Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




INTERPOL: alerta vermelho

Não sendo uma polícia no sentido técnico do termo, antes uma central de apoio técnico às polícias de 194 países, nisso incluindo a difusão de informação, a Interpol difunde dois tipos de alertas: os vermelhos, relativos a pessoas procuradas pelas autoridades judiciais os amarelos, respeitantes a pessoas desaparecidas. Há também os alertas azuis [sobre antecedentes criminais], verdes [de natureza preventiva], e negro [cadáveres a identificar].
O alerta vermelho não constitui um mandado de detenção mas apenas a transmissão de uma ordem de detenção emitida pela entidade competente. Este tipo de alertas veio para a ordem do dia em virtude da sua emissão visando a localização do gestor Carlos Ghosn após a sua fuga do Japão onde se encontrava sujeito a prisão domiciliária.
Para saber mais sobre os alertas vermelhos ler aqui. Quanto à lista de países membros ver aqui.
Há actual 62 mil alertas com esse perfil mas apenas são conhecidos publicamente sete mil; no ano que findou foram emitidos 13 377. A lista pode ser consultada aqui e engloba também portugueses.
Portugal não integra a Comissão Executiva do organismo, tendo Angola aí assento através de um delegado. Sobre o Gabinete Nacional da Interpol ver aqui.

Jurisprudência: convergindo para o decidido

Há acórdãos cujo interesse acrescido nasce da circunstância de, na sua fundamentação, conterem uma resenha exaustiva da jurisprudência e da literatura jurídica sobre temas que neles se tornaram relevantes. 
Disso exemplo é o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.12.2019 [proferido no processo n.º 4695/15.2T9PRT.L1-9, relator Abrunhosa de Carvalho, texto integral aqui] o qual, decidindo um tema de crime contra a honra, menciona em extensa nota de rodapé, entre outra matéria, o seguinte quanto aos temas que se citarão, e cuja leitura se mostra, por isso, ilustrativa:


Fundamentação da sentença: «Relativamente à fundamentação de facto, cf. a jurisprudência plasmada no Ac. STJ de 17/11/1999, relatado por Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss., do qual citamos: “O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum ... .”.Também neste sentido, ver Maria do Carmo Silva Dias, in “Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas Questões Ligadas à Prova Pericial”, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2005, pp. 178 e ss., bem como a doutrina e a jurisprudência constitucional citadas. No mesmo sentido, cf. Sérgio Gonçalves Poças, in “Da sentença penal – Fundamentação de facto”, revista “Julgar”, n.º 3, Coimbra Editora, p. 21 e ss..
Ver ainda José I. M. Rainho, in “Decisão da matéria de facto – exame crítico das provas”, Revista do CEJ, 1º Semestre de 2006, pp. 145 e ss. donde citamos: “Em que consiste portanto a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção? Consiste simplesmente na indicação das razões fundamentais, retiradas a partir das provas segundo a análise que delas fez o julgador, que levaram o tribunal a assumir como real certo facto. Ou, se se quiser, consiste em dizer por que motivo ou razão as provas produzidas se revelam credíveis e decisivas ou não credíveis ou não decisivas. No primeiro caso o tribunal explica por que julgou provado o facto; no segundo explica por que não julgou provado o facto. … a motivação não tem porque ser extensa, de modo a significar tudo o que foi probatoriamente percepcionado pelo julgador. Pelo contrário, deve ser concisa, como é próprio do que é instrumental, conquanto não possa deixar de ser completa.”.
Ver, por último, o acórdão do Tribunal Constitucional de 17/01/2007, in DR, 2ª Série, n.º 39, de 23/02/2007, que decidiu, além do mais, “Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é sempre necessária menção específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.”.»


Recurso quanto à matéria de facto: «Importa considerar que, como se afirma no Ac. do STJ de 17/02/2005, relatado por Simas Santos, in www.dgsi.pt, processo 04P4324, “1 - O recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. 2 - Se o recorrente aceita que o teor expresso dos depoimentos prestados permite que a 1.ª Instância tenha estabelecido a factualidade apurada da forma como o fez e questiona tão só a credibilidade que, no seu entender, (não) deveria ter-lhes sido concedida, sem indicar elementos objectivos que imponham a sua posição, a sua pretensão fracassa pois a credibilidade dos depoimentos, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso. 3 - Se apesar de se esforçar, a 1.ª Instância não consegue estabelecer o motivo que levou o arguido a agir, mas estão presentes todos os elementos do respectivo tipo legal de crime, nenhuma dúvida se pode levantar sobre a culpabilidade do agente. …”.E no Ac. do STJ de 12/06/2008, relatado por Raul Borges, in www.dgsi.pt, processo 07P4375, de cujo sumário citamos: “I - A partir da reforma de 1998 passou a ser possível impugnar (para a Relação) a matéria de facto de duas formas: a já existente revista (então cognominada de ampliada ou alargada) com invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adopção a observância de certas formalidades. II - No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo. Nesta forma de impugnação os vícios da decisão têm de emergir, resultar do próprio texto, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão como peça autónoma. III - No segundo caso, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, mas à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.º, al. b), do mesmo diploma. IV - A alteração do art. 412.º do CPP operada em 1998 visou tornar admissível o recurso para a Relação da matéria de facto fixada pelo colectivo, dando seguimento à consagração do direito ao recurso resultante do aditamento da parte final do art. 32.º, n.º 1, da CRP na revisão da Lei Constitucional n.º 1/97, vindo a ser “confirmada” pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20-10-2005 (in DR, I Série-A, de 07-12-2005), que estabeleceu: «Após as alterações ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25/08, em matéria de recursos, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da matéria de facto fixada pelo tribunal colectivo». V - Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto, não sendo tão restrita como a operada através da análise dos vícios decisórios – que se circunscreve ao texto da decisão em reapreciação –, por se debruçar sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre, no entanto, quatro tipos de limitações: - desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições; - por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação; - a jusante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. …”. [...] «No mesmo sentido, cf. o Ac. do STJ de 20/11/2008, relatado por Santos Carvalho, in www.dgsi.pt, processo 08P3269, de cujo sumário citamos: “I - O STJ tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros. II - Conhecendo-se pela fundamentação da sentença o caminho lógico que, segundo a 1ª instância, levou à condenação do recorrente, deveria este ter-se limitado a sindicar os pontos de facto que nesse percurso foram erradamente avaliados, com a indicação das provas que impunham uma decisão diversa e com referência aos respectivos suportes técnicos. …”.»


Aferição da prova testemunhal: «Neste sentido, veja-se o acórdão da RG de 16/05/2016, relatado por João Lee Ferreira, no proc. 732/11.8JABRG.G1, com o seguinte sumário: “I) Na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira e da efabulação. II) A função do julgador consiste em determinar como os factos se passaram, raciocinando sempre entre os limites de racionalidade e da experiência comum. III) Exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade imparcial a quem compete julgar depende, assim, de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante.”.»


