Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Intercepções telefónicas: acesso


O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2017 [publicado no Diário da República n.º 72/2017, Série I de 2017-04-11; relator Manuel Joaquim Braz, texto integral aqui] fixou jurisprudência no seguinte sentido: «A partir do encerramento do inquérito com dedução de acusação, o arguido, até ao termo dos prazos referidos no n.º 8 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, tem o direito de examinar todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas e de obter, à sua custa, cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, mesmo das que já tiverem sido transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada.»

Da fundamentação, respigamos os seguintes excertos, pois que elucidativos:

«[...] a interpretação do n.º 4 do artigo 89.º no sentido de contemplar a possibilidade do exame desses suportes em momento anterior àquele e fora da secretaria, sem qualquer vinculação, nomeadamente por quem nem é sujeito processual, seria incoerente, por não ter em conta a «unidade do sistema jurídico», como manda o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, e ilógica, por desconsiderar a regra do n.º 3 do mesmo preceito, segundo a qual deve presumir -se «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Deste modo, na hipótese colocada — a de os suportes técnicos das escutas fazerem parte do processo —, haveria que fazer uma interpretação restritiva do n.º 4 do artigo 89.º, no sentido de o exame do processo não abranger esses suportes.»

«A exigência de que o exame dos suportes técnicos pelo assistente e pelo arguido seja feito na secretaria e de que só lhes sejam entregues cópias das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo visa minimizar o risco de divulgação de dados relativos a matéria reserva.»

«Deve ainda notar -se que o não acesso do arguido (e do assistente) aos suportes técnicos das escutas antes do encerramento do inquérito foi tido como assente pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 13/2009 do Supremo Tribunal de Justiça, onde, a propósito da actividade atribuída ao Ministério Público durante o inquérito pelo n.º 7 do artigo 188.º, se afirma que, nessa fase, haja ou não segredo de justiça, ‘‘não há ainda acesso aos suportes técnicos por parte do arguido e do assistente, como decorre do n.º 8 do artigo 188.º” [Diário da República, 1.ª série, de 6 de Novembro de 2009, página 8371]. Reafirma -se, pois, que, relativamente aos suportes técnicos, o arguido só tem direito a que lhe sejam entregues cópias das partes das gravações que pretenda transcrever para juntar ao processo, em concordância com André Lamas Leite, que não vê neste ponto razão para controvérsia: ‘‘estabelece -se agora que a obtenção de cópias apenas pode ter por fito a transcrição de partes tidas por relevantes para serem juntas aos autos até ao termo do prazo para requerer a abertura da instrução ou para deduzir contestação” [ob. cit., página 652]. Isso não significa, porém, que não possa obter cópias de partes já transcritas por iniciativa de outro sujeito processual. Mas, porque «não é lícito realizar no processo actos inúteis», nos termos do artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, só poderá obter essas cópias se apresentar motivos que o justifiquem. Um desses motivos, admitido pelo acórdão recorrido, pode ser o da eventual desconformidade entre aquilo que consta dos suportes técnicos e aquilo que foi transcrito. Haverá também razão para transcrever conversações ou comunicações já transcritas no caso de o arguido pretender justificadamente que estas não se encontram suficientemente contextualizadas, como admite Carlos Adérito Teixeira [Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e os novos problemas, revista do CEJ, 1.º semestre 2008, n.º 9, página 268].»

Site do STJ: um mês de atraso


O último acórdão publicado no site do Supremo Tribunal de Justiça data de 9 de Março. Ver aqui. Que se passa?

Prova digital: conferência em Maio


Organizada pelo Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais (CIDPCC) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vai decorrer no dia 24 de maio, naquela faculdade. Programa e inscrição, aqui.

Offshores na revista Julgar


Da autoria de Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, o artigo Offshores: dinheiro, verdades e mentiras está publicado no último número on line da revista Julgar. A ler aqui.
Respiga-se do sumário o seguinte excerto: «Bastas vezes se alude a offshores ou paraísos fiscais, urgindo uma compreensão fiscal desta temática, tantas vezes ofuscada por ideias (mal) expostas. Eis o mote para deixarmos alguns modestos subsídios, desde logo quanto à conceptualização, a listagem feita pelo Estado Português, as restrições fiscais existentes (com destaque para o IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), as transferências bancárias e a sua comunicação obrigatória, o prazo especial de caducidade do direito de liquidação de imposto, as providências e procedimentos cautelares e a impugnação pauliana como meios de garantia da cobrança do crédito tributário e os crimes fiscais (fraude fiscal qualificada, frustração de créditos) sem esquecer o pedido de indemnização civil pelos seus danos. In fine, estaremos em posição de, ainda que em traços necessariamente abreviados, inferir sobre a real finalidade da constituição e manutenção de sociedades offshore, atentos os vários constrangimentos legais hoje previstos na lei, seja em Portugal, seja ao nível da União Europeia e da OCDE.»

ReDiLP: mais um número


Dirigida por Jorge Bacelar Gouveia, foi publicado o n.º 8 da ReDiLP, órgão do Instituto do Direito de Língua Portuguesa, correspondente aos meses de Julho a Dezembro de 2016. Do índice destaco:

I – DOUTRINA
 
Albano Macie O Segredo de Estado em Moçambique

João Francisco Diogo / Jorge Bacelar Gouveia A incorporação e aplicação do Direito Internacional Público na ordem jurídica portuguesa: uma perspetiva panorâmica

Jorge Bacelar Gouveia A Constituição Global

Rodrigues Lapucheque A Segurança Externa dos Estados – o caso de Moçambique

Rui Baltazar Revisão Constitucional, Democracia e Estabilidade Política

Samory Badona Monteiro A Atualidade do Direito Tradicional no Sistema Jurídico da Guiné-Bissau: Perspectivas Sinérgicas à Luz da Reparação Penal

Wladimir Brito Nacionalismo e a Formação dos Estados Africanos

II – PARECERES 

Jorge Bacelar Gouveia A Equiparação dos Titulares de Cargos Políticos à Categoria de “Funcionário” para efeito de Aplicação do Código Penal de Timor-Leste: Uma Análise Jurídico-Constitucional Crítica

III – ATIVIDADE DO INSTITUTO DO DIREITO DE LÍNGUA PORTUGUESA 

IV CLBD – Congresso Luso-Brasileiro de Direito
 
II Congresso Luso-Cabo-Verdiano de Direito

UE: Directiva (UE) 2017/541, sobre combate terrorismo


Foi publicada a Directiva (UE) 2017/541 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15.03.2107, relativa à luta contra o terrorismo [ver aqui], a qual substitui a Decisão-Quadro 2002/475/JAI do Conselho e altera a Decisão 2005/671/JAI do Conselho.

Do preâmbulo citamos este excerto , pois que elucidativo do sentido da alteração proposta e que os Estados membros deverão integrar na respectiva legislação:


«(8) A presente diretiva enumera exaustivamente uma série de crimes graves, tais como as ofensas contra a vida humana como atos dolosos passíveis de serem classificados como infrações terroristas, quando e na medida em que forem cometidos com um objetivo específico de natureza terrorista, ou seja, intimidar gravemente uma população, compelir de forma indevida os poderes públicos ou uma organização internacional a praticarem ou a absterem-se de praticar um ato, ou desestabilizar gravemente ou destruir as estruturas políticas, constitucionais, económicas ou sociais fundamentais de um país ou de uma organização internacional. A ameaça da prática de tais atos dolosos deverá igualmente ser considerada uma infração terrorista quando se determine, com base em circunstâncias objetivas, que a ameaça visava um desses objetivos de natureza terrorista. Ao invés, os atos destinados, por exemplo, a compelir os poderes públicos a praticarem ou a absterem-se de praticar um ato, que não estejam contudo incluídos na lista exaustiva de crimes graves, não são considerados infrações terroristas na aceção da presente diretiva.

(9) As infrações relacionadas com atividades terroristas são muito graves, pois podem conduzir à prática de infrações terroristas e permitir que terroristas e grupos terroristas continuem a desenvolver ou alarguem as suas atividades criminosas, o que justifica a sua tipificação como infração penal.

