Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A luta continua

Eu acho que já disse aqui aquela gracinha irónica de que felizmente estou sempre em férias. Por isso nunca me atrapalho quando tenho um processo com arguidos presos, em que os prazos correm em férias, para decisões que raramente são proferidas nessas férias, nem quando acontece deterem pessoas em férias e ter de desaguar tudo no TIC no máximo de quarenta e oito horas, quase sempre para se interpor recurso que quase nunca é decidido em férias. Vem isto a propósito de dizer que cá estou. Venho reconciliado com o Direito, naquela variante da luta pelo Direito, que deu título a um livro notável. Luta por vezes quase corpo a corpo, muitas vezes connosco próprios, para nos convencermos a não desistirmos. Uma das coisas que aprendi com os que sofrem na pele um processo criminal no qual se sentem injustiçados é que há um momento em que passou tanto tempo, tanta é a desorientação, tal foi o desespero, que já se contentam com qualquer coisa. Passa-se o mesmo com quem anda nisto, como direi, profissionalmente. É aí que entra o «a luta continua».

Marcelo Caetano

Nas suas lições de Direito Penal o Professor Marcelo Caetano lamentava-se de não as ter podido escrever melhor mas, vencendo como professor o ordenado equivalente a um primeiro oficial, tinha, para fazer face às despesas de sua família, de se dispersar em outras actividades. Houve uma vez em que, tendo saído do Governo, se viu na necessidade de advogar e conseguiu um lugar de consultor jurídico da Companhia de Seguros Mundial. Por gentileza da administração podia usar a sala de reuniões do Conselho de Administração para receber um ou outro cliente privado, pois não tinha dinheiro para suportar as despesas de um escritório. Ao ver, como vemos todos, aqueles que hoje se enchem à conta do Estado, os que entram para a política pobres e saem de lá anafados e bem instalados, tudo isto, que é uma memória dos tempos da ditadura, tem um sabor amargo. Digo-o, sabendo que isto é politicamente incorrecto. Quero lá saber! Cheguei àquela idade em que só uma coisa me incomoda: a mentira dos políticos e a ingenuidade dos que neles acreditam.

Marcelo Caetano

Nas suas lições de Direito Penal o Professor Marcelo Caetano lamentava-se de não as ter podido escrever melhor mas, vencendo como professor o ordenado equivalente a um primeiro oficial, tinha, para fazer face às desepesas de sua família, de se dispersar em outras actividades. Houve uma vez em que, tendo saído do Governo, se viu na necessidade de advogar e conseguiu um lugar de consultor jurídico da Companhia de Seguros Mundial. Por gentileza da administração podia usar a sala de reuniões do Conselho de Administração para receber um ou outro cliente privado, pois não tinha dinheiro para suportar as despesas de um escritório. Ao ver, como vemos todos, aqueles que hoje se enchem à conta do Estado, os que entram para a política pobres e saem de lá anafados e bem instalados, tudo isto tem um sabor amargo. Digo-o, sabendo que isto é politicamente incorrecto. Quero lá saber. Cheguei àquela idade em que só uma coisa me incomoda: a mentira.

Preguiça é o que é

Eu cada vez mais levo a vida menos a sério, daí andar com ar de peru. Além disso escrevo curto e pareço galinha a esvoaçar pelos problemas. O problema é não acreditar já na inocência de muito do que anda pelo Direito, o que pode dar-me ares de pavão.
Vem isto a propósito de eu ter escrito um post sobre o vazio de poder que se instalou na PGR e as suas consequências no MP.
Abriu-se logo a velha fronda entre os autonomistas e os controleiros, o que é natural a uma magistratura em que há alguma gente carregada de ideologia e uma vasta multidão ajoujada de serviço.
Claro que eu podia escrever a sério sobre isto. Há quem diga que até tenho obrigação cívica de o fazer. Há duas razões a fazer-me calar o bico. Primeiro ser verão, depois eu andar depenado.
Quem ler este post pensará que o Barreiros se passou para o reino das aves. Talvez. Antes isso que no mundo dos ofídeos. Não é por andar a rastejar é só pelo mudar de pele. Quanto ao primeiro, uma pessoa habitua-se, já quanto ao segundo um tipo como eu irrita-se.

Os soldados desconhecidos

Muitos dos comentadores da imprensa não têem qualquer experiência de tribunais mas escrevem, sem qualquer prevenção, sobre a Justiça. Na lógica de muitos desses escritos, fala-se «no que faz o Ministério Público», e «no que o Ministério Público não faz». É a velha técnica da generalização. Pode aplicar-se a tudo e a todos, ao que «os advogados», «os juízes», «os polícias», os «funcionários» fazem e deixam de fazer. Trata-se de um modo irracional de argumentar, pois que indiferencia o que é diverso, injusto, pois faz o justo pagar pelo pecador. No caso do Ministério Público, além do mais, é uma análise politicamente errada. É que com o vazio de poder que se instalou na PGR, cada um, cada grupo, faz o que quer e o que pode. No mais é só perguntar-se uma pessoa com que objectivos, se por vaidade, ambição ou ideologia. É assim quando ninguém manda. Além do mais vivem todos com um olho no serviço e outro nos comentadores. Ninguém quer ficar mal na fotografia. Ainda há excepções, honrosas, da imensa maioria dos que trabalham dia e noite, com espírito de isenção e vontade de ser justo. Mas desses não reza a história! Estão na vala comum dos soldados desconhecidos.

