fiscal a morada única digital e uniformizar o regime da perfeição das notificações e das citações fiscais e da segurança social, no sentido de as notificações enviadas através do serviço público de notificações eletrónicas e as citações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico se considerarem efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas na morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar ou a citar, respetivamente, proceder às alterações legislativas necessárias aos seguintes diplomas:

i) Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro;

ii) Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro;

iii) Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho;

iv) Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro;

v) Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro;

vi) Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, que cria as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, define as regras especiais daquele processo e adequa a organização e a competência dos tribunais administrativos e tributários;

vii) Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, que procede à regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro.»

-» OA/organização judiciária: O Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados vai realizar, no próximo dia 9 de Março, pelas 14:30, na Fundação Eng. António de Almeida, sita na Rua Tenente Valadim, 325, no Porto, uma conferência subordinada ao tema “Organização Judiciária: presente e futuro”. A abertura estará a cargo do Bastonário da Ordem dos Advogados, cabendo a moderação ao Dr. Paulo Pimenta, Presidente do Conselho Regional do Porto. Serão oradores: António Pedro Barbas Homem, Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa; Fernando Jorge, Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais; João Miguel Barros, Advogado; José Mouraz Lopes, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas; Rui Cardoso, Procurador Adjunto. Inscrição on line aqui.

-» Animais/estatuto jurídico: já tínhamos noticiado aqui a existência do projecto, resta agora chamar a atenção para o facto de já estar em forma de lei, a Lei n,º 8/2017, de 3 de Março, a ser consultada aqui.

-» TRL/sigilo profissional de advogado: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.02.2017 [relatora Cristina Branco, texto integral aqui] estatuiu que: 

«I – «Tanto o dever de sigilo que a lei substantiva prescreve como o direito ao sigilo que o direito processual reconhece, visam salvaguardar simultaneamente bens jurídicos de duas ordens distintas. A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões.»
II - Presentemente, é clara a prevalência da tutela da privacidade, bem jurídico pessoal, face ao bem jurídico supra-individual institucional, perante a previsão do art. 195.º do CP, sem prejuízo de os valores supra-individuais, que se «identificam com o prestígio e confiança em determinadas profissões e serviços, como condição do seu eficaz desempenho», aparecerem sempre incindivelmente associados à punição da violação do sigilo profissional, embora «com o estatuto de interesses (apenas) reflexa e mediatamente protegidos».
III - Estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta actividade profissional, podendo advir da violação desse dever de reserva, para além de responsabilidade criminal e civil, também consequências no plano estatutário e no plano processual.
IV – A eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um advogado, sendo violadora, para além do mais, do dever deontológico de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.
V - Não pode fazer-se apelo ao sigilo profissional para encobrir a eventual prática de actos ilícitos, de natureza criminal, por parte do mandatário, pois que, não constituindo acto próprio da advocacia, se mostra excluída da esfera de protecção da norma em causa (o art. 87.º da Lei n.º 15/2005, de 26-01, com as alterações do DL n.º 226/2008, de 20-11, e da Lei n.º 12/2010, de 25-06, e actualmente o art. 92.º da Lei n.º 145/2015, 09-09).»

Há um princípio segundo o qual, publicadas dado o seu interesse estritamente doutrinário, as decisões dos tribunais devem omitir qualquer menção que permita identificar o nome dos envolvidos na matéria sobre a qual se decide. De lamentar que, por lapso, há situações, como aqui, em que, verificando-se esse cuidado em certos excertos do decidido, o mesmo não se verifique ao longo do mesmo.

Código Criminal Pascoal José de Mello FreireCodigo criminal intentado pela Rainha D. Maria I / autor Pascoal José de Mello Freire [Segunda edição, castigada dos erros / corrector ... Francisco Freire de Mello. - Em Lisboa : Estampava no mez de Agosto o Typographo Simão Thaddeo Ferreira, 1823. - VIII, XIX, 144 p. ; 19 cm. - Inocêncio, 6, p. 350]. Pode ser lido on line aqui






Delação premiada: prós mas contras...



Foi ontem à noite no programa "Prós e Contras", na RTP-1, um debate sobre a delação premiada, em que me foi dado o ensejo de participar. [ver aqui]. Compreendo que a delação premiada sugestione os investigadores criminais, por criar a ilusão de uma mais rápida descoberta da verdade. Problema é quando leva à investigação da mentira. E problema também quando uma delação de aparente sucesso termina numa absolvição com evidente insucesso e a Justiça com isso se desprestigia. Tema difícil. A valerem os números do inquérito efectuado, a maioria dos auscultados querem delatores. Veremos se o Direito um dia não se arrepende antes os seus supostos "arrependidos".
Congratulo-me por todos os que tiveram o ensejo de polemizar em torno de um tema, difícil, seguramente mas relativamente ao qual se falou com a verdade da convicção. 

Vigilância electrónica


Este fim-de-semana, fazendo intervalo para o Notícias ao Domingo!, abro espaço para anunciar um livro cuja edição se efectuou, passe a publicidade, através da editora Labirinto de Letras, pela qual me responsabilizo. Trata-se de uma obra sobre a vigilância electrónica. Prossegue uma colecção dedicada a obras no domínio do Direito, visando a aculturação em torno do mesmo e dos problemas que se colocam a uma reflexão crítica sobre a Justiça.

