Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Gravação vídeo privada: prova atípica?


Será válida como prova a sucessão de imagens obtidas por sistemas vídeo instalados por privados, e a própria vídeo-conferência, mesmo quando instalados por privados sem autorização judiciária? E haverá um conceito de "prova atípica", isto é não prevista na lei? Eis o que decorre de uma sentença da Corte de Cassação Italiana de 19.05.2015, segundo a qual «la captazione di atti e immagini, eseguite da privati ad opera di telecamere installate esternamente sulla loro proprietà «sono legittime e pienamente utilizzabili senza alcuna autorizzazione dell'autorità giudiziaria», pertanto costituiscono prova atipica, ossia una prova non espressamente disciplinata dal codice di procedura penale o comunque dalla legge» [texto integral aqui].
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Fonte da imagem: aqui 

De novo as leituras...

A ideia britânica de que o julgamento se pauta pela oralidade - ou seja só vale para a sentença a prova produzida e examinada em audiência - sempre se articulou no nosso País com a prática, oriunda do processo inquisitorial, de que «os autos» oriundos da investigação não deixam de ter entrada em juízo e fazerem parte do acervo que ali se terá em conta.
Falo não dos documentos ou das perícias que o investigador reuniu e que entendeu ser relevante conhecer-se em julgamento ou peças da mesma natureza que a defesa carreou, mas sim dos autos onde se contêm os depoimentos testemunhais que foram recolhidos na fase de inquérito pelo Ministério Público ou pelas polícias ao seu serviço e bem assim declarações de arguidos ou assistentes.
Tempos houve em que o legislador os tentou escorraçar do julgamento decretando que tais «autos» eram arquivados «à parte», a modos de fazer passar a ideia de que não incorporavam os nobres volumes principais que, esses sim, seriam matéria cognoscível em julgamento e não seriam "poluídos" por tais figuras do passado processual.
Mas a força dos maus hábitos impera e não raras vezes todos se apercebiam de que os participantes processuais se conduziam em audiência com um olho na prova que ali se produzia e outra nos ditos fólios apensados «à parte» com um barbante...
Revogada essa legislação ingénua, voltou-se ao sistema da hipocrisia organizada.
A lei determina que só em certos casos, mediante requerimentos e após todos os sujeitos processuais se pronunciarem, é que, excepcionalmente, pode ter lugar a "leitura" em audiência dos autos que contenham testemunhos ou declarações e, em alguns casos essa leitura não pode mesmo ter lugar; mas no entanto, eles ali estão, incorporados nos volumes principais, a convidar todos que queiram a lê-los, fingindo que os não lêem, ficando ao escrúpulo de quem julga ignorá-los, cumprindo a lei. Escrúpulo silencioso, em que é só a consciência moral a dita a regra.
Que fez a recente reforma do CPP? Manteve exactamente o mesmo sistema em relação à prova testemunhal, aumentando os casos em que a "leitura" é permitida para as «declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento.» (novo n.º 4 do artigo 356º do CPP); quanto ao arguido permite-se a leitura integral do que disse desde que, quando interrogado em inquérito, tenha sido sido prevenido de que tal poderia suceder, leitura que, porém - compreensivelmente - não vale como confissão (nova redacção conferida ao artigo 357º, nºs 1, b) e números 2 e 3 do mesmo diploma)
Ou seja, a ficção legal, a insídia feita lei mantém-se: só se pode ler o que afinal pode ser lido. Continuarão, pois, os requerimento a requer "leituras", mais os requerimentos a oporem-se às leituras e os despachos a fundamentar o porque sim e o porque não. E horas perdidas nisto.
Confesso que no estado em que estou, esgotado ante um sistema em que a irrealidade fingida do formalismo se sobrepõe ao conteúdo material dos actos, estou por tudo: fique tudo no processo, leia-se tudo, decida-se com base em tudo, valorando o que for para valorar, desconfiando do que não parecer credível. Antes a cruel verdade imperfeita que a perfeição velhaca da mentira.
Houve tempos em que o legislador pensou só valorar a prova desde testemunhal a por declarações produzida no inquérito desde que gravada. Agora, que houve que dar forma de lei a essas ideias generosas de protecção da verdade da prova penal, triunfou o Ministério das Finanças sobre o Ministério da Justiça. Basta ler a nova redacção do n.º 7 do artigo 141º e o artigo 144º, n.º 2, ambos do CPP, referentes ao interrogatório do arguido onde se lê que «o interrogatório do arguido é efetuado, em regra, através de registo áudio ou audiovisual (...)». O em regra diz tudo: é tal domínio da regra que legitima a imensa excepção.
Dinheiro para gravadores nas esquadras de polícia ou nos serviços do MP, não há. Tempos houve em que se equiparam as salas de audiências com mesas misturadoras que nem algumas boîtes conhecem, com mil botões de que os funcionários usam dois ou três para gravações que em muitos casos nem se ouvem em condições. Gastou-se o que havia e o que não havia. Hoje nem para papel já há, excepto para permitir as leituras.

