Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O dilema do prisioneiro

O blog é notável e trata de economia. O seu autor, licenciado em Direito, é de uma inteligência fora do comum e sabe do que diz.
Hoje publicou esta narrativa sobre o dilema do prisioneiro:

«O dilema do prisioneiro é um capítulo muito conhecido da teoria dos jogos. O diretor da cadeia dirige-se ao prisioneiro Beltrano e diz-lhe: «Sei de ciência certa que assaltou o banco X com o seu sócio Sicrano. Por enquanto não tenho provas do delito do Sr. Beltrano, pelo menos provas aceitáveis em tribunal. Se colaborar voluntariamente connosco, proporei ao tribunal que não lhe aplique mais de dois anos de pena de prisão. Se não colaborar connosco, pedirei a pena máxima: vinte anos. O meretíssimo juiz costuma atender esses meus pedidos. Informo-o que o seu sócio Sicrano está preso e far-lhe a proposta que lhe fiz a si». O diretor da cadeia vai a seguir falar com o segundo prisioneiro, o Sicrano, e apresenta-lhe a mesma proposta. A teoria dos jogos explica que os dois prisioneiros, desde que mantidos incomunicáveis, denunciam-se um ao outro e colaboram com a autoridade – que assim consegue o seu objectivo: fazer prova em tribunal».

Há muitos anos fui a Paris, indicado pelo saudoso Bastonário Almeida Ribeiro participar num encontro em que se discutia o problema dos "arrependidos" no processo penal. Concordei que era o Estado rebaixar-se a negociar uma imoralidade com muitos que apenas queriam salvar a própria pele mas que a emergência do combate ao terrorismo - na altura flagelava a Europa, anos de chumbo com os Baader Meinhof e as Brigadas Vermelhas - justificariam a excepção.
Entretanto, a excepção deu em regra. O dilema do prisioneiro transformou-se no dilema do Estado, a delação um conforto.

TRACK/ONU: portal anti-corrupção

O Escritório para as Drogas e o Crime, das Nações Unidas colocou na internet o portal TRACK (Tools and Resources for Anti-Corruption Knowledge, ou Ferramentas e Recursos para o Conhecimento no Combate à Corrução) que inclui a biblioteca jurídica da Convenção contra a Corrupção, constituindo um via privilegiada para uma base de dados electrónica sobre a legislação e jurisprudência de mais de 175 países, sistematizada de acordo com o referido instrumento jurídico. Ver aqui.
Um futuro objectivo do TRACK é criar uma comunidade de práticos em que os utilizadores registados poderão comunicar entre si, trocar informação e dar a conhecer eventos nesta área. Este espaço de trabalho comum permitirá também que as instituições parceiras, os práticos anti-corrupção e os peritos nesta matéria comuniquem e colaborem directamente entre si.No presente, as instituições parceiras do TRACK incluem o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Asiático de Desenvolvimento, o GRECO, a Associação Internacional de Autoridades Anti-Corrupção, o Instituto de Governação de Basileia, a OCDE, o Centro de Pesquisas Anti-Corrupção U4, o PNUD, o UNICRI, o programa STAR – Stolen Assets Recovery Inititive e o UNGC.

SMS's criminais

No Acórdão de 22.06.11 [relatora Paula Guerreiro, proferido no processo n.º 765/08 e ainda inédito, mas divulgado pelo Jus Jornal] a Relação do Porto decidiu que «são susceptíveis de integrar a prática do crime de perturbação da vida privada, as mensagens escritas, denominadas SMS enviadas pelo agente para a caixa de correio da assistente que emitem sinal auditivo que compelem a pessoa a manusear o aparelho e a desligar ruído que emite, mesmo que decida não tomar conhecimento imediato do teor da comunicação, essa tarefa não deixa de interferir com a paz e o sossego do respectivo destinatário».
O problema jurídico radica no facto de o importunar através de mensagens ter estado previsto na Lei nº 3/73 de 5 de Abri e esta ter sido revogada pelo art. 6º do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro e poder criar-se a ideia segundo a qual teria ocorrido assim uma descriminalização da conduta.
Segundo a Base III da Lei revogada seria «punido com prisão até seis meses e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de importunar alguém, se lhe dirija pelo telefone, ou através de mensagens ou se apresente diante do seu domicílio ou de outro lugar privado».
Ora mau grado a revogação deste normativo, o aresto referido entendeu, em nome da paz e sossego, que a o envio reiterado de incontáveis sms's para um certo destinatário não perdeu punibilidade em face do artigo 190º, n.º 2 do Código Penal quando criminaliza o perturbar a paz e sossego através do acto de telefonar.