Enquadrando o tema: A 2 de Janeiro de 2002, teve início a experiência da vigilância electrónica em Portugal. O número de 1.000 casos em simultâneo e o facto de terem passado pelo sistema quase 10.000 casos com uma taxa global de cumprimento de 95% revelam que as soluções penais com vigilância electrónica têm uma boa aceitação pelas forças actuantes no sistema de aplicação e execução de medidas criminais, pela comunidade e pelas vítimas de violência doméstica.
Este valor, e o facto de terem passado pelo sistema quase 10.000 casos com uma taxa global de cumprimento de 95%, revelam que as soluções penais com vigilância electrónica têm uma boa aceitação pela comunidade judiciária, pela sociedade civil e pelas vítimas de violência doméstica.
Escrito neste contexto, o livro reúne uma série de artigos sobre vigilância electrónica: um original e dez outros publicados em Portugal, Brasil, Chile e EUA, escritos – dois em co-autoria – a partir da experiência profissional do principal autora, Nuno Franco Caiado, enquanto responsável directo pelos serviços de VE, embora não se cinja a ela. Conta também duas preciosas colaborações: um artigo original do Professor André Lamas Leite, que escreve sobre a inserção da VE nas tendências do pensamento criminológico e da política criminal; e uma reflexão, igualmente original, do Professor Mike Nellis, o maior perito mundial sobre VE. Muito interessantes os textos de Teresa Lopes e Luís M. Correia. O prefácio é da responsabilidade de João Figueiredo, hoje juiz do Tribunal de Contas, mas que, entre outros, esteve associado aos primórdios da VE em Portugal enquanto Chefe de Gabinete do Ministro da Justiça Vera Jardim e, mais tarde, enquanto Presidente do Instituto de Reinserção Social.

Perante uma significativa assistência, a obra foi apresentada no Centro de Estudos Judiciários, a quem se agradece, por José Vera Jardim, que lembrou as vicissitudes do tempo em que a medida foi levada à prática, no tempo em que assumiu a responsabilidade pelo Ministério.

Como se escreveu no texto de apresentação: «Haverá disponibilidade para repensar a arquitectura do sistema punitivo e de criar um Direito conforme? Será excessivo atrevimento pensar a VE como um instrumento de ruptura com o dogma mental de grande expressão na tradição jurídica (em Portugal como nas várias escolas ocidentais) da liberdade versus cárcere? Na verdade, mesmo que a liberdade seja vigiada e controlada segundo níveis de supervisão consoante o risco, mesmo que haja diversos regimes de execução de penas e medidas na prisão, aquela dicotomia permanece como paradigma penal, obedecendo a um raciocínio binário simples que se encontra em profunda contradição com a complexidade do mundo actual.»
E, a citar as palavras de João Figueiredo, autor do texto do prefácio: «Introduzir a VE foi entrar, com alguma segurança é certo, em domínios do desconhecido. É assim com os projetos verdadeiramente inovadores: inova-se no presente, o que já é um feito, mas sobretudo abrem-se portas, por vezes inicialmente ignoradas, para o futuro. Assim os responsáveis tenham a visão e as capacidades necessárias, o queiram e criem as condições de concretização de novas etapas de desenvolvimento. O presente livro é um excelente contributo para a preparação de caminhos a seguir.»

Notícias ao Domingo!


O panorama internacional está a mudar a ritmo acelerado; não se sabe que conceitos nos esperam para os próximos tempos. Incerteza é termo que se multiplica nos meios de opinião, desde os políticos aos mercados, conjugado com outro seu irmão germano, o de volatilidade. Eis três tópicos do brave new world, para retomar uma designação que foi título de um interessante livro de Aldous Huxley, escrito em 1932 [e que deu, já agora, título a um álbum dos Iron Maiden em que uma das faixas se intitula, curiosamente, The Thin Line Between Love & Hate].


Primeiro, a ameaça do terrorismo. À sua conta multiplica-se a discussão em torno da correlação entre a política de imigração, a liberdade de circulação de pessoas e concessão de vistos com a prática de actos de cunho terrorista. Um dos pilares da União Europeia está, assim, em crise.
Se bem que nem todos quantos falam tenham presente uma definição do que seja terrorismo em sentido próprio - convocando a noção para qualquer acto violento criminalmente punível praticado por estrangeiro nomeadamente em função do país de origem ou da etnia - a verdade é que países que praticaram políticas liberais em matéria de abertura das suas fronteiras por razões humanitárias, começam a incrementar leis de favor à rápida deportação. O caso paradigmático é o da Alemanha. Neste país o parlamento [Bundestag, ver aqui o site, em francês] aprovou, aliás, na generalidade, em primeira leitura, no dia 17.02.2017 uma lei que permitirá a monitorização, através da vigilância electrónica, de suspeitos de terrorismo. [Veja-se a apresentação oficial do diploma aqui]; há, além disso, legislação em preparação quanto à agilização ao regime da expulsão de não documentados.
Paralelamente surgiu toda uma retórica agressiva, actualmente vociferada a partir dos EUA, no sentido da pura e simples proibição de entrada a cidadãos oriundos de certos países. Se bem que rejeitada judicialmente, a sua tradução em norma [ver a primitiva decisão judicial e a proferida pela Court of Appeals, aqui e aqui], a mesma vai ser reiterada pelo POFUS [designativo interessante sob o qual passou a ser generalizadamente conhecido o "President of the United States", sendo a Primeira Dama designada, oficialmente diga-se, como a FLOFUS, "First Lady of the United States"] e, admite-se, se poderá ser revista em termos de contornar as dificuldades que o primitiva directiva encontrou, abrangerá provavelmente os mesmos país originariamente previstos, Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen

Já agora um apelo à precisão: aquilo de que se tratou, ao contrário do que muitos supuseram, não foi de uma "lei" firmada pelo POFUS sim de uma "executive order", figura não prevista na Constituição americana, mas que equivale a uma directiva presidencial aos competentes órgãos federais no sentido de agirem em conformidade, a nível legislativo, se necessário. Ver aqui a lista oficial das EO's e veja-se o teor e sobretudo o âmbito de aplicação das mesmas, paradigmático de uma preocupação obsessiva com matéria de criminalidade, nomeadamente internacional organizada, segurança, circulação de pessoas. 
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Segundo, a da equação poder político-social/poder judicial. Países como o Brasil ou a Coreia do Sul, são exemplo de um domínio completo da cena social pelo poder judicial, através de decisões de prisão de altas figuras do poder, político no primeiro caso, empresarial no segundo. Só para falar no mais recente, às prisões proferidas no âmbito da cognominada Operação Lava Jato, sucede-se a do Vice-Presidente da Samsung no próprio país de origem e residência, tratando-se esta de uma das mais poderosas empresas na área das telecomunicações. Em Espanha a situação tornou-se análoga. Excepção sintomática, pelo inexplicado, a da condenação da Senhora Lagarde [por actos praticados enquanto ministra das Finanças de França] e a sua manutenção à frente do FMI. No panorama europeu, e num outro registo, a coincidência de investigações judiciais com candidaturas dos investigados a cargos de relevo continua a fazer gerar a dúvida sobre o acaso dessa ocorrência. A França, em eleições, é um dos mais recentes exemplos. O tema do "governo de juízes" não abandona, assim, a agenda da discussão pública.
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Em penúltimo lugar, a nível da regulação económico-financeira. Se bem que as autoridades de regulação e supervisão tenham vindo a multiplicar, a nível internacional, as suas expedições punitivas sobre entidades que pareciam insuspeitas de más práticas, aplicando sanções pecuniárias elevadíssimas [Rolls-Royce, VW, DB, etc, para mencionar apenas algumas das mais mediáticas], e se bem que, também, e tenham vindo a multiplicar a generosidade do pagamento aos delatores, também com origem nos Estados Unidos, assiste-se também a um primeiro sinal de que a desregulação, proclamada pelo actual Presidente durante a sua campanha eleitoral, pode vir a tornar-se lei, visando concretamente este o Dodd-Frank Act, que desde 2010 e na sequência da crise de 2008, disciplina  o sistema financeiro, visando a protecção dos consumidores. 

Ver a executive order contra o Dodd-Frank Act, firmada a 03.02.1017, aqui.

Entre nós, o Parlamento aprovou, na sessão da pertinente Comissão, no dia 15, uma alteração ao regime sancionatório dos valores mobiliários, criminalizando, nomeadamente, a prestação da informação falsa. Ver aqui.
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Finalmente, há a questão da delação, nas múltiplas facetas que pode assumir. Assistimos actualmente, ao sucesso de investigações criminais a partir de delações, incluindo as que são premiadas a nível da sentença ou do regime prisional e também ao êxito da actividade das entidade reguladoras norte-americanas, através de um programa especial de remuneração dos "tocadores de apito", os whistleblowers [ver aqui], ou "lanceurs d'alerte", como, com mais pudor, são designados na terminologia francófona. O sistema é complementado, no primeiro caso, com a repressão das entidades empregadoras, que estabeleçam cláusulas que limitem os seus empregados, ou ex-empregados, a denunciarem, ainda que remuneradamente, aquilo de que tiveram conhecimento durante o exercício das funções, possibilitando-lhes assim este sistema sancionatório que à indemnização pela cessação do contrato ou pensão de reforma somem o bónus complementar [veja-se o tipo de valores, aqui] da traição ante aquilo com que conviveram até ali, silenciosos. 
Verificamos que o modelo está a seduzir os nossos meios judiciários, como o atestam tomadas públicas de posição por parte do director do DCIAP e do mais antigo juiz do TCIC [através de intervenções na comunicação social], se bem que muito mais cautelosa haja sido, na matéria, a posição da ministra da Justiça que apenas se reportou ao interesse do debate, se bem que, enquanto Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, tenha a 13.01.2012 emitido indicações aos magistrados sob a sua supervisão, instruções no sentido de favorecerem o modelo então em debate, relativo a "acordos sobre a sentença" [a ver aqui].

Sintomático: está a organizar-se em alguns países, entre todos no Brasil, uma advocacia criminal especializada neste paradigma [por mera curiosidade, ver aqui], a qual alega, para se justificar, que se trata, afinal, da prestação do melhor serviço profissional aos seus clientes, e que a delação, ainda que paga, é um direito dos arguidos


Notícias à semana!


-» TRC/escusa de juiz: com data de 25.01.2017, o Acórdão da Relação de Coimbra [relator Jorge França, texto integral aqui] sentenciou que: «I - Só em situações limite, tendo na sua génese motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de juiz, é justificada a escusa de intervenção daquele em processo judicial. II - A relação de afinidade (cunhados) - provinda de elo parental (irmãos) existente entre o advogado do assistente/demandante civil e a esposa do juiz -, sem mais, não determina a concessão do pedido de escusa

Se bem que no plano da análise crítica da factualidade relevante, é de citar este excerto do acórdão:«Entre o Ex.mo Juiz e o referido ilustre advogado existe uma relação de afinidade, dado o parentesco existente entre este último e a esposa do primeiro, que são irmãos. Sem descurar os laços de amizade e convívio que, com certeza, haverá entre ambos, dadas essas relações familiares, estamos perante duas pessoas diferentes, com responsabilidades profissionais diferentes, que, no exercício das respectivas funções processuais têm atribuições muito distintas. Mas, essencialmente, o Sr. juiz não aponta qualquer ligação pessoal, de conhecimento, amizade, convívio ou outro, com o assistente ou com a demandante civil, de onde se possa concluir que a sua independência funcional ou a sua imparcialidade possam ser vistas por terceiros como estando em causa. Cremos que no presente caso estão reunidas todas as condições para que o Sr. Juiz exerça o seu munus de uma forma independente e imparcial, tanto mais que as decisões a tomar em julgamento não serão singulares, apenas suas, mas colectivas, resultantes da intervenção do tribunal colectivo. Mau seria que em situações da natureza da presente fossem desde logo criadas suspeitas sobre a imparcialidade do Juiz. »

-» TRE/abuso de confiança fiscal: o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.01.2017 [relator António João Latas, texto integral aqui] determinou que: «I - Contrariamente à obrigação fiscal de entrega das quantias correspondentes a IVA liquidado e não dedutível, o preenchimento do tipo legal de Abuso de confiança fiscal p. e p. pelos nºs 1 e 2 do art. 105.º do RGIT, por falta de entrega de IVA liquidado, depende do efetivo recebimento de prestação tributária de valor superior a € 7.500 relativa a quantias derivadas do Imposto sobre o Valor Acrescentado em relação às quais haja obrigação de liquidação, e que tenham sido liquidadas (cfr. AFJ do STJ nº 8/2015), até à data de entrega de tais quantias, juntamente com a declaração periódica a que se reportam os arts 29.º e 41.º, do CIVA.»