Requisitos de fundamentação da sentença: « Nesse sentido, ver os seguintes acórdãos:- do STJ de 29/06/1995, relatado por Lopes Pinto, in CJSTJ, tomo II, pág. 254 e ss., donde citamos: “… Esses factos (provados e não-provados) hão-de ser os essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias relevantes juridicamente, que influenciam na determinação da medida da pena - os factos inócuos, ainda que incluídos na acusação e/ou contestação não têm de ser enumerados (vd., entre outros, acs. STJ in CJ XVI/2/19 e CJ STJ 11/1/246). …”;
- do STJ de 05/02/1998, relatado por Nunes da Cruz, in CJ, I, pp. 245 e ss., de cujo sumário citamos: “…II - O tribunal não tem que pronunciar-se sobre todos os factos alegados na contestação, mas apenas sobre os que integram matéria essencial à caracterização do crime e das circunstâncias juridicamente relevantes, pois que só esses são relevantes para a decisão.”;
- do STJ de 15/01/1997, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, in CJSTJ, tomo I, pág. 181 e ss., donde citamos: “…Esta exigência visa garantir que o tribunal contemplou todos os factos que foram submetidos à sua apreciação; como se disse no acórdão deste STJ de 26/3/92, BMJ nº 415, pág. 499, "a lei visa assegurar ou garantir o desempenho da exaustiva cognição, abranger a totalidade do "thema probandum"". Porém, esta garantia tem que ser articulada com o fim em vista - a decisão de uma causa-, só tendo sentido enquanto se refere a factos úteis a essa decisão, na aplicação da ideia de que compete ao tribunal proceder a uma condensação que expurgue aquilo que não interessa. Assim, tem igualmente este STJ entendido que a descrição dos factos provados e não provados se refere aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstância juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação - acórdão de 3/4/91, Col. Jur. 1991-II-19-, e não compreende os factos que não influam no proferimento da decisão - acórdão de 28/9/94, Col. Jur. - S.T.J. 1994/III/206, que apreciou um caso em que, como sucedeu nos presentes autos, nada se mencionou quanto aos factos não provados. Isto é igualmente de entender quanto aos factos alegados na contestação, já que as garantias de defesa apenas obrigam a que se considere o que foi alegado utilmente na sua óptica, e não o que é matéria irrelevante e excrescente. …”;
- da RG de 17/05/2010, relatado por Maria Augusta, no processo 248/07.7GAFLG.G1, in www.gde.mj.pt, donde citamos: “…Quanto aos factos provados e não provados, devem indicar-se todos os que constam da acusação e da contestação, “quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art.359º, nº2”. O que importa é que os factos sejam relevantes para a decisão da causa. E relevantes serão todos os factos essenciais à caracterização do crime ou integradores de causas de exclusão. Como é óbvio, os factos inócuos não têm que fazer parte dessa indicação e os conceitos de direito e as conclusões de facto, quer constem da acusação quer da contestação, não podem dela fazer parte. …”;
- da RC de 08/02/2012, relatado por Alberto Mira, no processo 38/10.0TAFIG.C1, in www.gde.mj.pt, donde citamos: “…Contudo, a razão de ser do art. 374.º, n.º 2, na vertente que ora importa ter em conta, tem de ser conexionada com o fim do processo penal, ou seja, só tem sentido a aplicação daquela da norma enquanto estiverem em causa, como se disse, factos relevantes para a decisão de mérito[…].
Como reiteradamente vem acentuando o Supremo Tribunal de Justiça, o cumprimento do art. 374.º, n.º 2, do CPP, não impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena[…], sendo certo que essa irrelevância deve ser vista com rigor, em função do factualismo inerente às posições da acusação e da defesa e bem assim aos contornos das diversas possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto – seja quanto à imputabilidade, seja relativamente à qualificação jurídico-criminal dos factos, seja quanto às consequências jurídicas do crime, designadamente quanto à espécie e medida da pena –, tendo em conta os termos das referidas posições assumidas pela acusação e pela defesa e os poderes de cognição oficiosa que cabem ao tribunal.
Só pode por isso decidir-se no sentido dessa inocuidade ou irrelevância no caso de a sua verificação resultar suficientemente segura à luz destas considerações, essenciais à prossecução cuidada da justiça penal concreta. …”;
- da RC de 19/03/2014, relatado por Belmiro Andrade, no processo 811/12.4JACBR.C1, do qual citamos: “…comando legal do art. 374º, n.º2 do CPP, obrigando à enumeração dos factos provados e não provados, refere logo a seguir, quanto aos fundamentos, que a exposição deve ser “tanto quanto possível completa, ainda que concisa”.
E, como tem decidido o STJ – v. entre outros: Ac. STJ de 15.01.1997, na CJ/STJ, tomo I/97, p. 181; Ac. STJ de 05.02.1998, publicado na CJ/STJ, tomo I/98, p. 189; Ac. STJ de 11.02.1998, BMJ 474º, p. 151; Ac. STJ de 02.12.1998, publicado na CJ/STJ, tomo III/98, p. 229 - a elencação dos factos provados e não provados refere-se apenas aos factos essenciais à caracterização do crime e circunstâncias relevantes para a determinação da pena e não aos factos inócuos, mesmo que descritos na contestação.
Daí que, como expressivamente, refere o Ac. STJ de 12.03.1998, BMJ 475º, p. 233, “o art. 374º, n.º2 do CPP não exige, relativamente aos factos não provados a mesma minúcia que preside à indicação dos factos provados, tendo o tribunal que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, maxime na contestação com interesse para a decisão”.
O que importa é que da conjugação da matéria da acusação e da defesa, resulte claro que o tribunal apreciou os factos relevantes aduzidos por uma e por outra relevantes para a decisão a proferir. Ou ainda que sejam a afirmação e a negação do mesmo “recorte de vida”, enquadrar a perspectiva da defesa, por referência à acusação que contesta, dentro do escopo do processo, o apuramento ou descaracterização dos pressupostos do crime imputado ao arguido. …”.»