(10) As infrações de incitamento público à prática de infrações terroristas incluem, designadamente, a glorificação e justificação do terrorismo ou a difusão de mensagens ou imagens, em linha e fora de linha, incluindo as relacionadas com as vítimas do terrorismo, como forma de reunir apoio para causas terroristas ou de intimidar gravemente a população. Tal conduta deverá ser punível quando acarrete o risco de serem cometidos atos terroristas. Em cada caso concreto, ao ponderar se esse risco existe, deverão ser tidas em conta as circunstâncias específicas do caso, como o autor e o destinatário da mensagem, bem como o contexto no qual o ato é cometido. Deverá também ter-se em conta o significado e a credibilidade do risco ao aplicar a disposição relativa ao incitamento público, nos termos do direito nacional.

(11) A tipificação como infração penal do ato de receber treino para o terrorismo complementa a infração já existente de dar treino e visa especificamente as ameaças provenientes das pessoas que se preparam ativamente para cometer infrações terroristas, incluindo as que em última instância atuam isoladamente. Receber treino para terrorismo inclui a obtenção de conhecimentos, documentação ou competências práticas. O estudo autodidata, inclusive através da Internet ou da consulta de outros materiais de ensino, também deverá ser considerado uma forma de receber treino para o terrorismo, caso resulte de uma conduta ativa, praticada com a intenção de cometer uma infração terrorista ou de contribuir para a sua prática. No contexto de todas as circunstâncias específicas do caso, é possível inferir esta intenção, por exemplo, do tipo de materiais consultados e da frequência da consulta. Por conseguinte, o descarregamento, a partir da Internet, de um manual sobre o fabrico de explosivos para a prática de uma infração terrorista poderá ser considerado uma forma de receber treino para o terrorismo. Pelo contrário, a simples visita de sítios Web ou a recolha de material para fins legítimos, por exemplo, para efeitos académicos ou de investigação, não é considerada uma forma de receber treino para o terrorismo, de acordo com a presente diretiva.

(12) Tendo em conta a gravidade da ameaça e a necessidade, em especial, de estancar o fluxo de combatentes terroristas estrangeiros, é necessário tipificar como infração penal as deslocações ao estrangeiro para fins de terrorismo, a saber, não só para cometer infrações terroristas e para dar ou receber treino, mas também para participar nas atividades de um grupo terrorista. Não é indispensável tipificar o ato de viajar em si mesmo. Além disso, as deslocações para o território da União para fins de terrorismo representam uma ameaça crescente para a segurança. Os Estados-Membros podem igualmente decidir fazer face às ameaças terroristas decorrentes de deslocações para o seu território para fins de terrorismo através da tipificação como infração penal dos atos preparatórios, que podem incluir o planeamento ou a associação, com vista a cometer uma infração terrorista ou a contribuir para a prática de tal infração. Qualquer ato destinado a facilitar essas deslocações deverá ser igualmente tipificado como infração penal.

(13) O comércio ilícito de armas, petróleo, estupefacientes, cigarros, bens contrafeitos e bens culturais, assim como o tráfico de seres humanos, a coação e a extorsão tornaram-se formas lucrativas de financiamento dos grupos terroristas. Neste contexto, as crescentes ligações entre a criminalidade organizada e os grupos terroristas constituem uma ameaça cada vez maior à segurança da União, pelo que deverão ser tidas em conta pelas autoridades dos Estados-Membros que participam em processos penais.

(14) A Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho (10) estabelece regras comuns relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro da União para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Para além desta abordagem preventiva, o financiamento do terrorismo deverá ser punível nos Estados-Membros. A fim de desarticular as estruturas de apoio que facilitam a prática de infrações terroristas, deverão ser tipificados como infrações penais não só o financiamento de atos terroristas mas também o financiamento de grupos terroristas e outras infrações relacionadas com atividades terroristas, como o recrutamento e o treino, ou as deslocações para fins de terrorismo.

(15) Deverá ser punível nos Estados-Membros, como cumplicidade na prática de atos terroristas ou como financiamento do terrorismo, o fornecimento de apoio material ao terrorismo através de pessoas que participem ou ajam como intermediários no fornecimento ou na circulação de serviços, bens ou mercadorias, incluindo as transações comerciais que pressuponham a entrada ou a saída do território da União, como a venda, a aquisição ou o intercâmbio de objetos culturais de interesse arqueológico, artístico, histórico ou científico retirados ilegalmente de uma zona que, no momento da retirada, é controlada por um grupo terrorista, com conhecimento de que essas operações ou as respetivas receitas se destinam a ser utilizadas, total ou parcialmente, para fins de terrorismo ou de que trarão benefícios aos grupos terroristas. Poderão ser necessárias mais medidas para combater com eficácia o comércio ilícito de bens culturais enquanto fonte de rendimentos para os grupos terroristas.

(16) Deverão ser puníveis a tentativa de deslocação ao estrangeiro para fins de terrorismo e a tentativa de dar treino para o terrorismo ou de recrutar para o terrorismo.

(17) No que diz respeito às infrações penais previstas na presente diretiva, a noção de dolo deverá aplicar-se a todos os seus elementos constitutivos. O caráter doloso de uma ação ou omissão pode ser inferido a partir de circunstâncias objetivas e factuais.

(18) As sanções a aplicar às pessoas singulares e coletivas responsáveis por tais infrações deverão refletir a gravidade das infrações em causa.

(19) Caso o recrutamento e o treino para o terrorismo visem crianças, os Estados-Membros deverão assegurar que os juízes possam ter em conta essa circunstância na condenação dos infratores, mas que não sejam obrigados a fazê-lo a título de circunstância agravante da pena. É deixada ao livre arbítrio do juiz a apreciação dessa circunstância, a par dos outros elementos factuais do caso concreto.

(20) Deverão ser estabelecidas regras de competência jurisdicional que assegurem que as infrações previstas na presente diretiva sejam reprimidas de forma eficaz. Convém, nomeadamente, estabelecer a competência relativamente às infrações cometidas por pessoas que dão treino para o terrorismo, independentemente da sua nacionalidade, tendo em conta as eventuais repercussões dessa conduta no território da União e o estreito nexo material existente entre as infrações que consistem em dar treino para o terrorismo ou em receber esse treino.

(21) A fim de garantir o êxito das investigações e a repressão das infrações terroristas ou das infrações relacionadas com um grupo terrorista ou com atividades terroristas, deverá ser dada aos responsáveis por investigar ou por promover a ação penal na matéria a possibilidade de utilizarem instrumentos de investigação eficazes, como, por exemplo, os utilizados para combater a criminalidade organizada ou outros crimes graves. A utilização desses instrumentos, nos termos do direito nacional, deverá ser seletiva, ter em conta o princípio da proporcionalidade, a natureza e a gravidade das infrações investigadas, e respeitar o direito à proteção de dados pessoais. Tais instrumentos deverão, consoante a necessidade, incluir, por exemplo, a busca de quaisquer bens pessoais, a interceção de comunicações, a vigilância discreta, inclusive por meios eletrónicos, a captação e manutenção de gravações de som, em veículos e locais privados ou públicos, e de imagens de pessoas, em veículos e locais públicos, bem como investigações financeiras.

(22) Uma forma eficaz de combater o terrorismo na Internet é suprimir na origem conteúdos em linha que constituam um incitamento público à prática de uma infração terrorista. Os Estados-Membros deverão envidar os melhores esforços para cooperar com países terceiros com o objetivo de assegurar a supressão, dos servidores situados nos seus territórios, de conteúdos em linha que constituam um incitamento público à prática de uma infração terrorista. No entanto, caso a supressão desses conteúdos na sua origem não seja exequível, podem também ser instaurados mecanismos que bloqueiem o acesso aos mesmos a partir do território da União. As medidas tomadas pelos Estados-Membros nos termos da presente diretiva, destinadas a suprimir os conteúdos em linha que constituam um incitamento público à prática de uma infração terrorista ou, se tal não for exequível, a bloquear o acesso a esses conteúdos, poderão ter por base uma ação por parte dos poderes públicos, como por exemplo, uma ação legislativa, não legislativa ou judicial. Nesse contexto, a presente diretiva não prejudica a ação voluntária da indústria da Internet para prevenir a utilização abusiva dos seus serviços, nem o eventual apoio dos Estados-Membros a uma ação dessa natureza, nomeadamente a deteção e sinalização de conteúdos terroristas. Independentemente da base para a ação ou do método escolhido, os Estados-Membros deverão assegurar que estes proporcionam aos utilizadores e prestadores de serviços um nível adequado de segurança e de previsibilidade jurídica, bem como a possibilidade de recurso judicial, de acordo com o direito nacional. Todas essas medidas devem ter em conta os direitos dos utilizadores finais e devem respeitar os procedimentos legais e processos judiciais em vigor, bem como a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir designada «Carta»).

