Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Criminalística e Literatura

Publiquei-o no meu blog A Fantástica Livraria, dedicado a notas de leitura [ver o blog aqui]. A natureza do tema sugere-me que o copie neste espaço.

Foi o primeiro livro que escreveu da série Inspector Maigret e assinou com nome próprio. Na altura já tinha mais de vinte "romances populares" publicados pela Fayard. 
Tudo nesta escrita de Georges Simenon é interessante, até o próprio processo de escrita. Abalançou-se a este género que considerou difícil.
Dactilografado numa improvisada secretária, pregada esta a um barco em que vogava entre o acaso e um porto de acolhimento, a narrativa traduz, em muito, o ambiente circundante, desde a vida portuária à dos personagens que o habitam. Li-o em francês por ser nessa língua que ele pode ser sentido e por isso compreendido.
Permito-me sugerir que aquilo que fez um género na categoria dos romances policiais só seria possível pela conjunção deste ambiente, de uma personalidade conturbada como a do seu autor e um ambiente filosófico parisiense, que mais tarde o existencialismo haveria de assumir como filosofia e literatura.
Por um lado, porque Jules Amedée François Maigret tem vida própria, nisso incluindo biografia. Nasceu em 1877 e morreu no final de 1970; por outro, porque o seu método de trabalho é em tudo distinto daquele a que o leitor se habituou a assistir quanto a todos os outros. O que há aqui não é o exercício da inteligência lógico-dedutiva de um Sherlock Holmes, nem a ambiência upper class das figuras de Agatha Christie, na qual o belga Hercule Poirot é seguramente lídimo expoente e presença refinada.
A vida pessoal e familiar de Maigret, a sua missão, o modo como Simenon o situa, são também, numa certa essência, um panfleto de crítica social: mal pago, a viver uma vida de modéstia e sacrifício, sujeito a todas as contingências, é o proclamado braço da lei em luta contra o mundo do crime, mas socialmente desprezado por tantos que, querendo paz e tranquilidade para as suas vidas, beneficiam da vida de que acaba por se privar, dia e noite perseguindo as suas pistas, sofrendo intempéries e arrostando perigos, vencendo o cansaço e a desilusão. Logo no segundo capítulo: «La présence de Maigret au Majestic avait fatalement quelque chose d'hostile. Il formait en quelque sorte un bloc que l'atmosphère se refusait à assimiler», um polícia ostensivo num lobby de hotel, «le mot crime, cauchemar de tous les hôteliers du monde.»
O que há neste livro de interessante, depois de ter lido, à solta, muitos outros da mesma série, é que está ali tudo, porque no ovo da serpente contém-se a totalidade da serpente: a figura maciça do inspector, como se talhado de um bloco de carvalho, a sua calma fleugmática, a persistência de um cão de caça, mas sobretudo aquele método de envolvimento com o mundo onde descortina o crime, o de se plantar e deixar embeber pelos locais, seus odores e seus ruídos, e isto porque «dans tout malfaiteur, dans tout bandit, il y a un homme». 
Para chegar à essência da realidade é preciso esperar, aguardar por uma fissura que revele o humano e não apenas o jogador que é aquilo que, em regra, a polícia procura. É preciso chegar mesmo à perigosa proximidade com o criminoso, não sendo menor perigo atingir o limiar da compaixão, essa forma amorosa de amizade, ir em busca de Pietr le Letton, dito Fédor Yourovitch, dito Oswald Oppenheim e, enfim, não o encontrar, antes aquele que se apoderou da sua alma por já ter o seu corpo.
E, no entanto, como ressalva Simenon, também ele Maigret usa, como os outros seus colegas, os meios extraordinários do seu tempo, os do francês [Albert] Bertillon, doamericano [Albert John] Reisse e os do também francês [Edmond] Locard, com tudo quanto eles significam de crença racionalista na ciência como método criminalístico.
A história deste livro é, não apenas a de um interessante exercício sobre a duplicidade de dois gémeos, mas igualmente a transposição do tema para o mundo da própria atitude policial, tantas vezes o polícia tem também de se travestir no que não é, mas naquilo que seja, no caso, a aparência e o porte conveniente; é, por outro lado, o da excepcionalidade do homicídio no quadro da criminalidade financeira, no caso, a de uma rede de burla por falsificação, excepção que, tornando invulgar a ocorrência da morte, gera quase a improbabilidade da sua existência e a dificuldade na sua condenação, por tudo se situar num mundo em que os jogos de poder atenuam a diferença entre o permitido e a infracção, tornando sólidas reputações um biombo interessante para a ocultação da sua ligação ao crime, o agente de polícia figura insignificante no território em que se movem embaixadas e políticos, empresários e altos quadros.
No interjogo teatral dos episódios, em que o narrador amiúde se intromete, como espectador comprometido da sua própria escrita, tudo é, além disso, transportado para contextos históricos e sociais, em que a percepção das pessoas só se alcança pela compreensão da sua proveniência. É uma escrita culta, para leitores que se não fatiguem. 
Escrito em 1931, terá de se compreender, é certo, a mundivisão do autor, não diferenciada do que era o Zeitgeist desse momento: os segmentados países bálticos, o entrechoque dos comunistas e dos ultranacionalistas, o ghetto judaico, os russos e os polacos, os intelectuais e os vagabundos. 
Algumas das referências talvez não passassem no crivo delirante do politicamente correcto, essa neo-censura da contemporaneidade.
Trata-se de Literatura, sem arrogância nem piruetas de estilo, expressão, mostra, enfim, da força vital de uma densa humanidade e de compreensão por tudo quanto é humano. Só por isso, vale a pena, até como pedagogia, necessária para os burocratas da repressão, mesmo os que, na repartição pública do pensamento, organizam o modo tecnocrático de tentar ir ao seu encontro, para a debelar, afinal sem a entender.

