Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Notícias ao Domingo!


-» Acórdão do TRG/revisão dos pressupostos da prisão preventiva: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.10.2016 [relator Fernando Chaves, texto integral aqui] reiterou que «I) O despacho proferido nos termos do disposto no artº 213º do CPP tem por único e exclusivo objetivo proceder à reavaliação dos pressupostos que, no despacho que determinou a aplicação da medida de prisão preventiva, sustentaram o decretamento da medida.II) A fundamentação do referido despacho tem por objeto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida de coação, alterando-os, e, por esta via, levando à sua substituição ou revogação.»

Explicitando o sentido do decidido escreveu-se no aresto em causa que 

«O artigo 212.º regula os casos de revogação ou de substituição da medida de coacção por outra menos gravosa e o artigo 203.º prevê a imposição de medida mais gra-vosa que a anterior. 
Em ambos os casos a lei pressupõe sempre que algo mudou entre a primeira e a segunda decisão, conforme tem sido acentuado pela jurisprudência.
Em caso algum pode o juiz, sem alteração dos dados de facto ou de direito, “repensar” o despacho anterior ou, simplesmente, revogar a anterior decisão na medida em que, também aqui, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao seu objecto – artigo 666.º, nºs 1 e 3 do anterior CPC/artigo 613.º, nºs 1 e 3 do NCPC( - Neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 28/4/2004, 10/11/2004 e de 30/3/2005 e da Relação de Lisboa de 31/1/2007 e 13/10/2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
As medidas de coacção estão, portanto, sujeitas à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, o tribunal que aplicou a medida só a pode substituir ou revogar quando tenha ocorrido uma alteração dos pressupostos de facto ou de direito.»

-» Acórdão do TRG/interesse em agir/recurso da decisão de comunicação ex vi artigo 303º do CPP: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.10.2016 [relatora Laura Maurício, texto integral aqui] conclui no sentido da irrecorribilidade por falta de interesse em agir do despacho que ordena a comunicação da alteração de factos nos termos do artigo 330º do CPP [entendimento que, compreenda-se a crítica construtiva, não resulta do seu sumário que está formulado em termos demasiado genéricos para que se alcance qual a matéria sobre a qual recaiu o decidido].

Na sua fundamentação o aresto em causa analisa, primeiro, a natureza jurídica, da comunicação de alteração de factos, efectuada nos termos do artigo 303º do CPP

«Relativamente à decidida rejeição do recurso interposto da comunicação efetuada nos termos e para os efeitos do disposto no art.303º, nº1, do C.P.P. dir-se-á, como aliás já foi dito na decisão sumária de que o recorrente ora reclama, que “ (…) a comunicada alteração mais não é do que uma verdadeira declaração de intenções, que pode ou não vir a concretizar-se na decisão instrutória. Assim, tal advertência não tem qualquer outro conteúdo decisório, posto que, embora qualificando tais novos factos como alterações não substanciais, não é uma decisão no sentido da pronúncia definitiva sobre certo caso da vida. Nestes termos, a referida comunicação de uma alteração não substancial de factos é meramente ''provisória e transitória'', não afectando nenhum direito do recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional.”»

Entra, depois a decisão na matéria do interesse em agir, quanto ao que é relevante dele citar-se este passo: 

«(...) assim, para que o recurso seja admissível, não basta que o recorrente tenha legitimidade. É necessário que tenha interesse em agir, tal como decorre do art. 401º, nº 2, do CPP.
A respeito deste requisito para interposição de recurso, acrescentado pela Reforma do CPP instaurada por via da Lei 59/98 de 25/08, afirmava o Dr. Rui Pereira, na Comissão de Revisão (cfr. – Actas, p. 239): “legitimidade e interesse em agir exprimem pressupostos diferentes, autonomizados na doutrina Portuguesa por Palma Carlos e Manuel de Andrade, respeitando a legitimidade à posição do sujeito em relação ao processo e o interesse em agir à possibilidade de obter um ganho ou uma vantagem”.
Uma realidade é ter interesse na apreciação jurisdicional (legitimidade), outra ter necessidade de recorrer (interesse em agir).
O interesse em agir não se afere pela vantagem que para o recorrente advenha de uma decisão favorável, mas, sim, na utilidade objetiva da utilização da via de recurso.»