Vício da insuficiência da matéria de facto: «Importante resenha doutrinal e jurisprudencial sobre o que constitui este vício consta do acórdão da RP de 06/10/2004, relatado por Torres Vouga, in www.gde.mj.pt, processo 0441909, do qual citamos: “… «Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 340]. «É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 339 in fine], [«Verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição» (Ac. do STJ de 6/4/2000, publicado in BMJ nº 496, pp. 169-180)]. «Há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido» [Ac. da Rel. de Lisboa de 19/7/2002, proferido no Proc. nº 128169 e relatado pelo Desembargador GOES PINHEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «tendo ficado apenas provado que o arguido tinha em casa uma navalha de ponta e mola, sem se terem indicado as respectivas características, não se pode inferir que a mesma tivesse as que são próprias das armas proibidas, pelo que a decisão impugnada baseou-se em matéria de facto que é insuficiente para o enquadramento da conduta do arguido na comissão do crime do artigo 260º do Código Penal», o Ac. do STJ de 2/12/1992 (in BMJ nº 422, p. 215)], [Cfr., no sentido de que, «não se dando como provados nem como não provados na decisão factos alegados na contestação, virtualmente integradores da figura jurídica da legítima defesa, importa concluir que o tribunal os omitiu e sobre eles não fez as necessárias diligências tendentes à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que grandemente pode prejudicar os direitos de defesa dos arguidos», sendo que «dessa anomalia decorre uma insuficiência da matéria de facto, consignada na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, quando não uma nulidade da decisão, estatuída nas disposições combinadas dos artigos 374º, nº 2, e 379º, alínea a), a colmatar através das disposições dos artigos 426º e 436º, todos do mesmo diploma», o Ac. do STJ de 7/12/1993 (in BMJ nº 432, p. 262)], [Cfr., no sentido de que «padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a sentença que, relativamente a um crime de ofensas corporais por negligência, não menciona o tempo de doença e/ou de incapacidade para o trabalho eventualmente resultante das lesões sofridas pela vítima», o Ac. da Rel. de Lisboa de 30/6/1998, proferido no Proc. 0010015 e relatado pelo desembargador SIMÕES RIBEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como «o requisito subjectivo da reincidência é ao nível da matéria de facto que deve, em concreto, ser apurado, com respeito pelo princípio do contraditório e a partir da indagação sobre o modo de ser do arguido, a sua personalidade e o seu posicionamento quanto aos ilícitos cometidos», «não tendo o Tribunal Colectivo apurado factualmente esse elemento, enferma o respectivo acórdão do vício previsto no art. 410º, nº 2, alínea a) do C.P.Penal que, impossibilitando a Relação de decidir a causa, impõe, nos termos do artº 426º, nº1, o reenvio do processo para novo julgamento relativamente a esta questão», o Ac. da Rel. de Lisboa de 25/1/2001, proferido no Proc. 76299 e relatado pelo Desembargador GOES PINHEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., igualmente no sentido de que, «não actuando a reincidência de forma automática e constando da acusação, como se impõe, os respectivos pressupostos, está o tribunal vinculado a indagar, com respeito pelo princípio do contraditório, os respectivos factos fazendo-os constar da matéria de facto provada ou não provada», pelo que, «não constando de tal matéria designadamente que a condenação anterior não constituiu suficiente advertência para o arguido não voltar a delinquir, há insuficiência da matéria de facto que implica a anulação parcial do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento nesta parte», o Ac. da Rel. do Porto de 19/9/2001, proferido no Proc. nº 0110239 e relatado pelo Desembargador ESTEVES MARQUES (cujo texto integral pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como, «no crime de difamação basta o dolo genérico, em qualquer das suas formas, directo, necessário ou eventual, não sendo exigido qualquer dolo específico, integrado pelo fim de difamar ou "animus diffamandi "», «se na sentença apenas se atendeu a esta última modalidade, dada como não provada, omitindo-se qualquer referência às outras formas que o dolo pode revestir, ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a consequenciar o reenvio do processo para novo julgamento», o Ac. da Rel. do Porto de 5/7/1995, proferido no Proc. nº 9540397 e relatado pelo Desembargador FONSECA GUIMARÃES (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «sendo o dolo requisito essencial para a verificação do crime de desobediência e mostrando-se a sentença completamente omissa quanto aos factos que integram esse elemento subjectivo (se o arguido agiu voluntária e conscientemente bem sabendo que o seu comportamento era ilícito e proibido por lei), há que concluir pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que implica o reenvio do processo para novo julgamento destinado à averiguação daquela questão», o Ac. da Rel. do Porto de 3/4/2002, proferido no Proc. nº 111347 e relatado pelo Desembargador HEITOR GONÇALVES (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, «tendo-se dado como não provado o dolo directo, há insuficiência da matéria de facto se esta for omissa acerca do dolo eventual», o Ac. da Rel. do Porto de 10/12/2003, proferido no Proc. nº 0315176 e relatado pelo desembargador FERNANDO MONTERROSO], [Cfr., no sentido de que, «não tendo o tribunal colectivo apreciado, considerado e investigado os factos constantes da contestação relevantes para a decisão da causa, por serem susceptíveis de integrar uma situação de reintegração social do arguido, de influir na graduação da pena e de fundamentar um juízo de prognose social favorável, tal omissão configura insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que constitui o vício da alínea a) do n.2 do artigo 410 do Código de Processo Penal que implica o reenvio do processo para novo julgamento», o Ac. da Rel. do Porto de 21/6/2000, proferido no Proc. nº 0040212 e relatado pelo Desembargador VEIGA REIS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., no sentido de que, como «a indagação das condições pessoais do arguido, mormente em caso de condenação, é um elemento inseparável do thema probandum delineado pelo objecto do processo, que o tribunal tem o dever de esgotar convenientemente», «a matéria de facto recolhida pelo tribunal recorrido enferma do vício de insuficiência sempre que dela conste não serem conhecidas as condições pessoais do arguido e se comprove que aquele tribunal nada fez para o conseguir», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6/11/2003, proferido no Proc. nº 03P3370 e relatado pelo Conselheiro PEREIRA MADEIRA (cujo texto integral pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].Essa insuficiência tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 340]. Na verdade, «o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada tem de resultar do texto da decisão recorrida e só existe quando o tribunal de recurso se vê perante a impossibilidade da própria decisão, ou decisão justa, por insuficiência da matéria de facto provada» [Ac. do STJ de 1/4/1993 (in BMJ nº 426, p. 132). No mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. do STJ de 24/2/1993 (in BMJ nº 424, p. 413), de 4/2/1993 (in BMJ nº 424, p. 376) e de 30/11/1993 (in BMJ nº 431, p. 404)], [Cfr., no sentido de que «a insuficiência da matéria de facto é vício da sentença que se não confunde com a omissão, a montante, de diligências consideradas indispensáveis para a descoberta da verdade ou com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida», o Ac. da Rel. de Lisboa de 5/7/2000 proferido no Proc. nº 0042415 e relatado pelo Desembargador PULIDO GARCIA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., também no sentido de que «a falta de inquirição de uma testemunha em julgamento nada tem a ver com o vício previsto na alínea a) do nº. 2 do artigo 410º do CPP (insuficiência da matéria de facto provada), configurando antes uma omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade, nos termos da alínea d) do nº. 2 do artigo 120º do mesmo código, entretanto sanada, se o vício não for invocado antes de finda a audiência (nº. 3, alínea a) do mesmo artigo 120º)», o Ac. da Rel. de Lisboa de 26/9/1995, proferido no Proc. nº 0003665 e relatado pelo Desembargador ARAGÃO BARROS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], [Cfr., igualmente no sentido de que «a eventual omissão de diligência probatória - inquirição em julgamento de perito do Instituto de Medicina Legal - não constitui " insuficiência da matéria de facto para a decisão ", mas antes nulidade processual sujeita ao regime do artigo 120º, ns. 2 - alínea d) e 3 - alínea a) do Código de Processo Penal», o Ac. da Rel. do Porto de 27/9/1995, proferido no Proc. nº 9540284 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
«O vício da insuficiência, tributário do princípio acusatório, tem de ser aferido em função do objecto do processo [Cfr., no sentido de que «o vício da insuficiência da matéria de facto contemplado no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal só pode ocorrer em correlação com o legítimo objecto do processo», pelo que ele «não se verifica se os factos que o recorrente pretende ver investigados não foram objecto da acusação», o Ac. da Rel. do Porto de 26/5/1993, proferido no Proc. nº 9350062 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)], traçado naturalmente pela acusação ou pronúncia. Isto significa que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício» [Ac. da Rel. do Porto de 20/3/96 proferido no Proc. nº 9640041 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA]. «Na pesquisa do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410º nº.2 alínea a) do Código de Processo Penal, há que averiguar se o tribunal, cingido ao objecto do processo desenhado pela acusação ou pronúncia, mas vinculado ao dever de agir oficiosamente em busca da verdade material, desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos postulados por esses parâmetros processuais, concluindo-se pela verificação de tal vício - insuficiência - quando houver factos relevantes para a decisão, cobertos pelo objecto do processo (mas não necessariamente enunciados em pormenor na peça acusatória) e que indevidamente foram descurados na investigação do tribunal criminal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver» [Ac. da Rel. do Porto de 6/11/1996, proferido no Proc. nº 9640709 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
De notar que «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida» [GERMANO MARQUES DA SILVA ibidem], [Cfr., no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 13/2/1991 (sumariado in Actualidade Jurídica, nºs 15/16, p. 7) e o Ac. do STJ de 3/11/1999 (in BMJ nº 491, p. 173)]. Na verdade, «a insuficiência a que se refere a alínea a), do artigo 410º, nº. 2, alínea a), do CPP, é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre facto(s) alegado(s) ou resultante(s) da discussão da causa que sejam relevante(s) para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão» [Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/7/1999, proferido no Proc. nº 99P348 e relatado pelo Conselheiro LEONARDO DIAS (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)]. «Logo, o vício em apreço não tem nada a ver nem com a insuficiência da prova produzida (se, realmente, não foi feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá, antes, um erro na apreciação da prova …), nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão proferida (em que, também, há erro, já não na decisão sobre a matéria de facto mas, sim, na qualificação jurídica desta)» [Ibidem].
Por isso, também «não integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer dos outros previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, o facto de o recorrente pretender “contrapor às conclusões fácticas do Tribunal a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e não o foi”» [Ac. do STJ de 25/5/1994 (in BMJ nº 437, p. 228)], [Cfr., também no sentido de que «o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a matéria de facto apurada não é bastante para suportar uma decisão de direito, quando há lacunas na investigação, omitindo factos ou circunstâncias relevantes para essa decisão e sem os quais não seja possível proferir decisão, factos que, por isso, é necessário investigar, o que é diferente da discordância do recorrente quanto à matéria de facto que o julgador, apreciando a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, entendeu considerar provada», o Ac. da Rel. do Porto de 11/2/98 proferido no Proc. nº 9610991 e relatado pelo Desembargador MARQUES SALGUEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)].
De igual modo, «não se confunde a insuficiência de fundamentação a que se refere o artigo 374º, nº 2, para que remete o artigo 379º, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, com a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mencionada na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código» [Ac. do STJ de 8/6/1994 (in BMJ nº 438, p. 184)], [Cfr., no sentido de que, «se a sentença não se pronunciar sobre factos essenciais descritos na acusação, tal omissão de pronúncia envolve nulidade de sentença (artigos 374º numero 2 e 379º alínea a) do Código de Processo Penal), mais do que o vício da alínea a) do numero 2 do artigo 410º do mesmo diploma: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», sendo que «o conhecimento das causas da nulidade da sentença precede a averiguação da existência dos vícios indicados no número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, pois, considerada nula a sentença, perderá interesse apurar a suposta existência desses vícios», o Ac. da Rel. do Porto de 22/1/1992, proferido no Proc. nº 9150789 e relatado pelo então Desembargador CASTRO RIBEIRO (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)]. …”.
[28] Nesse sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 21/06/2007, relatado por Simas Santos, no proc. 07P2268, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…A insuficiência a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP decorre, pois, da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da discussão da causa. E dispõe o art. 339.º, n.º 4 do CPP, a propósito: (…) «a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia(…)». …”, e de 29/03/2007, do mesmo relator, no proc. 07P339, in www,dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “…4 – A insuficiência da matéria de facto a que se refere o n.º 2 do art. 410.º do CPP é um vício da matéria de facto e não da matéria de direito. Se se entende que a matéria de facto assente é insuficiente para afirmar a verificação de um determinado tipo de crime, então o que se pretende é afirmar a existência de um erro típico de direito: o erro e subsunção dos factos ao direito. …”.»