(23) A supressão de conteúdos em linha que constituam um incitamento público à prática de infrações terroristas ou, caso esta não seja possível, o bloqueio de tais conteúdos, nos termos da presente diretiva, deverá ser realizada sem prejuízo das regras estabelecidas na Diretiva 2000/31/CE Parlamento Europeu e do Conselho (11). Especificamente, não deverá ser imposta aos prestadores de serviços uma obrigação geral de vigilância das informações que transmitem ou armazenam nem de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem atividades ilícitas. Além disso, os prestadores de serviços de armazenagem em servidor não deverão ser considerados responsáveis na medida em que não tenham conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal, nem dos factos ou das circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal.

(24) Para combater o terrorismo de modo eficaz, é essencial um intercâmbio eficiente das informações consideradas relevantes pelas autoridades responsáveis pela prevenção, deteção, investigação e repressão de infrações terroristas entre as autoridades competentes e as agências da União. Os Estados-Membros deverão assegurar que as informações sejam trocadas de forma efetiva e atempada, de acordo com o direito nacional e com o regime jurídico da União em vigor, como a Decisão 2005/671/JAI, a Decisão 2007/533/JAI do Conselho (12) e a Diretiva (UE) 2016/681 do Parlamento Europeu e do Conselho (13). Ao ponderar se devem ou não proceder à troca das informações relevantes, as autoridades nacionais competentes deverão ter em conta a ameaça grave colocada pelas infrações terroristas.

(25) A fim de reforçar o regime em vigor aplicável à troca de informações no combate ao terrorismo, conforme disposto na Decisão 2005/671/JAI, os Estados-Membros deverão assegurar que as informações relevantes recolhidas pelas respetivas autoridades competentes no âmbito dos processos penais, por exemplo, as autoridades policiais, os magistrados do Ministério Público ou os juízes de instrução, sejam disponibilizadas às autoridades competentes de outro Estado-Membro para as quais considerem que tais informações podem ser relevantes. No mínimo, essas informações deverão incluir, se adequado, as informações transmitidas à Europol ou à Eurojust, nos termos da Decisão 2005/671/JAI. Esta troca de informações está sujeita às regras da União em matéria de proteção de dados, estabelecidas na Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho (14), e é realizada sem prejuízo das regras da União em matéria de cooperação entre autoridades nacionais competentes no âmbito de processos penais, como as previstas na Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (15) ou na Decisão-Quadro 2006/960/JAI.

(26) Deverá proceder-se à troca de informações relevantes recolhidas pelas autoridades competentes dos Estados-Membros no âmbito dos processos penais relacionados com infrações terroristas. Por «processo penal» entende-se todas as fases do processo, desde o momento em que uma pessoa é suspeita ou acusada da prática de uma infração penal até ao momento do trânsito em julgado da decisão final que determina se essa pessoa cometeu a infração penal em causa.

(27) Os Estados-Membros deverão adotar medidas de proteção, apoio e assistência que atendam às necessidades específicas das vítimas do terrorismo, nos termos da Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (16)e das clarificações dadas na presente diretiva. É vítima do terrorismo a pessoa definida no artigo 2.o da Diretiva 2012/29/UE, ou seja, a pessoa singular que tenha sofrido um dano, nomeadamente um dano físico, moral ou emocional, ou um prejuízo material, na medida que em que tal dano decorra diretamente de uma infração terrorista, ou um familiar de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por uma infração terrorista e que tenha sofrido um dano em consequência da morte dessa pessoa. Os familiares das vítimas sobreviventes do terrorismo, tal como definidos no referido artigo, têm acesso a serviços de apoio às vítimas e a medidas de proteção nos termos dessa diretiva.

(28) A assistência relativa aos pedidos de indemnização das vítimas não prejudica, antes complementa, a assistência que as vítimas do terrorismo recebem das autoridades de assistência, nos termos da Diretiva 2004/80/CE do Conselho (17). A primeira não prejudica as regras nacionais relativas à representação em juízo para requerer indemnização, inclusivamente através de disposições de apoio judiciário, nem quaisquer outras regras nacionais aplicáveis em matéria de indemnização.

(29) Os Estados-Membros deverão assegurar que seja dada uma resposta global às necessidades específicas das vítimas do terrorismo imediatamente após um atentado terrorista e, em seguida, durante o tempo necessário, no quadro da infraestrutura nacional de resposta a emergências. Para tal, os Estados-Membros podem criar um sítio web único e atualizado com todas as informações relevantes, bem como um centro de apoio em caso de emergência às vítimas e seus familiares que preste primeiros socorros psicológicos e apoio emocional. As iniciativas dos Estados-Membros nesta matéria deverão ser apoiadas através da plena utilização dos mecanismos e recursos comuns de assistência disponíveis a nível da União. Os serviços de apoio deverão ter em conta que as necessidades específicas das vítimas do terrorismo poderão evoluir ao longo do tempo. Nesse particular, os Estados-Membros deverão garantir que os serviços de apoio atendam em primeiro lugar, pelo menos, às necessidades emocionais e psicológicas das vítimas mais vulneráveis do terrorismo e que informem todas as vítimas do terrorismo da possibilidade de continuarem a receber apoio emocional e psicológico, incluindo apoio e aconselhamento pós-traumáticos.

(30) Os Estados-Membros deverão garantir a todas as vítimas do terrorismo o acesso às informações sobre os direitos das vítimas, os serviços de apoio disponíveis e os regimes de indemnização existentes no Estado-Membro em que foi cometida a infração terrorista. Os Estados-Membros em causa deverão tomar as medidas adequadas para facilitar a cooperação entre si, a fim de garantir que as vítimas do terrorismo que residam num Estado-Membro diferente daquele em que foi cometida a infração terrorista tenham efetivamente acesso a essas informações. Os Estados-Membros deverão ainda assegurar que as vítimas do terrorismo tenham acesso a serviços de apoio prolongado no Estado-Membro da sua residência, mesmo que a infração terrorista tenha sido cometida noutro Estado-Membro.

(31) A prevenção da radicalização e do recrutamento para o terrorismo, incluindo a radicalização em linha, requer uma abordagem de longo prazo, proativa e abrangente, conforme se afirma na Estratégia revista da UE de Combate à Radicalização e ao Recrutamento, de 2014, e nas conclusões do Conselho da União Europeia e dos Estados-Membros reunidos no âmbito do Conselho sobre o reforço da resposta da justiça penal à radicalização conducente ao terrorismo e ao extremismo violento, de 2015. Essa abordagem deverá combinar medidas no domínio da justiça penal com políticas nos domínios da educação, da inclusão social e da integração, bem como com a realização de programas eficazes de desradicalização ou de desvinculação, e de saída ou de reabilitação, inclusive no contexto prisional e de liberdade condicional. Os Estados-Membros deverão partilhar boas práticas relativamente a medidas e projetos eficazes neste domínio, especialmente no que diz respeito aos combatentes terroristas estrangeiros e regressados, se necessário em cooperação com a Comissão e com as agências e os organismos competentes da União.

(32) Os Estados-Membros deverão prosseguir os seus esforços de prevenção e de combate à radicalização conducente ao terrorismo através da coordenação, da partilha de informações e experiências relativas a políticas nacionais de prevenção e da aplicação ou, se for caso disso, da atualização das políticas nacionais de prevenção, tendo em conta as necessidades, os objetivos e as capacidades respetivos, com base nas suas próprias experiências. Se adequado, a Comissão deverá prestar apoio às autoridades nacionais, regionais e locais na elaboração de políticas de prevenção.

(33) Os Estados-Membros deverão, dependendo das necessidades e das circunstâncias específicas relevantes de cada um, prestar apoio aos profissionais, incluindo os parceiros da sociedade civil passíveis de entrar em contacto com pessoas vulneráveis à radicalização. Essas medidas de apoio podem incluir, especificamente, medidas de formação e de sensibilização destinadas a permitir-lhes identificar e dar resposta aos sinais de radicalização. Tais medidas deverão também, se adequado, ser tomadas em cooperação com empresas privadas, organizações interessadas da sociedade civil, comunidades locais e outros intervenientes.