Daí que conclua assim: 

«(...) não sendo a decisão recorrida proferida contra o arguido, porquanto não afetou nenhum direito do recorrente a exigir qualquer tutela jurisdicional, a mesma é irrecorrível, não tendo o mesmo interesse em agir – legalmente válido - para recorrer, pelo que nem sequer devia ter sido admitido o recurso, que é, por isso, de rejeitar, face ao disposto nos artigos 414º nº 2 (falta de condições necessárias para recorrer), 419º nº 4 a) e 420º nº 1, todos do Código de Processo Penal.»

-» Acórdão do TRC/natureza dos prazos de inquéritoo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2016[relator Jorge França, texto integral aqui], seguindo jurisprudência corrente, que: «Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais (cfr. artigo 108.º do CPP), o legislador está a atribuir aos prazos fixados no artigo 276.º, n.ºs 1, 2 e 3, do referido diploma, uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial; consequentemente, não detêm tais prazos qualquer natureza preclusiva do poder-dever consagrado no n.º 1 daquele normativo.»


Inutilmente reiterou o legislador do Código de Processo Penal na epígrafe e no corpo do artigo 276º que os prazos do inquérito eram «máximos». E fê-lo porque, comparativamente com os prazos fixados pela legislação processual penal antecedente - promanada de um Estado autoritário, aquela que se dizia decorrer de um Estado de Direito democrático estabelecia prazos de averiguação pré-acusatória largamente superiores. Bastou não ter estabelecido cominação para o desrespeito desses prazos para que os mesmos ficassem, no entendimento corrente da jurisprudência, como meramente ordenadores - agora equiparados aos actos das secretarias - como se não estivessem em causa nesses prazos garantias fundamentais com o direito a um processo justo, o direito dos ofendidos à segurança, afinal um processo justo. A última alteração ao CPP apenas clausulou, como desvalor para a violação por magistrados de uma regra legal que determina prazos máximos, a perda do benefício do segredo de justiça (e mesmo assim com excepções que esvaziam o previsto).

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Fundamentando, neste contexto, a sua decisão, com o adjuvante agora da equiparação funcional que referi, o aresto afirma: 

«(...) é precisamente neste instituto de aceleração processual que vamos encontrar uma resposta decisiva à questão que nos ocupa, dentro do referido espírito unitário do sistema. Com efeito, a norma do artº 108º, 1, CPP, estatui que «quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase do processo, podem o MP, o arguido, o assistente ou as partes civis requerer a aceleração processual.»
Daqui se retira uma conclusão óbvia: - o prazo que estudamos não é de caducidade, pois que, de outro modo, a ter-se verificado, estaríamos perante um caso de preclusão do direito (no caso do poder-dever respectivo), pelo seu não exercício no prazo legalmente assinado. Mas, a assim ser, existiria contradição intrínseca do sistema processual penal, já que a norma do artº 108º, 1 do CPP permitiria o prosseguimento do processo não obstante o poder-dever de formular a acusação se ter extinguido, por ter caducado. Como poderia a lei permitir a formulação de uma acusação já depois de o prazo legalmente estabelecido para tal se mostrar precludido? E as normas dos artºs 109º, 5 e 6 do CPP, são claras na atribuição de uma responsabilidade meramente disciplinar ao causador desses atrasos, sempre que injustificados.
Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais, a lei está a atribuir aos prazos fixados uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial, retirando-lhes, deste modo, qualquer natureza preclusiva do poder-dever em análise.
A mesma natureza ordenatória-funcional terão os prazos para a prática dos actos da secretaria (artº 105º, CPP), para o encerramento da instrução (artº 306º, CPP), para a leitura da sentença (artº 373º, CPP), entre outros.»


-» Acórdão do TRC/insuficiência do inquérito ou da instrução/nulidade: o Acórdão da Relação de Coimbra de 26.102016 [relatora Elisa Sales, texto integral aqui] determinou, também aqui fazendo-se eco de jurisprudência corrente que: «A nulidade consistente na insuficiência da instrução, prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 120.º do CPP, ocorre (apenas) quando não são praticados actos legalmente obrigatórios, e não (também) nos casos de indeferimento de diligências de instrução, daquele modo não definidas, requeridas pelo assistente.»