Uma volta pela casa

As férias judiciais este ano são mais pequenas. Eu decidi-me a entrar de férias o ano todo. É a alegria total de não mais ter de escrever. Uma alegria de chorar a rir. Fecha-se o contador da água e o do gás, trancam-se janelas e dá-se uma volta à casa para ver se de nada nos esquecemos. Há quem não volte, reformando-se da montonia.

Os porquinhos da Índia

Eu não tenho escrito, não tenho lido, não tenho pensado, não tenho querido saber. Funciono como um autómato, na inércia do Direito que em tempos estudei. Por isso as novidades jurídicas não me dão sequer tristeza. Lembro-me do outro que dizia que leis novas não vale a pena ler logo, pois pode ser que não peguem. Vi agora que vão entrar em vigor regras de processo civil em regime experimental em alguns tribunais. Por mim, estou na fase da vida em que acho tudo bem! Só peço é um favor. Ponham um dístico à porta, a avisar. Pode ser qualquer coisa do género: nós aqui na comarca estamos à experiência! Os advogados-cobaia, quais porquinhos da Índia, assim já ficam a saber.

O mundo das sombras

Parado por desorganização minha, «O Mundo das Sombras» retoma hoje o seu curso. Cada vez que acontece este arrumar a casa vem sempre a promessa de continuar. Oxalá a vida o permita!

Testemunhas de bom ouvido

Vem nos jornais que «a partir de Outubro todas as testemunhas de processos cíveis - como cobranças, indemnizações ou divórcios - poderão depor por escrito, desaparecendo a obrigatoriedade de se deslocarem ao tribunal». Vai ser lindo! Tal como os alunos aldrabões fazem os trabalhos uns dos outros, vai ser uma bandalheira total, a testemunha passar a ser de ouvir de dizer para passar a ser de ouvir ditar. Não se querem lembrar de mais nada para rebentarem de vez com o sistema?

Como dizia o Padre Américo

Pelos vistos um meu comentário irónico sobre as relações autoridades judiciárias/advogados foi tomado a sério e desencadeou comentários interessantes. O problema era o de deverem ou não os juízes e os procuradores receberem os advogados nos seus gabinetes. Para que não se confunda ironia com leviandade, deixem-me fazer um ponto de situação.
1. Quando comecei a advogar a prática era haver uma naturalidade cortês nas relações entre juízes, advogados e procuradores, com excepções a demontrarem que a regra era a inversa. A crispação entre todos é uma situação recente que, diga-se, já conheceu piores dias.
2. Admito que haja pessoas insuportáveis, atrevidas e com maus propósitos e que recebê-las seria uma imprudência. Mas isso sucede-nos a todos. Quando reúno com um colega nem sempre sei quem é nem ao que vem e já tivemos todos surpresas desagradáveis.
3. Concordo que o juiz receber o advogado de uma das partes pode prestar-se a melindres por parte dos outros [do MP ou dos outros advogados] mas tudo se resolve pondo-se a questão abertamente e convocando-os, sendo esse o caso, ou dando-lhes conta de que a conversa ocorreu e em que termos.
4. Aplaudo um sistema em que um magistrado decida só com base no que está no processo e se passa em audiência, e não em conciliábulos privados ou memoriais particulares, mas mal vai se do que estamos a falar é de conversas para tentar meter por debaixo da mesa, em estilo de cunha, o que não constará por cima dela. Nessa altura prende-se o magistrado e quem lhe falar, pois isso é seguramente crime, e lá ficarão nos calaboiços ambos a falar um com o outro o tempo necessário para perderem a mania.
5. Uma coisa é certa: passo a vida de falar com colegas, em público e em privado, com gente a assistir e no segredo dos nossos gabinetes. Chegamos ao processo e cada um faz o que tem a fazer, ninguém se sente diminuído nem posto em causa.
6. Finalmente: o problema muitas vezes não é o receberem ou não receberem, é sim o modo como as relações se estabelecem. Desempenhei cargos na minha Ordem que me levaram a saber, com conhecimento de causa, que em matéria de boas maneiras, nós advogados também temos telhados de vidro e sei, por uma vida profissional gasta nos tribunais, que há magistrados de uma cortesia e delicadeza inexcedíveis. Do que falamos é daquilo que acima referi. No mais, sou o primeiro a reconhecer, tal como o Padre Américo, que não há rapazes maus.
P. S. Há uma coisa em que muitos magistrados ganhavam se admitissem os advogados, com prudência, nos seus gabinetes: é estes verem as condições miseráveis e indignas em que muitos trabalham. Talvez beneficiassem de maior compreensão quanto aos milagres que mesmo assim fazem.