Reforma do CPP (3): artigos 356º e 357º

O nosso sistema de Justiça Penal é baseado na desconfiança. Desconfia-se da objectividade do Ministério Público e, por isso, coloca-se um juiz a controlar a sua decisão de arquivar os processos, para que não ocorram o que o professor Emygdio da Silva - que além da Faculdade de Direito foi Director do Jardim Zoológico e escreveu um notável porque corajoso livro sobre a investigação criminal - chamava as possíveis «amnistias administrativas». 
Claro que se justifica aqui a judicialização porque de outro modo, havia o risco de os processos morrerem no segredo dos inquéritos quando, assim, ao menos pelo impulso dos ofendidos - havendo-os - podem ter uma hipótese de vingarem e levarem ao funcionamento da Justiça.
Mas o que hoje escrevo tem a ver com outra desconfiança, a que incide sobre a isenção da polícia, desconfiança que se torna em verdadeira suspeita quando a lei impõe que as declarações que forem prestadas ante ela não valham como prova em tribunal, salvo raríssimas excepções, valendo o consentimento ao uso.
Digo suspeita porque do que se trata é de pura e simplesmente inutilizar um meio de prova em nome de uma lógica que só pode radicar no preconceito, oriundo dos fantasmas da polícia política, de que poderão ter sido obtidas por meios musculadamente persuasivos. 
O sistema é caricato nos seus termos. Primeiro, porque essas declarações valem para o Ministério Público incriminar alguém, acusando-o, o que é grave e enxovalhante - mas aí as declarações valem por boas e úteis - valem para o juiz de instrução que, confirmando a acusação pública - sem recurso se a receber obedientemente - valide a sujeição de alguém a julgamento, porque então continuam a ser muito boas, mas  ante a audiência já não valem nada.
Ou melhor, dizendo a verdade toda neste mundo de hipocrisia velhaca: não valem para serem formalmente lidas em audiência; não valem para que um juiz, descuidado, consigne na sentença que se ateve a elas como prova, porque na verdade elas ali estão, incorporadas no processo, a orientar as perguntas do Ministério Público e dos advogados e só não são lidas pelo juiz que, num assomo de escrúpulo, nem passe os olhos por cima delas. Porque, no mais, há mil maneiras de sugerir em julgamento que a pessoa não disse no inquérito o que está a agora a dizer em julgamento, torneando a proibição legal por meio manhoso.
Como na nossa cultura preferimos invocar grandiloquentes valores, porque belos, para esconder comezinhas realidades, quando feias, proclama-se que é por causa e em nome do princípio da oralidade - só valem para a sentença as provas produzidas ou examinadas em audiência - que se afasta o valor probatório do que foi prestado ante a polícia, quando o que se quer dizer é que na verdade se desconsideram esses autos de polícia porque sobre esta radica a suspeita de os terem produzido de modo que só pode ser desconsiderado, inutilizando-os. E o cidadão nem pode dizer - sobre isto já disse quando fui à polícia isto ou aquilo e tinha na altura a memória mais fresca - porque vai ter de declinar tudo de novo, ainda que com a pior memória, ainda que já sugestionado pelo devir das coisas e muitas vezes pela projecção pública das mesmas.
É um sistema, em suma, que ordena à polícia que obtenha o melhor testemunho, porque o mais espontâneo, e depois o destrói em favor do pior testemunho, porque mais tardio.
Pergunta-se: com as modernas tecnologias não é possível gravar-se tudo o que se passou durante uma audição policial? É. É até possível filmar, embora quem for um dia à Cintura do Porto Interior, onde está o serviço de investigação criminal da PSP de Lisboa ver as condições de miséria - encurralados em cubículos - em que trabalham os polícias, talvez desconfie de que os meios financeiros para tal a existirem poderão estar antes aplicados ao serviço dos sumptuosos gastos de fachadas mediáticas que da Justiça dão a aparente imagem da sua eficácia.
Pois nem é essa ideia de valorar essas declarações policiais, desde que gravadas, o que consta do projecto de revisão do Código de Processo Penal.  O que se pretende é que valham as de que forem prestadas apenas ante o Ministério Público e juiz e mesmo assim quando «sejam documentadas através de registo áudio visual ou áudio, só sendo permitida a documentação por outra forma, quando aqueles meios não estiverem disponíveis». E, desde que esteja presente defensor. Quanto às prestadas ante polícia, devem ser registadas pelos mesmos meios tecnológicos mas... «sem susceptibilidade de posterior utilização em julgamento».
Claro que, estando tudo gravado por aqueles sofisticados meios, poderia prever-se o seu uso em julgamento, sujeito embora à apreciação judicial, com possibilidade de arguição de qualquer invalidade probatória decorrente de violência ou ameaça anterior ou contemporânea à respectiva produção ou de falsificação do registado. Sempre se contribuiria com aquela prova, por escrutinável que fosse e teria de o ser. Não! Nada como gastar dinheiro "para o boneco".
Continuaremos pois com os polícias a produzir autos para o Ministério Público, agora com gravações, para depois, em julgamento se fazer de conta que aquilo foi para nada. No meio, ficam os idiotas dos cidadãos que não percebem, os tristes dos polícias sérios que tentam ser fiéis ao que lhe dizem os declarantes, e aqueles que em julgamento, fiéis aos princípios, não utilizam aquilo que e lei proíbe que seja usado, colocando, porém, o fruto proibido ali mesmo, qual maçã bíblica da qual resultou a danação da Humanidade.
Tudo isto é absurdo. Ou eu já não me entendo nesta Terra.
 