Para fundamentar o decidido o aresto considerou: «Em primeiro lugar, importa ter em conta que a factualidade julgada provada nos autos integra os elementos constitutivos de um crime de Abuso de Confiança Fiscal previsto pelos nºs 1 e 2 do art. 105º do RGIT e não unicamente pelo seu nº1, o que tem implicações ao nível do preenchimento típico e punibilidade da conduta aqui em causa, que depende do efetivo recebimento da prestação de IVA liquidada e não entregue. Na verdade, conforme entendimento que seguíamos e que foi afirmado pelo AFJ do STJ nº 8/2015, “A omissão de entrega total ou parcial, à administração tributária de prestação tributária de valor superior a € 7.500 relativa a quantias derivadas do Imposto sobre o Valor Acrescentado em relação às quais haja obrigação de liquidação, e que tenham sido liquidadas, só́ integra o tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal, previsto no artigo 105 n.º 1 e 2 do RGIT, se o agente as tiver, efectivamente, recebido.” Em segundo lugar, quanto ao momento até ao qual deve ter ocorrido o recebimento do IVA em causa, torna-se imprescindível saber qual o valor da quantia devida a título de IVA por faturação emitida em cada um dos trimestres, que o arguido efetivamente recebeu até ao 15.º dia do 2º mês seguinte àquele a que disserem respeito as operações respetivas (cfr. artigos 27.º e 41º, n.º1, alínea b), do CIVA). Com efeito, tanto a entrega das declarações relativas ao IVA, como a entrega do imposto devido, devem ser feitas até aquele momento, visto que em face do disposto no art. 105º nº2 do RGIT é também esse o momento até ao qual deve ter-se verificado o recebimento do imposto a entregar para que possa considerar-se preenchido o respetivo tipo de ilícito, pois, como vimos, o recebimento das quantias em causa é elemento do tipo legal de crime e não mera condição de punibilidade – cfr fundamentação mais desenvolvida, entre outros, no Ac RG de 22.04.2013 (relator-Cruz Bucho), Ac TRE de 26.11.2013 (relator, A. Latas), e Ac TRE de 25.03.2014, relator Carlos Jorge Berguete, ora adjunto), todos acessíveis em www.dgsi.pt).
-» AR/IEFP/recibos verdes "falsos": soará a insólito o termo "falsos" em relação à "regularização" dos recibos "verdes" existentes no IEFP, IP, como a Assembleia da República sugere ao Governo, através da Resolução n.º 26/2017, de 26 de Janeiro, que se pode ler aqui. É que serem falsos no sentido técnico do termo estaríamos a falar de uma "amnistia" recomendada.

-» CEJ/Sociedade decente/conferência: já não é o Estado de Direito democrático, nem uma sociedade justa e plural, os tempos reclamam que se fale numa «sociedade decente», aquele mínimo ético que é afinal título de uma conferência, a proferir no Centro de Estudos Judiciários no próximo dia 15 de Fevereiro, pelas 18:15, como se anuncia aqui.

-» Dicionário jurídico espanhol: com a devida vénia ao sempre actualizado blog jurídico, onde colhemos a notícia, eis aqui a ligação para os interessado no Dicionário Espanhol de termos jurídicos.

-» CMVM/BdP/segredo de supervisão: a propósito de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a CMVM emitiu comunicado de que se extracta o seguinte: «O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu a 17 de janeiro de 2017 o levantamento do segredo de supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em relação a um vasto conjunto de informação constante de requerimento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Caixa Geral de Depósitos (CGD). A CMVM não foi ouvida pelo Tribunal da Relação de Lisboa antes de proferida a referida decisão, que reveste especial significado e importância no quadro da regulação e da supervisão do sistema financeiro, nomeadamente por se tratar da primeira decisão dos tribunais nacionais sobre o tema do segredo de supervisão perante as comissões parlamentares de inquérito, pelo que, nesta data, solicitou ao Tribunal que lhe seja reconhecido o direito de ser ouvida no processo. Este pedido foi hoje apresentado através dos meios processuais adequados e, sendo aceite (...)». Texto integral idêntico aqui e aqui.

-» BdP/produtividade de justiça cível: centrado embora sobre a justiça cível, o Banco de Portugal elaborou um estudo, da autoria de Manuel Coutinho Pereira e Lara Wemans, sobre a respectiva produtividade entre 1993/2013 [cobrindo o período de vigência do "mapa judiciário"]. O vídeo de apresentação pode ser visto aqui e o texto lido, no último número da Revista de Estudos Económicos daquela instituição, aqui.

Notícias ao Domingo!


