Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Suspensão da pena

«Se o agente foi condenado pela prática de um crime de homicídio negligente e de um crime de ofensa à integridade física por negligência de que resultaram ofensas à integridade física grave para a outra vítima, emergente de acidente de viação, com culpa exclusiva do arguido, - motorista profissional e condutor de veículos pesados, sem antecedentes criminais, que não confessou os factos (tão-só manifestou arrependimento e pesar face às consequências do acidente de viação em apreço) - não se justifica a opção pela pena de multa (inadequada e ineficaz face às necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, num contexto social em que se verifica a ocorrência de inúmeros acidentes de viação), mas antes a opção pela pena de prisão, suspensa na sua execução, tendo especialmente em conta as necessidades de prevenção geral, devido ao alto nível de sinistros rodoviários». Acórdão de 6 de Março de 2012 do Tribunal da Relação de Évora [sublinhados meus, relator Monteiro Amaro, texto integral aqui]

Pena suspensa no cúmulo jurídico

Técnica seguramente e por isso interessante neste tumultuoso universo em que o Direito parece rendido à Retórica e eivado de Política esta temática da relevância da pena suspensa no domínio da formação do cúmulo jurídico: «Iº A inclusão da pena suspensa num cúmulo de penas não equivale tecnicamente à revogação da suspensão, tendo apenas o alcance de considerar sem efeito a suspensão pela necessidade legal de proceder ao cúmulo de penas; IIº Uma pena de prisão suspensa na sua execução, aplicada pela prática de um crime que está em relação de concurso com os demais em que o arguido foi condenado, deve ser incluída no cúmulo jurídico a efectuar»
Decidiu-a a Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 6 de Março de 2012 [relator Artur Varges, texto integral aqui].
Fundamentando, a decisão recorrida havia já esclarecido que sobre o problema do relevar a pena suspensa no âmbito do cúmulo jurídico «o Supremo Tribunal de Justiça vem produzindo jurisprudência em dois sentidos. Uma corrente minoritária que impede o cúmulo jurídico de penas de prisão efectiva com penas prisão suspensa, uma vez que estas duas penas têm natureza diversa - a segunda é pena de substituição.
E uma outra maioritária, que, argumentando não excepcionar a lei esta possibilidade, defende a realização de cúmulo jurídico mesmo nestes casos.
No primeiro sentido: Conselheiro Henriques Gaspar, Ac. STJ de 02.06.2004, Proc.º 4P1391 in www.dgsi.pt e Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 217; de 06-10-2004, Procº. n.º 2012/04; de 20-04-2005, Procº. n.º 4742/04; da Relação do Porto de 12-02-1986, CJ, 1986, tomo 1, pág. 204; e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao Ac. do STJ de 03-07-2003, na RPCC, 2005, n.º 1, págs.117-153.
No segundo sentido: Conselheiro Raul Borges, Ac. STJ de 25.09.2008, P.º 8P2891, in www.dgsi.pt e Ac. STJ: de 04-03-2004, Procº. n.º 3293/03 - 5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Procº. n.º 4106/04; de 21-04-2005, Procº. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Procº. n.º 897/05; de 05-05-2005, Procº. n.º 661/05; de 09-11-2006, Procº. n.º 3512/06 - 5.ª, CJSTJ, 2006, tomo 3, pág. 226; de 29-11-2006, Procº. n.º 3106/06 - 3.ª; de 03-10-2007, Procº. n.º 2576/07 - 3.ª; de 27-03-2008, Procº. n.º 411/08 - 5.ª.
Decidindo, a Relação de Lisboa considerou: «A razão de ser da inclusão da pena parcelar suspensa na sua execução num cúmulo posterior radica no princípio segundo o qual o arguido deve ser condenado numa pena única por todos os crimes em concurso. Se, por razões ligadas ao funcionamento dos tribunais, mormente por lentidão de alguns deles ou por desconhecimento de outras condenações já impostas, houver condenações que não tomem em consideração todos os crimes em concurso, deve proferir-se nova sentença em que se aplique uma única pena, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1). Como expende o Prof. F. Dias, em As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 285, só relativamente à pena conjunta tem sentido pôr a questão da substituição. E não é chamar à colação o regime do artigo 56.º do Código Penal, que regula a revogação da suspensão. Com efeito, a inclusão da pena suspensa num cúmulo de penas não equivale tecnicamente à revogação da suspensão, tendo apenas o alcance de considerar sem efeito a suspensão pela necessidade legal de proceder ao cúmulo de penas. Em conclusão: não existe impedimento legal à inclusão da referida pena de prisão com suspensão da execução no cúmulo de penas, antes se tratando de uma exigência legal”. E, no mesmo sentido, também nesta Secção, o Acórdão de 05/04/2011, Proc. nº 663/07.6PKLSB-C.L1, consultável no referido sítio. Entendimento que subscrevemos integralmente, perfilando-nos ao lado da jurisprudência dominante, sem necessidade de fazer acrescer argumentos aos que se mostram já exaustivamente explanados.»