 
P.S.1. Claro que já ouvi dizer que se valessem em audiência os autos policiais haveria não só contaminação da prova boa pela prova má, mas também haveria alguns juízes que, para simplificar e acelerar, perguntariam aos declarantes se confirmavam ou não aquela prova e, obtido o sim, passariam adiante. É evidente que num cenário em que temos dos actores esta ideia moral só pode ser um filme de terror!
P.S.2.  Questões curiosas: na fórmula prevista para a alínea b) do n.º 1 do artigo 357 [uso de declarações de arguido] não se prevê a necessidade de estarem consignadas em auto ou registadas, ao contrário do que se prevê para o n.º 3 do artigo 356º. Porquê? No n.º 2 do artigo 357 prevê-se que «as declarações anteriormente prestadas pelo arguido e lidas em audiência estão sujeitas à livre apreciação da prova nos termos do artigo 127º». Porquê? A demais prova não o está também?

Apreciação da prova, na TV

É já amanhã. O Centro de Estudos Judiciários promove um colóquio sobre "A apreciação dos meios de prova e fundamentação da matéria de facto" tendo como objectivo a discussão das questões atinentes à admissão dos meios de prova, da sua articulação, bem como a análise do processo de valoração e de apreciação crítica das provas e da sua exteriorização na fundamentação da decisão de facto.». A particularidade é que pode vê-lo em directo na TV Justiça, como se anuncia aqui.