(34) Atendendo a que os objetivos da presente diretiva não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, mas podem, devido à necessidade de normas harmonizadas em toda a União, ser mais bem alcançados ao nível da União, a União pode tomar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado da União Europeia (TUE). Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para alcançar esses objetivos.

(35) A presente diretiva respeita os princípios consagrados no artigo 2.o do TUE, bem como os direitos e liberdades fundamentais, e observa os princípios reconhecidos, designadamente, na Carta, incluindo os estabelecidos nos títulos II, III, V e VI, que englobam, nomeadamente, o direito à liberdade e à segurança, a liberdade de expressão e de informação, a liberdade de associação e a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, a proibição geral de discriminação, em razão designadamente da raça, cor, origem étnica ou social, das características genéticas, da língua, da religião ou das convicções, opiniões políticas ou outras, o direito ao respeito pela vida privada e familiar e o direito à proteção dos dados pessoais, os princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas, que abarcam também a exigência de precisão, clareza e previsibilidade em direito penal, a presunção de inocência, bem como o direito de circular livremente, tal como previsto no artigo 21.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e na Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (18). A presente diretiva tem de ser aplicada em conformidade com esses direitos e princípios, tendo também em conta a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e outras obrigações em matéria de direitos humanos nos termos do direito internacional.

(36) A presente diretiva aplica-se sem prejuízo das obrigações dos Estados-Membros por força do direito da União, no que respeita aos direitos processuais dos suspeitos ou acusados em processos penais.

(37) A presente diretiva não deverá ter por efeito alterar os direitos, as obrigações e as responsabilidades dos Estados-Membros nos termos do direito internacional, nomeadamente do direito internacional humanitário. A presente diretiva não rege as atividades das forças armadas durante períodos de conflito armado, que são regidas pelo direito internacional humanitário na aceção desses termos no âmbito desse direito, nem as atividades das forças militares de um Estado no exercício dos seus deveres oficiais, na medida em que sejam regidas por outras regras de direito internacional.

(38) A realização de atividades humanitárias por organizações humanitárias imparciais reconhecidas pelo direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário, não é abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva, mas deve ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

(39) A aplicação das medidas de direito penal adotadas ao abrigo da presente diretiva deverá ser proporcional à natureza e às circunstâncias da infração, tendo em conta os objetivos legítimos visados e a sua necessidade numa sociedade democrática, e deverá excluir qualquer forma de arbitrariedade, racismo ou discriminação.

(40) Nenhuma disposição da presente diretiva deverá ser interpretada no sentido de que se destina a reduzir ou a restringir a divulgação de informações para fins científicos, académicos ou informativos. A expressão de opiniões radicais, polémicas ou controversas em debates públicos sobre questões políticas sensíveis não é abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e, nomeadamente, pela definição de incitamento público à prática de infrações terroristas.

(41) Nos termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo n.o 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao TUE e ao TFUE, e sem prejuízo do artigo 4.o do referido Protocolo, estes Estados-Membros não participam na adoção da presente diretiva e não ficam a ela vinculados nem sujeitos à sua aplicação.

(42) Nos termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo n.o 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adoção da presente diretiva, e não fica a ela vinculada nem sujeita à sua aplicação (...)»

30 anos de Código de Processo Penal


Terá lugar no próximo dia 21 de Abril, a partir das 10:00, por iniciativa da Faculdade de Direito da Universidade do Porto um colóquio destinado a comemorar os 30 anos da vigência do Código de Processo Penal. O programa e o formulário de inscrição podem ser encontrados aqui.

Assembleia da República: 1ª CACDLG


É esta aqui a agenda de trabalhos da 1ª CACDLG da Assembleia da República na sua próxima sessão, a 04.04.2017. Ressaltam os seguintes temas:


4. 5. Apreciação e discussão na especialidade das seguintes iniciativas legislativas: 


a) 
Proposta de Lei n.º 51/XIII/2.ª (GOV) - "Altera o regime de congelamento e de perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, transpondo a Diretiva n.º 2014/42/UE"; 

b) 
Proposta de Lei n.º 58/XIII/2.ª (GOV) - "Estabelece os princípios e as regras do intercâmbio transfronteiriço de informações relacionadas com a prática de infrações rodoviárias num Estado-Membro, e transpõe a Diretiva 2015/413/UE"; 

c) 
Proposta de Lei n.º 59/XIII/2.ª (GOV) - "Adapta ao ordenamento jurídico interno as obrigações decorrentes da Decisão 2008/615/JAI, e da Decisão 2008/616/JAI que a executa, em sede de transmissão de dados do registo de veículos para efeitos de deteção e investigação de infrações de natureza penal"; 

d) 
Projeto de Lei n.º 327/XIII (BE) - "Procede à primeira alteração ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro e à segunda alteração à lei n.º 75/98, de 19 de novembro)"; 
Projeto de Lei n.º 345/XIII (PS) - "Promove a regulação urgente das eesponsabilidades parentais e a atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena acessória que impliquem afastamento entre progenitores"; 
Projeto de Lei n.º 350/XIII (PCP) - "Altera a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo alargando o período de proteção até aos 25 anos (Terceira alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.º 142/2015, de 8 de setembro e n.º 31/2003, de 22 de agosto)"; 
Projeto de Lei n.º 353/XIII (PAN) - "Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica";

CMVM: supervisão de auditoria


O Regulamento da CMVM n.º 2/2017, de 30 de Março [publicado aqui e também no Diário da República], procedeu à primeira alteração ao Regulamento da CMVM n.º 4/2015, de 26 de Janeiro, sobre a supervisão de auditoria [encontra-se a partir daqui].

TCIC: manutenção de competência



Foi rectificado o texto do Acórdão do STJ para fixação de jurisprudência de 01.02.2017 [relator Santos Cabral, texto integral aqui], que determinou: «Competindo ao Tribunal Central de Instrução Criminal proceder a actos jurisdicionais no inquérito instaurado no Departamento Central de Investigação Criminal para investigação de crimes elencados no artigo 47.º, n.º 1, da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), por força do artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, essa competência não se mantém para proceder à fase de instrução no caso de, na acusação ali deduzida ou no requerimento de abertura de instrução, não serem imputados ao arguido qualquer um daqueles crimes ou não se verificar qualquer dispersão territorial da actividade criminosa.»
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A conclusão, no sentido da manutenção de competência, não foi pacífica, como o atestam tantos votos de vencido de António Oliveira Mendes, António Pires da Graça, Isabel Pais Martins, Nuno Gomes da Silva, Manuel Augusto de Matos, Rosa Tching, e José Santos Carvalho. 
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A não valer o decidido, mantém, no entanto, incólume, a possibilidade de de o mesmo juiz poder, no mesmo tribunal, julgar os seus actos jurisdicionais prévios, praticados no inquérito, conhecendo-os quando postos em causa em sede agora de instrução, e tudo sem recurso, e [eis] mesmo que tenha ocorrido, por alteração do objecto jurídico da causa, supressão dos pressupostos que ditaram a legitimidade desse tribunal.

Obras de remodelação

A natureza dos blogs torna-os mais aptos a que cada post corresponda a um assunto do que fazer conter em cada um vários temas. A ideia de estruturar este blog com duas divisões - o Notícias à Semana! e o Notícias do Domingo! mostrou-se, pelo menos no que à primeira respeita, pouco prática. Por um lado, porque o número finito de etiquetas admissíveis para referenciar cada texto impede dar real expressão ao que aqui se publicava sob tal epígrafe; por outro, porque a atenção dos que tinham a gentileza de serem leitores dispersava-se ante a diversidade dos assuntos sobre os quais se escrevia.
Regresso pois, após um hiato na presença regular que vinha mantendo, ao formato tradicional, pelo qual a cada post corresponderá uma matéria.
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Àqueles para quem estas incertezas quanto ao formato e a irregular periodicidade na publicação possam merecer censura, fico o pedido de compreensão.

Notícias ao Domingo!