Suspensão da pena e condenações anteriores

«Assim, essa suspensão é uma nítida opção pela socialização em liberdade do condenado, sem que isso signifique que tenha de existir uma plena certeza que este venha efectivamente a reinserir-se. Aliás, o facto de o condenado já ter anteriormente sofrido outras condenações poderá até nem ser um obstáculo à suspensão da execução da pena de prisão, principalmente quando os crimes foram todos praticados anteriormente à primeira condenação – cfr. Acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2008, in CJ (S), Tomo I». Eis a Relação de Coimbra a decidir no seu Acórdão de 8 de Fevereiro de 2012 [relatora Brízida Martins, texto integral aqui].

Suspensão da pena sob condição impossível

«Também nos crimes de peculato não há qualquer motivo para censurar como desproporcionado, o dever de pagamento da quantia apropriada como condição da suspensão da execução da pena — mesmo que, no momento da imposição do dever, o julgador se aperceba de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em causa, por impossibilidade de o fazer». Colocámos o itálico pela incapacidade em perceber como é que se suspende uma pena sob a injunção de um pagamento que se sabe a priori não vai ser cumprido por impossibilidade de tal ocorrer. É o Acórdão da Relação do Porto de 09.02.11 [relator Melo Lima].

P. S. Justificando diz-se: «É que, e entre o mais, a falta de pagamento da obrigação pecuniária fixada não determina, automática e necessariamente, a revogação de suspensão da execução da pena de prisão». Mesmo assim e ainda que relevando a inconstitucionalidade da prisão por dívidas, é-me difícil entender.

Suspensão da pena e indemnização parcial?

Às vezes ainda é o único meio de fazer Justiça à vítima o substituir a prisão pela suspensão da pena sob a condição do pagamento de indemnização. Já houve quem questionasse a constitucionalidade do sistema. O problema é quando o condenado não tem meios e só se pode sujeitá-lo a priori no pagamento parcial da indemnização. Eis o que o Tribunal da Relação de Évora equacionou num seu Acórdão de 20.12.11 [relatora Ana Brito], no fundo sobre a reparação possível do mal. A ler aqui.

Permiti-mo-nos citar este excerto, até pelo interesse das referências citadas: 
 