Criminólogo

Segundo a Lei n.º 70/2019, hoje publicada, é regulada a profissão de criminólogo, a benefício, em matéria disciplinar, de regulamentação, a ser publicada no prazo de sessenta dias.

De acordo com o artigo 3º, n.º 2 da referida lei [cujo texto integral pode ler-se aqui] no exercício das suas funções, os criminólogos:

a) Estudam os fenómenos criminógenos;
b) Analisam os métodos utilizados no cometimento do crime, com o propósito de auxiliar à descoberta do crime;
c) Estudam os fenómenos e causas da delinquência, da vitimação, da criminalidade e da sua relação com a segurança e do alarme social da reação social ao crime;
d) Prestam apoio às autoridades judiciárias na produção da prova pericial requerida ao abrigo do n.º 6 do artigo 159.º e do n.º 2 do artigo 160.º do Código de Processo Penal, quando solicitados;
e) Desempenham quaisquer outras funções, no âmbito da sua formação, para as quais a lei lhes atribua competência.

Para além disso, segundo o artigo 4º do mesmo diploma_

1 - São funções dos criminólogos:

a) Análise criminológica;
b) Investigação criminal;
c) Conceção e execução de programas de prevenção da criminalidade e de avaliação do risco de reincidência;
d) Intervenção comunitária e conceção de políticas sociais e penais;
e) Investigação científica e ensino, no âmbito da sua formação.

2 - Para efeitos do número anterior, os criminólogos podem exercer a sua atividade profissional, nomeadamente, em:

a) Tribunais;
b) Gabinetes de mediação;
c) Estabelecimentos prisionais;
d) Serviços de reinserção social;
e) Avaliação de risco e competências do ofensor;
f) Centros educativos para menores delinquentes;
g) Centros e projetos de prevenção e tratamento da toxicodependência;
h) Órgãos de polícia criminal;
i) Equipas de gestão e local de crime;
j) Laboratórios de polícia técnico-científica;
k) Serviços de inspeção;
l) Serviços de informações;
m) Comissões de proteção de crianças e jovens;
n) Centros de acolhimento e de assistência a vítimas;
o) Autarquias locais;
p) Polícia municipal;
q) Forças e serviços de segurança;
r) Empresas de segurança privada;
s) Projetos de investigação científica;
t) Universidades.