Assistente pelo crime de infidelidade

Reflecte jurisprudência corrente o decidido pela Relação de Évora no seu Acórdão de 19.12.2019 [proferido no processo 91/18.8T9ENT.E1, , relator João Amaro, texto integral aqui]: 

«Estando em causa a prática de um crime de infidelidade cometido contra uma sociedade, só esta tem legitimidade para se constituir como parte assistente, e não um sócio.»

Uma reflexão mais detalhada sobre o tema pode ler-se, por exemplo, ante o Acórdão do Tribunal Constitucional 145/2006, [texto integral aqui] e neste eboook do CEJ aqui.

Suspensão da pena e inutilidade da revogação

O tema da suspensão da pena está na ordem do dia, por se questionar o que se tem por permissividade na aferição das razões da sua revogação, bem como na cumulação sucessiva de penas suspensas em relação ao mesmo condenado. 

O Acórdão da Relação de Évora de 19.12.2019 [proferido no processo 293/03.1TAVFX.E3, relatora Ana Bacelar Cruz, texto integral aqui] decidiu quanto ao primeiro tema num sentido que é o que é consensualmente aceite como razoável, afinal, o do não automatismo da revogação, ao estatuir [sumário da própria relatora]:


«I. O incumprimento culposo da obrigação condicionante da suspensão da execução da pena de prisão não basta para revogar essa suspensão. Por ser ainda necessária a demonstração inequívoca de que esse incumprimento evidencia a frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena. É o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.
Porque não seria aceitável que tal exigência existisse apenas para a prática de novo crime no decurso do período de suspensão, sendo certo que tal acontecimento faz sobressair de forma mais evidente o fracasso da prevenção da reincidência.»


Relevante é o que o mesmo aresto teve de decidir e levou ao seu sumário, o fosso temporal entre o momento do incumprimento, e a data em que a revogação foi decidida e sobre isso determinou:


«II. Atendendo a que do registo criminal do Arguido não consta qualquer condenação para além da imposta nos presentes autos, não pode deixar de se considerar um exagero o período de mais de 3 (três) anos para apreciar a necessidade de prorrogação ou de revogação da suspensão da execução da pena. Estando esgotado o período de suspensão da execução da pena de prisão imposta e não sendo possível decretar a sua prorrogação, face ao tempo, entretanto decorrido e ao disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal, impõe-se a extinção da pena.»


A decisão assenta numa evidente disfunção do sistema de justiça, que a Relação teve de resolver em termos de justiça. Como refere o decidido: 

«Entre o termo do período em que o Arguido devia entregar à Assistente a quantia de € 43 758,25 (quarenta e três mil setecentos e cinquenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos) [18 de janeiro de 2014] e a ocasião em que foi proferida a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão [6 de junho de 2019] decorreram 5 (cinco) anos 4 (quatro) meses e 19 (dezanove) dias. Entre o termo previsto para suspensão da execução da pena [18 de janeiro de 2016] e a ocasião em que foi proferida a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão [6 de junho de 2019] decorreram 3 (três) anos 4 (quatro) meses e 19 (dezanove) dias.»


