Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Só em caso de intempérie, e que assole...

Eu sei que não tem a ver com o Direito Criminal, matéria a que se dedica este blog, mas é só para que se perceba o andar sobre calhaus e em terreno pantanoso que significa advogar. Eis o que foi preciso ter sido decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 13 de Julho: «O prazo que termina quando o serviço de finanças competente se encontra encerrado, pela intempérie que assolou a Madeira, transfere-se para o primeiro dia útil em que reabriram os serviços».
Para o caso de a réplica do terramoto de 1775 arrasar todo o sistema judiciário, fiquem a saber quantos que o prazo se transfere para o dia que se seguir, nem que seja dia de defuntos!

Os insuportáveis recursos sem suporte

«Quando o recorrente pretende impugnar a prova, no âmbito do recurso que interpusera, finda a leitura do acórdão, requerendo, de imediato e com a devida diligência, cópia do respectivo registo fonográfico (conforme o artº 7º do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro), a contagem do prazo (30 dias) deve ser contado a partir da data da disponibilização das cópias da documentação do julgamento e não sobre o momento em que ocorreu o depósito da sentença» [Despacho de 09.09.11 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 21/10.5PEALM-B.L1 9ª Secção].
E o que foi preciso batalhar para que se esteja a impor uma regra que pareceria, afinal, o bom senso em acção! É que havia quem entendesse que os advogados podiam recorrer sem ter com quê!

Magistrados abreviados

Vi ontem aqui no Cum Grano Salis a notícia de que o Conselho de Ministros haveria aprovado um diploma a prever a redução do tempo de formação dos magistrados que se encontram actualmente no CEJ. Pensei durante a noite se deveria comentar a notícia. Porquê a dúvida?
. Porque tenho receio de me adiantar em comentários a notícias que chegam assim por comunicados à imprensa, ainda que sejam do Conselho de Ministros. Já assistimos todos a a "notícias" e "informações" que geraram ondas de paixão e tudo terminou em vagas de desalento, porque, afinal, como diria o Alexandre O'Neill as coisas não eram em forma de assim...
. Porque ainda estou à espera [se calhar sentado---] que a ministra da Justiça venha explicar com detalhe do que se trata e porquê nesta do encurtamento judiciário, pois eu não vi nada referido que me permita saber o como e o porquê e acreditem que procurei.
3º. Porque não se percebe de facto porquê estes contemplados com a rifa da "passagem administrativa", e porquê "excepcionalmente". E já agora se serão os do "copianço", que tão expeditos se mostraram.
4º. E porque, enfim, há muito que estamos à espera que o Ministério da Justiça anuncie grandes medidas para os grandes problemas e afinal a primeira que surge é esta a dos magistrados "abreviados". 
Vou esperar pelas cenas dos próximos capítulos, mudo e quedo.
Na terra onde nasci nos intervalos de haver juiz "encartado" o Meritíssimo era o Senhor Relvas. Comerciante homem bom. E porque não seguir o exemplo? O Terreiro do Paço vai ali à Rua do Coliseu, à Associação Comercial, e com os lojistas desocupados da falida Rua dos Fanqueiros resolve o problema...

Pelas terras da Lei do Lynch

Já aqui alguém referiu as cantatas de elogio dos seduzidos pelas supostas virtudes do sistema de justiça penal dos Estados Unidos. Acho que basta ser espectador de TV - e eu de há muito que sou um muito relapso telepasmado - para se ficar com dúvidas de moralidade e certezas de inteligência. Num outro blog [aqui], onde guardo leituras de viagens por outros mundos, arquivei a recensão a um livro que os seduzidos devem ler, antes que sejam mentalmente estuprados na sua convicção.