Manda a honradez que diga: seja eutanásia, seja morte assistida, tudo quanto seja a vontade de uma pessoa sobre a sua própria sobrevivência ou a vontade de outros, subrogando-se à do próprio, encontra em mim um fundo reflexo de rejeição.
Poderia ser religiosa essa recusa, assim eu tivesse religião de que me reconhecesse fiel; ou ideológica, assim houvesse estrutura político a que pertencesse; ou filosófica, fosse membro de agrupamento com tal natureza. Não é. Trata-se da expressão existencial, diria, de uma reflexão pessoal e íntima. É um problema de mim comigo mesmo.
Não é, porém, resultado de individualismo; antes pelo contrário, exprimo o que verifico ser tanto da sociedade concreta em que estamos.
Primeiro, um princípio que não consigo ultrapassar: a nossa vida não nos pertence. O próprio verbo pertencer com a carga possessória que arrasta, é alheio e ofensivo àquilo de que estamos falando: o ser humano é insuceptível de apropriação, à liberdade junta-se, como sua essência, a dignidade que o impede.
Não tendo o amparo transcendental de um Ser que seja da vida origem e destino, julgo, no entanto, que, sem que tantas vezes tenhamos disso consciência, a nossa vida faz sentido para quantos nesta Terra nos tomam como amparo e referência, aqueles para quem somos arrimo, os outros que a nosso lado comungam da mesma luta pela sobrevivência e por ideais que tentem garantir um melhor mundo. Só quem não viveu a dor solitária e anónima de alguém a quem a ausência de outrem é vazio e desespero relegará este princípio para a categoria das secundárias circunstâncias da pieguice.
Segundo, vivemos a tragédia de um mundo em que no interior de tantas famílias se semeou a violência e a agressão, o egoísmo e a cupidez, famílias em que, na hora da herança a dividir-se, mostram os dentes da sua verdadeira natureza feroz, famílias para quem os velhos e os doentes são um fardo insuportável ou um tempo inútil até à abertura sucessória.
Mais: vivemos uma circunstância histórica em que a vivência doméstica se faz, para tantos milhares, em casulos raquíticos onde se acumulam, em sobreposição explosiva, a geração antecedente e a subsequente, em promiscuidade, sobrecarga de encargos, ante a penúria de meios, somando ressentimentos e alienações.
Como não pensar que, para esses amaldiçoados pela carência, o doente terminal não esteja para além dos limites da suportabilidade e uma janela que a lei abra possa surgir como uma forma, cruel que seja, dolorosa mesmo para a própria consciência, de libertação?
Não só nas famílias, porém. Temos hospitais sobrelotados de doentes e a urdir-se, uma lógica que campeia em certa doutrina administrativa em que se pondera, como vector da racionalidade gestionária do sistema, o custo doente/cama ocupada/expectativa de sobrevivência.
Como não temer que, nesta perspectiva mercantilista das coisas surja quem, em pura aritmética, sobrepese o encargo público dos casos perdidos e onerosos, face à possibilidade de alocar meios aos que, em selecção dos mais aptos, ainda possam ser convenientemente assistidos?
E não digam que há fantásticas famílias e notáveis profissionais de saúde, estóicos, dedicados, jogando amor e esforço para além de todos os limites e vencidas as exigíveis obrigações. Sei que sim, mas não é por esses que os demais deixam de existir. E, em verdade, sabemos que existem, uns e outros.
Enfim, há, seguramente, a dor, a doença que martiriza o corpo e rasga de comoção a sensibilidade de quantos a isso assistem. Convocar-se-ão aqui os argumentos dos bons sentimentos, a alegação de que uma morte moralmente higiénica gera a assepsia nos remorsos possíveis. E se medicamente legitimada, se desejada pelo próprio ou por alguém por si, se confirmada a vontade, o que haveria então a barrar o caminho a esse abreviar do fim, condenados que estamos, afinal, todos, a ir deste local transitório onde ganhámos forma humana pela vida que nos deram?
É este o ponto nevrálgico do problema. À moral sacrificial, em que se assume o destino, cruel que seja, até ao último alento, sucedeu hoje o hedonismo pelo qual, breve que é, e passageira, a vida é para ser gozada e, triunfo do reino da quantidade, quanto mais, melhor.
Como pedir aos que carregam já a sua carga de responsabilidade e de traumas que coexistam com mais este esforço derradeiro e garantam a uma vida a escoar-se a naturalidade de finar-se no momento em que tiver de ser, sem mão humana que corte do fio invisível o laço que a sustenta?
Chegado aos 67 anos já vi a morte nos olhos. Sobrevivo, tendo visto morrer. Por nada deste mundo desejaria ter de decidir. Chamaria a mim a dor terminal alheia para não ter que sofrer a dor de a suprimir, eliminando a vida dolorosa.
Sei que vem aí um projecto legislativo sobre a matéria pelo qual a morte voluntária passa a ser possível. Sei que quanto escrevi tem pouco de jurídico, no sentido esquálido e descarnado a que o positivismo reduziu o Direito. Tenta, porém, em apelo vindo das entranhas de mim, ser o que de humano o Direito tem de supor ou eu, sem isso, não o entendo.

EUA: três pilares do compliance financeiro


Disseminam-se as menções à evolução da advocacia preventiva no quadro das exigências de compliance - já presentes no sector bancário no quadro da obrigação de controlo interno. No contexto do sistema norte-americano e com a ressalva de que incerteza que reina em torno do mesmo pode levar a alterações à sua estrutura, eis três dos seus pilares fundamentais: o Oxley-Sarbanes Act, o Dodd-Frank Act e o Whistleblower's Program.

* Oxley-Sarbanes Act, 2002: respeitante à actividade financeira e à governance das empresas. Foi aprovada na sequência de escândalo financeiros como os que envolveram as companhias Enron, Worldcom, Tyco International. A lei está dividida em onze secções das quais as mais importantes, no que ao compliance respeita, são as 302, 401, 404, 409, 802, 906. Ver um guia para a lei aqui. Aplica-se às empresas dos EUA ou que tenham equity ou debt securities registadas na Securities and Exchange Commission (SEC).

* Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, 2010: ver o texto e documentos complementares aqui. Aprovada na sequência da crise dos mercados de 2008, regula o mercado financeiro e visa a protecção dos consumidores. Cobre dezasseis áreas principais e tem centenas de páginas de texto.

* Incitamento à denúncia: no quadro desta legislação vigora o whistleblower program [aqui], e mais recentemente leis visando prevenir e reprimir a retaliação das empresas quanto aos denunciantes. [whistleblower retaliation laws, aqui].

Vigilância electrónica


No plano da reorganização da editora Labirinto de Letras, pela qual me responsabilizo, a mesma consolidará uma linha editorial no sentido da publicação de livros no domínio jurídico. Livros técnicos, por um lado, para os que fazem do Direito profissão, livros também orientados a fomentar a aculturação dos juristas com temáticas que com o Direito convergem, que sirvam para libertar o jurista do positivismo legalista e lhe facultem horizontes do sistema social, do contexto histórico e do enquadramento antropológico, sem os quais as leis não ganham compreensão nem legitimidade.