Tive a oportunidade de assistir às duas sessões do evento, organizado pelo Forum Penal [ver aqui], em Lisboa, na Sala do Senado da Assembleia da República - devido à afluência, o que é de registar e augura os melhores resultados a esta agremiação - dedicado à (possível mas necessária) reforma do sistema legal das contra-ordenações.
Isto permite-me deixar aqui, algumas breves reflexões, ante o que me foi dado presenciar, meros enunciados de três questões.
Primeiro, não me parecer ser possível que um sistema de punição não penal, concebido que foi como de «mera» ordenação social, pensado, aliás, na origem para suceder às contravenções - lembremos que na formulação inicial em 1979 havia uma inexequível e por isso abortada conversão automática de todas as contravenções em contra-ordenações - consiga resistir, sem uma mudança de estrutura, a um mundo novo, que se inaugurou desde então, com a hipertrofia das entidades administrativas de regulação financeira, bancária, seguradora, em suma, da economia em geral e do ambiente, e aplicação por estas de coimas que vão em alguns casos aos quinze milhões de euros, sendo de aplicação por igual, sem mudança de rito procedimental [pois há só uma forma de processo], às insignificâncias atinentes às prescrições de administração local, rodoviária e afins.
Um sistema de simplificação formal, estruturado na lógica de um procedimento disciplinar, em que a defesa judicial surge só após a pena e onde a entidade tutelar assume a plenitude das funções da investigação à sanção, choca diametralmente - a não ser que não se queira ver - com as necessidade de reforçar garantias, estando em causa coimas de valores que o Direito Penal não acompanha na prática com as suas multas.
E quando se fala em "garantias" que se não pense que estamos a reduzi-las às do arguido - torna-se necessário dizer isto num mundo que passou a olhar quase com desdém para as garantias deste sujeito como se fossem causa de entrave processual, luxo de prodigalidade liberal, razão da impunidade dos ilícitos - mas sim logo para começar garantia de certeza na busca da verdade - pois quem soma o poder de investigar com o de acusar e ademais o de punir é atreito a enganos derivados da visão unilateral das coisas e arrisca o seu prestígio em resultado desse superavit de poderes.
Além disso, porque um sistema que expressamente manda aplicar, como Direito subsidiário integrador de lacunas, normas do Direito penal e do Direito Processual Penal, que passam a ser, por isso, Direito a aplicar aos processos contraordenacionais e à concretização das coimas aplicáveis, não pode, sob pena de se sujeitar a uma evidente contradição de princípios, negar, para o enquadramento de tais normas, definição dos seus limites e tutela das situações que se apliquem, as garantias constitucionais estabelecidas por exemplo nos artigos 29º e 32º e outros da Lei Fundamental para as normas com aquela específica natureza criminal. Que justifica e como legitimar esta desnaturação?
É que, usar tal expediente, se serve as conveniências da prática dos reguladores, invalida, por um lado, o princípio da unidade e coerência do sistema jurídico - normas de cunho penal perdem tal natureza, ao serem remetidas, por imperativo legal, em ordem a regularem o domínio contraordenacional, sem que, no entanto haja razão para a degradação da sua qualidade jurídica; por outro, porque se trata, na verdade, de desguarnecer o âmbito e a intensidade da tutela de que estas normas de cunho criminal gozam, independentemente de operarem por aplicação directa ou através de remissão. 
Enfim, a partir daqui todo um universo de aporias surgem, nomeadamente quando se coteja o regime geral das contra-ordenações com os múltiplos regimes especiais, como o encontro amplamente evidenciou.
E, enfim, tive a possibilidade de lançar uma questão que me vem preocupando e para a qual ainda procuro resposta que se convença: se o Tribunal Constitucional já emitiu juízo de conformidade constitucional a um sistema - que é o que vigora - de cumulação na mesma entidade administrativa dos poderes para investigar, deduzir acusação, avaliar a defesa e sentenciar - sem se impressionar com a perda de isenção que é abstractamente possível, para não falar na lesão da regra da separação de poderes [porque isso implicaria aceitar, o que tal jurisprudência nega, que a regra do acusatório processual penal vale aqui], então, que pensar quando, a toda esta soma de poderes, se soma o poder de decretar normativos reguladores cuja violação aquelas entidades investigam, pelos quais acusam e no fim punem, tornando-se legisladores, intérpretes autênticos e aplicadores das normas às infracções que dão como verificadas?


Notícias ao Domingo!

A honrosa oportunidade que me permitiu colaborar num livro, a publicar, proporcionou-me o ensejo de estudar o que chamei - de forma tendencialmente apelativa e por isso discutível - as ideias constitucionais derrotadas na Constituição de 1976.
Estudei os projectos que se perfilaram e seleccionei os pontos que me pareceram significativos mas que não passaram para o texto aprovado.
Esse deambular pela História, que sendo a da vida política, é também a do essencial da vida jurídica do País, mostrou-me a título pessoal como o tempo passa, não porque não sido deputado à Constituinte, mas, na altura, apenas cercado quando esta foi sitiada e nisso incluída a Residência Oficial do Primeiro-Ministros, o lendário Almirante Pinheiro de Azevedo com quem então trabalhava. 
Volvido o tempo, tal viagem pela feitura de uma lei, a Lei das Leis, deu-me a confirmação - se necessária ela fosse, tanto visto e tanto sentido - do carácter relativo de todas as coisas, e como os absolutos de antes se tornam os precários de amanhã. 
Uma vez que o Notícias ao Domingo! [do título faz parte o ponto de exclamação por nenhuma outra razão que não seja a minha...] se tornou num espaço de reflexão, aqui se oferece o mote do que pretende proporcioná-la, afinal a tese que o meu escrito tenta sustentar, através de uma sua fotografia, em retrato à la minute. Os coordenadores do livro sabem que isto é verdade: na 25ª hora libertei, esta manhã direi, o possível texto final, por não me ter possível almejar melhor. 

Cito-me [com a devida vénia pela vaidade inerente]:

«Quem, com maior juventude ou menor preparação histórico-política, recordar hoje, mesmo com a usura do tempo a interpor-se, o artigo 1º da Constituição de 1976 vê o seu espírito ser vincado por perplexidade, ante quanto ali se escreve.

Lido a 2 de Abril de 1976, pelo secretário da mesa, o advogado António Arnaut, perante 195 dos 250 deputados eleitos à Constituinte, o texto da Lei Fundamental aprovada abria assim:

«Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes».

Se é verdade que a fórmula tentava o compromisso entre o um comprometido personalismo proposto pelo CDS e o substantivo colectivismo propugnado pelo PCP e pelo MDP/CDE, esquecido o radicalismo revolucionário patrocinado pela UDP, impressiona a menção a um dos conceitos fundamentais do marxismo, a «sociedade sem classes», a evidenciar que o compromisso alcançado no hemiciclo fora largamente favorável às forças sociais e políticas que haviam ocupado o espaço da revolução democrática inaugurara, tudo bem diferente do que faria prever o texto programático inicial proclamado pelo Movimento das Forças Armadas.

A fórmula só era parcialmente atenuada pelo artigo seguinte, quando fazia apelo ao conceito de «socialismo», ao invés do expectável «comunismo», a atingir através não de uma “revolução” mas sim de uma «transição», temperando tudo com a noção de que o poder das classes trabalhadoras seria «democrático» e não efectivado pela “ditadura do proletariado”, o que se alcançaria mediante a «criação de condições» para o efeito e não como “tomada imediata do poder”:

«A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo, mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras».

Eis, num hemiciclo presidido pelo Professor Henrique Teixeira Queiroz de Barros, o desigual ponto compromissório de um confronto político duro, materializado através do Direito, encerrado o ciclo revolucionário, conseguido, dentro dos limites do possível, através da inter-relação de projectos constitucionais oriundos dos partidos com assento parlamentar, os já referidos e mais o PS, o PPD e o CDS.

Houve derrotados nesse prélio jurídico-constitucional? Vendo os projectos apresentados, o texto final resultante, e as declarações políticas quanto ao sentido do voto, quase que se pode concluir que não, com uma excepção que, como soe dizer-se, confirma a regra. 

Para usar uma analogia com a teoria dos jogos, não se tratou de um jogo de soma nula em que aos ganhos de uns correspondeu globalmente a perda de outros. Aqui todos perderam, todos ganharam porque algo ficou do que cada um tentou. E se este meu estudo não permite uma visão mais rigorosa, porquanto se cinge aos projectos iniciais, não reconstituindo quanto se passou a nível da discussão, nomeadamente na especialidade, certo é que os consensos difíceis que ali ocorreram acabaram por maximizar os contributos parciais para um texto comum que acabou por funcionar como um referencial histórico determinante do momento histórico que se vivia.»