Reforma do CPP (1): o artigo 340º

Primeiro foi a lógica do consenso como bandeira da celeridade a querer impor-se ao poder judicial, fazendo os acordos entre o Ministério Público e os Advogados a determinaram a pena, assim negociada, quisesse o juiz ou não, tudo com o aplauso de certos magistrados porque assim tudo andaria mais depressa e eles teriam menos serviço. A ideia, até mais ver, ficou no limbo das fantasias mortas, tal como a alma dos recém-nascidos.
Agora é uma nova frente ao poder judicial. Desta vez em papel timbrado do Ministério da Justiça.
Comecei a ler as sugeridas alterações ao Código de Processo Penal. E dei logo com esta [e outras que a seu tempo virão aqui em comentário critico] relativa ao artigo 340º, o preceito que permite, oficiosamente ou a requerimento, a produção de meios de prova indispensáveis para a descoberta da verdade de que houvesse entretanto notícia ou que se revelassem, entretanto, relevantes.
Envergando o paramentação branca da inocência, a nova fórmula para o preceito [alínea a) do n.º 4]  surge assim desenhada na proposta do Governo: «os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que a) As provas requeridas já deviam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação».
Perdoem a crueza mas tudo isto é um erro.
Primeiro, porque não há coisa menos notória em Direito do que o ser notório. Como se o processo penal, processo de garantia e segurança que deve ser, pudesse compaginar-se com conceitos abertos indeterminados, vagos como este, ei-lo a abrir a porta ao discricionário, ao livre alvedrio de quem decidir e depois, claro, a arguições de nulidades e a recursos [ficando, como é costume, as vítimas destes pesadelos interpretativos causados pelo político legislador à mercê de estarem a abusar de excesso de garantismo e a entorpecer a acção da Justiça...].
Segundo, porque não pode falar-se em ternos de prova em um «dever» nem sequer, para sermos rigorosos, num «ónus», ou então as categoriais jurídicas essenciais já não valem nada e as nomeclaturas, tal como as expressões da Literatura, passam a ter valor meramente sugestivo. Não há portanto para o Ministério Público, assistentes ou arguidos provas que devam ser apresentadas neste ou naquele outro momento processual, sim que podem ser oferecidas em certos tempos processuais, com a especificidade para o titular da acusação pública que de seguida se referirá.
É que, terceiro, porque a haver uma lógica de preclusão, ela não pode equiparar o Ministério Público ao arguido, pois aquele esgota-se no acto acusatório, delimitando o objecto processual e apoiando a sua valia indiciária em provas suficientes, que podem ser sindicadas pelo juiz em instrução, quando requerida, ou pelo juiz de julgamento, inexistindo prévia instrução, no despacho em que receber a acusação. O arguido oferece na contestação a prova que entender sem que tal peça processual lhe possa ser rejeitada por não conter prova suficiente. Donde a equiparação é incorrecta, porque não se trata de irmãos nem gémeos nem siameses. Não se trate igual o que é diferente.
Quarto, porque a lógica do artigo 340º, tal como estava delineado, era dar acolhimento à superveniência subjectiva em matéria probatória, isto é permitir a produção daquela prova de que houvesse entretanto conhecimento ou que, conhecida já que fosse, assumisse agora relevo para o esclarecimento da verdade, a válvula de escape, em suma, para que, em nome da Justiça, se esgotasse toda e qualquer prova que permitisse a descoberta da verdade. E, num aparte, acabe-se de vez com a noção [outra] vaga e perturbadora da verdade «material» [por contraponto à verdade «formal» do processo civil] porque o conceito de verdade para a Justiça deve ser sério demais para que admita variantes ou gradações.
Fruto do que se pretende ser um dever probatório, que impenderia por igual sobre o Ministério Público e o arguido [e assistente], ficarão todos ficam impedidos de apresentar provas que notoriamente poderiam ter indicado antes. Eis o que se sugere.
Que restará ao juiz? O poder de oficiosamente determinar o que não pode ocorrer a requerimento? Mas não se pensou que esta exposição do juiz à isolada oficiosidade o compromete no núcleo essencial da sua independência, por estar a comandar a produção de provas que podem fazer pressentir já um juízo formado sobre o objecto das mesmas? Não era mais equilibrado um sistema em que a oficiosidade era subsidiária ou paralela ao poder de requerimento por parte dos demais «sujeitos processuais»?
Que se imporá ao juiz, assim a proposta dê em lei? Que seja o juiz do que é «notório». Não se pensou que esta exposição do mesmo à integração de um conceito tão vago, o compromete no núcleo essencial da sua imparcialidade, porque chamado a decidir algo tão relevante como a prova final em julgamento, em nome de uma ideia cujos contornos escapam entre os dedos, o ser notório, substituindo-se ele à estratégia probatória da acusação e da defesa, para decidir que a prova devia ter sido indicada antes?
O admirável mundo novo privatístico vai entrando no processo penal. É a ideologia do capital, a técnica da celeridade na linha de montagem do processo penal, tal como na fábrica do senhor Henry Ford, produtor americano de automóveis. A taylorização. A funcionalização.