Concentro-me no teor da alínea d) do artigo 3º, n.º 2 [em articulação com o artigo 4º, n.º 2], cito os artigos referidos do Código de Processo Penal e pergunto-me se os membros da referida profissão [sem que a mesma esteja estruturada em organismo associativo público que garanta, por auto-regulação, as condições de acesso e as regras funcionais, para além do controlo disciplinar] podem desempenhar funções periciais, tendo a prova pericial o valor que está previsto no artigo 163º do mesmo Código ou seja, o juízo inerente à perícia [científico ou técnico, para o que importa] se presume subtraído à livre apreciação do julgador:

Artigo 159.º
Perícias médico-legais e forenses
1 - As perícias médico-legais e forenses que se insiram nas atribuições do Instituto Nacional de Medicina Legal são realizadas pelas delegações deste e pelos gabinetes médico-legais.
2 - Excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias referidas no número anterior podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto.
3 - Nas comarcas não compreendidas na área de actuação das delegações e dos gabinetes médico-legais em funcionamento, as perícias médico-legais e forenses podem ser realizadas por médicos a contratar pelo Instituto.
4 - As perícias médico-legais e forenses solicitadas ao Instituto em que se verifique a necessidade de formação médica especializada noutros domínios e que não possam ser realizadas pelas delegações do Instituto ou pelos gabinetes médico-legais, por aí não existirem peritos com a formação requerida ou condições materiais para a sua realização, podem ser efectuadas, por indicação do Instituto, por serviço universitário ou de saúde público ou privado.
5 - Sempre que necessário, as perícias médico-legais e forenses de natureza laboratorial podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas pelo Instituto.
6 - O disposto nos números anteriores é correspondente aplicável à perícia relativa a questões psiquiátricas, na qual podem participar também especialistas em psicologia e criminologia.
7 - A perícia psiquiátrica pode ser efectuada a requerimento do representante legal do arguido, do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou da pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o arguido viva em condições análogas às dos cônjuges, dos descendentes e adoptados, ascendentes e adoptantes, ou, na falta deles, dos irmãos e seus descendentes

Artigo 160.º
Perícia sobre a personalidade
1 - Para efeito de avaliação da personalidade e da perigosidade do arguido pode haver lugar a perícia sobre as suas características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização. A perícia pode relevar, nomeadamente para a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção. 
2 - A perícia deve ser deferida a serviços especializados, incluindo os serviços de reinserção social, ou, quando isso não for possível ou conveniente, a especialistas em criminologia, em psicologia, em sociologia ou em psiquiatria. 
3 - Os peritos podem requerer informações sobre os antecedentes criminais do arguido, se delas tiverem necessidade.

Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal


O evento terá lugar na Rua dos Anjos, 79 | Lisboa, sede do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, mediante inscrição.

09h30 ABERTURA 

JOÃO MIGUEL Diretor do Centro de Estudos Judiciários e ANTÓNIO JAIME MARTINS Presidente do Conselho Regional de Lisboa

9h45 A PERSPETIVA DAS AUTORIDADES JUDICIÁRIAS - EXTRADIÇÃO E ENTREGA DE PESSOAS 

JOANA FERREIRA, Procuradora da República, Diretora do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria Geral da República

10h30 PAUSA PARA CAFÉ

11h00 A PERSPETIVA DAS AUTORIDADES JUDICIÁRIAS – RESTANTES INSTRUMENTOS DE COOPERAÇÃO EM MATÉRIA PENAL 

RITA SIMÕES, Procuradora Adjunta Departamento Central de Investigação e Ação Penal

11h45 A PERSPETIVA DO ADVOGADO 

VÂNIA COSTA RAMOS Advogada, Doutoranda na Faculdade de Direito de Lisboa e Investigadora no Centro de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

12h30 DEBATE

13h00 PAUSA PARA ALMOÇO

14h45 JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA EM MATÉRIA DE EXTRADIÇÃO E MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU 

MIGUEL JOÃO COSTA Doutorado pela Universidade de Maastricht. Assessor no Tribunal Constitucional 

15h15 AS IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DO PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO DE DECISÕES JUDICIAIS NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPEIA 

LOPES DA MOTA Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça 

15h45 DEBATE 

16h15 PAUSA PARA CAFÉ 

16h45 A OBTENÇÃO DE PROVA DIGITAL TRANSFRONTEIRIÇA 

DAVID SILVA RAMALHO Advogado 

17h15 DEBATE 

17h30 CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO - QUE PAPEL PARA OS ADVOGADOS NO FUTURO DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA UNIÃO EUROPEIA? 