Coisas práticas e úteis, precisam-se

São instrumentos práticos, daqueles que facilitam a vida, sobretudo para quem tem o tempo contado. Vem publicado aqui, no site dos oficiais de Justiça. Bem hajam por isso.

Ofendidos pelo dano

A jurisprudência fixada pelo STJ no seu Acórdão n.º 7/2011 de 27.04.11 [relator Henriques Gaspar] vai neste sentido: «No crime de dano, p.p. no art. 212.º, n.º1 do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa nos termos do art. 113.º, n.º1 do mesmo diploma, o proprietário da coisa «destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada» e quem, estando por título legítimo, no gozo da coisa, foi afectado no seu direito de uso e fruição».
O texto integral pode ser encontrado aqui.
O decidido enfrenta duas questões: a primeira, decorrente da circunstância de o Direito português, com originalidade prever uma figura - a do assistente - que não se confunde com o lesado, mas com algo de evanescente, seja, na sua categoria maior e mais assídua nos tribunais, aquele para tutela de cujos interesses a norma penal foi erigida e não propriamente a parte civil; a segunda a circunstância, o facto desse interesse  - ou bem jurídico como é chamado - ser ou não estritamente aquele que o próprio Código Penal categoriza, no caso a propriedade, ou, afinal, os elementos convergentes com ele, como as fruições, a posse, a detenção e o mais que se possa configurar no campo dos direitos reais de gozo sobre um bem.
O STJ foi para uma concepção ampla, que tem vindo a ganhar caminho na doutrina, e teve a gentileza de citar um opúsculo meu como traduzindo a ideia contrária, a mais restrita. De facto não é só pela literalidade que me fere a sensibilidade jurídica admitir que crimes que estão previstos serem contra a propriedade possam dar tutela a quem nem proprietário é. 
Enfrentei já o considerar-se furto a retirada de bens por um dos ex-cônjuges em relação ao património indiviso resultante da comunhão conjugal quando pela ausência de partilha não se poderia dizer quem era de quem e foi aí que me surgiu racionalmente a relutância.
A jurisprudência - com este modo de sentir - entendeu no caso que o ataque não fora à propriedade mas àquilo que o cônjuge marido fruía o que também era tutelado por um crime - o furto - que o Código com todas as letras configurava ser um ilícito penal não contra o património, não contra os direitos patrimoniais, sim contra a propriedade.
Claro que pode haver aqui uma contradição: a extensão da tutela - que acaba por elevar o âmbito da criminalização para além de limites supostos pelo princípio da legalidade, o que a ser implica lesão constitucional - ser ditada por uma pragmática, a de dar benefício ao que não sendo o proprietário é aquele que da propriedade detém as convenientes utilidades. Ou seja, havendo na base uma diferença entre ofendidos e lesados, consideram-se serem ofendidos aqueles que só o serão porque afinal são meros lesados. Aporias ditadas por necessidade - será o caso - de fazer Justiça, dando estatuto a quem de outro modo seria um estranho.
Admito que o assunto é complexo e por isso voltarei a ele.

Um dia em juízo

Talvez a Arte, pela sublimação do real consiga, transportando-o para o território do deformado, do amplificado e do desvirtuado, fazer perceber pelos sentimentos humanizados aquilo que a razão prática se recusa a aceitar. Basta, para tanto, ter olhos abertos e coração disponível.
A autora é Sarah-Jane Szikora, e as suas galerias podem ser vistas aqui.

A lei celerada

Comentando o que chama a "celerada" Lei n.º 49/201, de 7 de Setembro, Menezes Leitão afirma, no seu blog resumindo-a e confrontando-a com a Constituição:

«A Constituição proíbe no seu art. 103º, nº3, os impostos que tenham natureza retroactiva? Não há qualquer problema. Pode lançar-se desde já um imposto retroactivo para aumentar a 7 de Setembro de forma brutal os impostos incidentes sobre os rendimentos gerados nos oito meses anteriores, com a agravante de ainda se antecipar parcialmente apenas para alguns contribuintes em cerca de seis meses o seu pagamento normal».

É como se vivesse, de facto, em estado de sítio, com a suspensão das garantias constitucionais.