Ante tal insuportável hiato temporal, bem se considerou na decisão: «São períodos longos, não imputáveis ao Arguido, e inaceitáveis, sob pena de se perpetuarem as condenações em processo crime, com possibilidade de desrespeito pelo período de prorrogação do tempo de suspensão consagrado na lei e pelo prazo prescricional da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.»

Uma faceta incidental, mas que não pode passar despercebida: ao fundamentar o seu entendimento o acórdão cita três decisões, uma da própria Relação de Évora de 18 de Novembro de 2010, proferido no processo 12/99.5GFSTR.E1], outra da Relação do Porto, de 23 de Novembro de 2016, proferido no processo 622/12.7PCMTS-A.P1e enfim uma do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 117/14.4GTBRG.G1, não publicado.

Ora haver acórdãos relevantes cognoscíveis pelos tribunais que não pelos recorrentes, pois que não publicados, é situação inaceitável em termos das garantias que um Estado de Direito deve oferecer no que se refere ao conhecimento do seu sistema jurídico.

dgsi/TRE: actualização

O site dgsi no que se refere a jurisprudência conheceu actualização, conforme anotámos na lateral deste blog, publicando acórdãos datados até 19 de Dezembro, conforme darei conta de modo especificado em publicações referentes a cada decisão.

Equidade e wikipedia

Num enunciado quanto ao que seja o critério de equidade na quantificação de danos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2019 [proferido no processo 1087/14.4T8CHV.G1.S1, relatora Assunção Raimundo, texto integral aqui], definiu:

«I - A equidade traduz, no nosso sistema jurídico, um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “à luz de diretrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas”.
«II - A necessidade de fazermos apelo aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º da lei civil, segundo a qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, surge quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos.»

Assentando o conceito de equidade no pensamento da literatura jurídica de referência [Antunes Varela, Menezes Cordeiro, Oliveira Ascensão], balizando-a numa âncora filosófica [a tese de António  Castanheira Neves e uma obra do egípcio Magdi Sami Zaki, especialista no pensamento copta], bem como na jurisprudência do próprio STJ [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-5-2010, Proc. 408/2002.P1.S1], desnecessário teria sido, para complementar a argumentação, o recurso ao que consta na wikipedia, considerada fonte incerta e de menor relevo como fonte do conhecimento.

dgsi/STJ:actualização

O site dgsi no que se refere a jurisprudência conheceu actualização, conforme anotámos na lateral deste blog, publicando acórdãos datados até 11 de Dezembro, conforme darei conta de modo especificado em publicações referentes a cada decisão.


Abertura do ano judicial

A abertura do ano judicial corresponde ao início do civil, se bem que psicologicamente a sensação de regresso após as férias de Verão esteja associada à ideia de reinício. O momento é assinalado por um acto protocolar, que teve lugar este ano no Palácio da Ajuda, dado encontrar-se em obras de remodelação o edifício do Supremo Tribunal de Justiça, circunstância simbólica como assinalou o seu Presidente.
Não cabe comentar aqui as alocuções proferidas, apenas sublinhar o reiterado apelo à convergência dos que na Justiça participam, feito pelo Presidente da República, o qual, a propósito, lembrou iniciativa idêntica, a respeitante ao pretendido pacto para a justiça que, apesar dos seus tímidos resultados, marcou simbolicamente, em 2018, um primeiro passo; pacto que, como acentuou, visaria um consenso a formar-se no interior da justiça e que balizasse, depois, os passos da política. 
É que não há reforma da justiça que, vindo dos decisores políticos, seja viável, sem que haja acerto de um denominador comum prévio entre aqueles que estão incumbidos da sua execução: mostra a experiência quantas intenções foram descaracterizadas pelo modo como ocorreu a sua concretização.
E também não há reforma possível, que ao País aproveite, quando o ponto de partida seja a desconfiança e a censura antecipada ao que nem se sabe ainda como será apresentado para discussão pública, ou o discurso de vitupério permanente em torno da conceito da interminável crise.
Enfim, não há reforma possível se mensagens como as que o Chefe do Estado ali levou forem tomadas, enfastiadamente, como mero cerimonial discursivo, inconsequente e, na mais pobre acepção do termo, meramente institucionais. 

[o discurso do Presidente, em registo audio, pode ser ouvido aqui].
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Fonte da imagem: site da Presidência da República

Júlio de Castro Caldas


Faço minhas as palavras do Bastonário e do Conselho Geral na declaração pública sobre a triste notícia que é a morte do Bastonário Júlio de Castro Caldas. Tive a honra de proferir as palavras de homenagem quando lhe foi atribuída, a 19 de Maio deste ano, a medalha de ouro da Ordem dos Advogados. Perdeu-se um grande advogado, perdi um amigo. 