O esvaziamento da tutela das finalidades da instrução alcançou-se por várias etapas. Legalmente ao conceder-se discricionariedade ao juiz em matéria de actos de instrução, e ao clausular a irrecorribilidade não só das decisões pelas quais indefira diligências de prova, mas da decisão instrutória que seja conforme à acusação do Ministério Público; jurisprudencialmente ao considerar-se que só é nula a insuficiência dos actos legalmente obrigatórios bem sabendo que só reveste esta natureza o debate instrutório. Ao limite, uma instrução em que o magistrado tudo indefira e cumpra o ritual do debate não é insuficiente. 
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O aresto aqui citado faz-se eco desse entendimento já adquirido e assim explicita: 

«(...) no que à instrução respeita, compete a direcção da mesma ao juiz de instrução (assistido pelos órgãos de polícia criminal), o qual decide sobre os actos que devem ser praticados em tal fase processual (arts. 288º e 289º do CPP).

Portanto, os actos de instrução dependem da livre resolução do juiz.

Ainda assim, o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento dos actos de instrução está balizado pelo limite do “apuramento da verdade” e pela consideração de “os actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo”.
Daí que, a Lei n.º 59/98, de 25.8 tenha determinado a irrecorribilidade do despacho judicial de indeferimento da realização de diligências instrutórias (n.º 2 do art. 291º do CPP).
In casu, foram indeferidas as diligências de instrução requeridas pelo assistente, tendo em vista as finalidades da própria instrução (art. 286º), dado o Mmº Juiz a quo ter considerado que (para a decisão a tomar) face ao crime imputado à arguida, o modo de execução do facto relatado é por escrito, sendo que as peças onde estão exaradas estão nos autos.
Ora, sendo o critério de tal decisão (no caso, de indeferimento) o da conveniência para a descoberta da verdade, tal como vem definido no artigo 291º do CPP, com livre actuação do JIC, não pode o recorrente invocar a nulidade prevista na al. d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.
A insuficiência da instrução ocorre quando não forem praticados actos legalmente obrigatórios.
Na verdade, se a lei permite que o juiz indefira a realização de todas as diligências probatórias e a junção de toda a prova do requerente da instrução, limitando-se a instrução ao debate instrutório, como aconteceu no caso sub judice, não se verifica a nulidade sanável de insuficiência de instrução, na medida em que as requeridas diligências não são obrigatórias.»

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Como se incerto, porém, quanto à justiça da decisão, e hesitasse, culmina o acórdão em referência, desta forma: 

«De qualquer forma, ainda que se considerasse que a instrução foi insuficiente, ficando assim incluída na previsão do artigo 120º, n.º 2, al. d), ou seja, constituindo nulidade sanável, foi intempestiva a sua arguição. Deveria a nulidade ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório, nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 120».

-» Acórdão do TRL/suspensão da pena/abuso de confiança fiscal: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2016 [relatora Filipa Costa Lourenço, texto integral aqui], com sentido inovatório determinou: I- O Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 8/2012 de 12/9/2012, estatui que, «no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia»; II-É isto que o extenso acórdão fixa, e dele não se retira de todo, ao contrário do que por vezes é afirmado, que uma pena de prisão pela prática de qualquer crime fiscal, (quadro do ACFJ), possa ser suspensa na sua execução desde que se “prove” que o arguido não tenha possibilidade de pagar o montante não pago á entidade tributária; III- No que tange aos crimes tributários ( a todos referidos no RGIT ), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento, como condição para a suspensão de uma pena de prisão, quando do juízo de prognose realizado existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa, ou só com pena de prisão, impondo-se nestes casos fazer uma interpretação conjugada do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal; IV- Outra solução que se encontrasse, iria colidir de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente os princípios da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade.»
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O Acórdão de fixação de jurisprudência pode ser encontrado aqui.
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Desenvolvimento o seu raciocínio o aresto acrescenta: «existe uma corrente jurisprudencial,  que  damos por exemplo o Ac. do TRP de 8-10-2014 , que conclui que, a jurisprudência fixada no AFJ nº 8/2012 não é aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada p.p. pelo artº 104º RGIT porque é punível apenas com pena de prisão, não sendo possível a opção entre pena de prisão (eventualmente suspensa nos termos do artº 14º1 RGIT) e a pena de multa.
No entanto ao enveredar por tal solução ( que já parte, dizemos nós, de um pressuposto manifestamente errado), parece-nos que irá embater de forma clara com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos contidos na Constituição da República Portuguesa, mormente o princípio da igualdade, razoabilidade e da proporcionalidade, pois tendo aquele entendimento, este, gera manifestamente dois tipos de justiça, uma para os que têm e outra para os que não têm poder económico (na altura da condenação/ já para não falar também na diferenciação que estas normas geram quanto à proteção dada aos ofendidos atenta a sua qualidade), diferenciando com base no diferente estatuto económico dos arguidos, com as implicações e subjectividade que tal “ratio” acarreta o cumprimento ou não de uma pena efectiva de prisão.
Tendo em conta o atrás exarado entende-se que face a tal dicotomia se deverá interpretar conjugadamente o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, pelo que resulta que nos crimes tributários ( a todos referidos no RGIT ), tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida (da formulação de um tal juízo de prognose pode resultar a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter, nem ter expectativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam e nessa situação, a imposição de um tal dever representaria para o condenado uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, o que contrariaria o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal) vide aqui, e seguindo de perto o  teor do AC TRL de 26.02.2014, acessível in, www.dgsi.pt/  , o qual sufragamos e dizendo nós, sejam eles punidos com pena de prisão ou multa ou só com pena de prisão.»