Está na tipografia e terá apresentação ainda este mês, pelas 18:00 do dia 22 de Fevereiro, no Centro de Estudos Judiciários, o livro Vigilância Electrónica o qual reúne uma série de dez artigos sobre vigilância electrónica (VE). Uma selecção de oito textos publicados em Portugal, no Brasil, no Chile e nos EUA e escritos – dois em coautoria – a partir da experiência pro fissional de Nuno Franco Caiado enquanto responsável directo pelos serviços de VE. Somam-se duas colaborações: um artigo original de André Lamas Leite, penalista português, recentemente doutorado, que se debruça sobre a inserção da VE nas tendências do pensamento criminológico e da política criminal, e uma re flexão, igualmente original, de Mike Nellis, o maior perito mundial em VE. O prefácio é da responsabilidade de João Figueiredo, hoje membro do Tribunal de Contas Europeu, mas que esteve associado aos primórdios da VE em Portugal enquanto Chefe de Gabinete do ministro da Justiça Vera Jardim e, mais tarde, enquanto presidente do Instituto de Reinserção Social.

Eis o índice da obra:

* Prefácio

* Imaginar a Vigilância Electrónica como uma prática penal progressiva

* Algumas observações e propostas sobre a Vigilância Electrónica em Portugal

* A Vigilância Electrónica em Portugal - contributos para a História do primeiro ciclo da Vigilância
Electrónica (2002-2005)

* Compreender a Vigilância Electrónica na jurisdição penal

* Por uma nova arquitectura conceptual da execução das penas: a Vigilância Electrónica e a criação de um território punitivo intermédio

* Inovar a execução das penas – a associação da Vigilância Electrónica a novas formas de prisão domiciliária e de execução da liberdade condicional

* Eis o Futuro: Vigilância Electrónica por geo-localização para a fiscalização da proibição de contactos no âmbito do crime de violência doméstica

* Vigilância Electrónica e Ética

* Vigilância Electrónica e Prova - Estudo de um caso e algumas reflexões

* The Third Way: an agenda for electronic monitoring in the next decade

* Referências legislativas em Portugal

* Bibliografia recomendada

Notícias ao Domingo!


O tema de reflexão deste Domingo incide sobre a tendência que se está a desenhar para a responsabilização penal das pessoas colectivas. A imprensa económica internacional está repleta de casos exemplares. Há normativos em preparação. A nossa História a este propósito é muito significativa dos critérios que têm presidido.

1. Olhando para como tem sido no nosso Direito Penal, primeiro foi em meados da década de oitenta as primeiras tentativas de responsabilização das pessoas colectivas. Paradigmático o que sucedeu em termos de infrações de cariz económico ou contra a saúde pública com o Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro [ver aqui]. Sobre cuja validade, já agora, há algo a dizer.

2. Trata-se - pois ainda vigora - de um diploma que foi não só publicado na folha oficial como promulgado e referendado para além do prazo concedido ao Governo para legislar, no uso da autorização legislativa conferida pelos artigos 1.º, alínea a), 2.º e 4.º, alínea a), da Lei n.º 12/83, de 24 de Agosto, mas cuja inconstitucionalidade orgânica foi salva pelo Tribunal Constitucional com o argumento segundo o qual ... tanto a promulgação como a referenda não fazem parte do processo legislativa, mas são actos puramente políticos! Na altura estava em causa a aplicabilidade do texto legal em causa a processos sobre fraudes aos subsídios concedidos ao abrigo dos fundos comunitários. Quem suscitou a questão a propósito de um processo concreto não poderia ter ilusões. O argumento da inconstitucionalidade não poderia ser acolhido, pois haveria que o salvar, arranjando "Direito" para o caso, o que sucedeu, com base no argumento segundo o qual, aprovado apenas em Conselho de Ministros dentro do prazo, o diploma não era "nado morto".

3. Depois foi a circunstância de esse diploma prever a responsabilidade penal das pessoas colectivas por crimes nele previstos numa lógica de sucessão, sem embargos de normas específicas como a prevista no artigo 7º do RGIT [e outras]. As pessoas colectivas respondem por causa das condutas das pessoas singulares que as responsabilizem.

Veja-se o artigo 3º do citado Decreto-Lei:

«1 - As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo.
«2 - A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
«3 - A responsabilidade das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o n.º 3 do artigo anterior

Ora desde a Revolução Francesa que a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível e isso está previsto na nossa Constituição e reiterado no Código Penal. Também aqui o Tribunal Constitucional salvou a situação.

4. Além disso, a nível geral, tratava-se de consagrar uma responsabilidade penal sem culpa, pois só podem agir com culpa as pessoas singulares. Mas também aqui a jurisprudência constitucional salvou o diploma.

5. Enfim, foi a consagração de uma norma específica, de cunho geral, no Código Penal a consagrar
os termos em que ocorre a responsabilidade penal das pessoas colectivas.

Eis o artigo 11º do referido Código:

«1 - Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.
«2 - As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285,º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos: 

a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. 

«3 - (Revogado.)
«4 - Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade.
«5 - Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto.
«6 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
«7 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.
«8 - A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime:
a) A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e
b) As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão.
«9 - Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes: 

a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa;
b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou
c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. 

«10 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.
«11 - Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados. »

6. Tanto num caso como em outro, sucedem duas realidades perversas mas a que o sistema fica indiferente: primeiro, a incerteza quanto a quem pode representar a pessoa colectiva, matéria sobre a qual reinou diversidade de critérios jurisprudenciais; depois, a estigmatização dos que, nomeadamente se actuais administradores daquela, ficam adstritos a sentarem-se no "banco dos réus" ao lado daqueles que, pelos seus actos, levam a pessoa colectiva a ser responsabilizada no foro criminal e isto sem que a opinião pública distinga quem são uns e quem são outros, estigmatizando injustamente os novos em função dos antigos, e mais sucedendo que, amiúde, a nova administração está em funções precisamente para que se assuma a nível da pessoa colectiva uma nova filosofia de acção conforme ao Direito e em completa divergência com o que decorrera da transacta administração, agora a ser julgada pelos seus actos.