Morreu o nosso Bastonário Júlio de Castro Caldas. Foi Presidente da Ordem entre 1993 e 1998, em dois mandatos sucessivos, depois de ter desempenhado funções no Conselho Distrital de Lisboa (entre 1979 e 1980) e no Conselho Geral (entre 1987 e 1989).
Advogado toda a vida, recorda-se nele a dedicação esforçada à profissão, a gentileza para com os colegas, uma bonomia tranquila que não o impediu de defender de modo vibrante os interesses da classe quando os sentiu em perigo.
Militante de um partido, tendo desempenhado funções na política, chegando a Vice-Presidente do grupo parlamentar do mesmo, nunca colocou a Ordem ao serviço da política nem permitiu que esta interferisse nos destinos da advocacia. É nisso exemplo de honradez cívica.
Quando do IV Congresso dos Advogados, realizado sob a sua égide, no Funchal, em Maio de 1995, afirmou um paradigma de «criteriosa identificação e definição dos conceitos de interferência de poderes do Estado», nomeadamente pelo «respeito pela função intermediadora e interventora do patrocínio forense de parte, como forma de controle e fiscalização da legalidade».
Júlio de Castro Caldas protagonizou, em antecipada preocupação, temas que se viriam a revelar, afinal, actuais face aos critérios da contemporaneidade.
Se no segundo mandato elegeu como tema prioritário as reformas do processo penal e do processo civil, foi para que se concretizasse uma cooperação de esforços entre os advogados, os magistrados judiciais e o Ministério Público, tendo os advogados direito a reclamar esse espírito «já que somos quem representa em primeira linha os cidadãos e a sua individualidade face ao Estado, e bem sabemos que o fulgor das democracias se mede pelo rigor e pela eficácia dos seus sistemas judiciários».
Se elegeu o tema da relação entre a comunicação social e a justiça, foi ante o efeito pernicioso já sentido dos prejuízos causados à justiça pelos benefícios económicos decorrentes da luta concorrencial pelas audiências. Palavras suas: «o processo judicial na comunicação social é nos dias de hoje um fenómeno totalitário, destruidor de direitos individuais constitucionalmente garantidos».
Se no Dia Nacional do Advogado, em 1993, se ocupou da investigação criminal foi para clamar por uma «subordinação funcional real de toda a investigação criminal, qualquer que seja a forma que se dê a tal investigação, a Magistrados do Ministério Público que sejam verdadeiros Juízes de Instrução, que por dever institucional tenham a obrigação de fazer prevalecer a lei geral e abstracta, num domínio tão sensível para os direitos individuais dos cidadãos».
Com ele, e como afirmaria mais tarde: «durante os meus dois mandatos, não havia legislação que não tivesse a consulta obrigatória da Comissão de Legislação, que emitia os seus pareceres a tempo e horas e devo dizer que, usualmente, esses pareceres eram ouvidos e tomados em consideração».
A Ordem teve então participação activa e consequente em comissões governamentais de reforma legislativa a nível do processo penal e civil, processos falenciais, custas judiciais, contencioso administrativo, direito comercial, e acesso ao direito, relativamente ao qual a Ordem apresentou um projecto de lei, tomando igualmente a iniciativa legislativa no que se refere à responsabilidade civil dos advogados e respectivo seguro.
Entre os combates que travou esteve o que pôs em causa a projectada alteração da legislação sobre o arrendamento para profissões liberais e em defesa das compensações aos hemofílicos contaminados com o vírus HIV. Parte significativa do seu primeiro mandato foi ocupado com o tema da revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados, que viria a ser modificado em 1994.
Respeitado a nível nacional, era-o também a nível internacional, tendo sido eleito, em 1998, presidente da Fédération des Barreaux d’Europe. A Ordem participava então de modo actuante em um dos Comités Permanentes da CCBE, na Conferência dos Presidentes das Ordens dos Advogados da Europa, no Congresso da UIA em que Portugal assegurou uma das vice-presidências, bem como contacto regular com as congéneres europeias e principais organizações internacionais, a UIA, a IBA, a AIJA e a UIBA, bem como com as ordens dos países lusófonos.
À sua iniciativa se deve a revitalização da Comissão dos Direitos do Homem.
No plano das realidades práticas, actualizado e prospectivando o futuro, ocorreu no seu mandato a criação do portal virtual da Ordem e bem assim o Centro de Documentação Jurídica, instrumentos hoje ao serviço usual de todos os advogados. Ao Conselho Geral por ele presidido se deve, em articulação com a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, a criação de um Fundo Especial de Segurança Social e a implementação de novos sistemas de subvenção e subsídio de invalidez.
Morreu, pois, um grande advogado e um notável Bastonário. Não morre, porém, a alma da toga, a independência, a coragem e o exemplo moral.

Maria João Antunes - 2: disposições e princípios constitucionais em matéria penal

Retornando ao texto do livro cuja leitura já anotei [aqui], centremo-nos no primeiro capítulo dedicado às disposições e aos princípios constitucionais em matéria penal.
O interesse da exposição radica precisamente no enunciado sistematizado que faz das normas jurídicas da Lei Fundamental que se conexionam directamente com a matéria penal, mas também dos princípios cuja expressão constitucional é reconstituída por referência a preceitos da Constituição, no caso tanto a portuguesa como a brasileira, sobretudo os primeiros com menção às decisões jurisprudenciais em que foi considerada a sua relevância.
Quanto às normas jurídicas constitucionais, assim listadas, o seu número impressiona pela extensão, a evidenciar a dimensão do território normativo constitucional, na sua maior parte de sinal garantístico. Assim os artigos 19º, n.º 6, 24º, n.º 2, 25º, n.º 2, 29º, ns. 1, 2 3 e 4, 30º, n.º 1, 2, 3, 4 e 5, 32º, n.º 2, 37º, ns. 1 e 3, 117º, n.º 3, 134º, f), 157º n.º 1, 161, f), 165º, 1, c), 211º, n.º 3, 213º, 219º e 282º, n.º 3.
Em nota de rodapé a narrativa ilustra, a propósito, temas em que estas regras jurídicas tiveram relevo: normas penais em branco, legalidade em matéria criminal, pena relativamente indeterminada, pessoalidade das penas, responsabilidade solidária dos gerentes e administradores, incapacidade eleitoral activa dos definitivamente condenados, estatuto dos condenados em prisão, enriquecimento injustificado e reserva de lei para legislar como contraordenação em matéria antes criminalizada.
Para além das regras, há, porém, os princípios que, integrando o «bloco da constitucionalidade», «são recondutíveis ao programa normativo constitucional, surgindo como formas de densificação ou revelação específicas de princípios ou regras constitucionais positivamente explanados», como é o caso do «direito penal do bem jurídico» [que é detalhado em capítulo próprio do livro], de onde decorrem os princípios da dignidade penal do bem jurídico e da necessidade [ou carência] da intervenção penal [extraído do artigo 18º, nº 2 da Constituição], o princípio constitucional da culpa [por referência aos artigos 1º, 13º e 25º, n.º 1 na parte em que deles decorre a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, bem como do artigo 2º quando consagra o modelo de Estado de Direito democrático],  o princípio da proporcionalidade das sanções penais [com fundamento nos já citados artigos 2º e 18º, n.º 2 da Constituição], e o princípio dito da «socialidade» ou da socialização da condenação, pelo qual «incumbe ao Estado um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe as condições necessárias para a reintegração na sociedade [o que é construído em função dos artigos 1º e 25º, n.º 1, 2º, 9º, alínea d, 26º, n.º 1 e 30º, nº 2].
Enfim, a última parte da exposição aborda o tema dos princípios jurídico-constitucionais «dos quais derivam para o legislador penal proibições de incriminação», como é o caso do princípio da igualdade, como o que esteve subjacente à declaração de inconstitucionalidade do artigo 175º do código Penal, na redacção anterior a 2007, pois que incriminava actos homosexuais com adolescentes e «não ser constitucionalmente tolerável uma incriminação violadora da proibição constitucional da discriminação em razão da natureza homossexual dos actos sexuais de relevo».

Sumários de acórdãos: descubra as diferenças

No que à difusão da jurisprudência respeita ele há coisas interessantes sobretudo em matéria de sumários. É sabido que estes tentam ser apenas um extracto do entendimento expresso numa decisão ou, pelo menos, no que se tenha por ser o núcleo essencial dessa decisão. E também tem escassa margem de discussão que, fruto da massificação dos processos, e do excesso de informação, há uma generalizada prática de leitura dos acórdãos pelos seus sumários, pressupondo o que pode ser erro: que os sumários traduzem fielmente o decidido e que há um sumário diríamos oficial do decidido.