-» Leituras/Revista do SMMP: está publicado o n.º 147 e pode ser encontrado o resumo dos artigos clicando aqui ou em cada um dos PDF's abaixo.

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ESTUDOS & REFLEXÕES
9 | Taxas de portagem: infração, sanção e intervenção do Ministério Público nos processos executivos, de revitalização e de insolvência
JOÃO FERNANDO FERREIRA PINTO [PDF]
43 | Concurso de crimes, pena única e pena relativamente indeterminada
NÉLSON FERNANDES [PDF]
73 | Decisão Europeia de Investigação em matéria penal
LUÍS DE LEMOS TRIUNFANTE [PDF]
111 | As alterações orçamentais no actual panorama das Finanças Públicas
JOAQUIM MIRANDA SARMENTO • RUI MARQUES [PDF]
137 | A insustentável leveza do “princípio do desenvolvimento sustentável”
CARLA AMADO GOMES [PDF]
PRÁTICA JUDICIÁRIA
161 | O crime de utilização de menor na mendicidade (artigo 296º do Código Penal) Alegações de recurso do Ministério Público no processo n.º 340/08.0PAPBL
JÚLIO BARBOSA E SILVA [PDF]
CRÍTICA DE JURISPRUDÊNCIA
177 | O fundamento constitucional do poder funcional de recurso e a legitimidade para recorrer do Ministério Público em Processo Penal – A propósito do Acórdão n.º 361/2016 do Tribunal Constitucional
HELENA MORÃO [PDF]
JUSTIÇA & HISTÓRIA
193 | A penalidade na India segundo o Codigo de Manu: memória apresentada á 10.ª sessão do Congresso Internacional dos Orientalistas (Lisboa, Imprensa Nacional, 1892)
CÂNDIDO DE FIGUEIREDO [PDF]
VÁRIA
213 | Crônicas da coluna “Ao correr da pena”: Constituição – Custas – Integridade na magistratura – Justiça barata
(Edições de Ouro, Clássicos brasileiros,
Rio de Janeiro, 1968, pgs. 144 a 152)
JOSÉ DE ALENCAR   [PDF]
224 | Resumos : Abstracts [PDF]

Notícias ao Domingo!


Portugal/despacho da RP/advogado em causa própria: reiterando jurisprudência antecedente, o despacho da Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto [Eduarda Lobo, texto integral aqui], proferido a 23.09.2016, em sede de reclamação, determinou que: «o advogado com a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados não pode advogar em causa própria e auto representar-se para intervir como assistente em processo penal.», Cita em seu abono os Acórdãos do Tribunal Constitucional ns.º 367/2010, 52/2014, 631/2014 e 636/2014

Portugal/erro notório na apreciação da prova/Acórdão do TRC: o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 28.08.2016 [relator Inácio Monteiro, texto integral aqui], determinou, explicitando na sua primeira parte um conceito que tem conhecido, na interpretação que dele fazem os tribunais superiores, formulações restritivas, que «I - Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade», explicitando que «II - Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.»

Portugal/STJ-Uniformização de jurisprudência/prazo para a constituição como assistente: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2016, tirado no dia 07.07.2106, [relatora Isabel São Marcos, publicado na folha oficial em texto integral aqui] definiu que «"Após a publicação da sentença proferida em 1.ª Instância, que absolveu o arguido da prática de um crime semipúblico, o ofendido não pode constituir -se assistente, para efeitos de interpor recurso dessa decisão, tendo em vista o disposto no artigo 68.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei n.º 130/2015, de 04.09”». O aresto ainda não se encontra disponível no site do STJ [ver aqui onze arestos que contêm jurisprudência fixada no ano de 2016].