CARLOS DE ALMEIDA LEMOS Advogado 

18h15 DEBATE 

18h30 ENCERRAMENTO 

JOÃO MASSANO Vice-Presidente do Conselho Regional de Lisboa

Prova incerta para decisão certa

Coordenado por Paulo Sousa Mendes e Rui Soares Pereira, este livro reúne textos que são simultaneamente reflexão culta e tentam ser contributo prático. O tema não poderia ser mais actual e relevante: as decisões judiciais têm de ser certas, sim, mas baseadas, afinal, já não só na insegurança do Direito e entendimentos interpretativos a seu propósito, mas no que ainda de mais incerto existe, a prova dos factos. 

Trata-se de uma colectânea que «reúne estudos preparados e debatidos num projecto de investigação sobre a prova penal» que tem vindo a ser desenvolvido pelo Centro de Investigação em Direito Penal e Ciência Criminais da Faculdade de Direito de Lisboa, dirigido por Maria Fernanda Palma no âmbito do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais [ver a ligação aqui].

Como se anuncia na nota prévia, os estudos foram desenvolvidos a partir de casos, instrumento que se assumiu ser «privilegiado» para  estudo na matéria da prova penal. E assim:

Paulo Sousa Mendes analisa o tema da "medida da prova" [ o denominado "standard of proof" na literatura de língua inglesa] a partir do caso Summers [caso vivido na Califórnia, em Summers foi atingido a tiro num contexto de caça] e comparando soluções no âmbito dos vários sistemas [anglo-americano e romano-germânico], regressando ao sistema europeu continental e latino-americano, conclui, em tentativa de quantificação, que (i) o juízo de probabilidade não pode ser holístico mas sim «versar sobre cada alegação de facto» (ii) a noção de prova para além de dúvida razoável pode ser interpretada como a convicção e uma «probabilidade de 90% a 100%» (iii) já a medida da prova quanto às eximente da responsabilidade criminal enquanto condição de revogabilidade da acusação «é a probabilidade preponderante», ou seja superior a 50%;

Rui Soares Pereira, professor auxiliar, em função do caso do crime de Montes Claros [homicídio de uma mulher idosa ocorrido em Coimbra em 2012, julgado por júri], configura [com apoio em extensa literatura incluindo nos campos da lógica matemática], os modelos de prova e a necessidade de haver uma teoria híbrida que os integre e formalize, centrando-se na teoria de Floris Bex, que conjuga a abordagem baseada nos argumentos e nas narrativas e na inclusão das probabilidades mas para concluir no sentido de haver questões em aberto que, para a sua concretização, terão ainda de ser resolvidas, pelo que se fica aquém de proposta de solução que oriente, até porque qualquer conclusão sempre entraria em rota de colisão com aquilo que é e se espera seja o método de decisão dos jurados;

Sandra Oliveira e Silva,  professora auxiliar, partindo de um caso de abuso de confiança pelo qual foi sujeito a juízo um clube de futebol [e igualmente com apoio a extensa bibliografia] revisita o tema do "nemo tenetur" [na vertente que havia sido, aliás, tema de um Acórdão da Relação de Guimarães e outro do Tribunal Constitucional], ou seja a valia probatória, em sede de crime fiscal, de documentos a que o contribuinte estava adstrito a entregar ante a inspecção tributária, analisa matéria seguramente interessante do ponto de vista jurídico e é nesse domínio que a análise se move dentro dos parâmetros que haviam sido balizados pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente quanto à distinção entre documentos «obtidos antes da suspeito de um facto ilícito-típico (penal ou contra-ordenacional)» e documentos obtidos posteriormente;