(...)

Notícias ao Domingo!


Enviei para que seja integrada em livro a publicar o que foi a minha comunicação às Jornadas Açorianas de Direito, ocorridas em 10 e 11 de Novembro de 2016 e dedicadas ao tema da criminalização e da descriminalização, no caso em que intervim no domínio do chamado "segredo" de justiça. Ao rever o que foi o texto oralmente apresentado aditei este breve resumo que aqui partilho, sujeito à crítica por conter opinião diversa da maioritária, nomeadamente quanto à problemática do bem jurídico tutelado, cujo âmbito baliza não só o âmbito da criminalização mas, afinal, a exclusão da tutela que deveria ser a essencialmente garantida, aos direitos das pessoas.

«Eis os conceitos: a regra é a publicidade, a excepção o segredo de justiça; para além do segredo interno, que vincula os participantes processuais, há o segredo externo, referente aos que, face a ele, sejam terceiros; a violação do segredo de justiça é crime de natureza pública; o bem jurídico tutelado não são só os interesses atinentes ao bom funcionamento da justiça, também os individuais referentes às pessoas que a incriminação visa defender.
Esta última asserção – no que se refere à extensão do bem jurídico tutelado – implica uma justificação porquanto a doutrina que se tem pronunciado sobre a matéria restringe o âmbito da tutela ao que releva para a protecção da funcionalidade da justiça.
Ora se configuro os interesses legítimos a defender deste modo amplo, abrangendo não os valores públicos inerentes ao bom funcionamento da administração da justiça, é porque, por um lado, entendo que a presunção de inocência está em causa com a prática deste tipo de ilícito e também correlativamente a defesa do bom nome e da própria privacidade.
Vejamos, pois. 
Não se diga que não pode haver na incriminação uma razão atinente à defesa da presunção de inocência do arguido, porquanto esta vale até ao trânsito em julgado de sentença que o condene e aquele segredo é restrito – e excepcional – à fase de inquérito processual, pelo que o primeiro círculo de tutela seria mais extenso do que o segundo e assim este não poderia apoiar naquele. 
Em primeiro lugar, porque a própria geometria dos conceitos mostra que se há uma defesa da presunção da inocência mais extensa do que a zona de defesa do segredo de justiça, esta bem pode arrimar-se naquela e só o inverso é que o provaria o que pretendemos infirmar.
Em segundo lugar, porque, sendo a presunção de inocência uma garantia tão extensa no procedimento criminal – quase a acompanhar o seu alfa a ómega pois que desde a constituição de arguido até à passagem em julgado da decisão condenatória – há fases do procedimento em que existem especiais razões para que tal valor deva merecer uma tutela mais intensa, sobretudo aquela, a do inquérito, em que a incerteza quanto à indiciação ainda subjaz pois que esta só é tida por suficiente quando da acusação e mesmo assim, havendo instrução, ainda aquela sujeita à condição resolutiva de uma decisão instrutória que pode não a receber.
Assim, considerando o bem jurídico-constitucional presunção de inocência como um valor que exige níveis diferenciados de tutela processual consoante as fases do processo teremos de entender que o binómio segredo de justiça/publicidade processual releva como instrumento adequado a garantir a defesa da mesma.
Do mesmo modo o bom nome e o direito à privacidade e por igual razão. São valores com assento constitucional, de que o processo penal teve ser garante, mas tal garantia no que à questão do segredo de justiça respeita, deve operar de modo diferenciado consoante a fase processual em causa e ser mais exasperantemente garantida naqueles momentos preliminares em que o objecto do processo seja ainda indefinido, a prova indiciária incerta e, assim, o sujeito investigado – ou os demais que o segredo de justiça defensa – não possa (m) ficar à mercê de revelações que causem dano ou ponham em perigo não só aquela presunção de inocência como o respectivo bom nome e reputação.
Sucede que de um segredo de polichinelo se trata: mesmo o cidadão desatento constata que os meios de comunicação social difundem e captam audiências à conta da revelação de factos e provas que são de processos tecnicamente em segredo de justiça; e não é preciso excesso de observação que o jornalismo dito de investigação concorre com a investigação criminal em torno do que, revelado, perde o secretismo quando por vezes dali provém.
Não espanta, pois que, desconsiderando as pessoas que o segredo de justiça possa afectar, patrocinando a tese segundo a qual apenas bens públicos e sobremodo o bom funcionamento da justiça estará em causa, esta coexista com tal situação pois que, subjacente a tal convívio com a impunidade está a ideia de que nada naquele bom funcionamento pode estar em causa; mais: em certos espíritos floresce até a ideia segundo a qual da coexistência entre situações de clara violação de segredo de justiça e o colaboracionismo de algum jornalismo de investigação decorre, fruto da miscigenação, um ainda melhor desempenho da justiça criminal.
Um sistema em que as pessoas sejam esquecidas em detrimento da eficácia da burocracia repressiva sente-se confortável com a restricção do bem jurídico tutelado, essa forma de alargar ou restringir o âmbito da tutela penal a partir de valores que se inserem ou excluem do âmbito material da tipicidade, legitimando a criminalização ou a descriminalização.
Pois que o segredo de justiça é um dever, surge a natural questão de nos perguntarmos se, correspondentemente, ante ele, surgirão direitos, direitos pessoais, subjectivos, inerentes à individualidade e à cidadania. A prática demonstra que os direitos maioritariamente invocados são os dos jornalistas, que pretendem fazer valer o direito a informarem, mas pergunto-me se serão os únicos que o sistema jurídico tem de acolher.
Dado que se considera ser o bem jurídico objecto de tutela pela incriminação não só o bom e regular funcionamento da justiça, mas também, interesses legítimos individualizados, abre-se a porta para que se ponderem, uma a uma, a situação dessas pessoas que, declaradamente protegidos pela incriminação, haverão de ter direitos a contrapor ao cumprimento desse dever.
Está aqui o foco da presente comunicação, para a qual vale uma restrição de âmbito: estamos em sede de segredo de justiça em processo criminal (protegido pelo artigo 371º do Código Penal) e não contraordenacional (tutelado pelo artigo 58º do Regime Geral das Contraordenações). 
Permito-me ressaltar, já que de criminalização se fala neste encontro, o facto de ocorrer uma notável contradição entre a existência de uma norma incriminatória – o artigo 371º do Código Penal – e, como disse, completa impunidade de reiteradas e despudoradas violações ao segredo de justiça que ao conhecimento de todos chegam pelo quotidiano da comunicação social. E é por isso que, antecipando, concluo pela lógica da descriminalização para que o Direito Criminal conserve prestígio, abalado que é quotidianamente, e apoucado, pela impunidade do que proclama dever ser punido, mas, afinal, se torna numa espécie de criminalidade invisível, nunca revelada. O crime de violação de segredo de justiça tornou-se num crime secreto.»

Notícias à semana!


-» AC/programa de clemência: agora que tanto se fala sobre o tema da delação premiada, será interessante ter presente o denominado Programa de Clemência instituído pela Autoridade da Concorrência, com fundamento em lei e que pode ser visto aqui.

-» AR/morada única digital: o Decreto n.º 62/XIII da Assembleia da República autoriza o Governo a legislar no prazo de 180 dias sobre a matéria da criação de uma morada única digital, ou seja, um sistema de fidelização de endereço electrónico através do qual o cidadão pode ser notificado relativamente a certos actos oficiais.