Ora para meditar sobre o tema, veja-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2019, sobre transmissão e execução de sentenças em matéria penal tal como vem publicado no último número da Colectânea de Jurisprudência

«A recusa de reconhecimento de sentença estrangeira, consagrado no art. 36/1/j da Lei n.º 158/2015, quando a duração da medida de vigilância ou da sanção alternativa for inferior a seis [sic], não necessita de interpretação corretiva, pois o legislador consagrou essa recusa, optando por uma solução admitida pela DQ nº 2008/947/JAI, em coerência com o que ocorre em matéria de cooperação judiciária internacional em matéria penal»


Veja-se agora o sumário do mesmo acórdão tal como vem publicado na dgsi [ver o texto integral aqui]:

«I - A questão que se suscita nestes autos prende-se essencialmente com o conjunto de normas que transpuseram para o direito interno as disposições previstas na Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008, respeitante à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças e decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas e mais precisamente com o disposto no art. 36.º, n.º 1, al. j), da Lei 156/2015, 17-09, o que, numa interpretação que o ilustre recorrente qualifica de meramente literal, aponta para a recusa de reconhecimento da sentença quando a duração da medida de vigilância ou da sanção alternativa for inferior a 6 meses, interpretação que se segundo este recorrente faria do diploma de transposição um articulado incongruente, violaria o primado do direito comunitário e que, independentemente disso, mesmo a aceitar-se a interpretação do Tribunal recorrido, a decisão será nula porquanto, não tendo previamente dado cumprimento ao disposto no art. 36.º, n.º 4 da Lei 158/2015, de 17-09, terá incorrido no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP).
II - Segundo o art. 35.º, n.º 3, da Lei 156/2015, 17-09, a autoridade portuguesa competente não reconhece a sentença ou decisão relativa à liberdade condicional se decidir invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento a que se refere o artigo seguinte.
III - A entender-se que a norma do n.º 1 do art. 36.º do mesmo diploma legal tem natureza impositiva, aquele “se decidir” não teria qualquer sentido. Conjugando o disposto em ambas as disposições seria forçoso concluir pela natureza facultativa do disposto no art. 36.º, n.º 1.
IV - O que o legislador fez foi realizar, através do art. 35.º, a transposição do art. 8.º da Decisão-Quadro, de cujo n.º 1 consta o seguinte: "A autoridade competente do Estado de execução reconhece a sentença e, se for caso disso, a decisão relativa à liberdade condicional, transmitida nos termos do artigo 5.º e de acordo com o procedimento previsto no artigo 6.° e toma sem demora todas as medidas necessárias à fiscalização da medida de vigilância ou da sanção alternativa, a menos que decida invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento e da fiscalização a que se refere o artigo 11.º", sem ter tido em conta a concreta solução adotada no que se refere às causas de recusa.
V - Em parte alguma do art. 36.º, n.º 4, do CP, se refere que o pedido de informações complementares se destine a evitar accionar o motivo de recusa. Pelo contrário, o n.º 4 refere que "antes de decidir não reconhecer a sentença (...) ".
VI - O n.º 4 não impõe o pedido de informações, uma vez que ele se destina a obter " (...) todas as informações complementares necessárias". Ora, se não houver necessidade de quaisquer informações complementares, tal pedido não se justifica e faz desse procedimento um ato totalmente inútil. O que o legislador pretende é, face a um fundamento de recusa, que o mesmo só seja accionado dispondo a autoridade competente de todos os elementos para que essa recusa seja inquestionável.
VII - O n.º 5 do art. 36.º ao admitir que mesmo face a uma recusa pode-se e deve-se procurar chegar a um acordo com a autoridade emitente e, com base nele, decidir fiscalizar mas sem assumir as decisões a que alude o art. 40.º n.º 2, consagra uma solução subsidiária.
VIII - Face ao considerando n.º 18 da Decisão-Quadro e no art. 11.º constata-se que a Decisão-Quadro tem o propósito de dar aos Estados a possibilidade de não reconhecer um conjunto de decisões, mas não pretendendo, nem podendo, vincular um Estado a fazê-lo de determinada forma. O Estado português optou pela decisão de recusa, em coerência com o que ocorre em outras situações, designadamente em matéria de cooperação judiciária internacional em matéria penal, o que é uma opção perfeitamente legítima.
IX - Portugal não é o único Estado da União que optou por esta solução para situações como a que está em apreço. Houve Estados que optaram pela mera possibilidade de recusa, como a Itália (art. 13.º, n.º 1, al. g) do Decreto legislativo 38, de 15-02-2016), ou a França (art. 764-25, n.º 1 do CPP, um dos artigos acrescentados a este código pela a Lei 2015-993, de 17-08, aprovada para afeitos de transposição da Decisão Quadro 2008/947).
X - Em Espanha o art. 105.º, n.º 1, al. b) da Lei 23/2014, de 20-11, determina que o juiz denegará o reconhecimento e a execução das decisões de liberdade vigiada em medida inferior a seis meses (decisões essas que, nos termos do seu art. 94.º, al. i) do mesmo diploma, abrangem a prestação de trabalho a favor da comunidade). Ou seja, num caso como o que está em apreço, a Espanha recusaria o reconhecimento da decisão.
XI - A decisão sob recurso não incorre na nulidade do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, decidiu em conformidade com a letra e o espírito do art. 36.º, n.º 1 da Lei 158/2015 e não ofende o primado do direito comunitário porquanto o legislador português optou por uma solução admitida pela Decisão-Quadro 2008/947/JAI (considerando 18 e art. 11.º).»

Maria João Antunes - 1: cosmopolitismo e deferência jurisdicional

Há pequenos livros que se tornam maiores pela riqueza das reflexões que proporcionam. Na aparência este é apenas um relatório apresentado em função de um regulamento académico; só é que muito mais do que isso, pois traz um ponto de situação não só ao tema que dá azo ao título, mas também a temas que são com ele conexos.
A abordagem convoca além disso, não só o Direito Criminal brasileiro, até aqui muito desconsiderado, mas agora parte essencial do ensino «dado o número significativo de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra que são oriundos do Brasil», mas também o que decorre do Direito alemão, italiano, espanhol e, numa menor medida, francês.
Irei dividir as notas de leitura em vários textos, cada um conforme à matéria a que respeita.
Entrando pelo último capítulo através dele entra-se pelo tema do que é denominado o «cosmopolitismo e pluralismo constitucional», no fundo, numa outra vertente a «protecção multinível de direito». Trata-se, no fundo de notar que «deixou de fazer sentido pensar as relações entre o direito penal e a Constituição exclusivamente por referência a esta ou, melhor dizendo, por referência à Constituição nacional».
Neste particular a autora surpreende momentos interesses da situação.
Por um lado, que a «vinculação» a essa pluralidade «chega mesmo a ir além do expectável, perante disposições constitucionais como as contidas nos artigos 7º, 8º e 16º da CRP [...]».
A propósito lembra que, em Portugal e de modo mais amplo por exemplo do que se passa em Espanha, a partir da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e em face da nova redacção da alínea g) do n.º 1 do artigo 449º do CPP; a revisão da sentença transitada em julgado passou a ser admissível quando "uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça".
Esta sobreposição de ordenamentos assume hoje uma tal força de prevalência do internacional sobre o nacional que há decisões, e na obra citam-se três,que «terão extravasado, por ventura, em alguns pontos a deferência jurisdicional que é característica da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo quando deixa para os Estados membros uma significativa margem de apreciação». 
Sendo esta a situação actual, oxalá a nossa jurisprudência acolha esta lógica de proteccionismo reforçado pois que não apenas escorado na Lei Fundamental nacional mas afinal no garantismo emergente das fontes internacionais orientadas à tutela de direitos. Um caso concludente tem a ver, por exemplo, com a denominada burla de etiquetas em que, pela manipulação das categorizações jurídicas, o legislador acolhe conceitos que são forma de compressão estatutária mas que, em rigor, não qualificam com aderência substancial a realidade que pretendem definir.