7. Novos tempos se avizinham no plano da responsabilização. Olhando para o panorama da legislação em preparação e para a prática que, oriunda dos EUA, começa a ser comum na Europa, um novo cenário está em marcha: já não se investigam casos pontuais de pessoas singulares por causa dos quais se responsabilizam pessoas colectivas; agora, a partir de uns casos pontuais, abrem-se investigações a pessoas colectivas, e delas passa-se para a responsabilização das pessoas individuais que possam estar envolvidas. Ou melhor dizendo: investigadas as pessoas colectivas a partir de uma amostra de casos individuais, transaciona-se com elas pesadíssimas sanções pecuniárias e daí parte-se para a responsabilização individual das pessoas que as tenham administrado. Primeiro ganha a Fazenda o valor da "pena negociada", a seguir trata-se de tentar uma outra punição. Não é indiferente serem as pessoas colectivas, nomeadamente se empresas, significativamente mais abonadas para suportarem o valor das penas pelas quais se libertam de ulteriores procedimentos.

Notícias à semana!


-» AR/corrupção desportiva: o projeto de Lei 365/XIII, subscrito pelo grupo parlamentar do CDS-PP «procede à segunda alteração à Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, alterada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril, consagrando medidas legislativas que visam reforçar a eficácia do combate à corrupção desportiva». O texto pode ser consultado aqui. Já o projeto de Lei 355/XIII, oriundo do grupo parlamentar do PSD, determina o «regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva» e pode ser encontrado aqui.

-» AR/advogados/honorários: o projeto de Lei 374/XIII, subscrito pelo grupo parlamentar do PCP «determina a atualização anual dos honorários dos serviços jurídicos prestados pelos advogados no âmbito do apoio judiciário (2.ª alteração à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho)». Ver o texto respectivo aqui.

-» PR/pareceres jurídicos e indultos: o arquivo da Secretaria-Geral da Presidência da República contendo os pareceres jurídicos atinentes a diplomas sujeitos à promulgação do Chefe do Estado encontra-se aqui. O respeitante a indultos, aqui.

-» CSM/acta: a acta da reunião plenária do Conselho Superior da Magistratura ocorrida a 20.12.2016 pode ser lida aqui. «Foi designado o próximo dia24 de Janeiro de2017, pelas 10:30 horas, para a realização da próxima sessão do Plenário Ordinário e, o dia 7 de Fevereiro de 20'17, pelas 10:30 horas, para a realização da próxima sessão do Conselho Permanente»

-» PGR/CSMP/acta: a acta respeitante à reunião do plenário do Conselho Superior do Ministério Público ocorrida a 11.01.2017 encontra-se aqui.

-» PdJ: o Boletim n.º 2, referentes às actividades levadas a cabo em Novembro e Dezembro pelo Provedor de Justiça pode ser lido aqui.

-» OA/Loulé/conferência/tradução: a Delegação de Loulé organiza, com colaboração com a Fair Trails, a conferência "Interpretação e tradução dos actos Processuais no processo Penal", que decorrerá no próximo dia 26 de Janeiro, pelas 15h00, na Assembleia Municipal de Loulé. São oradores: Ralph Bunche, Director Regional da Fair Trails, Vânia Costa Ramos, Advogada e Presidente do Fórum Penal – Associação de Advogados Penalistas, e Olga. S. Caleira, Procuradora da República no DIAP de Portimão. Mais informações aqui. [sobre o Forum Penal ver aqui].

Notícias ao Domingo!


Tornado crónica, o notícias ao Domingo assume a partir de hoje de modo mais explícito essa sua natureza. Dirão, superficial; direi: para melhor fazer pensar sobre coisas mais densas. Uma boa semana para todas.

A ideia de que o Direito está em tudo resulta da ambição totalitária deste em não deixar aspecto algum da vida social por regular mas também, subjectivamente, do facto e, ao ser-se jurista, encontrar-se amiúde no menos esperado local uma circunstância que permite pensar o ângulo legal da mesma.
Às vezes isso sucede no sentido mais óbvio.
Por razões que resultam da profissão tenho assinatura do Financial Times. Mas por motivos que já entram no âmago pessoal compro ao Sábado a sua edição de fim-de-semana, impressa. E aí que li, o que é - insondáveis razões - o que leio em primeiro lugar, a crónica do sardónico Sir David Tang, um dandy chinês que, no seu estilo mordaz e desdenhoso, é festejado o "agony uncle" do jornal [clarificando, se necessário, o agony uncle é, na imprensa inglesa, aquele que escreve respostas às cartas dos leitores que solicitam conselho ou opinião]. Controverso, amigo de Fidel Castro mas de tantos outros da nomenclatura conservadora, é uma referência para questões de etiqueta, tema sobre o qual editou recentemente um livro. Leva a ousadia ao ponto de aconselhar a que nos restaurantes, mesmo de primeira categoria, se peça para levar a comida que se não consome, arrasando ao mesmo tempo a tirania arrogante dos chefs cozinheiros ante a sua servil clientela.
A circunstância de ler o jornal transporta-me para uma questão que pomposamente diria ser de epistemologia, a de constatar que este género de imprensa, que de destina aos que estão no mundo económico e no das finanças, não se pode dar ao luxo de publicar notícias que agradem ao ego ideológico dos seus leitores, mas sim factos que relevam para quem a irrealidade das situações pode trazer grave prejuízo patrimonial e têm de estar informado com o maior rigor possível sobre o que se passa no mundo em que operam.
O ter lido a crónica do David Tang fez-me tropeçar numa pergunta de quem, lembrando que uma sua amiga fora multada em 350 francos suíços [cerca de 326 euros] por ter o seu cão urinado na rua, lhe perguntava qual a sua reacção. Descontando o teor mordaz da resposta - «como amigo de cães gostaria de ser cão  na Suíça» - subsiste a questão de nos perguntarmos até que ponto não haverá aqui uma desproporção do Direito Punitivo face às exigências de punição - e mesmo de prevenção - que no caso se façam sentir; e, num segundo registo, em que medida é que pode ser punido alguém por um comportamento de que pura e simplesmente não deterá o domínio, certo que é que o cão não dialoga com o seu dono pedindo para ser levado a um mictório pelo que este naturalmente pode ser surpreendido pelo acto, que não conseguiu evitar, face ao qual irá sofrer as consequências punitivas.
O Direito mictório canino não é, no entanto, tão invulgar nesta sua prescrição. A regra da responsabilidade civil pela guarda de animais está estabelecida; aqui o que é digno que reparo é o facto de estarmos ante situações que ultrapassam as exigências inerentes à guarda. Ao limite o que o sistema pressupõe é a preferência pelo encarceramento forma de evitar estas incontinências tidas por prejudiciais à saúde pública. Mas uma coisa é certa: para garantir réditos, é fácil a punição objectiva, prescindindo da culpa. E nisso o insólito do caso torna-se afinal na vulgaridade em que está a cair o Direito. Pior: aqui, mesmo sem culpa e até sem causalidade adequada.