Portugal/TC/Recurso em processo penal: veio agora à folha oficial o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 429/2016, de 13.07.2016 [relatora Maria de Fátima Mata-Mouros, texto integral aqui] o qual decidiu [com vários votos de vencido]: «Julgar inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.». Ver a propósito o Acórdão do mesmo Tribunal n.º 412/2015, de 29.09.2015, [relatora Maria de Fátima Mata-Mouros, texto integral aqui] segundo o qual se decidiu [com voto de vencido de Maria Lúcia Amaral]: «Julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1 da constituição).»

Advocacia societária horária: no âmbito do conceito da advocacia como uma «indústria» - e é assim que no contexto societário de matriz anglo-americana a realidade é encarada, colocam-se problemas como o da correlação entre a concisão da escrita e a concomitante redução do número de horas "facturáveis" aos clientes. A ler aqui para melhor esclarecimento.

Suiça/adesão à Convenção OCDE de assistência fiscal mútua : segundo se informa aqui a Suiça depositou o instrumento de ratificação à Convenção de Assistência Mútua em matéria de Impostos, e 1988 modificada em 2010 [ver referências à mesma aqui] visando a troca automática de informações por via administrativa sobre matéria fiscal, visando primacialmente o combate à evasão tributária.

OCDE-FATF-GFI/befeficial owner (BO-UBO): encontra-se aqui o relatório emitido em Setembro de 2016, decorrente da reunião do G20 com o elenco de acções previstas na matéria nomeadamente no que se refere à determinação do último beneficiário de valores ocultados em contas bancárias em nome de terceiras entidades. O texto remete, sistematizando-as, para o corpo de medidas antecedentes.

Brasil/erro material embaraçoso: segundo informa o site brasileiro de informação jurídica Conjur [ver aqui]«o sistema processual do site do Superior Tribunal de Justiça transformou um advogado em réu preso. A troca aconteceu em um recurso em Habeas Corpus impetrado pelo profissional em favor do seu cliente.». Erro material embaraçoso. Acontece.

Brasil/presunção de inocência/interpretação conforme a Constituição: tornou-se tema na conturbada justiça daquele País a questão cuja valia extravasa fronteiras. A ler aqui

Leituras/Portugal/Cumprimento de penas no Ultramar Português/1968: publicado em
1968, encontrei-o num alfarrabista. Trago-o aqui porque todos os livros que sob o Direito de publicam revelam-se, mesmo sob a usura do tempo ou a simplicidade da análise, úteis para a compreensão da nossa, afinal imperfeita, contemporaneidade. São a demonstração de que o Direito não é um dado adquirido, sim uma realidade em formação. Mesmo que o historicismo não seja tudo, só a História permite a compreensão. O autor Fernando Rodrigues Leitão havia escolhido como tema de dissertação de licenciatura no então Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina o tema dos serviços prisionais no Ultramar. E é esse o texto que deu origem ao livro. Obra com interesse histórica, nela avultam menções quer ao Direito Consuetudinário africano quer às especificidades da Reforma Prisional de 1936 e sua extensão ao Ultramar em 1954 quer as decorrentes do Decreto-Lei n.º 40 276k de 24 de Novembro de 1956, sob a égide do Ministro Antunes Varela.
A parte porventura mais interessante desta pequena obra de 164 páginas ainda é a dedicada à pena de degredo.









Recurso das medidas coactivas negadas ao MP



Confesso que as questões de técnica jurídica não param de me espantar, sobretudo aquelas que incidem sobre temas que, num primeiro instinto, me pareciam pacíficas, e verifico que são, afinal, controversas. E sobretudo quando o discutível põe em causa - porque não dizê-lo se é o que sinto? - a posição do Ministério Público, pois interpretações cerceadoras do direito da defesa a essas já me habituei quer pela profissão quer pela reflexão sobre o que fui interpoladamente estudando.

A folha oficial informa que o Supremo Tribunal de Justiça com o seu ACórdão 16/2014 [ver aqui] fixou jurisprudência no sentido seguinte: «É admissível recurso do Ministério Público de decisão que indefere, revoga ou declara extinta medida de coação por ele requerida ou proposta»

Ao tomar conhecimento do decidido um primeiro momento de surpresa interrogativa atacaria qualquer um: mas seria possível pensar que não era admissível recurso? 

Ora, pelos vistos, tinha sido admissível pois assim sucedia por força da alteração do artigo 219º do CCP por força da Lei n.º 48/2007 de 29.08 [ver aqui], já que na redacção primitiva do preceito o recurso era possível.