O dilema do prisioneiro

O blog é notável e trata de economia. O seu autor, licenciado em Direito, é de uma inteligência fora do comum e sabe do que diz.
Hoje publicou esta narrativa sobre o dilema do prisioneiro:

«O dilema do prisioneiro é um capítulo muito conhecido da teoria dos jogos. O diretor da cadeia dirige-se ao prisioneiro Beltrano e diz-lhe: «Sei de ciência certa que assaltou o banco X com o seu sócio Sicrano. Por enquanto não tenho provas do delito do Sr. Beltrano, pelo menos provas aceitáveis em tribunal. Se colaborar voluntariamente connosco, proporei ao tribunal que não lhe aplique mais de dois anos de pena de prisão. Se não colaborar connosco, pedirei a pena máxima: vinte anos. O meretíssimo juiz costuma atender esses meus pedidos. Informo-o que o seu sócio Sicrano está preso e far-lhe a proposta que lhe fiz a si». O diretor da cadeia vai a seguir falar com o segundo prisioneiro, o Sicrano, e apresenta-lhe a mesma proposta. A teoria dos jogos explica que os dois prisioneiros, desde que mantidos incomunicáveis, denunciam-se um ao outro e colaboram com a autoridade – que assim consegue o seu objectivo: fazer prova em tribunal».

Há muitos anos fui a Paris, indicado pelo saudoso Bastonário Almeida Ribeiro participar num encontro em que se discutia o problema dos "arrependidos" no processo penal. Concordei que era o Estado rebaixar-se a negociar uma imoralidade com muitos que apenas queriam salvar a própria pele mas que a emergência do combate ao terrorismo - na altura flagelava a Europa, anos de chumbo com os Baader Meinhof e as Brigadas Vermelhas - justificariam a excepção.
Entretanto, a excepção deu em regra. O dilema do prisioneiro transformou-se no dilema do Estado, a delação um conforto.

TRACK/ONU: portal anti-corrupção

O Escritório para as Drogas e o Crime, das Nações Unidas colocou na internet o portal TRACK (Tools and Resources for Anti-Corruption Knowledge, ou Ferramentas e Recursos para o Conhecimento no Combate à Corrução) que inclui a biblioteca jurídica da Convenção contra a Corrupção, constituindo um via privilegiada para uma base de dados electrónica sobre a legislação e jurisprudência de mais de 175 países, sistematizada de acordo com o referido instrumento jurídico. Ver aqui.
Um futuro objectivo do TRACK é criar uma comunidade de práticos em que os utilizadores registados poderão comunicar entre si, trocar informação e dar a conhecer eventos nesta área. Este espaço de trabalho comum permitirá também que as instituições parceiras, os práticos anti-corrupção e os peritos nesta matéria comuniquem e colaborem directamente entre si.No presente, as instituições parceiras do TRACK incluem o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Asiático de Desenvolvimento, o GRECO, a Associação Internacional de Autoridades Anti-Corrupção, o Instituto de Governação de Basileia, a OCDE, o Centro de Pesquisas Anti-Corrupção U4, o PNUD, o UNICRI, o programa STAR – Stolen Assets Recovery Inititive e o UNGC.

SMS's criminais

No Acórdão de 22.06.11 [relatora Paula Guerreiro, proferido no processo n.º 765/08 e ainda inédito, mas divulgado pelo Jus Jornal] a Relação do Porto decidiu que «são susceptíveis de integrar a prática do crime de perturbação da vida privada, as mensagens escritas, denominadas SMS enviadas pelo agente para a caixa de correio da assistente que emitem sinal auditivo que compelem a pessoa a manusear o aparelho e a desligar ruído que emite, mesmo que decida não tomar conhecimento imediato do teor da comunicação, essa tarefa não deixa de interferir com a paz e o sossego do respectivo destinatário».
O problema jurídico radica no facto de o importunar através de mensagens ter estado previsto na Lei nº 3/73 de 5 de Abri e esta ter sido revogada pelo art. 6º do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro e poder criar-se a ideia segundo a qual teria ocorrido assim uma descriminalização da conduta.
Segundo a Base III da Lei revogada seria «punido com prisão até seis meses e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de importunar alguém, se lhe dirija pelo telefone, ou através de mensagens ou se apresente diante do seu domicílio ou de outro lugar privado».
Ora mau grado a revogação deste normativo, o aresto referido entendeu, em nome da paz e sossego, que a o envio reiterado de incontáveis sms's para um certo destinatário não perdeu punibilidade em face do artigo 190º, n.º 2 do Código Penal quando criminaliza o perturbar a paz e sossego através do acto de telefonar.