Notícias à semana!


-» UE/Comissão/proposta sobre regras relativas à privacidade e protecção de dados: no que se refere às comunicações electrónicas a Comissão da UE acaba de divulgar uma proposta de texto para discussão. O seu teor pode ser lido aqui, num resumo e lido na íntegra aqui.

-» EUA/FINRA/carta de 2017: o organismo privado FINRA [ver aqui] que nos Estados Unidos da América visa assegurar a protecção do investidor e a integridade do mercado, divulgou um relatório [ver aqui] sobre as suas prioridades de acção, que funciona simultânea como um alerta proactiva relativamente às companhias e respectivos organismos de compliance.

-» AR/diplomas aprovados: são estes os últimos decretos aprovados pela Assembleia da República [quanto aos que se encontram pendentes em Comissão, ver aqui]:

Decreto da Assembleia 60/XIII XIII 2 Estabelece o regime de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil, alterando o Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, e o Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho
Decreto da Assembleia 59/XIII XIII 2 Estabelece o regime jurídico da realização de testes, exames médicos e outros meios apropriados aos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional, com vista à deteção do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e do consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e de produtos análogos e procede à primeira alteração ao Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 3/2014, de 9 de janeiro

-» Acórdão do TC/poderes da CMVM: o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 360/2016, de 08.06.2016 [relatora Ana Guerra Martins, texto integral publicado agora na folha oficial aqui quando já está no site do TC há longo tempo aqui], decidiu: «a) julgar não inconstitucional a interpretação normativa retirada dos artigos 383.º a 386.º do CVM, com o sentido de permitir "que, obtido o conhecimento de factos suscetíveis de ser qualificados como crimes contra o mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros, sem que para tal esteja mandatada pelo Ministério Público, a CMVM possa instaurar e promover um processo de averiguações para apurar a possível existência, da notícia de um crime, sem qualquer limitação temporal, e à revelia de um processo formalmente organizado";
b) julgar não inconstitucional a interpretação normativa retirada dos artigos 116.º e 120.º do RGICSF, 361.º do CVM, 41.º e 54.º do RGCO, e 126.º e 261.º do CPP, com o sentido de que, "após notícia do ilícito, os Reguladores podem intimar os supervisionados visados a fornecer documentação, sob cominação de sanção por incumprimento do dever de colaboração, fora do quadro de um processo sancionatório formalmente organizado, podendo essa documentação assim obtida, ser utilizada como prova contra o visado/Arguido e/ou outros, em processos sancionatórios futuros"»

-» Autoridade da Concorrência/prioridades: a Autoridade da Concorrência divulgou o relatório onde consigna as suas prioridades para 2017. Ver aqui. «A AdC irá promover o combate aos cartéis, independentemente do tipo ou forma concretos de acordo, do mercado em causa ou da dimensão das empresas, dando particular atenção a situações de concertação na contratação pública, mas também a acordos que afetem de forma mais direta e imediata os consumidores finais», é uma das afirmações dessa relatório.

-» DGSP/site: o site continua em reestruturação [ver aqui]. À atenção de quem de Direito!

-» Banco de Portugal/BO/Código de conduta: o Boletim Oficial do Banco de Portugal correspondente ao mês de Dezembro de 2016 publica o Código de Conduta dos seus trabalhadores. Ver aqui.

-» Acórdão do TRG/carta rogatória/prova documental: o Acórdão da Relação de Guimarães de 21.12.2016 [relatora Ausenda Gonçalves, texto integral aqui] ao apreciar se o produto de uma carta rogatória integraria o conceito de prova documental decidiu: « I- No caso vertente, na fase de julgamento, foi determinada a inquirição de testemunhas (residentes na Suíça), através de cartas rogatórias, as quais, constituindo modalidade de comunicação entre vários países, corporizam a prática de actos realizados no estrangeiro [art. 111º, 3, alínea b), do CPP], cuja legalidade resulta do conjunto dos arts. 229º, 230º e 318º, do CPP. II - Ainda que um documento incluído num processo seja uma prova de cujo conteúdo as partes têm conhecimento e que se considera produzida em audiência e submetida ao contraditório sem necessidade de ser lida para valer em julgamento, neste caso, as mencionadas cartas rogatórias, para o efeito que ora nos ocupa, não podem ser adquiridas como “documento”, no sentido de um «objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto» (art. 362º do CC), ou «declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal» (art. 164º, nº 1, do CPP), antes encerram depoimentos testemunhais que, como quaisquer outras provas, nos termos do art. 355º do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, se não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvadas as provas contidas em actos do processo cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos 356º e 357º do CPP. »

Citando jurisprudência oriunda do Tribunal da Relação de Lisboa e para fundamentar o decidido, o aresto considerou: «( Para destrinçar os conceitos processuais de documento e de auto (art. 99.º do CPP), «deve partir-se da ideia de que o objecto representado pelo documento é um acto realizado fora do processo ao qual ele vem a ser junto. Se, pelo contrário, o objecto representado é um acto do processo em causa, qualquer que ele seja, então estamos perante um auto que é nele lavrado e que está sujeito a um regime diferente do reservado à prova documental. Um auto não pode, nomeadamente, ser valorado para a formação da convicção do tribunal a não ser nos apertados limites traçados pelos arts. 356.º e 357.º ambos do CPP» [Ac. da RL de 18-05-2011 (199/07.5GHSNT.L1-3 - Carlos Almeida)].) que, como quaisquer outras provas, nos termos do citado art. 355º, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, se não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvadas as provas contidas em actos do processo cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos 356º e 357º, do CPP.»