dgsi: o ponto de situação

Este blog é um corpo vivo em constante actualização. Esta manhã coloquei na lateral direita, a seguir às ligações para os portais de jurisprudência, o ponto de actualização do site da dgsi.  Cada vez que houver nova jurisprudência será fácil por ali ver a situação. Actualmente estamos assim com o Tribunal da Relação de Guimarães e a Relação de Lisboa na dianteira, ex aequo:


TC-10.12
STJ-05.12
TRG-19.1.2
TRE-05.12
TRG-17.12
TRL-19.12
TRP-10.12

CSMP: membros e funções

A folha oficial publica hoje a Resolução da Assembleia da República n.º 1/2020, aprovada a 20 de Dezembro de 2019, pela qual foram designados os membros do Conselho Superior do Ministério Público:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea g) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, e da alínea f) do n.º 2 do artigo 15.º do Estatuto do Ministério Público, eleger os seguintes membros para o Conselho Superior do Ministério Público:

Efetivos:
Manuel de Magalhães e Silva
Rui Manuel Portugal da Silva Leal
José Manuel Mesquita
António Manuel Tavares de Almeida Costa
Brigite Raquel Bazenga Vieira Tomás Gonçalves

Suplentes:
Vânia Gonçalves Álvares
Daniel Bento Alves
Pedro Gonçalo Roque Ângelo
Nos termos do artigo 27º do Estatuto do Ministério Público, compete ao seu Conselho Superior:
a) Nomear, colocar, transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional, exercer a acção disciplinar e, em geral, praticar todos os actos de idêntica natureza respeitantes aos magistrados do Ministério Público, com excepção do Procurador-Geral da República;

b) Aprovar o regulamento eleitoral do Conselho, o regulamento interno da Procuradoria-Geral da República, o regulamento previsto no n.º 4 do artigo 134.º e a proposta do orçamento da Procuradoria-Geral da República;

c) Deliberar e emitir directivas em matéria de organização interna e de gestão de quadros;

d) Propor ao Procurador-Geral da República a emissão de directivas a que deve obedecer a actuação dos magistrados do Ministério Público;

e) Propor ao Ministro da Justiça, por intermédio do Procurador-Geral da República, providências legislativas com vista à eficiência do Ministério Público e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias;

f) Conhecer das reclamações previstas nesta lei;

g) Aprovar o plano anual de inspecções e determinar a realização de inspecções, sindicâncias e inquéritos;

h) Emitir parecer em matéria de organização judiciária e, em geral, de administração da justiça;

i) Exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas por lei.

Suspensão provisória: obrigatoriedade e inconsequência


Interessante porque no sentido [aparente, afinal] de não ser possível extrair consequências processuais do incumprimentos da regra da obrigatoriedade da ponderação da suspensão provisória do processo [quando apenas se trata de uma decisão relativa a processo sumário], o Acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2019 [proferido no processo n.º 24/19.4GTBGC.G1, relator Jorge Bispo] sentenciou [em termos que o sumário não reflecte, ver o texto integral aqui]:


«I) O Ministério Público deve obrigatoriamente ponderar a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, antes de deduzir acusação em processo sumário.

II) Todavia, não o tendo feito, tal omissão não é suscetível de consubstanciar qualquer invalidade processual, mormente a nulidade de insuficiência do inquérito, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal.»


A ideia da obrigatoriedade da ponderação da suspensão provisória do processo [nos casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos legais] foi expressa no Acórdão do STJ de 13.02.2008 [proferido no processo n.º 07P4561], segundo o qual: 

«A Lei n.º 48/2007, acentuou a natureza de poder-dever conferido pela norma do n.º 1 ao Ministério Público ao substituir a expressão “pode (…) decidir-se (…) pela suspensão do processo” por esta outra, claramente impositiva: “oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina (…) a suspensão do processo», mas já assim se devia entender no domínio da redação dada pela Lei n.º 59/98, mas pretendeu-se afastar a interpretação de que “o pode decidir-se” constituía uma mera faculdade concedida ao Ministério Público a usar discricionariamente e afirmar a interpretação de que verificados os respetivos pressupostos, se impunha ao Ministério Público a suspensão provisória do processo.».

É certo que a questão se colocou em sede de processo sumário [onde inexiste inquérito] e o aresto admite [citando o parecer do MP junto da Relação] que poderia ter ocorrido irregularidade, a qual, porém, não foi arguida no caso. 

É por isso evidente que o sumário, parecendo conter doutrina geral é nessa parte enganador. É porque, a ser expressão de regra para o processo comum, o que o aresto estaria a determinar é que a a «clara impositividade» que cita, quando não acatada, não tem consequências processuais, invalidando o processo pela omissão do devido , e a vertente dever do binómio poder/dever fica confinado é faceta poder.

1ª CACDLG: agenda para 6 de Janeiro

Está agendada para 6 de Janeiro de 2020 a reunião ordinária da 1ª Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Da agenda consta [cita-se o texto oficial]:


1. Distribuição de iniciativas legislativas: nomeação de relator e deliberação sobre consultas a promover; 

2. Discussão e votação dos pareceres sobre as seguintes iniciativas legislativas: 

Proposta de Lei n.º 4/XIV/1.ª (GOV) - "Aprova as Grandes Opções do Plano para 2020" 

Área da Administração Interna - Relator: Deputado André Coelho Lima (PSD) 
Área da Presidência - Relator: Deputado José Manuel Pureza (BE) 
Área da Justiça - Relatora: Deputada Mónica Quintela (PSD) 

Proposta de Lei n.º 5/XIV/1.ª (GOV) - "Aprova o Orçamento do Estado para 2020" 
Área da Administração Interna - Relator: Deputado André Coelho Lima (PSD) 
Área da Presidência - Relator: Deputado José Manuel Pureza (BE) 
Área da Justiça - Relatora: Deputada Mónica Quintela (PSD) 

Proposta de Lei n.º 6/XIV/1.ª (GOV) - "Aprova o Quadro Plurianual de Programação Orçamental para os anos de 2020-2023"; 

Área da Administração Interna - Relator: Deputado André Coelho Lima (PSD) 
Área da Presidência - Relator: Deputado José Manuel Pureza (BE) 
Área da Justiça - Relatora: Deputada Mónica Quintela (PSD) 

Projeto de Lei n.º 101/XIV/1.ª (CDS-PP) - "Agravamento da moldura penal para crimes praticados contra agentes das forças ou serviços de segurança (50.ª alteração ao Código Penal)" Relatora: Deputada Sara Madruga da Costa (PSD)

3. Instalação da Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação e da Subcomissão para a Reinserção Social e Assuntos Prisionais; 

4. Apreciação e votação das atas n.ºs 7 a 14/XIV/1.ª (correspondentes às reuniões de 4 a 19 de dezembro de 2019); 

5. Outros assuntos.