A alquimia das custas

A ideia da justiça gratuita já teve dias. Podem os tribunais não funcionar para dar ao credor o que o devedor não solveu, mas, tal como no Casino, a casa ganha sempre. É esta, pelo menos, a leitura dos números. Como repartição fiscal não vai mal. Citando a notícia:

«Em 2010 os tribunais portugueses obtiveram mais de 194,3 milhões de euros em custas judiciais, um valor bastante superior aos anos anteriores, no entanto este valor não é real, dado que algum desse dinheiro é posteriormente devolvido aos cidadãos. Os mais rentáveis são os tribunais cíveis que angariaram quase 135 milhões de euros, 70 por cento do total de custas, em 2010. No entanto, segundo declarações do Sindicato dos Funcionários de Justiça e do Sindicato dos Juízes ao jornal i estes valores não são tão elevados como se poderia pensar, dado que este dinheiro é como denomina o juiz António Martins "virtual".
O problema é se o dinheiro é "virtual", como dizem os críticos, coisa que ainda gostaria de saber o que é. É que cada vez que pago uma taxa de justiça o que entra nos cofres do Estado é dinheiro real. Ó estranha alquimia que transforma ouro em chumbo...

Operação Eurocar: quem avisa teu amigo é...

A coordenação internacional no campo da criminalidade organizada quanto ao furto, tráfico e transformação de veículos automóveis vai dar um passo, se aprovada, sob a presidência polaca, uma operação policial conjunta a nível europeu, a efectivar durante dois dias de Setembro.

«The purpose of this operation is combating and suppressing cross-border vehicle-related criminal activities by performing intensified vehicle controls (for detecting legality of origin) on access roads to the borders of Member States, on maritime borders (especially in southern and eastern directions), controls of market trading in used vehicles and their parts. The operation could also serve the purpose of identifying vehicle drivers travelling outside the EU, and making use of this information in case of subsequent reporting of stolen cars by vehicle owners which may be related to possible car insurance fraud. Apart from law enforcement services of Member States, international organisations and EU agencies such as Interpol, Europol and FRONTEX are invited to participate in this operation».

O que surpreende é o anúncio da altura em que aquela vasta operação policial vai ter lugar. A criminalidade organizada agradece.Está tudo aqui.

A libação da ilibição

Adoptei neste blog uma regra de conduta a de não comentar os meus casos profissionais, nem os dos outros, nem aqueles que, nem sabendo quem neles intervém, sei pela comunicação social que existem. No primeiro caso é uma questão de deontologia, no segundo de ética e de prudência, no último de legítima defesa da minha credibilidade. É que sabendo [como sabemos] quantas vezes o fosso que existe entre aquilo que os media relatam e o que dos processos consta, manda o cuidado que haja parcimónia, para que se não tome a nuvem por Juno e não se fique roxo de cólera ao sábado e vermelho de vergonha à segunda-feira. 
Vem isto a propósito do caso do senhor DSK, como passou a ser conhecido o ex-líder do FMI. Mesmo que se trate de análises sociológicas sobre o modo como a comunidade instruída e a instrumentalizada reagiu ao caso. Prefiro não comentar.
Vejo, porém, aqui no blog Sine Die, Maia Costa constatar que, mau grado a "presunção de inocência" e a ilibação pela qual os procuradores americanos optaram quanto ao seu caso «foi destruído levianamente o seu bom nome, a sua carreira profissional, a sua vida de cidadão e político, à margem das regras do processo penal democrático».
Leio e penso duas coisas.
Primeira: pena que o mesmo pensamento, o mesmo espírito condoído não se tenha expressado em todos os casos daqueles que, portugueses, no nosso País, ante o nosso sistema de legalidade acusatória, foram arrastados ao pelourinho da infâmia, sob o batuque mediático concomitante, para depois saírem referidos numa mísera local que dá conta de que tudo deu em nada, quando têm a sorte de terem esse privilégio noticioso, tal qual os mortos o direito à necrologia das agências funerárias.
Segunda: falar de "presunção de inocência" e "ilibação" num sistema em que o capitalismo mental está presente no intra-muros da Justiça, com procuradores e advogados a negociarem o que se acusa e o que se esquece, a transaccionarem quem entrega quem à morte e quem beneficia do olho vesgo de uma justiça selectiva, que usa rufiões pseudo-arrependidos e se ufana de ter conseguido filar Al Capone nem que tenha sido à conta dos impostos...
Nesse admirável mundo novo, procuradores eleitos elegem quem são os culpados. 90% dos casos nem chegam aos tribunais. 
Ante isso de que valem lições de moral quanto ao senhor DSK? Sabe-se lá onde acabou a verdade dos factos e começou a mentira do processo!
Que me perdoe o Maia Costa por ter escrito isto.Serei mais anti-yankee que ele, ó paradoxo da vida, mas a dialéctica tem destas.