«A obrigação de reparação do mal do crime, como condicionante da suspensão da prisão, cumpre, no caso, uma importante função adjuvante das finalidades da punição. Contribui efectivamente para a reinserção social do arguido, que assim melhor se reabilita, apagando, na medida do possível, o seu acto criminoso. Facilita, ainda, a reposição da situação do lesado antes do cometimento do crime. Em suma, “permite cuidar ao mesmo tempo do delinquente e da vítima” (Manso Preto, Algumas considerações sobre a suspensão condicional da pena, in Textos, Centro de Estudos Judiciários, 1990-91, p. 173)”, melhor assegurando “o direito do cidadão a ser punido com a pena justa” (Faria Costa, Linhas de Direito Penal e de Filosofia alguns cruzamentos reflexivos, 2005, p. 230).
A suspensão condicionada é, pois, um “meio razoável e flexível para exercer uma influência ressocializadora sobre o agente, sem privação da liberdade”. A sua vantagem “reside precisamente na possibilidade de adaptar a sanção às circunstâncias e necessidades do agente” (Jescheck, Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002, p. 898-899. E sobre o papel e funções da reparação no ordenamento penal alemão – como isenção ou atenuante de pena; como condição imposta ao condenado; como substitutivo da sanção penal; como consequência jurídica autónoma do direito penal juvenil – ver Pablo Galan Palermo, Suspensão do Processo e Terceira Via: avanços e retrocessos do sistema penal, in Que Futuro para o Direito Processual Penal, 2009, pp. 613 a 643).
Permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na “ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo”, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005 reimp., p.339).
Nas palavras de Pablo Galan Palermo, a reparação “constitui um comportamento positivo posterior” do agente que “compensa o injusto, repara o dano social, cumpre com o fim de prevenção especial ressocializadora, cumpre com o fim de prevenção penal integradora” (loc. cit. p. 642-643).
Mas para que se cumpra tal desiderato, deve o arguido encontrar-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária, na quantidade e no tempo determinados na sentença.
Para tanto, deve o juiz averiguar das possibilidades do cumprimento do dever a impor, de forma a fixá-lo num modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do condenado, só assim se prosseguindo o seu direito a uma pena justa.
A esta compatibilização se refere o art. 51º do CP, cujo nº2 estipula que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, prevendo-se no nº 3 a modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes. Daí o dizer-se que este nº 2 completa com um princípio da razoabilidade, os princípios gerais que norteiam a fixação da pena – da adequação e da proporcionalidade.
O Tribunal Constitucional sempre se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do art. 51º, nº1-a), na parte em que permite condicionar a suspensão da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido (v. Ac. TC 440/87, Ac. TC 569/99), sendo igualmente abundante a sua jurisprudência no sentido até da conformidade constitucional da obrigatoriedade desse condicionamento ao pagamento da totalidade de uma dívida (fiscal) (entre muitos, Ac TC 356/2003, 335/2003, 500/2005, 309/2006, 61/2007, 556/2009, 237/2011).
Neste segundo caso – da obrigatoriedade legal do condicionamento da suspensão ao pagamento de indemnização – apesar de uniforme, a jurisprudência do Tribunal Constitucional conta com voto de vencida da Conselheira Fernanda Palma. Por exemplo, no Ac. n.º 376/2003 justificou: “verificando-se a sujeição necessária da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da dívida fiscal, fica inviabilizada a plena ponderação em concreto das exigências de prevenção e de reintegração no momento de decidir a efectiva aplicação e execução da pena. (…) Dá-se portanto a transfiguração de um meio concretizador dos princípios e das finalidades do sistema punitivo (…) num meio de produção de um resultado desejável pelo sistema jurídico, independentemente da concreta ponderação de outras possibilidades de satisfação das finalidades punitivas. (…) A suspensão da pena, como alternativa à prisão, não pode ter como condição a concreta capacidade económica do agente – o que seria violador do princípio da culpa, (…) do direito à liberdade e à igualdade (arts. 1º, 27º-1 e 13º da CRP)”».
 
P. S. Não haja equívoco: a imagem é a de um livro de poemas de Fernando Pinto do Amaral, editado em 2004. A ler também, porque a vida não é só prosa.

Suspensão da pena, um dever judicial

Acórdão do STJ de 27.10.05 [proferido no processo n.º 150-05, relator Simas Santos]: «Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, pelo que é necessário que, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição».[cortesia de http://granosalis.blogspot.com/]