Só que a Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto [ver aqui]  teria supostamente posto termo a este inaceitável regime e fizera aparentemente regressar o sistema ao que havia sido inicialmente gizado.

Sucede, porém, que havia quem não aceitasse esta interpretação segundo a qual a recorrribilidade havia sido reposta o que levou o assunto a ser submetido ao STJ

Chamado a pronunciar-se o Tribunal Constitucional [Acórdão n.º 160/2010, ver aqui] declarara, aliás,  a conformidade da norma na versão anterior com a Lei Fundamental o que facilitava a tese dos que patrocinavam a tese de legalidade e da legitimidade da inviabilidade do recurso.

A batalha travada em sede de Tribunal Constitucional, aparentemente ganha por via legislativa, reacendera-se assim no terreno jurisprudencial. Terminou agora julga-se que definitivamente e, afinal, na sede própria, o mais alto tribunal.

De tudo quanto se possa dizer a propósito creio que vale a pena rememorar, na síntese feita pelo Ministério nas suas alegações de recurso com que argumentos se sustentou a posição agora derrotada

«- Da norma revogatória ínsita no artigo 4.º, da Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, não decorre a derrogação expressa dos n.ºs 3 e 4 do artigo 219.º do Código de Processo Penal, na formulação decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sendo que da nova redacção ora conferida ao n.º 1 deste preceito resulta, sim, que a matéria ali em causa, antes tratada naqueles dois segmentos normativos (nºs 3 e 4), passou agora a ser refundida neste [n.º 1 do
artigo 219.º];
 - Só assim se compreende que o legislador, que também alterou o disposto nos artigos 389.º e 391.º -E, do Código de Processo Penal, tenha procedido à revogação expressa das normas contidas no n.º 6 do artigo 389.º e no n.º 3 do artigo 391.º -E – [artigo 4.º, alínea a), citada] – e o não tenha feito em relação aos n.ºs 3 e 4 do mencionado artigo 219.º;
 - E a revogação não pode ter -se por implícita porque a nova redacção dada ao n.º 1 desse artigo 219.º não eliminou nenhum daqueles dois segmentos normativos: o n.º 4, relativo ao prazo de 30 dias para o julgamento do recurso, passou a estar integrado no n.º 1; e o n.º 3, que previa a irrecorribilidade, só desapareceu porque passou a ser desnecessário face à redacção agora introduzida no
novo n.º 1;
- Configurando, com efeito, o n.º 1 do citado artigo 219.º uma norma de carácter excepcional, a regulamentação nele operada dos casos em que cabe recurso de decisões relativas a medidas de coacção, com inclusão do prazo, antes contido no n.º 4, para o subsequente julgamento, implicou
a desnecessidade da previsão contida naquele n.º 3;
 - Com o actual n.º 1 do artigo 219.º visou o legislador regular de forma abrangente os casos em que é admissível recurso em matéria de medidas de coacção, tendo tomado posição expressa no sentido de que apenas são recorríveisas decisões que, nesta sede, as apliquem, substituam ou mantenham;
 - A contrario, nas situações não previstas no preceito não há recurso;
 - A eventual convocação do princípio geral do artigo 399.º do Código de Processo Penal redundaria na falta de sentido útil da norma contida no artigo 219.º, na parte em que limita o recurso às concretas situações no mesmo elencadas;
 - Se tivesse sido intenção do legislador abrir a porta à recorribilidade de todas as decisões que se pronunciassem sobre medidas de coacção, então, bastar -lhe -ia revogar aqueles n.ºs 1 e 3 do artigo 219.º, passando a vigorar a regra geral do artigo 399.º do CPP.»

Medidas coactivas irrecorríveis



Tudo quanto permita restringir o direito ao recurso tem uma boa probabilidade de encontrar eco jurisprudencial, sendo o culpado legislador, que muitas vezes o é, por inconsideração, má técnica, ingenuidade e perversão. Não espanta, pois, ler o decidido pelo Tribunal da Relação de 14.05.2013 [proferido no processo n.º 137/12.3PBLRS-A.L1-5, relator José Adriano, texto integral aqui]:

I - O legislador quis regular de forma abrangente os casos em que se pode recorrer, aquando da aplicação de medidas de coacção, tendo tomado posição expressa no sentido de que apenas são recorríveis - pelo arguido ou pelo MP, agora já não apenas em beneficio do primeiro -, as decisões que aplicam, substituem ou mantêm qualquer das medidas coactivas previstas no Código.
II - A contrario, não serão recorríveis todas as demais decisões que não apliquem uma qualquer medida proposta pelo MP e as que revoguem ou declarem extinta uma medida anteriormente aplicada.»