João Gouveia de Caires, assistente convidado, a partir de um processo de tráfico de estupefacientes em que um dos elementos decisivos de prova terá sido informação de serviço que relatava «uma curta vigilância policial», procede a uma reflexão sobre o direito à imagem que no caso de poderia colocar, concretamente, a recolha no domicílio do visado, espraindo-se pela vídeo-vigilância e pela infiltração "on line", configurando aí problemas que são os da contemporaneidade probatória e para os quais há ainda um longo caminho a percorrer em busca do mais ponderado equilíbrio entre as necessidades da prova e da segurança;

José Neves da Costa, investigador, tomando como referência um caso em que alguém recebe em envelope não identificado e sem origem documentos bancários ou a banco destinados e que evidenciavam ilícitos criminais, foca-se no tema da prova ilicitamente obtida por particulares para, comparando a solução norte-americana e a alemã, concluir que, em Portugal, não havendo previsão expressa para o assunto [salvo a que refere atinente às reproduções mecânicas previstas no artigo 167º do CPP], sempre a situação concreta estaria coberta pelo sigilo bancário e respectiva proibição probatória;

Rodrigo da Silva Brandalise, professor de Direito no Rio Grande do Sul, foca-se num caso de colaboração processual no Direito Brasileiro na óptica de o considerar como "negócio jurídico" considerando o conceito civilístico como «roupagem adequadíssima» até como garantia dos intervenientes;

Sílvia Alves, professora associada, enfim, recua no tempo para repor o tema da teoria da prova no Antigo Regime a partir de um episódio de ferimento e morte ocorrido no Brasil em 1703 em que a sobrevivência da vítima «para além do tempo que permitia presumir que a morte fora causada pelos ferimentos»  colocou a decisão condenatória «no território da incerteza, que o direito antigo faz corresponder a uma punição menor e ao exercício do poder arbitrário do juiz».

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Um único comentário: a abordagem situada na análise do caso, já não considerando o limite de não permitir inferências indutivas - pois para tal era necessário um corpo de situações analisadas que possibilitassem a formulação de conclusões gerais - pode, substituindo-se ao decidido no caso, extrair conclusões que não são as deste por não ponderarem tudo quanto foi considerado na decisão ou fazê-lo de acordo com uma valoração diversa dos factores. Trata-se, seguramente, de método pedagogicamente interessante mas, mesmo aí, há que prevenir que o excesso de teorização sobre a decisão pode redundar numa crítica ao critério da mesma, à singeleza do seu raciocínio, nem sempre oferecendo solução alternativa que se oferecesse como razão suficiente de justiça. Isto, sem embargo, de a obra em referência trazer um contributo fundamenta para um aprofundamento da reflexão e para a valorização cultural do jurídico ao invés da sua recondução a mera burocracia repressiva.

As férias, essa noção insegura

Definitivamente quando a profissão ocupa um espaço determinante nas nossas vidas contamos os anos não pelo início do ano civil mas pelo recomeço do ano profissional; no caso a partir do momento em que terminam as denominadas "férias judiciais".
Para quem advoga nos tribunais e nomeadamente nos criminais o conceito de "férias" tem o seu quê de relativo, pois não só há prazos que não se interrompem como há surpresas no Verão que tem sido época preferida para a actividade venatória das autoridades e suas polícias.
De qualquer modo a noção de "férias judiciais" se tem alguma verdade para os juízes - e também não tem pois há, creio, ainda as "férias pessoais" e tudo se conjuga em torno de uma outra noção que já nem sei já qual seja que dê ao conceito semântica coerente com a realidade - ele não é menos relativo do que o de "abertura do ano judicial" que alguém colocou numa outra data sem que se entenda em rigor porquê.
Tudo isto é típica conversa de retorno: vagar, de quem se dá tempo para um devaneio, ficcionando que amanhã será a sério, quando a sério nunca deixou de ser.
Mas seja. E neste mundo de vocábulos inseguros num Direito que pretende ser o garante da segurança, aqui estamos, prontos para mais.
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O quadro é de um pintor norueguês, Peter Nicolai Arbo, nasceu em 1831.