Coisas práticas e úteis, precisam-se

São instrumentos práticos, daqueles que facilitam a vida, sobretudo para quem tem o tempo contado. Vem publicado aqui, no site dos oficiais de Justiça. Bem hajam por isso.

Ofendidos pelo dano

A jurisprudência fixada pelo STJ no seu Acórdão n.º 7/2011 de 27.04.11 [relator Henriques Gaspar] vai neste sentido: «No crime de dano, p.p. no art. 212.º, n.º1 do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa nos termos do art. 113.º, n.º1 do mesmo diploma, o proprietário da coisa «destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada» e quem, estando por título legítimo, no gozo da coisa, foi afectado no seu direito de uso e fruição».
O texto integral pode ser encontrado aqui.
O decidido enfrenta duas questões: a primeira, decorrente da circunstância de o Direito português, com originalidade prever uma figura - a do assistente - que não se confunde com o lesado, mas com algo de evanescente, seja, na sua categoria maior e mais assídua nos tribunais, aquele para tutela de cujos interesses a norma penal foi erigida e não propriamente a parte civil; a segunda a circunstância, o facto desse interesse  - ou bem jurídico como é chamado - ser ou não estritamente aquele que o próprio Código Penal categoriza, no caso a propriedade, ou, afinal, os elementos convergentes com ele, como as fruições, a posse, a detenção e o mais que se possa configurar no campo dos direitos reais de gozo sobre um bem.
O STJ foi para uma concepção ampla, que tem vindo a ganhar caminho na doutrina, e teve a gentileza de citar um opúsculo meu como traduzindo a ideia contrária, a mais restrita. De facto não é só pela literalidade que me fere a sensibilidade jurídica admitir que crimes que estão previstos serem contra a propriedade possam dar tutela a quem nem proprietário é. 
Enfrentei já o considerar-se furto a retirada de bens por um dos ex-cônjuges em relação ao património indiviso resultante da comunhão conjugal quando pela ausência de partilha não se poderia dizer quem era de quem e foi aí que me surgiu racionalmente a relutância.
A jurisprudência - com este modo de sentir - entendeu no caso que o ataque não fora à propriedade mas àquilo que o cônjuge marido fruía o que também era tutelado por um crime - o furto - que o Código com todas as letras configurava ser um ilícito penal não contra o património, não contra os direitos patrimoniais, sim contra a propriedade.
Claro que pode haver aqui uma contradição: a extensão da tutela - que acaba por elevar o âmbito da criminalização para além de limites supostos pelo princípio da legalidade, o que a ser implica lesão constitucional - ser ditada por uma pragmática, a de dar benefício ao que não sendo o proprietário é aquele que da propriedade detém as convenientes utilidades. Ou seja, havendo na base uma diferença entre ofendidos e lesados, consideram-se serem ofendidos aqueles que só o serão porque afinal são meros lesados. Aporias ditadas por necessidade - será o caso - de fazer Justiça, dando estatuto a quem de outro modo seria um estranho.
Admito que o assunto é complexo e por isso voltarei a ele.

Um dia em juízo

Talvez a Arte, pela sublimação do real consiga, transportando-o para o território do deformado, do amplificado e do desvirtuado, fazer perceber pelos sentimentos humanizados aquilo que a razão prática se recusa a aceitar. Basta, para tanto, ter olhos abertos e coração disponível.
A autora é Sarah-Jane Szikora, e as suas galerias podem ser vistas aqui.