Explicando o porquê e culpando o legislador pelo decidido explicita a decisão: «Até há pouco tempo, dispunha o art. 219.°, nos seus n.°s 1, 3 e 4, do CPP:
"1 - Só o arguido e o MP em benefício do arguido podem interpor recurso da decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas previstas no presente título.
2 - ...
3 - A decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as medidas previstas no presente título é irrecorrível.
4 - O recurso é julgado no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos forem recebidos".
Perante tal normativo, a decisão ora impugnada era irrecorrível, sem quaisquer dúvidas.
Todavia, com a entrada em vigor (em 29/10) da Lei n.° 26/10, de 30/8, a redacção do aludido art. 219.° foi alterada, passando a ser a seguinte:
"1 - Da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo MP, a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos foram recebidos.
2 - ..."
Contrariamente ao que possa parecer à primeira vista, os anteriores números 3 e 4 não foram revogados — veja-se a norma revogatória do art. 4.°, da mencionada Lei, e a nova redacção dada pela mesma ao aludido art. 219.° do CPP, na qual não constam expressamente como revogados aqueles números, diversamente do que acontece relativamente ao n.° 6 do art. 389.° e n.° 3 do art. 391.°-E, do mesmo Código, que também foram alterados -, tendo a matéria desses números sido refundida com a do n.° 1, que passou a regular também a matéria que antes constava daqueles n.°s 3 e 4.
Consequentemente, tendo em conta esse n.° 1, terá de concluir-se que o legislador quis regular de forma abrangente os casos em que se pode recorrer, aquando da aplicação de medidas de coacção, tendo tomado posição expressa no sentido de que apenas são recorríveis - pelo arguido ou pelo MP, agora já não apenas em beneficio do primeiro -, as decisões que aplicam, substituem ou mantêm qualquer das medidas coactivas previstas no Código.
A contrario, não serão recorríveis todas as demais decisões que não apliquem uma qualquer medida proposta pelo MP e as querevoguem ou declarem extinta uma medida anteriormente aplicada.
E não se venha argumentar que para tais situações vigorará a regra geral da recorribilidade de quaisquer decisões, nos termos previstos nos arts. 399.° e 400.° (este a contraio), do CPP — normas que foram, efectivamente, invocadas pelo recorrente no seu requerimento de interposição do recurso -, pois, nesse caso, seria totalmente destituída de sentido a norma do art. 219.°, n.° 1, por inútil, salvo na parte em que fixa prazo para julgamento do recurso.
Partindo-se do pressuposto de que o legislador pensou devidamente o sistema e não criou normas inúteis, só pode concluir-se que quis manter afastada a recorribilidade das demais decisões não expressamente previstas naquele n.° 1 do art. 219.°, do CPP. Se, pelo contrário, fosse intenção do legislador abrir a porta à recorribilidade de todas as decisões que se pronunciassem sobre medidas de coacção, então bastar-lhe-ia revogar os n.°s 1 e 3, do art. 219.°, passando a vigorar a regra geral do art. 399.°, do mencionado Código. Não foi este, manifestamente, o intuito do legislador.»

Impugnando o inimpugnável

Por entender que o crime em causa era outro que não aquele sobre o qual o Ministério Público e o juiz de instrução se haviam entendido concordando com uma dispensa de pena, o assistente veio requerer a abertura de instrução. Foi-lhe rejeitada porque o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 27.03.12 [relator Sénio Alves, texto integral aqui] decidiu que «contra a decisão de arquivamento do processo ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº 1 do CPP não pode o assistente reagir através do pedido de abertura de instrução».
Fundamentando justificou explanando que: «Como claramente resulta do artº 286º, nº 1 do CPP, a instrução visa a comprovação judicial de deduzir a acusação ou de arquivar o inquérito. A decisão (de acusar ou arquivar) aqui referida só pode ser a proferida pelo MºPº, titular do inquérito. Não parece sensato defender-se que pode haver comprovação judicial de uma decisão… judicial de arquivar o processo! Mais: o juiz de instrução já comprovou judicialmente a decisão de arquivamento tomada pelo MºPº: fê-lo ao dar a sua concordância, nos termos do artº 280º, nº 1 do CPP, examinando os autos e verificando a existência dos pressupostos e requisitos legais».
É que, segundo o mesmo Tribunal: «Dispõe-se no artº 280º, nº 1 do CPP que “se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa”. E, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, “a decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação” sendo certo que, como opina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 123, “o não ser susceptível de impugnação parece significar que a decisão de arquivamento não admite nem recurso nem comprovação pela instrução”».
Curioso é que ante uma lei que veda uma impugnação e ante uma situação que parece exigi-la - e cuja conformidade constitucionalidade tem sido aceite - a Relação de Évora conclua - citando o mesmo professor - que a via de ataque à mesma é a...impugnação por recurso. 

