Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Mostrar mensagens com a etiqueta Susana Aires de Sousa. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Susana Aires de Sousa. Mostrar todas as mensagens

Figueiredo Dias: Direito Penal (3ª edição]


Acaba de chegar, oferta amiga. Mais duzentas páginas do que a edição anterior, num total de 1 252, eis, quinze anos depois,  a terceira edição de uma obra de referência, que surge agora pela  colaboração de Maria João Antunes, Susana Aires de Sousa, Nuno Brandão e Sónia Fidalgo. 
O prefácio, firmado em Outubro, está redigido em jeito de gratidão a estes seus colaboradores, que, em «trabalho cooperativo», tornaram a obra possível, assim como o livro vem dedicado, em epígrafe, aos seus discípulos. Nele, o autor enuncia o que são as grandes questões que hoje se oferecem, na passagem do século 20 para o século 21, ao Direito Penal, a exigirem «modificações sensíveis, porventura radicais», como, exemplifica, no âmbito do direito penal económico, no direito penal dos entes colectivos, na criminalidade organizada, na europeização e mundialização da doutrina penal e seus efeitos sobre as categoriais do tipo de ilícito, da culpa e da punibilidade.
À primeira vista, a sistemática reconhece-se a mesma. Uma análise mais atenta revela, porém, novidades significativas, tornando-o obra definitiva na teoria do Direito Penal. Assim, ficando-me pelas maiores referências, a doutrina do concurso, o de normas e o de crimes [páginas 1137 a 1211], vem amplamente exposta, assim como as problemáticas da tentativa e da comparticipação nos crimes omissivos [páginas 1124-1137] e do mesmo modo, no subtítulo dedicado aos pressupostos adicionais de punibilidade,  [páginas 781 e seguintes] é pormenorizado o tema dos estádios da realização do crime, e a comparticipação, com detalhe para as formas de autoria e de cumplicidade.
Não houve tempo de entrar no detalhe do conteúdo que se adivinha igualmente revisto e aumentado e como tal fruto de um pensamento dialogante em constante actualização. 
Eis, pois, na sua melhor expressão, a nobreza de um professor: ter criado escola, ter discípulos que se tornaram amigos e continuadores, deixar obra escrita como serviço à comunidade para a qual dedicou uma vida de estudo e reflexão. Bem haja, pois, Mestre!

Direito Penal de empresa: questões gerais

A obra foi publicada este ano, em Janeiro. Reproduz, em escrito, o ensino da autora em cursos de pós-graduação, desde há alguns anos, em Portugal e no Brasil.
É livro pequeno de 150 páginas. Mas os livros pequenos têm a vantagem de se candidatarem a serem lidos. Sobretudo quando escritos com clareza, e é o caso.
O tema é actual, o território jurídico em que se move, mutante.
Trata-se, a nível criminal, da responsabilidade dos administradores, da responsabilidade das pessoas colectivas e da responsabilidade do compliance. Mas para que tudo ganhe compreensibilidade, o capítulo inaugural ensaia uma rememoração dos conceitos fundamentais do Direito Penal de Empresa e a Teoria da Infracção Penal. 
O foco é precisamente o Direito Criminal Empresarial, o corporate crime, no quadro de uma sociedade técnica, progressivamente mais complexa e especializada.
Terminada a leitura dessa análise preambular, eis as notas que, traduzem o que retive como essencial:

-» a evolução de um Estado interventor para um Estado regulador, não diria recuo do Estado mas uma sua recolocação no território económico, financeiro e social, num ambiente contemporâneo de «desregulação da economia»;

-» a natureza «mutável, flexível e assistemático» desse novo Direito;

-» a configuração dos bens jurídicos em causa nesse Direito Penal Económico [de que o Direito Penal Empresarial seria espécie daquele género] como «relevantes para a sobrevivência do sistema económico»;

-» a dicotomia necessária entre a criminalidade na empresa e a criminalidade de empresa, esta a que lesa bens jurídicos e  interesses «externos, incluídos os próprios interesses dos colaboradores da empresa», abrangendo todo o universo de crimes que se situem no ambiente empresarial, desde o direito penal laboral ao de mercado de valores mobiliários, ao do consumidor, às insolvências puníveis, crimes contra a propriedade industrial, enfim os delitos societários.

Se esta é a configuração da arquitectura global do Direito em causa, Susana Aires de Sousa conduz-nos, seguidamente, para questões problemáticas que se suscitam na matéria:

-» a utilização pela lei de tipos penais abertos e indeterminados na formulação legal dos ilícitos, nomeadamente através do reenvio para normas extra-penais, inclusivamente de valor infra-legal (decreto, regulamento ou uma portaria) o que coloca problemas de constitucionalidade, pois que o reenvio «pode prejudicar a função de garantia que cabe ao tipo incriminador» [cita a exemplo quanto se passa com o artigo 509º do Código das Sociedades Comerciais, convoca a cascata remissiva do artigo 87º do RGIT - que considera, com ironia, uma das situações «caricatas e de duvidosa constitucionalidade» e cita, deixando a apreciação ao leitor, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1997, segundo o qual o princípio da legalidade incriminatória não está em causa quando o conceito indeterminado utilizado pelo legislador seja «determinável» pelo intérprete;

-» a natureza social e historicamente situa dos bens jurídicos em causa neste tipo de criminalidade [«afastada de um essência axiológica culturalmente consolidada»] e a sua distância relativamente a qualquer «referência individual imediata», valorando o mero «perigo da conduta face à lesão efectiva do bem jurídico» o que «levanta dúvidas sobre a legitimidade da intervenção penal» [e neste domínio chama à colação os denominados «delitos cumulativos», que enfrentam o risco de generalização de uma conduta, modalidade dos crimes de perigo abstracto, que aqui teriam expressão, no caso dos crimes fiscais e contra o mercado de valores mobiliários];

-» o tema da legitimidade para a constituição de assistente [por ampliação do quadro conceptual da noção de ofendido], concluindo que haverá casos nos quais «não obstante a natureza colectiva do interesse protegido pela incriminação, se deve admitir que a empresa pode aceder ao estatuto de sujeito processual», citando ser, em sua opinião, o caso dos crimes societários [artigos 509º a 529º do Código Penal];

-» a matéria da responsabilidade criminal pelo produto [no caso da produção e da distribuição] e que ao dano individual sucede a multiplicação do dano por um elevado número de consumidores e é, assim, um «dano duplamente anónimo», assunto relativamente ao qual, não só sublinha a existência de lacunas de previsão no Direito em vigor [concretamente ante a conjugação dos artigos 282º e 24º do Decreto-Lei n.º 28/84, apresentando proposta de redacção para um Direito a constituir];

-» e, enfim, em breve apontamento, uma nota quanto «às dificuldades dogmáticas para estabelecer a autoria e a participação nos crimes cometidos através de uma organização».