Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




L'Arroseur arrosé: a questão da contrafacção


O contemporâneo Direito Criminal passou a ensaiar a sua legitimação num conceito substancial, o de bem jurídico, aquele núcleo de interesses fundamentais, com acolhimento constitucional, que exigem criminalização como última razão para a sua protecção. Já não basta a mera tipicidade decorrente da legalidade, exige-se que os limites do punido se contenham dentro do estritamente necessário para a defesa do (s) bem (ns) jurídico (s) subjacente (s) à norma incriminadora. Reconstituir qual seja tal bem é que nem sempre é fácil.
No caso da contrafacção está em causa a propriedade intelectual de quem criou a marca, o desenho, a ideia, a obra, em suma, e também a propriedade industrial subjacente à respectiva produção. Num outro registo do problema, protege-se a livre concorrência, que é afectada quando o autor do falso consegue, devido ao concomitante baixo preço de venda com que coloca os seus produtos no mercado paralelo, obter clientela própria que subtrai alegadamente à franja de mercado de que o produtor do original fica privado.
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Como em tudo, há um reverso a considerar, mas pelo que se observa. nem sempre é considerado.
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Primeiro, que a contrafacção se não nasce apenas por causa dos preços exorbitantes que alguns produtos "de marca" atingem, surge muito centrada nesse sector da vida comercial. E aí, se o peso da lei surge a tutelar o proprietário da "marca", a mesma despreocupa-se com a especulação inerente à fixação do preço que fica assim na livre discricionariedade do vendedor, explorando desde a vaidade até à extrema necessidade do comprador. É que, se certos artefactos de moda ou bens de electrónica ou relojoaria  são vendidos, no original, a uma "gama alta" de adquirentes, há outros que atingem preços que só são pagos por quem em absoluto carece deles como ingente necessidade. O facto de se falsificarem hoje medicamentos para doentes cancerosos é uma evidencia de que não se trata só de tirar partido da ânsia de exibição e da apetência pelo luxo.
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Neste contexto, fazer intervir o Direito Criminal sem ter feito disciplinar legalmente o mercado na vertente da fixação do preço ou da sua contenção dentro de regras não usurárias, é, em muitos casos, e num diverso registo, a desproporcionada tutela do mais forte. Muitas economias domésticas são geridas precisamente porque baseadas na compra no mercado paralelo do que no mercado "oficial" seria insuportável. 
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O que se passa, aliás, em matéria da irracionalidade na fixação dos preços, em que em "saldos" ou em "promoções" se atingem valores de tal modo reduzidos face ao preço original, evidencia até que ponto na "época alta" se estão a colocar valores de pura conveniência e aproveitamento do consumo.
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Paradoxo final: a República Popular da China - que é um dos países na linha da frente da contrafacção - acaba por ter de editar legislação para se defender os falsificadores em relação aos produtos inovadores que agora produz, nomeadamente no campo da electrónica. Tal como num dos primeiros filmes da História do cinema, dos irmãos Lumière, rodado em 1895.

Tendências: o triunfo do número


Com a massificação dos processos, os tribunais são tentados a refinar as exigências formais para a aferição dos casos, inviabilizando-se, a ser assim, o prosseguimentos de processos por razões estritamente adjectivas.
A legitimação de tal procedimento assenta num pressuposto: a de que é exigível um patrocínio técnico, profissionalmente habilitado e, por isso, capaz de cumprir os ónus que progressivamente a lei e a jurisprudência - mais esta do que aquela - vão reclamando como indispensáveis para quem agir em juízo. E qualquer discrepância no formalismo, qualquer forma incorrecta de colocação do argumento, o que não é difícil ante a labiríntico suceder de leis e critérios jurisprudenciais - fá-lo perder a possibilidade de o ver recebido, antes surgirá a rejeição sumária, cada vez mais frequente.
Em suma: perde-se ou ganha-se uma acção cível ou até um processo penal, afinal, todos eles, pode ser-se absolvido ou condenado em função da razões estritamente processuais, as quais oferecem ao tribunal a vantagem da proclamada celeridade processual que, de direito dos cidadãos - tutelado pela convenções internacionais - passou a ser modo de funcionamento do sistema de administração da justiça.
Por outro lado, com os critérios de rating das grandes firmas de advogados baseadas no critério PPP [profit per partner] a advocacia corre o risco de se transformar numa empresa de facturação de horas, gerando extensas peças processuais e multiplicando reuniões e consultas preparatórias para as respectivas intervenções e a isso somando, numa lógica interdisciplinar, o recurso a assessoria técnica, incluindo no plano mediático.
Há aqui uma contradição, entre a redução de trabalho que o primeiro modelo implica e o excesso de trabalho que o segundo supõe. A questão surge quando os resultados não correspondem, isto é, quando ao custo do patrocínio não corresponde o benefício do resultado pretendido.
Visto o cruzamento das duas tendências, ressalta a alta probabilidade de ocorrerem duas perniciosas realidades: a primeira, que a satisfação da justiça fica aquém do mínimo exigível, quer pela não decisão das razões substanciais colocadas ao tribunal, denegado o conhecimento do mérito da causa, quer pela extrema onerosidade do recurso à obrigatória representação profissional.
Do ponto de vista social o sistema gera a, pelo sistema criticada, justiça de classe; para além disso, jogando no critério estritamente estatístico, avalia os intervenientes, todos os intervenientes, pelo que os números evidenciem. É que não é só na advocacia societária o rating poder decorrer do lucro por sócio, independentemente dos resultados alcançados a favor dos clientes ou da possibilidade de menor onerosidade do acompanhamento profissional; é também, no rating da avaliação dos sistemas de justiça de cada País, os tribunais poderem ser avaliados em função do número de processos "despachados", seja o que for que signifique o termo e, nesta magnífica língua portuguesa, a sua ambivalência tem a força da sua sugestão.

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