P. S: Um só reparo: no sumário o tema surge indicado por referência a vários descritores, um deles, o de «inquérito preliminar». Já houve.

A taluda

Há situações em que é impossível as pessoas não verem no que escrevo referência a um caso concreto. Mas o propósito que me leva a escrever não é esse. Escrevo porque estou perdido. Só falta estar de cabeça perdida. 
Sou advogado, por vezes de defesa outras do lado das vítimas. Aprendi ao longo de um vida que se conseguem sempre piores resultados quando se está do lado das vítimas. E não é por causa do modo como os arguidos se defendem, sim, como já disse aqui, pelo modo como o sistema legal as trata, nomeadamente em matéria daquilo que parece ser o único remédio que está habilitado a dar às coisas: as indemnizações, magríssimas quase sempre, incobráveis tantas vezes, devoradas pelo que se gastou em custas e advogados.
Mas não é isso que me leva a escrever esta manhã, sim o cada vez mais encontrar menos um critério, uma regra, uma lógica que eu compreenda e consiga explicar aos que me procuram na minha profissão. Em tantas facetas isso se me coloca, quantas a fazer-me sentir um vendedor de cautelas de uma lotaria em que até pode sair a "sorte grande" como o bilhete em branco, esperando-se quase sempre, ao menos, a "terminação".
Penso esta manhã naquele momento agónico em que, esgotadas as vias de recuso, incluindo para o Tribunal Constitucional, há que dizer ao interessado que a pena é para cumprir, que a sentença transitou, enfim, que espere que a polícia o venha buscar se não quiser apresentar-se voluntariamente.
Confesso que a partir de hoje, já na segunda-feira, não sei mais o que dizer. Conto ouvir como pergunta um «mas não haverá mais um recurso possível?» e se a resposta for um «não», terei de confessar qualquer coisa como um «não que eu saiba», «não que eu tenha aprendido», «não que eu tenha coragem», «não que eu tenha lata», «não porque eu sou uma besta», «sim, talvez, porque não?», «sim, é caso para se ver...», «tentar não custa e até pode ser...», «seguramente, pois, claro que terá de ser», «Então não somos todos filhos de Deus e há horas do Diabo!...», «esteja certo que tou nessa, porque isto às vezes até está numa de dar», «bora nisso,, que isto no estado em que isto tudo anda era o que faltava que me armasse eu em finuras», para rematarmos, em alegre confraternização e foguetório, num «tá feito, és um gajo com sorte, e olha que eles foram uns tipos porreirinhos, tinhas razão, vai uma fresquinha para celebrarmos que nos saiu a taluda»...

Por causa dos gregos e seu cavalo...

Enfim descobri a analogia literária que explica o porquê da para mim inaceitável irrecorribilidade total da decisão instrutória em processo penal. 
Leio-a num acórdão da Relação do Porto de 09.11.11 [proferido no processo 148/00.1IDPRT-A.P1, relator António Gama, texto integral aqui]: «(...) é hoje indiscutível que a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, nomeadamente a prescrição do procedimento criminal. Outro entendimento equivalia a recolher o cavalo de Tróia dentro da cidadela da celeridade processual, valor constitucional relevante em processo penal, quando o legislador tem tentado, a todo o custo, remover, nesta fase, os obstáculos a que o processo seja remetido imediatamente para julgamento, art.º 310º n.º1 do Código de Processo Penal».
Claro que no tempo do Estado Novo de Oliveira Salazar a pronúncia admitia recurso até ao STJ [artigo 377º do Código de Processo Penal de 1929], sendo que a recorribilidade só até à Relação foi uma "conquista" do PREC [artigo 21º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro] e sob a bandeira do Estado de Direito Democrático é como hoje se vê, de nada se pode recorrer, percebo agora eu por causa dos gregos e seu cavalo de Tróia.