A Brave New World

Até aqui a discussão sobre o processo penal era o problema do Estado e dentro dele a questão corporativa e assim o tema do poder: quem manda? A matéria desdobrava-se numa miríade de assuntos mas todos em torno do mesmo: a quem compete o poder de dirigir o inquérito, aos procuradores ou a juízes? pode o Ministério Público decretar nulidades ou tal é pecúlio privativo do poder judicial? Deve a instrução ser um acto de cassação sobre a decisão da acusar ou arquivar ou um acto de sobreposição jurisdicional determinando o caso julgado do definitivo arquivamento pela não pronúncia e a forçosa submissão a julgamento mesmo que em termos discrepantes com o acusado? Deveria, em matéria de medidas de coacção, o juiz ir para além do requerido pelo Ministério Público? Fazia sentido a "correcionalização" do processo penal pelo qual se singularizava, sem que o poder judicial se pudesse a tal opor, em detrimento da competência natural do colectivo, assim o Ministério Público o quisesse?
A degradação da vítima, a diabolização da defesa faziam parte da retórica pela qual o Estado se impunha à sociedade civil.
Hoje, olhando para o panorama que começa a ganhar corpo, esse mundo acabou.
Talvez porque o Estado tenha deixado de querer ser muito Estado e tenha perdido legitimidade moral para se assumir como Estado, talvez porque os do Estado o foram cedendo à sociedade comercial, "outsourcizando-o" interesseiramente; talvez porque os jovens que hoje determinam a agenda pública cheguem às escadarias do mando e do pensamento que mandará seduzidos pelo neoliberalismo político, filho espúrio do serôdio capitalismo em que vivemos. Assim como os seus pais foram o fruto do marxismo ideológico, do qual emergiu a centelha da cultura judiciária que ainda impera.
Virou a página. Hegel morreu, envenenado por Marx.
Olhando para o que começa a emergir, o modelo é o americano. Fez a sua entrada pela porta da criminologia radical. A escola sociológica abriu as portas a que toda uma literatura tida por científica fizesse a sua aparição na cultura jurídica portuguesa e através dela a civilidade do quantitativo como critério de validação pragmática da verdade eficaz. O que fora a sedução pela germanofilia que centrara arraiais durante a Guerra no pensamento coimbrão, com a exportação da pesada sistemática alemã e sua dogmática imperial, tida como a única inteligente e universalmente pertinente, enquanto abstracção conveniente à legitimação dos voluntaristas diktats necessários e seus contrários, está a finar-se.
Ontem passei pela "Arco Íris" que há anos que já é Coimbra Editora. Ali estava Paulo Dá Mesquita e um grosso tomo sobre o direito probatório...segundo o modelo americano. Já o tinha visto anunciado aqui. A Brave New World.