A legislação em causa deve respeitar a seguinte extensão e sentido:

«No uso da autorização legislativa referida no artigo anterior, pode o Governo:


a) Estabelecer os termos, os meios e as condições em que as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, podem fidelizar um endereço eletrónico, que constitui a sua morada única digital;


b) Prever que a fidelização do endereço eletrónico, para efeitos de criação da morada única digital, bem como a adesão ao serviço público de notificações eletrónicas, são voluntárias para todas as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras;


c) Estabelecer que o endereço eletrónico a fidelizar é livremente escolhido pelos interessados em aderir ao serviço público de notificações eletrónicas;

d) Prever que a morada única digital equivale ao domicílio ou à sede das pessoas singulares e coletivas, respetivamente;

e) Estabelecer os termos e as condições em que as entidades públicas aderem voluntariamente ao envio de notificações eletrónicas através do sistema público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

f) Permitir que as entidades que legalmente sejam competentes para processar contraordenações e aplicar coimas ou sanções acessórias e que as entidades prestadoras de serviços públicos essenciais possam aderir ao envio de notificações através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

g) Estabelecer as regras de garantia, de segurança e de privacidade do sistema informático de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas, nomeadamente garantindo a comprovação da data e hora de disponibilização efetiva das notificações e o sistema de arquivo de notificações, bem como as regras aplicáveis à sua indisponibilidade;

h) Estabelecer o regime aplicável às vicissitudes do serviço público de notificações eletrónicas, incluindo as alterações à morada única digital e a possibilidade de livre cancelamento da adesão ao referido serviço;

i) Estabelecer o regime especial de envio e de perfeição das notificações eletrónicas administrativas remetidas através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

j) Para prever como domicílio fiscal a morada única digital e uniformizar o regime da perfeição das notificações e das citações fiscais e da segurança social, no sentido de as notificações enviadas através do serviço público de notificações eletrónicas e as citações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico se considerarem efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas na morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar ou a citar, respetivamente, proceder às alterações legislativas necessárias aos seguintes diplomas:

i) Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro;

ii) Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro;

iii) Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho;

iv) Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro;

v) Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro;

vi) Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, que cria as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, define as regras especiais daquele processo e adequa a organização e a competência dos tribunais administrativos e tributários;

vii) Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, que procede à regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro.»

-» OA/organização judiciária: O Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados vai realizar, no próximo dia 9 de Março, pelas 14:30, na Fundação Eng. António de Almeida, sita na Rua Tenente Valadim, 325, no Porto, uma conferência subordinada ao tema “Organização Judiciária: presente e futuro”. A abertura estará a cargo do Bastonário da Ordem dos Advogados, cabendo a moderação ao Dr. Paulo Pimenta, Presidente do Conselho Regional do Porto. Serão oradores: António Pedro Barbas Homem, Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa; Fernando Jorge, Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais; João Miguel Barros, Advogado; José Mouraz Lopes, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas; Rui Cardoso, Procurador Adjunto. Inscrição on line aqui.

-» Animais/estatuto jurídico: já tínhamos noticiado aqui a existência do projecto, resta agora chamar a atenção para o facto de já estar em forma de lei, a Lei n,º 8/2017, de 3 de Março, a ser consultada aqui.

-» TRL/sigilo profissional de advogado: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.02.2017 [relatora Cristina Branco, texto integral aqui] estatuiu que: 

«I – «Tanto o dever de sigilo que a lei substantiva prescreve como o direito ao sigilo que o direito processual reconhece, visam salvaguardar simultaneamente bens jurídicos de duas ordens distintas. A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões.»
II - Presentemente, é clara a prevalência da tutela da privacidade, bem jurídico pessoal, face ao bem jurídico supra-individual institucional, perante a previsão do art. 195.º do CP, sem prejuízo de os valores supra-individuais, que se «identificam com o prestígio e confiança em determinadas profissões e serviços, como condição do seu eficaz desempenho», aparecerem sempre incindivelmente associados à punição da violação do sigilo profissional, embora «com o estatuto de interesses (apenas) reflexa e mediatamente protegidos».
III - Estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta actividade profissional, podendo advir da violação desse dever de reserva, para além de responsabilidade criminal e civil, também consequências no plano estatutário e no plano processual.
IV – A eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um advogado, sendo violadora, para além do mais, do dever deontológico de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.
V - Não pode fazer-se apelo ao sigilo profissional para encobrir a eventual prática de actos ilícitos, de natureza criminal, por parte do mandatário, pois que, não constituindo acto próprio da advocacia, se mostra excluída da esfera de protecção da norma em causa (o art. 87.º da Lei n.º 15/2005, de 26-01, com as alterações do DL n.º 226/2008, de 20-11, e da Lei n.º 12/2010, de 25-06, e actualmente o art. 92.º da Lei n.º 145/2015, 09-09).»

Há um princípio segundo o qual, publicadas dado o seu interesse estritamente doutrinário, as decisões dos tribunais devem omitir qualquer menção que permita identificar o nome dos envolvidos na matéria sobre a qual se decide. De lamentar que, por lapso, há situações, como aqui, em que, verificando-se esse cuidado em certos excertos do decidido, o mesmo não se verifique ao longo do mesmo.

Código Criminal Pascoal José de Mello FreireCodigo criminal intentado pela Rainha D. Maria I / autor Pascoal José de Mello Freire [Segunda edição, castigada dos erros / corrector ... Francisco Freire de Mello. - Em Lisboa : Estampava no mez de Agosto o Typographo Simão Thaddeo Ferreira, 1823. - VIII, XIX, 144 p. ; 19 cm. - Inocêncio, 6, p. 350]. Pode ser lido on line aqui






Delação premiada: prós mas contras...



Foi ontem à noite no programa "Prós e Contras", na RTP-1, um debate sobre a delação premiada, em que me foi dado o ensejo de participar. [ver aqui]. Compreendo que a delação premiada sugestione os investigadores criminais, por criar a ilusão de uma mais rápida descoberta da verdade. Problema é quando leva à investigação da mentira. E problema também quando uma delação de aparente sucesso termina numa absolvição com evidente insucesso e a Justiça com isso se desprestigia. Tema difícil. A valerem os números do inquérito efectuado, a maioria dos auscultados querem delatores. Veremos se o Direito um dia não se arrepende antes os seus supostos "arrependidos".
Congratulo-me por todos os que tiveram o ensejo de polemizar em torno de um tema, difícil, seguramente mas relativamente ao qual se falou com a verdade da convicção. 

Vigilância electrónica


Este fim-de-semana, fazendo intervalo para o Notícias ao Domingo!, abro espaço para anunciar um livro cuja edição se efectuou, passe a publicidade, através da editora Labirinto de Letras, pela qual me responsabilizo. Trata-se de uma obra sobre a vigilância electrónica. Prossegue uma colecção dedicada a obras no domínio do Direito, visando a aculturação em torno do mesmo e dos problemas que se colocam a uma reflexão crítica sobre a Justiça.

Enquadrando o tema: A 2 de Janeiro de 2002, teve início a experiência da vigilância electrónica em Portugal. O número de 1.000 casos em simultâneo e o facto de terem passado pelo sistema quase 10.000 casos com uma taxa global de cumprimento de 95% revelam que as soluções penais com vigilância electrónica têm uma boa aceitação pelas forças actuantes no sistema de aplicação e execução de medidas criminais, pela comunidade e pelas vítimas de violência doméstica.
Este valor, e o facto de terem passado pelo sistema quase 10.000 casos com uma taxa global de cumprimento de 95%, revelam que as soluções penais com vigilância electrónica têm uma boa aceitação pela comunidade judiciária, pela sociedade civil e pelas vítimas de violência doméstica.
Escrito neste contexto, o livro reúne uma série de artigos sobre vigilância electrónica: um original e dez outros publicados em Portugal, Brasil, Chile e EUA, escritos – dois em co-autoria – a partir da experiência profissional do principal autora, Nuno Franco Caiado, enquanto responsável directo pelos serviços de VE, embora não se cinja a ela. Conta também duas preciosas colaborações: um artigo original do Professor André Lamas Leite, que escreve sobre a inserção da VE nas tendências do pensamento criminológico e da política criminal; e uma reflexão, igualmente original, do Professor Mike Nellis, o maior perito mundial sobre VE. Muito interessantes os textos de Teresa Lopes e Luís M. Correia. O prefácio é da responsabilidade de João Figueiredo, hoje juiz do Tribunal de Contas, mas que, entre outros, esteve associado aos primórdios da VE em Portugal enquanto Chefe de Gabinete do Ministro da Justiça Vera Jardim e, mais tarde, enquanto Presidente do Instituto de Reinserção Social.

Perante uma significativa assistência, a obra foi apresentada no Centro de Estudos Judiciários, a quem se agradece, por José Vera Jardim, que lembrou as vicissitudes do tempo em que a medida foi levada à prática, no tempo em que assumiu a responsabilidade pelo Ministério.

Como se escreveu no texto de apresentação: «Haverá disponibilidade para repensar a arquitectura do sistema punitivo e de criar um Direito conforme? Será excessivo atrevimento pensar a VE como um instrumento de ruptura com o dogma mental de grande expressão na tradição jurídica (em Portugal como nas várias escolas ocidentais) da liberdade versus cárcere? Na verdade, mesmo que a liberdade seja vigiada e controlada segundo níveis de supervisão consoante o risco, mesmo que haja diversos regimes de execução de penas e medidas na prisão, aquela dicotomia permanece como paradigma penal, obedecendo a um raciocínio binário simples que se encontra em profunda contradição com a complexidade do mundo actual.»
E, a citar as palavras de João Figueiredo, autor do texto do prefácio: «Introduzir a VE foi entrar, com alguma segurança é certo, em domínios do desconhecido. É assim com os projetos verdadeiramente inovadores: inova-se no presente, o que já é um feito, mas sobretudo abrem-se portas, por vezes inicialmente ignoradas, para o futuro. Assim os responsáveis tenham a visão e as capacidades necessárias, o queiram e criem as condições de concretização de novas etapas de desenvolvimento. O presente livro é um excelente contributo para a preparação de caminhos a seguir.»

Notícias ao Domingo!


O panorama internacional está a mudar a ritmo acelerado; não se sabe que conceitos nos esperam para os próximos tempos. Incerteza é termo que se multiplica nos meios de opinião, desde os políticos aos mercados, conjugado com outro seu irmão germano, o de volatilidade. Eis três tópicos do brave new world, para retomar uma designação que foi título de um interessante livro de Aldous Huxley, escrito em 1932 [e que deu, já agora, título a um álbum dos Iron Maiden em que uma das faixas se intitula, curiosamente, The Thin Line Between Love & Hate].


Primeiro, a ameaça do terrorismo. À sua conta multiplica-se a discussão em torno da correlação entre a política de imigração, a liberdade de circulação de pessoas e concessão de vistos com a prática de actos de cunho terrorista. Um dos pilares da União Europeia está, assim, em crise.
Se bem que nem todos quantos falam tenham presente uma definição do que seja terrorismo em sentido próprio - convocando a noção para qualquer acto violento criminalmente punível praticado por estrangeiro nomeadamente em função do país de origem ou da etnia - a verdade é que países que praticaram políticas liberais em matéria de abertura das suas fronteiras por razões humanitárias, começam a incrementar leis de favor à rápida deportação. O caso paradigmático é o da Alemanha. Neste país o parlamento [Bundestag, ver aqui o site, em francês] aprovou, aliás, na generalidade, em primeira leitura, no dia 17.02.2017 uma lei que permitirá a monitorização, através da vigilância electrónica, de suspeitos de terrorismo. [Veja-se a apresentação oficial do diploma aqui]; há, além disso, legislação em preparação quanto à agilização ao regime da expulsão de não documentados.
Paralelamente surgiu toda uma retórica agressiva, actualmente vociferada a partir dos EUA, no sentido da pura e simples proibição de entrada a cidadãos oriundos de certos países. Se bem que rejeitada judicialmente, a sua tradução em norma [ver a primitiva decisão judicial e a proferida pela Court of Appeals, aqui e aqui], a mesma vai ser reiterada pelo POFUS [designativo interessante sob o qual passou a ser generalizadamente conhecido o "President of the United States", sendo a Primeira Dama designada, oficialmente diga-se, como a FLOFUS, "First Lady of the United States"] e, admite-se, se poderá ser revista em termos de contornar as dificuldades que o primitiva directiva encontrou, abrangerá provavelmente os mesmos país originariamente previstos, Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen

Já agora um apelo à precisão: aquilo de que se tratou, ao contrário do que muitos supuseram, não foi de uma "lei" firmada pelo POFUS sim de uma "executive order", figura não prevista na Constituição americana, mas que equivale a uma directiva presidencial aos competentes órgãos federais no sentido de agirem em conformidade, a nível legislativo, se necessário. Ver aqui a lista oficial das EO's e veja-se o teor e sobretudo o âmbito de aplicação das mesmas, paradigmático de uma preocupação obsessiva com matéria de criminalidade, nomeadamente internacional organizada, segurança, circulação de pessoas. 
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Segundo, a da equação poder político-social/poder judicial. Países como o Brasil ou a Coreia do Sul, são exemplo de um domínio completo da cena social pelo poder judicial, através de decisões de prisão de altas figuras do poder, político no primeiro caso, empresarial no segundo. Só para falar no mais recente, às prisões proferidas no âmbito da cognominada Operação Lava Jato, sucede-se a do Vice-Presidente da Samsung no próprio país de origem e residência, tratando-se esta de uma das mais poderosas empresas na área das telecomunicações. Em Espanha a situação tornou-se análoga. Excepção sintomática, pelo inexplicado, a da condenação da Senhora Lagarde [por actos praticados enquanto ministra das Finanças de França] e a sua manutenção à frente do FMI. No panorama europeu, e num outro registo, a coincidência de investigações judiciais com candidaturas dos investigados a cargos de relevo continua a fazer gerar a dúvida sobre o acaso dessa ocorrência. A França, em eleições, é um dos mais recentes exemplos. O tema do "governo de juízes" não abandona, assim, a agenda da discussão pública.
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Em penúltimo lugar, a nível da regulação económico-financeira. Se bem que as autoridades de regulação e supervisão tenham vindo a multiplicar, a nível internacional, as suas expedições punitivas sobre entidades que pareciam insuspeitas de más práticas, aplicando sanções pecuniárias elevadíssimas [Rolls-Royce, VW, DB, etc, para mencionar apenas algumas das mais mediáticas], e se bem que, também, e tenham vindo a multiplicar a generosidade do pagamento aos delatores, também com origem nos Estados Unidos, assiste-se também a um primeiro sinal de que a desregulação, proclamada pelo actual Presidente durante a sua campanha eleitoral, pode vir a tornar-se lei, visando concretamente este o Dodd-Frank Act, que desde 2010 e na sequência da crise de 2008, disciplina  o sistema financeiro, visando a protecção dos consumidores. 

Ver a executive order contra o Dodd-Frank Act, firmada a 03.02.1017, aqui.

Entre nós, o Parlamento aprovou, na sessão da pertinente Comissão, no dia 15, uma alteração ao regime sancionatório dos valores mobiliários, criminalizando, nomeadamente, a prestação da informação falsa. Ver aqui.
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Finalmente, há a questão da delação, nas múltiplas facetas que pode assumir. Assistimos actualmente, ao sucesso de investigações criminais a partir de delações, incluindo as que são premiadas a nível da sentença ou do regime prisional e também ao êxito da actividade das entidade reguladoras norte-americanas, através de um programa especial de remuneração dos "tocadores de apito", os whistleblowers [ver aqui], ou "lanceurs d'alerte", como, com mais pudor, são designados na terminologia francófona. O sistema é complementado, no primeiro caso, com a repressão das entidades empregadoras, que estabeleçam cláusulas que limitem os seus empregados, ou ex-empregados, a denunciarem, ainda que remuneradamente, aquilo de que tiveram conhecimento durante o exercício das funções, possibilitando-lhes assim este sistema sancionatório que à indemnização pela cessação do contrato ou pensão de reforma somem o bónus complementar [veja-se o tipo de valores, aqui] da traição ante aquilo com que conviveram até ali, silenciosos. 
Verificamos que o modelo está a seduzir os nossos meios judiciários, como o atestam tomadas públicas de posição por parte do director do DCIAP e do mais antigo juiz do TCIC [através de intervenções na comunicação social], se bem que muito mais cautelosa haja sido, na matéria, a posição da ministra da Justiça que apenas se reportou ao interesse do debate, se bem que, enquanto Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, tenha a 13.01.2012 emitido indicações aos magistrados sob a sua supervisão, instruções no sentido de favorecerem o modelo então em debate, relativo a "acordos sobre a sentença" [a ver aqui].

Sintomático: está a organizar-se em alguns países, entre todos no Brasil, uma advocacia criminal especializada neste paradigma [por mera curiosidade, ver aqui], a qual alega, para se justificar, que se trata, afinal, da prestação do melhor serviço profissional aos seus clientes, e que a delação, ainda que paga, é um direito dos arguidos